sexta-feira, julho 30, 2010

Painel na FEE - 04/07/2010 - Convite aos leitores

Painel

A nova etapa da crise mundial

Data: Dia 04 de agosto de 2010 (quarta-feira)

Horário: 14h30min

Local: Auditório da FEE (Rua Duque de Caxias, 1691)

Promoção: Núcleo de Estudos de Política Econômica /Centro de Estudos Econômicos e Sociais (NEPE/CEES/FEE)


Entrada Gratuita

Painelistas

Perspectivas da conjuntura econômica mundial

Econ. André Scherer (FEE e PUCRS)

A nova dinâmica do capitalismo financeiro

Econ. Enéas de Souza (FEE)

A economia brasileira e sua inserção na economia mundial

Econ. Pedro Almeida (FEE e Unisinos)

Informações

Assessoria de Comunicação Social (Ascom): 3216-9013

quinta-feira, julho 29, 2010

CRISE MUNDIAL FINANCEIRA
29 de julho de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

O QUE IMPORTA
É
A LÓGICA ECONÔMICA
Por Enéas de Souza
1) O nome decisivo em economia é lógica – lógica do capital. E no caso presente, lógica do capital financeiro. Portanto, ao contrário do que pensam certos economistas, a matemática não é uma lógica econômica, e só pode funcionar subordinada a esta. Fazer equações e modelagens só tem sentido se forem construídas em torno de proposições oriundas da economia. Ao mesmo tempo que não se pode aplicar uma teoria já preparada para a compreensão da realidade, um modelo ou uma visão a priori. O meu ex-professor de filosofia, católico, apostólico, romano, Armando Câmara, sempre dizia como Lênin – e eu sempre me lembro desta frase quando falo sobre o assunto – “nada tão prático como uma boa teoria”. Só que a boa teoria é o resultado apurado de idéias que se envolvem com a práxis. E que neste face a face com a realidade confirma aspectos verdadeiros, mas permite a correção de outros. E arma, por aprendizado, novas figuras intelectuais que o real vai exaltando e desenvolvendo. Portanto, o decisivo numa situação econômica é sempre saber por que a dinâmica da conjuntura é essa; que estrutura está presidindo essa correnteza histórica.

2) E porque razão? Já que esta razão não nos é dada antes dos acontecimentos, de modo a priori. Sabe-se igualmente que uma concepção também não é um apanhado e uma amálgama de variáveis que se pegou para descrever uma presente situação analítica. O que parece decisivo é saber por que se está numa situação como se está. E construir com a interação da teoria e da realidade uma teoria sempre em ato, uma concepção que está sempre aberta à elaboração de novas proposições que nos dêem a inteligibilidade do desenvolvimento econômico. E essa abordagem só existe se, por trás dessa presença de conhecimento, aparecem forças sociais suficientes para sustentar determinadas posições. Então, tomamos três pontos – um: uma teoria é o que permite compreender uma determinada realidade em movimento, o que significa entender a dupla história, da teoria e da realidade; dois: a teoria precisa ser sempre apreciada pela capacidade de incorporar novidades da realidade que ela mesma é incapaz de antecipar; e, por último, três: uma teoria só pode avançar para a transformação da prática se tiver grupos sociais que estejam apoiando tal direção da teoria sob formas de ações políticas. Uma política econômica tem a sua gênese da economia política.

3) Esses pontos estão envolvidos na lógica que vai compondo a compreensão da dinâmica capitalista numa certa direção. Sem esta lógica, o que temos é a vacuidade insignificante dos números usados a bel prazer por qualquer um. No fundo, hoje, existe um bom número de economistas e de gente que se autodenominam de gestores, cuja vocação é furtar a interpretação, já tendo eles próprios uma interpretação confusa, para que possam servir ao conservadorismo como se estivessem servindo ao bem público. Esta é mais uma das banalidades da contemporaneidade, a adoração dos números. O que significa que não sabem o que está acontecendo. Não pensam, passam a vida a calcular. A grande nudez destas posições apareceu nitidamente na incapacidade que tiveram de entender a crise quando ela estava estourando no mundo, quando não havia sinais de fogo, mas quando, em verdade, o fogo já estava grassando a olho nu. O número é cego, só a teoria proporciona a fala deste número. Na ocasião, estes analistas, continuavam seu triste destino ideológico e a dizer: tudo vai bem. E tudo vai bem por quê? Simplesmente porque um número, uma equação, uma modelagem não tem uma lógica que perceba a dinâmica de uma lógica econômica instalada. Uma variável tem que ter sociedade, classe social, teoria para sustentá-la. Sem essa condição, nenhum analista é capaz de entender minimamente o que está acontecendo.

4) O capitalismo vai se reerguer, mas não teremos de volta este capitalismo indecente que já passou. Que ele deu? Como disse na sua palavra simples, um chofer de táxi de Buenos Aires: “Los ricos continuán a ganar más plata, y los pobres siguén más pobres que antes”. Tradução: o neoliberalismo piorou em toda a parte a distribuição de renda. Tudo por uma única razão. Conseguiram passar para a sociedade que retirar o Estado da economia iria permitir o desenvolvimento social de todos. Como isso se mostrou uma balela, inventaram a idéia de que o sistema promove vencedores. E que para orgulhar um cara ante todos, existe, entre milhões de pessoas, alguém que é sempre um vencedor: você. Mas, se você não é um vencedor, o problema é seu e não do sistema Que pobreza de espírito, que maluquice mais estúpida! No entanto, o inusitado e o chocante é que esse besteirol colou. Agora que as derrotas das forças populares nos anos 90 foram assimiladas, partes equivocadas das teorias políticas e econômicas foram descortinadas, novas apostas podem ser feitas, principalmente, porque o neoliberalismo mostrou todo o fracasso de sua proposta, como nos disse o motorista de táxi de Buenos Aires. Pois o que se viu foi uma distribuição de renda mais desgastante e um Estado que agiu a serviço dos bancos – sobretudo dos bancos. E veja o milagre da repartição dos pães. Quem os salvou da bancarrota? O Estado. E mais: com o dinheiro da população, com “o nosso dinheiro” como gostam de dizer os donos do mundo, quando é para pagar algo que vai para os pobres, como a Bolsa Família, por exemplo.

5) 2007 destapou o subterrâneo da economia: aquela volúpia financeira através do abuso vigoroso e quase virtuoso da securitização. Claro que se esta só tivesse títulos financeiros de base, a crise teria ficado no reino das finanças. Mas, as hipotecas imobiliárias vinculavam o setor financeiro e o setor produtivo. Então, aconteceu o irreversível, não apenas a superacumulação de direitos financeiros, mas a superacumulação de bens e produtos. Resultado: hecatombe – que poderia ser um nome de fantasia para a crise econômica. E, claro, seguindo o baile, a pergunta se faz: onde é que a crise mundial se resolveu razoavelmente? Resposta: nos lugares onde o Estado estava menos endividado como no Brasil, onde o Estado estava no comando da economia, como na China. E começou-se, então, a sentir que, primeiro, para salvar os bancos e as instituições não-bancárias e as entidades não-financeiras, o que se precisava era de dinheiro público, o tal do “nosso dinheiro”. E, de repente, como um deslizamento mágico, o “nosso” virou dinheiro “deles”. E pior, riram da nossa cara, nos Estados Unidos, os recursos do Estado serviram inclusive para pagar o bônus de alguns dirigentes financeiros. Deboche absoluto. E mais, o Estado, o americano para termos uma idéia, foi longe, foi bastante longe, gastou e se endividou mais ainda, contudo somente para “la pátria financiera”, como dizem os argentinos. Porque, como migalha, só houve uma beirada miúda, quase desprestigiada, para o setor produtivo, automobilístico em especial. E um troquinho, muito mixa, para os trabalhadores, os part times e os desempregados.

6) Já faz no mínimo dois anos que os cantores do sistema dizem que agora sim, a coisa vai virar. E lá vêem eles com atléticos números estatísticos, que são plasmados para dizer o que as finanças querem. E aí está o nosso ponto: mesmo que a aparência mostre que a economia está se recuperando, o inverso é que é verdadeiro. Por quê? Isto está parecendo aquela história do Nelson Rodrigues, que ao ser alertado que tal partida de futebol não tinha sido como ele analisara, respondeu, altivo e triunfante: pior para os fatos. Pois é quase: o setor X cresceu, o banco Y recuperou a lucratividade, a empresa Z bateu o último semestre do ano anterior, etc., etc. Isto tudo são números vazios. O que temos que fazer é botar os números no interior da lógica econômica. Sim, porque a lógica econômica que presidiu o mundo anterior (a dinâmica aplicações financeiras-rendas financeiras-consumo-investimento) levou um tombo, caiu e não se levanta mais. Por quê? Porque não se fazem mais alavancagens como antigamente; os bancos não se emprestam como se emprestavam em outros tempos; as ações não estão rendendo para os investidores como rendiam nos anos 90; a securitização não tem espaço para crescer, nem para retornar ao mesmo nível anterior. A lógica econômica é submetida ao tempo. E o tempo é irreversível. Os ativos financeiros de ontem não são mais negociados como antes e a produção empaca na sua expansão: houve uma superacumulação de capital. O que está havendo é queima de capital. Não adianta dizer que em um mês cresceu um pouco mais aqui, um pouco mais ali. A economia como um todo não está crescendo. O investimento não aumentou, o emprego desabou – e, obviamente, não há horizontes para recuperação. Logo, a economia não é mais a mesma, perdeu a cabeça, perdeu o braço, perdeu o pé. Tem que nascer outra economia. Não adiantam números, não adiantam equações, não adiantam previsões numéricas. Há que mudar a lógica da razão econômica, o que significa dizer: estrutura, funções, dinâmica. E esta transformação não se dá porque um mercado cresceu bem hoje. Este crescimento só é representativo se e somente se ele está integrado numa nova lógica, porque cada período histórico é organizado por uma lógica distinta que se altera conforme a época e a etapa da sociedade. Esta é a plasticidade da lógica do capital e do capitalismo.

7) Então, quando é que os números vão se apresentar significativamente? Quando a economia se transformar; quando dinamicamente, ou seja, quando a finance led growth deixar de ser o movimento fundamental; quando o Estado tiver poder de decisão, como na China, por exemplo, e voltar a realizar uma política econômica não-liberal. Para isso, o Estado tem que ter planejamento, planejamento macro-econômico. Minimamente. Nos Estados Unidos, seja colocado em pauta, a Finantial Regulatory Reform possibilitou, via o Conselho de reguladores, um caminho irregular, mas caminho de controle da descabelada finanças. Ou seja, Obama pode tentar formatar uma direção financeira e começar a cuidar da economia produtiva. Uma vez que é preciso reposicionar a indústria automobilística, o que já começou a fazer desde o início do seu governo, substituindo diretores, impondo determinados tipos de linhas e carros a serem produzidas, etc. Ou seja, há que botar a referida indústria no seu lugar. Por quê? Por causa das necessidades de transformações do setor de energia, principalmente o petróleo. Estamos numa esfera decisiva, a mudança no setor energético: novas fontes de petróleo, o desenvolvimento do pré-sal e dos biocombustíveis, bem como a preparação de novas indústrias energéticas como a eólica, a solar e a do hidrogênio. Tudo isso vai ter que provocar novas relações, não só entre elas, mas com todo o conjunto de indústrias novas e velhas se misturando numa reformulação profunda de posições. Portanto, não adianta só falar em números, tem que mudar o Estado, tem que mudar as políticas econômicas; tem que mudar os setores produtivos; tem que mudar a liderança do setor industrial e tem que construir e conectar as cadeias produtivas que expressam esta nova realidade.

8) E, para isso, há que alterar o básico, há que alterar o financiamento. Ou seja, o sistema financeiro tem que se organizar em função dos setores produtivos, tem que haver crédito público e privado para as novas indústrias, principalmente às indústrias que vão entrar na maturidade, como as novas tecnologias de comunicação e informação, como às indústrias novas que entrarão em processo incremental de instalação, como os produtos das ciências médicas, etc. Portanto, a tal de finance led growth, vai ter que se inverter: o crédito para a especulação teve os seus anos dourados nos anos 2000. Agora não adianta dizer que os grandes bancos tiveram um semestre bom ou ruim. Não, não adianta dizer, eles vão ter que se transformar, vão ter que passar do financiamento para a especulação ao financiamento da produção. Isso não quer dizer que a especulação vai desaparecer. O que vai acontecer na nova lógica econômica é, possivelmente, uma cisão nas finanças: uma parte se dedicará ao desenvolvimento industrial, comercial e de serviços e a outra parte dará cobertura aos delírios especulativos. E cabe aos governos, através de políticas monetárias financeiras e fiscais, impedir a fusão desses dois mercados. Será a forma de desdobrar o perigo destes bancos “to big do fail” e deixarem, portanto, de serem prisioneiros desses gigantes da era neoliberal.

9) Finalmente, o Estado vai ter que planejar o desenvolvimento associado do setor público com o setor privado, com a finalidade não só de fazer a metamorfose da estrutura econômica, mas com a finalidade de destinar novas funções para o setor financeiro. Na viagem dessa aventura, corre uma remodelação do setor produtivo de tal modo que se possa substituir um processo de acumulação das finanças por um processo de acumulação produtiva que comande a expansão financeira. Se isso ocorrer, poderá haver uma forte criação do emprego e a economia pode retornar ao comando do investimento, com efeitos evidentes no consumo. Por outro lado, o que for excessivo para o financiamento do setor produtivo pode ser aproveitado pelo setor financeiro numa outra dimensão do que a atual. Esta nova economia exigirá, inclusive, o aumento de emprego no Estado, já que com características totalmente diferentes da economia de hegemonia financeira, não pode funcionar com a burocracia de hoje, estrutural e funcionalmente. O leitor sabe que o que é decisivo a partir da crise recente é a emergência de uma nova lógica econômica.

10) Desta forma a economia mundial terá que recomeçar, na verdade já está começando, pela expansão chinesa, organizando a Ásia e a recolocando a América Latina e a África no campo da recuperação. Mas, a economia chinesa não tem cimento para construir toda a economia planetária. A renovação americana será importante, porque não só os Estados Unidos continuarão dominantes, mas reorganizarão a Europa e a Inglaterra, consolidando igualmente, as economias latino-americanas e africanas. Mas essa recomposição, para países como o nosso, só acontecerá no momento em que as dinâmicas das corporações e das nações unirem novamente os Estados Unidos e a China, constituindo, então, uma outra economia mundial. Só ai é que esta voltará a empurrar e a construir o novo círculo virtuoso do conjunto das economias. E isso não será feito como a construção do mundo pelo Senhor, ou seja, em sete dias. Os homens, coitados, são mais demorados. Tem que organizar as forças sociais capitalistas e forças sociais dos trabalhadores, bem como frações de classes apêndices em torno de um novo projeto da economia mundial. E isso não se faz sem fortes e profundas lutas, nem sem poderosos acordos. Enquanto a nova lógica se constrói, a velha desaba. Esta é a versão econômica daquela antiga sabedoria de botequim de Ibrahim Sued: “enquanto a caravana passa, os cães ladram”.

quarta-feira, julho 21, 2010


CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
22 de julho de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

A NOVA
REGULAÇÃO
FINANCEIRA
AMERICANA

(Será que não tem muita abóbora nesta goiabada?)
Por Enéas de Souza


1) Quando se fala sobre a constituição de um país, aqui no Brasil, sempre se compara com a americana. São doze pontos. E o resto é interpretação do judiciário. E todo mundo diz: olhem para a Americana e não façam como aquela que é uma “colcha de retalhos”, que tem uma “multidão de artigos”, como a nossa. Não sei se expresso bem o que quero dizer, mas isso me veio a cabeça quando soube que a nova regulação financeira dos Estados Unidos tinha 2.300 páginas (!). É patente que me surgiu o seguinte comentário: não pode dar certo. Só para regulamentarem a lei, só para começar a pôr em prática, vai levar um tempo fantástico. Os pessimistas falam até em anos. Será?

2) Veio-me, como sempre, a idéia de que a economia está sempre direta ou indiretamente enrolada na política. Esta foi a reforma política que Obama conseguiu. Em que sentido? No sentido, de que tudo é muito complicado nos domínios de Tio Sam. Primeiro, porque o Estado americano, ele sim, é uma colcha de retalhos, a regulação passa por níveis de superposição federal, estadual, municipal, passa por multiplicidades de agências reguladoras, por uma estrutura financeira onde não existe um princípio de unidade. Uma flora e fauna, uma selva selvagem - diria nosso comentarista italiano Dante – de tal ordem que James Friedman (o filho do sempre inolvidável Milton Friedman) disse com propriedade: vivemos nós, e queremos para os outros países alcancem o que temos, uma “anarquia liberal”. (Tira as crianças da sala, que tem palavrão no pedaço!). E como a dúvida é saudável, duvidem; mas duvidem e leiam e confiram o que estou dizendo no livro de Roubini, “A economia das crises”, sobretudo os capítulos 8 e 9.

3) O segundo ponto da complicação da reforma é que o Congresso é uma arena de gatos escaldantes de tal ordem que a negociação da lei passa por um conflito inigualável e inexorável nas duas casas do legislativo. E nelas, habitam no lugar, uma forte e intensa energia contraditória. Há pressão de vários grupos da população; há a disputa e a negociação dos partidos com o Executivo; há múltiplos interesses entre os representantes políticos, seja nos democratas, seja nos republicanos, seja numa casa do Congresso, seja noutra; há uma presença colossal dos lobbies, onde a deusa Grana faz as suas epifanias; há negociações de todos os tipos, chantagens de todas as figuras; há uma arena, um circo e uma praça de negócios atrás e na frente de todos os interesses. Preminger fez um filme, admirável sobre o combate e os conflitos no Congresso americano, que se chamava - olha só o título! – “Tempestade sobre o Washington”. Dentro desse redemoinho, dentro dessa volúpia, e medindo o grau das forças, sobretudo dos lobbies, o Executivo, via Christoffe Dodd, agora em 2010, fechou uma reforma, onde a meu ver a solução não é técnica, mas eminentemente política. De um lado é institucional, com um novo Conselho, um Conselho de Reguladores, que fará, de outro lado, propostas técnicas, como expressões de decisões de política financeira e monetária, que é a política no terreno das finanças.

O BATUQUE DA IMPRENSA E O CENTRO POLÍTICO

1) A imprensa convencional e personalidades que saem nela estão afirmando que é a maior reforma desde a 2ª guerra mundial e que aumentou fortemente a regulação, etc. etc. Penso - ainda sob a primeira impressão - que tem aí uma coisa ridícula, sobretudo nas declarações por parte dos políticos. “Nós queremos que este desastre não aconteça de novo, que quando a catástrofe se aproxime não tenhamos os instrumentos para impedi-la”. Ah! vã pretensão de políticos e de economistas e de propagandistas do sistema. Olha gente: capital é crise - dizia meu amigo Isaac Joshua. É crise, não se olvidem. Não há possibilidade do capitalismo não ter crises. Desde 1750 isto vem acontecendo periodicamente. A economia é cíclica, e o cíclico supõe os pontos das inversões das tendências ascendentes e descendentes, que são a crise e a retomada. Configura-se a velha pretensão hegemônica americana e do capital financeiro de dominar o ciclo. A cada retomada, passado um tempo, eles dizem: acabou o ciclo. Ora, estamos a ouvir a velha e enfadonha música, desconjuntada e triste, de que, agora sim, o tempo parou, de que a história acabou e que vamos ter fatalmente de encontrar o “happy end” dos filmes dos anos 50 do século passado. Como se desde lá o império tivesse triunfado para a eternidade.

2) A segunda coisa que emerge rápido é esta idéia do Conselho de Reguladores, sob o comando do Secretário do Tesouro. Bem, esta proposta é ambígua. Não dá nenhuma certeza de possíveis mudanças. Por quê? Por causa, de que na arquitetura do sistema financeiro e nas suas funções, a coisa mudou pouco. E o que entra de novo é que a direção da política financeira será vigiada por este Conselho, Seu objetivo: evitar o risco sistêmico, tendo como seu agente 007 o FED, com licença não para matar, mas para liquidar, se for o caso, as instituições financeiras que estão causando tal problema.

Antes de tudo, a pergunta rigorosa e fatal sobre a reforma: qual é a vantagem?

3) A vantagem principal é que pelo menos haverá a busca de uma visão unitária (aleluia!) e, em caso de crise e de consenso no Conselho, surgirá uma ação bloqueadora, quem sabe rápida, face aos danos de uma eclosão perigosa e demolidora da crise. Ora, para que isso aconteça é preciso ter informações corretas, sabendo-se que vai haver até o registro daqueles derivativos potencialmente explosivos, mas supõe que o sistema de informações funcione – o que não aconteceu na crise de 2007.

4) Todavia, a ação contra os grandes bancos (to big to fail) é que vai definir o possível caráter transformador da reforma ou não. Lembremos que na crise de 30, a famosa lei Glass-Steagall foi o que permitiu a separação entre bancos comerciais e os bancos de investimento, o que impediu a conexão entre as áreas de crédito à produção com o crédito para as áreas especulativas. Aqui é arena onde tudo vai se definir. Como interromper a conexão das instituições financeiras para impedir o incêndio, o contágio, a contaminação dos ativos tóxicos? Como introduzir as portas corta-fogo que nesta reforma – infelizmente – não foram designadas e apontadas preventivamente? Tudo é nada mais que evidente; a fúria e o furor dos bancos, com seus esquemas de lobbies e com a privatização do Estado americano, tentarão sempre impedir o sucesso efetivo. E então, por ausência de mecanismos institucionais a serem implantados, o fogo das finanças terá que ser interditado pela ação clarividente deste Conselho aprovado.

5) O grande temor: a arena da compra e venda, se é que ela é possível. Ela vai se transferir do Congresso para as Agências Reguladoras, e destas, para o domínio do referido Conselho. Obama, com o seu ardil incrementado, deve ter pensado que no Conselho ele poderia ter uma capacidade de pressão mais alta, mais volumosa.. Por sua vez, as instituições financeiras cogitaram que também ali elas poderiam atenuar os efeitos de medidas dos reguladores. E a razão é só uma: se sabe que as Agências Reguladoras, em toda parte, são o capital regulando o capital. Só que nos últimos tempos o acontecimento teve uma figuração distinta: foi sempre o capital desregulando o capital. Na crise de 2000/2001, as ações da Enron, uma semana antes desta quebrar, eram consideradas pela SEC (Security Exchange Council) como exemplo de uma ação em estado de graça. Pois acredite, ela morreu de bronquite: despencou de mais de 80 dólares por unidade para 9 cents. Êta agencinha que cuidava bem dos interesses dos aplicadores!

6) No caso do Conselho, é claro, estas agências também dependem dos nomeados. E Obama, não sei se mudou a direção de todas, mas certamente de algumas ele fez as alterações devidas. O presidente americano, é óbvio, aguarda e espera fidelidade dos que emplacaram a sua política mais geral, a proposta de reforma dos Estados Unidos e do capitalismo. E isto, não há nenhuma dúvida, começa, mesmo que seja progressivamente, por um controle das finanças e de todo o sistema financeiro.

7) Acho que foi dentro dessa perspectiva como da capacidade de assimilação do Conselho de sua estratégia, que Obama optou por fazer a Reforma desse jeito. Um país individualista, um país avesso à regulações estatais, um país dominado pela cultura da hegemonia absoluta do capital, um país centro da dominância do capitalismo financeiro não poderia fazer uma reforma definindo uma unidade reguladora principal, uma arquitetura financeira bem armada e funções de crédito muito estabelecidas. Não há no momento possibilidades de discriminar claramente as duas esferas das finanças. Uma – fundamental – de financiamento da produção e outra – secundária e complementar – de financiamento da especulação. Porque não há como ter dúvidas, as finanças têm a vocação especulativa.

8) Logo, a separação destas áreas vai levar tempo. Os financiamentos e as aplicações que não estão ligadas à indústria, à agricultura, ao funcionamento dos serviços e do comércio, condizem com o seu caráter contundente: são pura especulação. São movimentos que se sustentam no capital fictício, de natureza potencialmente delirante e enganosa. Na verdade, uma bomba de sucção da renda da sociedade para o engordamento das instituições financeiras. Nunca é tarde demais para não esquecer que quem aplica em títulos, não tem, no limite do seu jogo um capital como garantia. Tem sim, um mero papel, uma promessa de valorização que pode não ser honrada, mesmo com a certificação de um agência de ratings. Felizmente, Obama conseguiu, num gesto político cauteloso, colocar na lei uma agência de proteção ao consumidor, uma vez que nos títulos é o velho jogo do cara e coroa financeiro: “cara, eu ganho; coroa, tu perdes”. Olhando e pensando bem esta reforma, a gente deseja, com fervor e esperança: GOD BLESS AMERICA!






quinta-feira, julho 15, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
15 de julho de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

FORA ESTADO!
Por Enéas de Souza


O mundo parece parado. Sensação de que tudo já passou, embora não se saiba qual é o barco que vai conduzir a economia capitalista. E há no pedaço uma presença forte, até certo ponto silenciosa, quase um sussurro, dos chineses. O fato do Estado ali fazer a diferença, impede que a imprensa ocidental neoliberal venha e faça o seu berreiro de sempre. O capital depende do Estado, mas não é bom proclamar com tuba sonora. Fala baixo, porque senão os outros países se lançam nesta empreitada e nós, os americanos, vamos ter muito que fazer para desdobrar este caso. Mesmo, porque, se eles chamam Obama de “marxista”, “socialista”, “comunista”, como é que eles chamariam os netos de Mao Tse-Tsung – mesmo que estes sejam capitalistas? Afora, essas realidades, como é que a gente vê o rio da conjuntura?

PONTO NÚMERO UM: O REI NÃO É O CONSUMIDOR

1) A economia está parada porque os capitais estão em guerra contra o Estado. Claro, este, nos Estados Unidos, já fez o serviço sujo imprescindível: efetuou dois planos de salvação para as finanças e várias linhas de crédito (mais de 2 trilhões de dólares), deu algum dinheiro para o setor produtivo e uns trocados para os cidadãos. E pela luta decisiva que a economia futura trava no Congresso Americano, a gente percebe que só há um ponto que os bancos concordam: o Estado tem que se por à margem dos mercados e evitar qualquer regulação. Somente num aspecto todos os financistas são favoráveis: que o Estado atue no momento do risco sistêmico. O risco sistêmico é aquele tipo de comportamento de bancos e de ativos que põe em perigo todos os componentes do sistema financeiro e, por extensão, da economia em geral. Então, a primeira tese, tese prioritária: o Estado está a serviço do capital e dos negócios. PONTO FINAL.

2) E, portanto, conclusão mais que evidente, ele deve ficar longe das atividades econômicas. O que significa isso? Antes de tudo, que o Estado seja um soldado e um militante do lucro e da rendabilidade. Depois, que evite o tal risco sistêmico. E, em caso de explosão, arrebanhe todos os recursos, inclusive endivide-se, para salvar os bancos, em último caso as empresas. E os trabalhadores? Bem, é doloroso, mas vão ter que esperar um pouco, pois quando a economia responder positivamente e as firmas retomarem o crescimento, teremos sem dúvida a possibilidade de novos empregos. Eis o lema: todo dinheiro ao capital. Por último, o Estado deve, como um bom policial, depois de ter limpado a zona de perigos adversos, deixar a política econômica para soluções micros, ou seja, para as corporações. Eis a lei do crescimento: a macro é o resultado de decisões micros. E, por consequência, o Estado deve novamente recolher-se à espreita de uma nova irrupção de uma outra crise, espera-se, vai levar muito tempo para aparecer. Assim, ao contrário do que pensava Ludwig Von Mises, que o consumidor era o rei, o desejo aqui é outro: o rei é o capital. O leitor duvida que as finanças pensem isso? Pois, então leiam as manifestações dos dirigentes do “business” americano no Financial Times, no New York Times e em outros “times” do planeta.

3) Podemos concluir que, assim, desta forma, qualquer teoria, tipo Keynes, tipo Schumpeter, tipo Teoria da Regulação, devem ser descartadas, porque são desesperos – compreensíveis – do setor produtivo, dos saudosistas do Estado, e desta turba de trabalhadores desempregados que querem soluções mágicas?

VAMOS RECUPERAR O ESTADO – PARA NÓS

1) Ora, a conseqüência do momento é a seguinte. Vamos fazer da regulação proposta no Congresso Americano, uma limonada. Nada de incluir os bancos de investimentos fora do corpo dos bancos comerciais; preparem as velas para os hedge funds e para a especulação com tudo o que for possível. Pois, o mundo está custando a descobrir o que já era evidente desde o começo. “Speculation, that´s the name of the game”. Só que a especulação não está tão fácil assim. A renda caiu; os Estados, sobretudo os europeus, cheios de dívidas; os trouxas quebraram; os bancos desconfiam uns dos outros; e a securitização perdeu a germinação fértil e brava. Resultado: a queda da economia financeira parou, foram postos colchões estatais; mas um colchão não é como a lona do pula-pula. E o mundo continua parado, o crescimento das finanças não saltou e prossegue como um sonho permanente de pilantragem financeira. O que significa que não tenham capitais ganhando muito mais que outros. Mas, o negócio é o seguinte: o capitalismo é um baita processo de concentração e centralização. E daí?

2) Quer queiramos ou não, se a política não controla a economia, esta vai para o aumento frenético do tamanho das corporações, já começada com “to big to fail”, com o Bank of America e outras figuras do negócio bancário. Pode-se dizer mais. O que esperam os bancos e as finanças e mesmo as grandes corporações produtivas é que o Estado (executivo, legislativo e judiciário) favoreça este processo de concentração e centralização de capital e que ajeite e concerte os possíveis desarranjos. É o incentivo da lei do reino animal: o maior come o menor. O oposto seria claramente diferente: dar poder ao Estado para buscar sustentar o investimento e o emprego; bloquear o gigantismo ineficiente e ameaçador sistemicamente da concentração e centralização bancária; regular o sistema financeiro, sobretudo, nas suas interconexões; aplicar a Volker Rule; tornar a regulação do sistema financeiro unitária; e construir uma arquitetura financeira onde a função de crédito à produção seja prioritária em relação às finanças de mercado - e altamente especulativa. E principalmente, dar curso a uma metamorfose de toda a estrutura produtiva.

3) Por essa razão: as finanças proclamam que os Estados (de todo o mundo) devem buscar como ponto insofismável a redução dos gastos, a recuperação de sua capacidade financeira, obviamente com a finalidade de manter a inflação baixa e ter recursos para dar uma lucratividade indispensável aos títulos do Estado, até que elas, as finanças, consigam emplacar outras e tantas inovações de ativos financeiros, palatáveis para a economia.

4) Só tem um complicador: para a economia como um todo se recuperar, vai ter que haver, neste projeto, queima de capital. O que só ocorre por quebra de corporações ou quando alguns capitais absorvem outros. E isto não é um processo tão rápido. Ainda mais com o Estado dando dinheiro de presente como andou. Mesmo porque, a economia não é só financeira. A recuperação da produção passa por uma transformação e substituição profunda das indústrias que comandam o processo, bem como pelo impedimento da deterioração do meio ambiente e da metamorfose da infra-estrutura energética do mundo.

5) Coitado do Obama, que teve e que terá que lutar, no Congresso e na sociedade americana, com seu caminhãozinho de boas intenções contra os Exterminadores do Futuro. Mas, há um passo importante nas suas pretensões. Vota-se nesses dias, no Congresso, a nova “regulação financeira”. Houve ali uma batalha infernal, demonizaram o presidente o que deu. Mas, um projeto, resultado de negociações entre a Casa Branca e os partidos, vai ser votado hoje. e talvez seja o primeiro trampolim para redirecionar as finanças. Consta que o nervo desta reforma será a construção de uma forma política de redefinir o sistema financeiro centrada num Conselho de Reguladores, e não numa reforma com regras estritas e bem definidas, embora o texto tenha 2.300 páginas!

6) Ou seja, Obama pode avançar ou pode perder. Os bancos fizeram e vão fazer tudo para apropriarem-se desta reforma. Mas, Obama conta com a sua astúcia de avançar aos poucos, como um carro que vai a 40 kms e depois passa a 120 na auto-estrada. Tudo vai se decidir no andamento da carruagem, isto quer dizer na dinâmica da implantação do que será decidido no Congresso.

7) Então, como é que o Estado pode ficar de fora? É nesse ponto, que a economia se torna novamente política. E só uma luta democrática, viva e ativa, pode manter o Estado em benefício da sociedade. E nunca esquecendo que eleições são necessárias para a democracia, mas apenas eleições, não são suficientes. Só a invenção de múltiplos contrapesos na sociedade atual pode evitar que a ditadura das finanças - via o afastamento do Estado das questões sociais, através do seu domínio sobre os Bancos Centrais e as Fazendas e sobre a regulação do sistema financeiro - se torne uma fantasia ao modo de Walter Disney e dos desenhos animados japoneses. Ou seja, um maravilhoso mundo de aplicações, uma adrenalina pura, em ativos privados e públicos.

Que a reforma americana dê margem a ações importantes diante do império das finanças!

quarta-feira, julho 07, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
08 de julho de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


O BRASIL
PARTE
PARA
O FUTURO(*)
Por Enéas de Souza



Pela primeira vez, depois da crise da dívida externa de 82, o Brasil vai ter condições de movimentar sua economia em função de uma estratégia de longo prazo. O que significa que está emergindo uma vontade social de desenvolvimento, que pode se materializar num pacto entre o Estado, o capital bancário, o capital industrial e os assalariados, sobretudo os de baixa renda. O que não exclui um enlace com novos capitais internacionais. Partindo de uma boa posição geopolítica conquistada, o país pode pretender ocupar uma adequada inserção na nova divisão internacional do trabalho, que resultará das atuais crises financeira e produtiva. Será uma oportunidade de integrar a dinâmica futura da economia do planeta, que emergirá sob a liderança das novas tecnologias de comunicação e informação (NTCI). Aqui teremos um grande salto: estas tecnologias entrarão na fase de maturidade, que puxarão, dada a reorganização da arquitetura das finanças, um processo que envolve a reformulação da infra-estrutura energética, a expansão de um setor de produtos alimentares para baixar o custo de reprodução da mão de obra da economia como um todo e uma nova oferta da produção de matérias primas.
O Brasil tem tudo para ocupar um lugar expressivo neste novo paradigma do capitalismo, seja na produção de alimentos (via agrobusiness), seja na produção de matérias primas (via a Vale do Rio Doce, por exemplo) e seja no campo energético, por intermédio da infatigável Petrobrás. Ao mesmo tempo, o Brasil precisa contar com empresas de presença mundial, pois o espaço de acumulação global é tecido por corporações multinacionais do tipo da Vale e da Petrobrás. Com isso, conseguirá armar dois vetores em seu benefício: de um lado, possuir alguns centros de decisões planetários relevantes no plano dos capitais (com o objetivo de incrementar produção, pesquisa e inovação) e, de outro lado, constituir a partir destas empresas, núcleos ou pólos nacionais de acumulação nas cadeias produtivas das quais participam. Por exemplo, ao estilo da dita Petrobrás, encadear indústrias de fornecedores, como a de navios e bem de capital para o setor, desenvolvendo uma expansão do investimento e ampliando o mercado interno.
É por isso, que além destas ações estratégicas de inserção do Brasil num novo padrão de desenvolvimento da economia capitalista, há que completar com uma reorganização do sistema de apoio geral da produção econômica. Há toda uma reformulação da infra-estrutura da realidade brasileira. Basta olhar para a logística da produção: estradas, portos, aeroportos, silos, etc. Basta olhar para as questões do saneamento básico, da construção de uma malha urbana adequada, etc. Isto significa dizer que estamos diante de uma trajetória muito ampla de desafios e de perspectivas. A ação combinada do Estado e do setor privado pode proporcionar o verdadeiro caminho para uma transformação profunda do Brasil de hoje, que é um Brasil a requerer um projeto do estilo juscelinista, para superar definitivamente 32 anos de crescimento medíocre (1982-2004).
Esta estratégia global se baseia num processo de concentração e centralização de capital e se desdobra, macroeconomicamente, no plano do balanço de pagamentos, já que através tanto de exportações como de lucros auferidos no exterior, podem ser um fator de melhoria no balanço de transações correntes, contrabalançando as substanciais importações. Desta forma, a estratégia combina a articulação do Estado com o setor privado, sob o comando daquele e que poderá ter uma ampliação social importante: políticas governamentais que atendam ao emprego, à proteção social e à melhoria dos serviços públicos, em favor do grupo de baixa renda, dependendo das relações de forças entre os setores apoiadores.
Dois problemas merecem consideração do país. Como enfrentar a nossa ausência no setor NTCI? E como responder a exigência de uma indústria militar capaz de amparar a realidade do Brasil como potência intermediária na política mundial? Assim, olhando as oportunidades e os problemas, afirmamos que o Brasil está no limiar de um novo padrão de sociedade. Basta que faça as alianças políticas internas e externas competentes e que conceba, para tal, uma clara estratégia de desenvolvimento.


Publicado pela Carta de Conjuntura da FEE

quinta-feira, julho 01, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
01 de julho de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

O PARTO
VAI SER
DEMORADO
Por Enéas de Souza


A RODA DO APERTO

As bolsas são criaturas especulativas; mas expressam uma alma sensitiva. Trazem a inquietação do dinheiro e dos capitais neste sistema de hegemonia financeira. As bolsas do mundo andaram caindo devido a um passado duvidoso, senão carregado de pecados. Por exemplo: os bancos europeus tomaram, no ano de 2009, um empréstimo com prazo de 12 meses no Banco Central Europeu. Olha só a soma; 442 bilhões de euros com o objetivo de solucionarem seus problemas de liquidez. Pois, acompanhem; passaram-se os dias, o ano sumiu, e hoje, quinta feira, dia 1° de julho, dia sem jogo na Copa, os bancos devem comparecer ao guichet pagador. E todo mundo sabe, sobretudo entre os banqueiros, que quando o momento chega, faltando recursos, pode-se arrumar dinheiro no interbancário, que é onde os bancos se emprestam uns aos outros. É uma azafama para arrumar valores para fazer o que deve ser feito: pagar e/ou renovar os empréstimos. E o que a gente vê é que a turma está desesperada. Ninguém empresta para ninguém. Ou só por uma taxa inviável. E mais; algo que parece com uma nova barreira. O BCE diz, com qual o vigor ainda não se sabe, que não faltará dinheiro. Só que desta vez – detalhe fundamental -, ele empresta não por um ano; empresta somente por três meses. O BCE está apertando o torniquete.

ONDE ACABA O DESESPERO DA LIQUIDEZ

1) Temos aí dois visíveis pontos de tensão. O primeiro é o BCE fazendo o seu trabalho, forçando, com a mão mais pesada, o encurtamento do crédito. “Olha, já dei dinheiro; vocês tiveram 12 meses para trabalhar e melhorar a situação. Agora, chega, vamos diminuir os prazos de empréstimos. Vamos buscar uma melhoria da liquidez dos bancos. Façam o seu papel.”

2) Mas aí é que está. Muitos bancos estão engrossados de problemas. Os bancos espanhóis, por exemplo. E qual é a questão? Trata-se é óbvio de uma incapacidade de freqüentar a zona da liquidez, dado que os riscos assumidos no passado continuam e reaparecem. A questão é mais grave, a questão é de insolvência. Ora, o resultado disso é um aperto de crédito no interbancário, e aquele desespero de obter grana para pagar e renovar os empréstimos do BCE.

O EMPOLEIRAMENTO E A DEPENDÊNCIA

1)
Veja o leitor econômico ou o leitor de ocasião, o que está acontecendo. A crise dos Estados na Europa mostrou uma profunda e íntima ligação entre os Leviatãs e o Capital. E isto tudo está marcado por um espelhamento. Essencialmente, a dívida dos bancos acaba por cair nos cofres do Estado. Logo, sobre a dívida e os déficits estatais. E daí ela volta para os bancos e que neste círculo do toma que o filho é teu, repica intensamente sobre a regulação da instância monetário-financeira do Banco Central Europeu. Nasce uma pressão desconfortável.

2) E não deve escapar a ninguém, que estamos no desdobramento da crise financeira, que deu os seus primeiros saltos para a vida, em 2005 nos Estados Unidos. Dalí passou pela Inglaterra e chegou ao continente europeu. Depois de um tempo, aparentemente, tinha sido contida. Como se dizia antigamente, ledo engano. Porque, a crise financeira na Europa mostrou uma ligação fervorosa entre o Estado e as finanças, cujo casamento era mais “caseiro” do que nos Estados Unidos. Mais “caseiro” e menos fácil de resolver. Porque se a dívida e o déficit americano aumentaram, ela e ele são em dólar, são dívidas contra o próprios americanos. O manejo da política monetária sempre pode resolver. Mas, na Europa não. O euro é uma moeda sem uma perna, uma Vênus Manca, de tal maneira, que a verdadeira reserva de valor no continente é o dólar. E isto causa problemas graves. As dívidas acabam em outra moeda. Portanto, muito mais difíceis de serem solucionadas. E os Estados estão mais atados às finanças, como estas a estes. E a obesa dívida pública dificulta a solução. Ao mesmo tempo, que os bancos estão empoleirados no Estado e dependentes do Banco Central Europeu.

PARA ONDE VAI A ESPIRAL DINÂMICA DO ESTADO E DAS FINANÇAS

A complicação européia faz parte da evolução dinâmica da crise mundial, mostrando, de modo solar, a interligação dos sistemas financeiros e dos países, ao mesmo tempo, que revela, com sabores de relativa surpresa, mais duas coisas: a capacidade do sistema capitalista de pôr contenções e colchões às diversas quedas, e por conseqüência, desembocar num amplo perdurar da crise. Na verdade, temos uma constelação e uma combinação orgânica de vários fatores. Dela nasce um ritmo lento e prolongado. Para que tenhamos uma idéia desta evolução, listo os itens que compõe a foto: a) a relação incestuosa entre o Estado e bancos; b) a fluência e a contaminação dos sistemas financeiros; c) a transferência das dívidas das instituições financeiras privadas para o Estado, que mantém um certo controle da situação pelo seu próprio endividamento; d) a sinalização de um ponto onde a dívida e o déficit dos Estados precipitam uma parada da economia e afetam e são afetados pelos bancos. e) a instauração de um círculo vicioso Estado/finanças que, com uma política fiscal contencionista, encaminha a economia para uma tendência depressiva; f) a crise de uma parte do sistema tem o poder de passar o tecido danificado às demais partes da economia capitalista; e, g) o estabelecimento da hegemonia do dólar, que emerge como o cruzamento de efeitos onde o sistema pode desabar por completo.

Como se vê uma espiral dinâmica descendente.

NÃO DÁ PARA SEGURAR!

1) A economia americana foi a primeira a ser profundamente afetada pela crise, e foi também a primeira a receber uma terapia financeira por parte do Estado, que deu como contrapeso osso, uma modesta aspirina para recuperar a produção, solucionou temporariamente com um grande pacote para os bancos. E deu com a graça de sempre um tapinha nas costas dos empregados e desempregados, todos igualmente com dívida forte. E ela, a economia dos Estados Unidos, na sua pujança de economia mais poderosa, continua. No entanto, na cama, no leito, com uma doença ainda não resolvida. Não está nem em convalescença, quando mais pronta para sair a rua. Tudo está em passo de vamos ver como é que vai ficar. De outro lado, a China, segundo noticias, continua crescendo muito, mas crescendo menos, o que significa que como um motor poderoso para a demanda internacional tem menos potência. E não terá capacidade de segurar sozinha a recuperação da economia mundial.

2) Todas essas três razões, a crise na Europa, a crise dos Estados Unidos e uma desaceleração na China, provocaram no mundo e nas bolsas, nesta semana, uma respiração ofegante, cuja dramaticidade inquieta assinalou, apesar dos empolgamentos midiáticos com a Copa, que a geologia econômica não vai tão bem como as publicidades tentam nos dizer. (Já reparam como a mídia contemporânea gosta de vitórias e de falsas felicidades!) Por isso, habitantes do planeta, vibrem com os jogos, mas não retirem o olho do noticiário econômico e fiquem atentos às participações políticas, porque só a política contrarresta as náuseas da economia.

A CHEGADA DE KRUGMAN AO BANDO DOS PESSIMISSTAS

A verdade está, hoje, portanto, ali nas bolsas, pois o caminho da crise continua seguindo para uma tendência depressiva. E a depressão, se o leitor quer uma figura, ela é um animal, um bicho como o tatu - vai cavando, vai cavando; e muito e muito, o seu alentado buraco. Paul Krugman, economista de respeito, está chegando ao nosso time, aquele que pensa que o pessimista é um otimista bem informado. Diz ele: “Receio que estejamos nos primeiros estágios de uma terceira depressão”. Terceira depressão? Sim ele está falando de 1873, e daquela dos anos trinta, e desta que já vem passando do plano recessivo para a depressão. Assim, aquelas bobagens de curvas em V, de curvas em W – a tal de double dipp - não passam de ciclos menores, ciclos de curto prazo, inscritos numa crise de um ciclo longo. Deste modo a depressão nesta fase do capitalismo financeiro pode ser um momento indispensável para a revolução das estruturas produtivas, da reformulação da função das finanças, e da organização de uma nova sociedade política, econômica e social.

Se isto for assim - o parto vai ser evidentemente demorado!