quinta-feira, fevereiro 19, 2009

O DUELO DE INTERESSES DIVERGENTES

Por Enéas de Souza


Algo picante está acontecendo com o pacote americano. Um dos banqueiros disse que os limites impostos pelo plano aos ganhos dos executivos poderiam levar a uma evasão de cérebros do sistema bancário. Eu não acredito! Imagina a sorte da sociedade, dos acionistas, dos próprios bancos se estas pessoas não quiserem mais continuar nos postos tops das entidades financeiras. Vai ser uma sorte imensa, pois foram esses cérebros que estabeleceram uma engenharia que destruiu o sistema. Aliás, o UBS, se não me engano, levou um destes executivos para a Suíça. Coitado do UBS. Pois, além deste banco ter sofrido perdas muito grandes, ainda vai pagar caro um tipo que custa um excesso e provavelmente vai tentar, vai articular esquemas complexos e desgastantes. O que fica claro é o seguinte: esta fração de classe, os executivos financeiros, que ganharam muito dinheiro, que ludibriaram muita gente ainda continuam querendo participar da transferência de renda da sociedade para os seus bolsos. Alguns são semelhantes a esta jóia das finanças americanas, o popular Madoff. Ou este Stanford. O gesto de Obama em buscar de limitar os ganhos dos executivos, está sendo visto como um abuso contra a liberdade de negociação pelos executivos, mas está sendo visto como algo extremamente correto pela sociedade, resultado de uma revolta moral e política. Todavia o que está acontecendo é a poda da aristocracia financeira. Por isso estavam todos sérios, na semana passada, nos depoimentos no Congresso. E detalhe comovente e hipócrita: todos viajaram de avião comercial.
O problema econômico propriamente dito é um pouco mais complexo. Trata-se de uma questão da governança corporativa, que afeta bancos e empresas produtivas. E trata-se de algo até agora insuperável, o capitalismo não conseguiu inventar uma boa saída. A governança corporativa foi a introdução da financeirização no dorso da corporação. Pois, no atual momento empresarial, o proprietário do capital, o dono das ações, exige que se cumpra o princípio do acionista, a exigência do maior rendimento possível das ações. Mas, o dono das ações não tem nenhuma preocupação com o processo empresarial, sua cabeça está voltada para o jogo dos ativos financeiros. Já o dirigente, o que um economista do século XIX chamou de capitalista em funções, na verdade não passa de um empregado de porte, de um funcionário de alto escalão, de um aristocrata da burocracia capitalista, que se jacta e tem um currículo que afirma uma determinada expertise. Embora receba como parte dos seus salários ações, a sua identificação maior com a empresa não é a de proprietário, portanto a sua solidariedade com ela é de ocasião, se ampara nos chamados bônus. Este conflito entre o proprietário das ações e o dirigente é a cisão que ocorreu na figura do antigo capitalista, que era proprietário e dirigente ao mesmo tempo. Bem, essa figura, no capitalismo atual, esta cindida, está dividida, ela deixou de existir. E, esta dissociação e esta disjuntiva vieram para ficar. E ela é absolutamente terrível, sobretudo, nos momentos de crise, porque o dirigente joga mais o seu jogo que o da corporação. Acaba tratando somente do seu lance. Lembre o leitor daquele presidente, daquele CEO como dizem os americanos, que quebrou a sua instituição, mas levou 140 milhões de dólares para casa. Pôde-se ver em 2001/2002, repetiu-se agora. Este conflito continua insuperável.

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