quinta-feira, abril 30, 2009

Crônica das quintas
30 de abril de 2009

OS CEM DIAS DE OBAMA
Por Enéas de Souza


Obama é a cara da atual situação dos Estados Unidos, da crise e do mundo. Sua grande característica é a vontade de alterar o que estava em andamento no Ocidente e na América do Norte. O estado de coisas, cuja imagem absurda era Bush, e pior ainda, Cheney, mostrou a dupla face da insensatez e do ardil insuspeito da cobiça. Guerra e predação, tortura e descalabro. Com a eleição de Obama este clima começou a se alterar. Chegou ao fim a mentira como estratégia de poder. Um dia ela, a mentira, deu meia volta e se jogou nos braços da verdade. Pois, foi o que aconteceu com o governo neoliberal americano. Um desastre absoluto: derrota na guerra do Iraque, um fracasso na expansão financeira, uma figura de país campeão da liberdade em farrapos. Os 100 dias de Obama foram taxativos, Obama veio para mudar. Mas, só não fazer o que Bush e Cheney fizeram, não basta, há que fazer muito mais. Os Estados Unidos estão devendo muito a si mesmo e ao mundo.

Obama e o desejo do eleitor

A mudança de uma determinada situação nos tempos que correm é de extrema dificuldade. A metamorfose da sociedade muda como a crise; sua forma pode ser expressa pela metáfora da escada. E de uma escada descendente. Uma escada diferente daquela do famoso filme de Hitchcock, “Vertigo”. A crise é também uma escada perigosa. Mas é uma escada na qual cada degrau é como se fosse filmado em câmera lenta. Veja-se bem, a descrição tem uma nuance. Primeiro a gente desce rapidamente o degrau, mas o patamar aonde se vai pousar o pé, este sim, este é captado numa lentidão que engana. Tem-se a impressão que quando se põe o sapato na horizontal, as coisas mudaram, o mundo deixou de cair, e tudo, simplesmente tudo, já passou. Vem, então, aquela sensação de um falso alivio, a sensação de que, enfim, o pior já foi embora. E logo em seguida, quando os nossos espíritos estão aliviados e queremos até comemorar, tomar um vinho e apreciar uma boa mesa, sempre vem aquele chato que diz: não, o pior ainda está por vir. Porque esta é a realidade da crise atual. E, Obama é o contra-movimento deste movimento de queda. Ele pretende um dia dizer: sim, o pior já passou. Mas, o diabo que isso vai levar tempo. Lembro duma americana que no segundo dia do presidente americano disse: “Estou decepcionada, ele não mudou nada”. O eleitor é como o espectador de televisão que acha que o mundo se alterou porque agora ele pode sonhar em comprar um 4 x 4, altamente poderoso. O eleitor hoje age como um consumidor. Mas, o que ocorre é que o desejo de ter o produto não faz com que o produto chegue as suas mãos. Há muitas coisas para fazer no desenrolar da crise. A grande diferença é que Obama sabe que ela não passou e que vai levar tempo. Mas, a boa notícia é que tem estratégia e planos. O que não quer dizer que ele vai ganhar. Quer dizer apenas que sabe em que arena os conflitos vão aparecer.

A dança dos escorpiões

Obama sentiu, por ocasião da sua candidatura, que emergia um momento novo na história americana. Investiu contra o todo soi disant forte Estado bushiano. Jogou e venceu. E venceu fulminantemente: os Estados Unidos queriam outra coisa. Mas, se as estruturas estão corroídas como um corpo degradado, elas não estão destronadas, nem são ainda ruínas, estão abaladas, mas não foram suprimidas. Elas estão aí. E por isso, o primeiro grande problema de Obama é como superar a presença inquietante das finanças, presença que se cravou no interior do Estado constituindo uma cisão importante e decisiva. Temos – e continuamos tendo - um Estado das finanças dentro do próprio Estado. Ele é formado pelo FED, um órgão autônomo, cuja presidência tem sempre o comando de alguém que pensa com a cabeça do mercado, com a visão das finanças. Este Estado dentro do Estado hoje é formado também pelo Tesouro, lugar que normalmente vem alguém da área do capital, alguns com um aconchego em Wall Street, como Rubin no tempo de Clinton e Paulson, no final do Bush II. Nesse momento está ali Timothy Geithner, um pró-finanças indiscutivelmente. Mas, não só nesta paróquia se sente o odor das finanças. O presidente Obama tem um National Economic Council para assessorá-lo, agora ocupado pelo inefável e conturbado Larry Summers. Um camaleão econômico, no presente com um pé no keyneisanismo mas com a alma impregnado pela força dos ativos financeiros. Contudo, as coisas não ficam somente nas costas desta tríade. Paul Volker, o homem que instalou o dólar forte em 1979, como presidente do FED, é também um economista da área financeira. E adivinhem o que ficou para ele? O planejamento do futuro. Ou seja, Obama está cercado. Trata-se de um cerco complicado, pois as finanças, embora ainda jogando de mão, padecem de uma vasta desaprovação popular, como também têm nas suas entranhas, ativos tóxicos que trabalham para torná-la mais frágil ainda. O cerco se configura um tanto desesperado porque o setor quer evitar o que está no horizonte de médio e longo prazo da economia americana: a mudança de um modelo de acumulação financeira para um modelo de acumulação produtiva. Ou seja, a metamorfose da função das finanças no processo econômico. Mas, se for pelo cerco dos escorpiões isso nunca será feito. Logo, estamos num jogo como fazem as equipes futebolísticas argentinas: “jugar a morir”. A questão que não deixa de estar fustigando é a seguinte: conseguirão as finanças sobreviverem ou bloquearem a explosão de ativos inoperantes no interior do sistema bancário e das instituições financeiras não bancárias? É daqui que virá a resposta da mudança ou não do papel das finanças na economia americana e mundial.

Quando pular fora é a solução

As finanças não apenas cercam a presidência, mas dominam totalmente uma parte do Estado. Porém, se eles têm um território onde decidem soberanamente, as suas decisões passam por circuitos e mecanismos econômicos que tem, no entanto, uma dinâmica singular e específica. A política decide sobre a economia, mas a economia tem trajetórias próprias que podem impedir e barrar as decisões políticas. Então, sublinhemos o que se escuta: os bancos estão quebrados. Considere-se conseqüentemente o atual “stress test”. Ele já mostrou que dois dos maiores bancos, o Citigroup e o Bank of América, precisam de capital. Pois, convivemos aqui com uma das questões chaves desta crise. Estes bancos, como tantos outros, trabalharam com capital alavancado, aliado ao capital próprio, e chegaram a tentar valorizar, em ativos descabelados, fartamente multiplicados sem nenhum controle, montantes expressivos do primeiro. O resultado não poderia ser outro, a decomposição de sua realidade fictícia, e a necessidade de botar capital para tornar a ficção, real. Visto deste ponto de vista, as finanças estão em situação crítica. E nada diz que a situação financeira geral não pode se agravar mais, estourar mesmo. Quem diz que os hedge funds não vão entrar em situação crítica? Quem pode afirmar que os fundos de pensão não serão abalados por novas e futuras quedas das bolsas? E quem pode prever que as bolsas não cairão mais ainda, fazendo um mergulho no abismo, provocando com que a riqueza abstrata das corporações financeiras, industriais, comerciais, de serviço, baixe irreversivelmente de valor? Ou seja, o atual domínio das finanças pode se reverter e terminar numa necessidade de intervenção estatal, na famosa nacionalização do sistema bancário. E por isso, como a presença de um monstro num filme de horror ninguém pode predizer que este ser não cometerá um ato de insanidade. Estará, então, o happy-end fora do mundo americano? Por outro lado, todo analista se pergunta: qual é a jogada de Obama? Mostrar a corda na casa de enforcado? Pois, parece ser esta a sua tática; está clara nos seus discursos e no seu projeto: fazer com que as finanças voltem a sua função básica, fornecer crédito, e fornecer crédito não para a especulação, mas para a produção. Por esse motivo, as perguntas tomam a seguinte direção: as finanças querem e aceitam este projeto? Obama conseguirá pressionar, ao longo do tempo, as finanças para a posição desejada? Por enquanto, que nem peixe fisgado pelo anzol, as finanças se debatem para escapar. Conseguirão pular fora? E entrando pela porta lateral, quem sabe pela dos fundos, retornará, com força inusitada, a temática da nacionalização?

Há uma contradição que atingirá as finanças?

Não há saída para Obama, a sua luta é aguardar e esperar. Mesmo, porque ele não é pela eutanásia do rentista. O que ele deseja é reformulação da estrutura das finanças. A questão é que o que está em jogo é uma recomposição delas. Normalmente, o processo capitalista é de concentração e centralização de capital. O que não está claro é como esse processo está se dando e vai se dar no campo financeiro. Muitos falam que os vencedores serão o Goldman Sachs e o JP Morgan. Mas, tudo nas finanças, apesar das famosas idéias de transparência e de simetria de informações, tudo é obscuro e nebuloso. Há que haver recomposições. E o que se sabe nesse momento é que o Citi e o BofA estão entrando na dança das cadeiras. Naturalmente, que estas instituições têm história, têm imagem, têm experiência acumulada, mas nada garante as suas sobrevivências, sobretudo do jeito que eram. Aliás, nada mais será igual nesse setor. Acabaram as alavancagens endoidecidas, há um reclamo de regulações, precisa-se de um novo desenho do sistema financeiro, clamam-se por supervisões rigorosas, examinam-se diversas atitudes de prudência nas práticas bancárias, etc. Ou seja, o que os 100 dias de Obama trouxeram é que foi dado um tempo para que as finanças se ajeitem. Não sabemos quanto tempo, mas o certo é que elas não conseguiram ainda vislumbrar um caminho real de salvação. Mesmo porque é preciso ver que há uma contradição muito forte interior do sistema de negócio no mundo de hoje, que atinge todas as corporações, incluindo a financeira: a contradição entre acionistas e dirigentes. Pois, se os acionistas aportam capital, os dirigentes, que são empregados de luxo, têm o domínio das instituições. E como empregados – e mesmo como capitalistas na prática – não querem perder os bônus que negociam e arrancam das instituições pela sua capacidade de manejar ou manipular o mercado. Então, os planos de salvação do Estado salvam as instituições e salvam os acionistas, mas não salvam os banqueiros. E estes querem não só a salvação das suas entidades, mas a continuação de seus privilégios, dos seus bônus, e por isso, fecham o conhecimento da situação dos bancos. E evidentemente, a crise vai se espichar por mais tempo, enquanto este ponto não for resolvido. Por isso, muitos empresários afirmam que a atual maneira de fazer negócio está terminada. Dito economicamente: a governança corporativa é uma forma que fracassou no desenvolvimento do atual capitalismo? A questão se encaminha para uma boa pergunta: é, por esse caminho, que as finanças começarão a perder a hegemonia e a possibilidade de definir as atividades econômicas?

Para onde aponta o dedo de Obama?

Os 100 dias de Obama trouxeram uma nova visão da economia. Seu pensamento passa pelo longo prazo. E o que ele vê é um novo padrão de acumulação. Primeiro, através de uma nova base, uma renovação da infra-estrutura econômica, o que significa, inevitavelmente, cuidar da questão energética. Para onde ela vai, ele não sabe bem, mas sabe que sem a questão energética a economia capitalista não poderá ir muito longe. Não apenas a economia capitalista, mas a vida no planeta. Então cabe, como uma nova matéria pictórica num quadro, uma mudança da infra-estrutura. E em segundo lugar, essa própria questão energética vai provocar a constituição de outras inovações tecnológicas que vão alterar a estrutura industrial atual. E não se pode dizer que são somente mudanças em relação à energia, mas podemos pensar em inovações tecnológicas resultantes da concorrência capitalista ou como inovações tecnológicas oriundas da evolução das próprias tecnologias existentes, etc. Ou, seja Obama apontou com isso para uma nova realidade econômica, fruto tanto do desdobramento produtivo propriamente dito, mas também como desdobramento da valorização de ativos da crise financeira vigente. Assim, olhando este panorama, temos que observar que a proposta de Obama para o longo prazo na esfera produtiva é o núcleo central de uma estratégia. Uma estratégia que serve para dar uma direção para onde a economia deve seguir, sobretudo se pensarmos que o seu objetivo é eliminar inclusive a visão financeira atual do comércio exterior, porque envolve tanto a construção de uma economia exportadora, como uma economia superavitária de capital. Ou seja, o oposto do que temos nos dias de hoje. Dois pontos são fundamentais para tal - e os 100 dias de Obama deixaram claro -: um projeto econômico para um novo padrão de acumulação e uma nova posição da economia financeira, fornecedora de crédito de acordo com as exigências das atividades produtivas deste novo padrão. Os 100 dias de Obama proporcionaram, como se pode ver, a colocação em jogo de uma estratégia econômica de grande profundidade, algo que servirá para sustentar e reformular o poder americano e a posição da economia dos Estados Unidos no mundo. E com isso, como desdobramento efetivo, mudar radicalmente a economia mundial.

Quem viver, verá?

quarta-feira, abril 29, 2009

Economia norte-americana cai em ritmo aclerado

A primeira estimativa de PIB para o primeiro trimestre de 2009 nos EUA aponta para uma queda de 6,1% quando comparada ao trimestre anterior, taxa anualizada.  O número é similar aos -6,3% apontados para o quarto trimestre de 2008.  

Como esperado, o péssimo desempenho dos investimentos foi o principal motivo desse resultado decepcionante, com declínio de 51,8%. O consumo ao revés, apresentou um crescimento de 2,2%. Será este maior consumo poderoso o suficiente para reverter a queda nos investimentos em médio prazo, quando a inadimplência e as condições do emprego seguem se deteriorando naquele país?

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Entevista de Carlos Winckler sobre a situação do RS

O sociólogo Carlos Winckler, colega da FEE, faz uma análise da condução estratégica do estado do Rio Grande do Sul nos últimos governos. 

Vale  apena dar uma olhada.

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Ao menos seis bancos necessitam aumentar seu capital (EUA)

Aos poucos vai aparecendo que, embora a docilidade do cenário aplicado nos stress tests anunciados em fevereiro desse ano pelo secretário Geithner, uma quantidade razoável de bancos se encontra em dificuldades nos EUA. 

Dos 19 bancos testados, ao menos seis devem precisar aumentar seu capital.  Isso vai ser feito pela troca de ações preferenciais por comuns, as custas dos atuais acionistas.  Dentre estes seis se encontrariam o Citi e o BofA. 

Como a situação no campo do crédito não cessa de deteriorar - vide o US$ 1 trilhão em perdas com empréstimos para imóveis comercias que iniciaram a se materializar apenas em 2009 e ainda não foram reconhecidos na contabilidade bancária -, aqueles que acreditam que a situação está controlada nesse front da crise estão equivocados e se surpreenderão em algum momento no futuro.

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sexta-feira, abril 24, 2009

Mais Taleb e os limites da estatística

Beware the Charlatan. When I was a quant-trader in complex derivatives, people mistaking my profession used to ask me for "stock tips" which put me in a state of rage: a charlatan is someone likely (statistically) to give you positive advice, of the "how to" variety.

Go to a bookstore, and look at the business shelves: you will find plenty of books telling you how to make your first million, or your first quarter-billion, etc. You will not be likely to find a book on "how I failed in business and in life"—though the second type of advice is vastly more informational, and typically less charlatanic. Indeed, the only popular such finance book I found that was not quacky in nature—on how someone lost his fortune—was both self-published and out of print. Even in academia, there is little room for promotion by publishing negative results—though these, are vastly informational and less marred with statistical biases of the kind we call data snooping. So all I am saying is "what is it that we don't know", and my advice is what to avoid, no more.

You can live longer if you avoid death, get better if you avoid bankruptcy, and become prosperous if you avoid blowups in the fourth quadrant.

Now you would think that people would buy my arguments about lack of knowledge and accept unpredictability. But many kept asking me "now that you say that our measures are wrong, do you have anything better?" 


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http://www.edge.org/3rd_culture/taleb08/taleb08_index.html

quinta-feira, abril 23, 2009

Coluna das quintas
23 de abril de 2009

PERGUNTAS PARA A CRISE
(Ou questões candentes da economia)
Por Enéas de Souza


Quando se olha à economia e se quer fazer um estudo amplo, é preciso saber – como diz o meu colega Pedro Almeida - fazer perguntas. E perguntas certas. Já que uma boa pergunta pode encaminhar bem o labirinto da solução dos problemas. E, no fim do percurso, se as questões forem válidas, sairmos com boas respostas e uma trajetória concreta e viável. Um velho professor de filosofia, o professor Armando Câmara, tão conservador, mas tão percuciente, dizia como Lênin: “Nada tão prático quanto uma boa teoria”. No tema aqui proposto, a substituição é direta: nada tão prático quanto um boa pergunta. E o que pretendemos fazer é modesto, é tentar fazer questões, se possível boas, para que elas nos permitam perceber, prever e quem sabe atravessar, como um fio condutor, os diversos prazos da economia e da história. Dito em linguagem econômica: o curto, o médio e o longo prazo. Mas, também, nos deslocando na profundidade, penetrarmos no que Braudel chamava e José Luis Fiori re-propõe, o árduo caminho da “longa duração”. Teremos assim uma imagem, um teatro, talvez um cinema ou, mais fragilmente, uma noção das dificuldades que abraçam a economia e a sociedade ocidental. Naturalmente que a nossa interrogação sobre a crise parte dos Estados Unidos, que teve neste último ciclo, a vocação e a ambição do sol. E o foi, não resta dúvida. Só que o virou pelo avesso; e de sol amarelo, sol vermelho transformou-se num sol negro. E deu aos seus cantores um ar melancólico, cuja origem veio da extensão do desastre cíclico. E estas perguntas colocam, no geral, uma disjuntiva, uma oposição irreversível na realidade atual, que é a seguinte: ou estamos diante do Minotauro sem nenhuma esperança de escape ou então temos que achar o fio de Ariadne e com ele encontrar a saída do embrulho, a saída da crise. Bom momento, astuto leitor, de saber as tuas perguntas e as tuas respostas, porque nós só começamos a fazer as primeiras, as segundas estão contigo e com todos nós.

Perguntas sobre o curto prazo

1) Qual é a lógica do declínio cíclico? Já chegamos ao seu fim? Estamos em que ponto deste declínio? Quanto mais temos que cair, que despencar? Os Hedge Funds, os Fundos de Pensões serão definitivamente abalados? E o que mais?

2) Com a intervenção do Estado, que lógica está ocorrendo? Qual o nível de conflitos que estas ações estão atingindo? Como elas estão sendo vistas e quais as reações que provocam aos diversos setores como o financeiro, o produtivo, o dos trabalhadores, etc.?

3) A nacionalização dos bancos será inevitável? Ou teremos uma longa etapa das finanças zumbis? Há uma terceira solução?

4) No caso da manutenção das finanças zumbis, haveria ou não haveria mudanças institucionais? Quais seriam elas? Haveria mudança do comportamento do Banco Central? Seria possível alguma regulação? Como se daria o entrelaçamento das finanças zumbis americanas com o resto da economia mundial?

5) Qual a função do sistema financeiro numa nova economia americana? Em caso de nacionalização do sistema bancário, qual seria a arquitetura do sistema financeiro que estaria adequada a esta economia americana?

6) Seria possível retornar à dominância financeira com o mesmo tipo de alavancagem, de criação ilimitada de produtos financeiros? Não é o desejo das próprias finanças? E não é por isso que elas se constituem um obstáculo formidável aos encaminhamentos da resolução da crise?

Perguntas sobre o longo prazo

1) Qual será o papel do Estado? Obama tem um projeto econômico produtivo de longo prazo como prioritário. Então, qual será o timing para a sua construção, dado o evidente poder das finanças?

2) Como será a condução do plano de longo prazo de Obama? Ou seja, como será a composição política que terá que fazer para liderar as forças indispensáveis para a sua realização? Como sabemos, o presidente americano destacou energia, novas tecnologias, educação, etc. como elementos fundamentais de um novo patamar de acumulação. O centro desta combinação política será a união da produção e do trabalho? Será possível?

3) Qual será o papel (econômico, político, ideológico, etc.) da energia e do meio ambiente neste projeto?

4) Como conseqüência da reorganização da economia americana qual será a nova organização da Divisão Internacional do Trabalho? Qual será o lugar da China? Quais serão os da Índia, do Brasil, da Rússia? Qual o papel das regiões? Haverá necessidade de novas instituições para-estatais, além da reformulação das atuais como o FMI, o Banco Mundial, etc. No plano geopolítico, qual o papel da ONU e do Conselho de Segurança? Aqui também vale a pergunta: haverá necessidade de outras instituições além destas?

Perguntas sobre a articulação do CP e do LP

Como vemos temos então perguntas – muitas outras podem ser feitas - sobre o curto e o longo prazo. Mas, se temos questões candentes no tempo presente e temos pontos esboçados para serem atingido no longo alcance, é preciso compreender que entre um e outro há uma trajetória a ser construída. Então, poderíamos dizer que são perguntas de médio prazo. Perguntas que podem ligar a intenção de resolver problemas que estão acontecendo neste momento com a estratégia que mira e vislumbra o longo termo. São perguntas que estão nos elos intermediários da trajetória proposta.

1) Como o governo Obama vai encaminhar a questão bancária? Esta é uma questão de curto, médio e longo prazo, pois terá que resolver questões imediatas, como a vasta resistência das finanças; questões de média consideração porque os bancos são instituições que terão de sobreviver; e questões de amplitude vasta porque estas entidades terão que ser compostas e ser funcionais em relação ao projeto de longo prazo, ou seja, ao novo padrão de acumulação.

2) Qual será a estratégia e a dinâmica do déficit público?

3) Qual será a estratégia do comércio externo, dada a declaração de que a economia americana deverá ser novamente mais exportadora do que importadora? Qual será a reação do resto do mundo? Qual é o tempo desta possível transformação?

4) Como conciliar a estratégia dos déficits públicos e da retomada das exportações com a questão da moeda?

5) Qual é o futuro de uma proposta de substituição do dólar como reserva de valor por uma outra moeda, em particular pela proposta dos chineses de utilização do Direito Especial de Saque (DES)?

6) Vai haver uma retração do comércio internacional e uma fragmentação da moeda mundial em várias moedas regionais: dólar, euro, rublo, yuan, por exemplo? O dólar será medida de valor, mas não reserva de valor nem meio de circulação?

7) Como serão os passos de articulação do curto, médio e longo prazo?

Perguntas sobre a longa duração

Se José Luis Fiori tem razão quando trata do modo como o capitalismo tem que ser pensado na longa duração, após a corrida imperialista da atual pressão competitiva, vamos entrar numa expansão explosiva. Então, algumas perguntas podem ser feitas.

1) O triunfo do poder americano, mesmo com uma mudança na sua posição unilateral, imperial, como ocorreu no último período, vai organizar que nova ordem geopolítica? E em que direção?

2) A estratégia de longa duração de manutenção do poder americano conseguirá impedir disputas e questionamentos da sua liderança? E não provocará nenhum movimento de transformação do sistema capitalista? Haverá uma nova utopia? Uma nova ideologia dos oprimidos? Uma busca incessaante de novas condições de igualdade?

3) A guerra como elemento estruturador do sistema político funcionará todo o tempo como uma espada sobre a cabeça dos atores na constituição de uma nova ordem geopolítica ou será constantemente usada apenas para resolver questões localizadas e nunca de longo prazo?

5) A paz, tendo como garantia a possibilidade da guerra, funcionará como um novo ordenador político?

6) A democracia sobreviverá? O fortalecimento do Estado não trará o funcionamento de governos despóticos, ditatoriais, etc.?

7) Alguém poderá prever um roteiro de tensões dos próximos anos? A civilização encontrará outra fase de expansão? E uma pergunta mais dramática: haverá ainda civilização?

Exercício do futuro

Estas perguntas fazem parte de uma química social e histórica que está se desdobrando no momento. Na verdade, existe um forte desejo do capital retomar o seu processo de valorização, só que a contradição entre as órbitas da produção e das finanças, do capital e da sociedade, terá que ser resolvida politicamente. É olhando para esta dura situação que nós fizemos as perguntas, pois independente de estarem contempladas todas as mais importantes – isto é impossível pelas limitações das observações e das análises e do observador –, o que importa é balizar, por intermédio de indagações, possíveis trajetórias, algumas soluções e diversas escolhas. E igualmente perceber que as perguntas também andam. Hoje são estas; amanhã, algumas deixarão a cena; e mais tarde, outras, terceiras, estrearão no questionário que se move.

É preciso marcar com essas perguntas a imensa incerteza que mergulha atualmente o nosso mundo, desde que olhado sem a ilusão fantasiosa da mídia sem escrúpulos. A tarefa americana vai ser como definir o curto prazo e manobrar as dificuldades do médio, inclusive encarando uma ameaça que já se insinuou: a possibilidade de fratura do dólar como moeda mundial, moeda de reserva do comércio planetário. Para o longo prazo, Obama tem estratégia. Tem sim. Mas, os Estados Unidos terão que construir os meios para lá chegar. A economia em desagregação se resolve pela política, mas nunca sem causar percalços extensos no campo social. Haverá luta, brotarão conflitos, se erguerão desavenças. E o que a política precisa fazer é soldar todos os tempos possíveis, abrindo, desenhando, desbastando um itinerário que vá do presente ao longo futuro. Todos os rostos e os atos dos outros países estarão na arena e vão tentar constituir uma nova hierarquia de forças na economia e da política mundial. O poder continuará americano? É neste caldeirão que Obama vai tentar colher os seus frutos e calçar as sandálias do pescador, para fisgar as perguntas certas e desamarrar soluções para um novo mundo.

quarta-feira, abril 22, 2009

Deu no NYTimes: Japoneses pagam passagem aos trabalhadores brasileiros... só de volta!

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Mais um suicídio

Infelizmente, era certo que a aventura irresponsável do liberalismo sem limites levaria a (e ainda levará) a uma enormidade de dramas pessoais. Dessa vez foi o Chief Financial Officer (CFO) da Freddie Mac que cometeu suicídio...

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Governo inglês amplia imposto de renda

O governo inglês irá aumentar a alíquotta mais alta do imposto de renda de 40% para 50% sobre qualquer rendimento que exceda 150.000 libras. Tenta assim fazer frente à queda na receita fiscal decorrente da redução na atividade econômica. É mais uma prova de que as velhas receitas que implicavam em vantagensa desmedidas para os mais ricos terão de ser revistas com a crise.

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sexta-feira, abril 17, 2009

Institutional Risk Analyst concorda com o Enéas: as finanças zumbis tomaram conta dos EUA

"We won't even refer to the Q1 results for C released this morning because, in our view, they really do not show the true condition of the bank nor the ultimate outcome that we expect to see with this institution. As of year-end 2008, C rated an "F" in the IRA Bank Monitor with a overall Stress Index score of 21 vs. the industry average of 1.8. As of the same date, JPM's Stress Index Score was 1.3.

Unfortunately, it is becoming increasingly clear that the Obama Administration lacks the courage to resolve C. Economic policy guru Larry Summers reportedly bought the "systemic risk" argument hook, line and sinker, but the fact remains that with relatively healthy banks like JPM pricing debt at +350 to the curve, the real issue facing financials is not simply capital adequacy as the stress tests suppose, but rather the broader issue of credibility as going concerns. Even were JPM or Goldman Sachs (NYSE:GS) to actually redeem the preferred capital provided by the Treasury TARP program, none of these banks could survive today without government guarantees for their debt."

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quinta-feira, abril 16, 2009

General Growth em concordata

General Growth,  a segunda maior proprietária de centros comerciais dos EUA, entrou em concordata e pode trazer prejuízos de até 27 bilhões de dólares aos credores. 

Os problemas no setor de imóveis comerciais estão se acumulando nos EUA, exatamente como previsto aqui no Econobrasil em fevereiro.  Essa deve ser a grande fonte de prejuízo para o setor financeiro em 2009, secundada de perto pela inadimplência crescente nos cartões de crédito.

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Quinta-feira, 16 de abril de 2009
OS LAÇOS DO CAPITAL
(ou a funcionalidade das finanças)
Por Enéas de Souza

A permanente desconfiança

A grande questão do sistema financeiro é política. A crise mostrou com clareza que esta forma de desenvolvimento do capital chegou ao seu limite. Mostrou que ela não tem perspectivas, mesmo quando os capitais que sobraram da grande luta das finanças gostariam de retornar aos bons tempos da especulação. Portanto, a grande questão política – de Obama, sobretudo – é como encarar o rosto petulante e nauseabundo dos delírios do mercado financeiro. Do ponto de vista econômico, esta forma se esgotou, porque não há alternativas visíveis para as finanças fazerem o que sempre fizeram. Não há mais possibilidades de manter o nível de alavancagem delirante dos últimos tempos, não há nenhuma viabilidade de manter a securitização e a multiplicação de produtos típica desta fase, não há possibilidade de retornar a essa articulação do setor produtivo e do setor financeiro via hipotecas imobiliárias. Este mundo congelou e o seu resultado é a paralisia do crédito, a desconfiança permanente dos banqueiros uns contra os outros, o credit crunch. Todos, na terra dos ativos financeiros, são bandidos e a liquidez não desliza. O rio das aplicações perdidas não anda, parece tudo flutuar num mundo de fantasmas. As finanças zumbi.

As questões douradas da crise

Existem duas perguntas fundamentais: 1) já atingiram a sua plena expressão as tendências declinantes da economia? 2) As condições para uma recuperação já estão dadas?

Choques que dão impressão de retomada

Vamos responder a primeira pergunta. As tendências declinantes ainda não completaram a sua queda. Pelo lado financeiro, o que há são manobras dos especuladores na bolsa para recuperarem as suas perdas, ao mesmo tempo, que procuram dar a impressão que tudo já está terminando. Veja o leitor, o esquema do capitalismo financeiro. As valorizações das empresas são dadas pelo mercado, através da bolsa. Então, forçar a bolsa para cima é uma forma de tentar manter o valor das corporações. Trata-se de oportunidades para realizar a recuperação de prejuízos e, não, como dizem os players da Bolsa, realização de lucros. O esquema não se recuperou. São apenas choques com a finalidade de dar a impressão de retomada. E porque a bolsa não se recupera sustentadamente? Primeiro, porque o mercado financeiro continua emperrado, o crédito não flui, muitos setores como os hedge funds e os fundos de pensões estão sofrendo percalços. Segundo, porque as atividades produtivas continuam em retração, as fábricas estão demitindo e a produção está em baixa. Portanto, no nível macro, o consumo continua descendo e o investimento não está se reanimando. Pelas observações aqui feitas, a órbita financeira, apesar dos espasmos da Bolsa, vai vestida de tendência declinante, e a órbita produtiva, prossegue em descer esvaziada ainda mais fortemente. Apesar de medidas do governo de trazer estímulos às obras públicas, aos gastos em saúde, educação, etc.

A insistência no decréscimo

Quanto à segunda pergunta, sobre as condições da recuperação, as questões são mais críticas. Primeiro, de fato, como escrevemos acima, o governo já está possibilitando um gás ao setor produtivo. Mas, uma economia quando se recupera, não se recupera na antiga direção. Ela é como o rio de Heráclito, está atravessando novas e novas águas. Ou seja, aponta para uma renovação profunda da estrutura produtiva da economia, um sinal de longo prazo. Precisamos ser claros: há uma primeira etapa que é deter e travar a queda da economia, fazer com que ela suspenda o ritmo da desaceleração, que se estabilize num ponto determinado; uma segunda etapa, que pode ser concomitante: injetar na economia recursos para que as forças de reversão estabeleçam algum ânimo e dinamizem abertamente os impulsos. A semente tem que fazer crescer os brotos para chegarmos aos frutos. O governo americano já está proporcionando, por intermédio do pacote fiscal, a sua partida. Assim, atendendo à primeira e à segunda perguntas feitas no início desta postagem, encontramos um conjunto de ameaças de desaceleração tanto na área financeira quanto na área produtiva, pois só há estímulos do Estado. Mas, o resultado das forças negativas e positivas tem evidenciado um saldo que ainda insiste em favor do decréscimo da economia.

As flores do longo prazo

Porém há um aspecto extremamente importante. É que uma economia capitalista não retorna à mesma navegação, ao mesmo curso. E aqui parece realmente a questão. A questão política - proposta na primeira linha do primeiro parágrafo. A economia financeira deseja apenas que se encontre um ponto de reversão para que ela retorne aos velhos tempos. Ou seja, há todo um processo que está atravancado, brutalizado, profundamente ferido: a alavancagem, a multiplicação de produtos, etc. que vão desembocar numa problemática muito mais funda. A questão, como o crepúsculo, é iminente: é possível retornar ao sistema anterior? Acho muito pouco provável. Então, me parece que as coisas se encaminham para dois outros pontos decisivos. De um lado, como é que o capitalismo vai combinar as suas duas órbitas, a financeira e a produtiva? Parece que, estrategicamente, o trabalho principal passa pela tentativa de parar a queda da economia e buscar e recomeçar a recuperação, inclinando o avião da expansão para uma nova realidade. Do meu ponto de vista, o governo americano sabe, Obama fala em qualquer reunião, qual é o rumo: mudar a estrutura produtiva de longo prazo. Esta estrutura precisa construir e atravessar duas mudanças: a base energética e a incorporação de novas tecnologias. Portanto, um revolver de terra que mal está semeando o terreno, há um longo processo de maturação dessas flores. Os jardins ainda vão ter que ser cuidados durante muito tempo para poder florir.

O polvo maldito e a resistência das finanças

Bem chegamos ao ponto crucial. Se a gente sabe para onde vai a economia produtiva, mesmo que a trajetória seja longa, o problema que emerge é o seguinte: o que fazer com as finanças? De cara, uma questão estrutural: qual será o papel das finanças nessa próxima fase do capitalismo? Isto quer dizer o seguinte: as finanças conduzirão o processo ou serão conduzidas por ele? Dito ainda de outra forma: continuará predominando para o mercado financeiro o papel especulativo sobre o papel funcional, aquele de prover crédito para a produção? E nesta altura da análise é que aparece a ostra da questão política. As finanças resistem a mudarem o seu perfil. Elas não resistem à função creditícia; o que elas resistem é deixar a função especulativa como a sua vocação principal. Elas amam a especulação, é todo o seu gozo, todo o seu coração. Ou seja, a função especulativa foi o núcleo móvel e crescente e altamente rendoso deste capitalismo centrado nas finanças. Mas este processo levou como conseqüência uma desarrumação jamais vista da economia desde a segunda guerra mundial. A depressão ainda não está afastada. E ela poderá, como um polvo maldito, ser o resultado dessa resistência das finanças às mudanças estruturais de uma nova economia capitalista. Assim, se a economia começa a ser postada para mudanças estruturais na esfera da produção, o lógico é que as finanças sejam acomodadas a cumprirem um novo papel, o de fornecer crédito, prioritariamente, para as atividades produtivas. Deixar de lado a sua auto-alimentação.

Não há como continuar

A conclusão que chegamos: decidida a nova estrutura de longo prazo da economia, o que sobra estrategicamente, é como resolver as questões estruturais das finanças. Assim, acredito que a questão financeira está mal posta. Pois, de um lado, as finanças não querem deixar de cumprir a função especulativa como ponto primordial de sua atividade. Querem o que eles chamam de “indústria financeira” (sic!): produzir dinheiro e papéis por meio da valorização de papéis. Mas, isto é óbvio, não há como continuar. Os próprios banqueiros e financistas desconfiam uns dos outros. E a economia produtiva não produz tanto lucro para alimentar o investimento na própria produção e para a aplicação no mercado financeiro. E, ao mesmo tempo, a poupança dos consumidores, numa época de crise, não encontraria recursos para muito além das transações normais; quando muito para precauções imediatas. Ou seja, a remuneração dos trabalhadores também não poderia ser financeirizada. Dito isso, retornamos à resistência dos financistas. Porque negar que há uma evidente necessidade de mudar o comportamento delas? Mesmo que continue a ser especulativa por resíduo, teria que haver uma profunda mudança. Caso contrário, o capital ficará prisioneiro das finanças zumbi, e não haverá a transformação do padrão de acumulação produtiva.

Ou será funcional ou não será

As mudanças são claramente visíveis: funções do banco central, atividades regulatórias consistindo na definição da amplitude e unificação da regulação; na constituição de um novo sistema financeiro (com a separação ou não das instituições financeiras bancárias e não-bancárias); na fiscalização e no estabelecimento de regras de alavancagem, das características das inovações dos produtos financeiros, da segurança das operações, das punições, etc.; na constituição de uma contabilidade para os diversos segmentos do setor financeiro que fosse adequada para o controle social – e não somente para esconder os problemas do próprio setor; etc. Com isso podemos verificar que esta armação terá que atender aos dois problemas propostos: a recuperação do sistema financeiro e a funcionalidade do sistema dentro da trajetória da economia. Talvez, as questões sejam extensas e a solução progressiva e longa, mas é indispensável que passe por três passos políticos: construir um poder capaz de levar as finanças, seja pela nacionalização ou não, a admitir que elas precisam ser reguladas pela sociedade e pelo Estado; segundo, que tem que haver a institucionalização de um novo sistema financeiro subordinado aos desejos e objetivos sociais; e terceiro, que elas tem que ser funcionais à economia – isto quer dizer; pôr à disposição da produção e dos consumidores, o crédito indispensável para a fabricação e circulação das mercadorias. E que nesta nova etapa do capitalismo, o poder político do capital vai destinar às finanças um papel fundamental, mas subordinado na renovação da estrutura produtiva. Será a única maneira de haver a metamorfose dos laços do capital.

quarta-feira, abril 15, 2009

Mais malandragem: Goldman Sachs muda o calendário e esquece as perdas de dezembro

A Goldman Sachs mudou seu calendário. Seu ano fiscal acabou em novembro. A partir daí, os relatórios contábeis passaram a utilizar o ano de 2009 como referência. A pergunta que fica quando eles reportaram o seu resultado no primeiro trimestre de 2009 é: onde foi parar dezembro de 2008?  Sim, ele está lá, escamoteado em diversas análises que reportam os resultados trimestre até março comparados aos resultados do trimestre até fevereiro. 

Em realidade, a Goldman Sachs estava focando nos resultados de março. E, convenientemente, esquecendo os resultados de dezembro. A criatividade dos caras não em limites...

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Produção industrial cai novamente nos EUA em março

Esperem um PIB do primeiro trimestre bastante ruim nos EUA, com a queda na produção industrial e no consumo bastante acentuadas no período.

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terça-feira, abril 14, 2009

Cingapura: -9% de crescimento do PIB em 2009

A economia de Cingapura deve cair 9% esse ano, conforme previsão do governo local. Quanto mais depednente e voltado ao comércio externo, maior a queda... É a desglobalização, meu amigo!

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Gráficos da Crise: vendas no varejo, EUA

HSBC: prejuízos em sua filial norte-americana

O HSBC está com problemas devido ao crescimento da inadimplência nos EUA. Os defaults em seus empréstimos realizados à consumidores norte-americanos por meio de cartões de crédito devem somar cerca de US$ 10 bilhões em 2009!

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Vendas do comércio caem nos EUA em março

Um verdadeiro balde de água fria no coro do "o pior já passou" que se repete a cada momento de calmaria na crise financeira. Como dissemos inúmeras vezes, a crise nesse momento é financeira e econômica, e elas estão se realimentando em um ciclo vicioso. assim o aumento no desmprego leva a uma queda ainda maior nas vendas, já prejudicadas pela necessidade forçada dos consumidores em aumentar sua poupança já que os mecanismos de extração de renda financeira em voga nas últimas três décadas, secaram ( processo de desalavancagem do consumidor). 

 Esse processo aumenta a inadimplência, o que reforça as perdas do sistema financeiro, embora os inúmeros mecanismos de maquiagem financeira utilizados e que escamoteiam a real situação dos bancos nos EUA.  quando isso aconteceu em outras economias, os EUA proveram a necessária demanda externa para evitar um desdobramento depressivo pela economia global. Nesse momento, quem pode prover essa demanda á economia norte-americana?

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domingo, abril 12, 2009

Mais sobre Credit Default Swaps, por Satyajit Das

"The unpalatable reality that very few, self interested industry participants are prepared to admit is that much of what passed for financial innovation was specifically designed to conceal risk, obfuscate investors and reduce transparency. The process was entirely deliberate. Efficiency and transparency are not consistent with the high profit margins that are much sought after on Wall Street. Financial products need to be opaque and priced inefficiently to produce excessive profits or economic rents. "
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Nos EUA, shoppings em dificuldade estão fechando as portas

Interesante artigo mostra a decadência da "cultura shopping" nos EUA, um fenômeno que se iniciou ainda antes do recrudescimento da crise e que se intensifica com ela. O público está canado dos grandes espaços e da perda de tempo que significa andar pelo shopping. O problema é que a falência de um shopping pode siginificar graves problemas pra uma cidade.
Já pensaram em um imenso shopping abandonado como "lixo urbano"?
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Situação política na Tailândia acaba com cúpula asiática e governo decreta estado de emergência

Protestos na Tailândia impediram a continuidade da cúpula asiática naquele país e forçaram o governo a decretar estado de emergência. A situação no país é definida como caótica pelo Financial Times.
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sábado, abril 11, 2009

Mais sobre o estado lamentável dos conhecimentos "científicos" da macroeconomia contemporâna

Frequentemente escrevemos sobre a destruição dos conhecimentos "científicos" que imputam aos incautos em nossas faculdades sob o nome de macroeconomia. Diversas gerações, após meados dos anos 1980, não aprenderam nada de realmente útil, os manuais são um lixo e o estado da disciplina é lamentável. Agora vem uma crise e a religião mostra seus pés de barro... Diversos analistas e comentaristas têm se dado conta dessa realidade. 

Mas, uma teoria não cai por que é falha e ineficaz, ela é substituída por que outra mais adequada ao novo consenso aparece... 

A macroeconomia a partir dos anos 1980 é um caso incrível, pois ela é uma involução frente ao estado anterior do conhecimento. Mas que foi funcional para os mais ricos dos ricos, ah, isso foi... E o que é a economia no capitalismo senão uma justificativa "científica" para o agravamento das injustiças, desde que lucrativa?  

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Gráficos da Crise: inadimplência nos contratos securitizados de hipotecas comerciais (EUA)

Gráficos da Crise: queda nas importações dos EUA e da China (média móvel, 3 meses)

Esperem uma enorme volatilidade nos mercados de capitais

Excelente artigo nos mostra que a desalavancagem atinge de forma consistente os chamandos fundos quantativos de hedge, ou seja, aqueles que baseiam sua operação em ordens de  compras e de  vendas dadas por modelos e operadas automaticamente. Isso é importante por que grande parte das operações em bolsa são realizadas a partir desses comandos.  

A redução no volume de operações tem permitido uma grande manipulação nos mercados recentemnte, sem que a liquidez efetiva tenha voltado. Ao contrário, ela está secando. Nessas circunstências, na medida em que a relaidade se imponha e as profecias auto-realizadoras deixem de funcionar, o mercado acionário estará cada vez mais propício a enormes reviravoltas, tanto para cima quanto para baixo, dada a escassez progressiva de liquidez e a saída de agentes cada vez mais importantes do mercado. Com isso, os custos de realização das transações e expulsam cada vez um maior número de participante do mercado. 

Sem dúvida, os bagholders finais  serão os peixes miúdos, com suas esperanças de neriquecimento fácil estimuladas mpor uma mídia financeira irresponsável e, por vezes, criminosa.

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A força da internet: Goldman Sachs processa blogger

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quinta-feira, abril 09, 2009

Pensar o impensável: o fim da independência do Banco Central da Islândia

Os Bancos Centrais nunca são independentes. A noção de independência do banco central é tão válida quanto o é aquela de uma cobertura "neutra" de parte da imprensa de qualquer evento. É uma impossibilidade prática, Quando se fala em independência do banco central, isso é um eufemismo para torná-los menos influenciados politicamente pelos governos... mas a contrapartida é uma influência maior dos"mercados", ou seja, dos bancos regulados (dos maiores deles, para ser mais preciso). É ideologia e poder político e financeiro travestidos em teoria econômica (má teoria, aliás, que deu naquilo que estamos assistindo agora). Em outra seara, o presodente Lula ontem tomou medoda exemplar e necessária, demitindo o recalcitrante presidente do Banco do Brasil que não queria baixar o spreado bancário. O Eneás tem um artigo exemplar e demolidor sobre esse besteirol de independência dos bancos centrais no livro "O Brasil frente à ditadura do capital financeiro" que eu organizei junto com a Carla.
A Islãndia era reconhecidamente um dos países politicamente mais influenciadospor essasidéias absurdas. Com a crise, o país do gelo derreteu. Agora, é o primeiro a renunciar a essa falácia. Por lá, maior poder ao mercado financeiro frente ao Estado virou palavrão. Gato escaldado tem medo de água fria. Sinal dos tempos.
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Crise e as soluções mágicas: a volta do padrão-ouro

Em tempos de crise, ninguémm sabe ao certo para nde se voltar. Uma prova é o debate que vem a luz hoje no Financial Times, onde a influente e bem-informada Gillian Tett repercute a possibilidade de uma volta a "algum tipo de padrão-ouro". O artigo mostra acertadamente que a devinculação do dólar ao ouro em 1971 possibilitou um avanço quase infinito do crédito, "financeirizando" completamente a economia mundial.
Não há dúvidas quanto a isso. E não há dúvidas de que a criação de algum lastro monetário colocaria uma "base" para a expanão financeira. Mas traria duas consequências: se aplicada hoje, a medida traria uma deflação e uma depressão econômica bastante maiores do que a de 1930. Em segundo lugar, o que todos sempre esquecem, é que as decisões quanto ao sistema monetário internacional sãoapenas (se tanto) 10% economia. A questão é puramente política. Como seformaria e quem controlaria esa nova moeda de reserva lastreada em ouro? Dado o poder dos EUA, reafirmado de forma passiva no G-20 agora há pouco, o debate parece sem fundamento no momento. A história não retorna e as soluções dopassado são... passadas. A mudança virá somente se (e quando) o dólar for mais seriamente questionado.
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Quinta-feira, 9 de abril de 2009

O PUNHAL DO DESAFIO
(ou a estratégia política de Obama)

As areias do sol queimando

O caminho para a renovação do poder americano começa pela sua liderança. E ela vem com uma mudança de tom e com uma mudança de objetivos. Curiosamente, depois de uma presidência tosca, grotesca e truculenta socialmente, os Estados Unidos transformaram o seu rumo, desenhando um comando diferente. Naturalmente que em política, não existe apenas uma cor, existe um espectro de cores, o que significa que não só se travam disputas, como emergem contrastes e brotam-se diferenças, neste jogo entre vários competidores. O que interessa marcar aqui é a novidade estratégica dos americanos. Num primeiro sentido, a América do Norte, quando Obama entra em cena, atravessa uma arena muito complicada. Seguir na estrada proposta por Bush e Cheney e pelo neoliberalismo era seguir para um deserto, pleno de areia, adornado por montanhas pedregosas no horizonte, e um sol de chapa queimando, um verdadeiro campo explosivo.

A fenda e a operação

Pois, a questão objetiva, quando Obama adentra ao teatro político, se mostra e se passa assim: uma crise econômica de uma vastidão impensável - descalabro financeiro e esgotamento de um padrão de acumulação produtiva - acompanhada de uma devastadora crise da política externa. Resultado mais que óbvio, de um poder imperial que tinha se imolado na guerra contra o terrorismo, na guerra contra o Iraque, na desconfiança geral dos países e numa descrença manifesta quanto a sua capacidade de liderar a sociedade ocidental. Os Estados Unidos estavam isolados e perdidos. A vitória de Obama foi a chance que os americanos se deram a si mesmo para tentar uma transformação. O ato final da administração Bush principiou com a crise do sub-prime, um furacão que atravessou a América e desdobrou seus efeitos e pôs a nação desnuda, revelando as suas contradições desde os problemas econômicos e políticos até as questões culturais e civilizacionais. Não há mais dúvida nenhuma, houve uma fenda que se abriu em abismo no coração do gigante do Norte.

O lance para deter o ponto irreversível

Agora, com a viagem de Obama a Europa, houve o primeiro lance. E já se pode ver que há um novo Estados Unidos em ação. Houve o disparo de uma primeira idéia estratégica. O ponto chave foi recuar de sua pretensão imperial via guerra e finanças. Com isso, a tensão criada no sistema, que estava muito alta e poderia chegar a um ponto virtualmente perigoso e ameaçante para a nação americana, teria que diminuir para não atingir um ponto irreversível. Então, o primeiro objetivo dos Estados Unidos para transformar o império foi um lance (1) que mudasse o estado do jogo entre as nações; (2) e que estabelecesse proposições que fossem o oposto do que estava acontecendo: em vez de guerra, desarmamento e paz; em vez de especulação, tecnologia e produção; em vez de crise de energia; pesquisa energética; em vez de aquecimento global; luta contra a questão climática. Foi nesse lance que começou a reversão do quadro internacional.

O símbolo e a máscara

Como se vê, foram propostas feitas em perspectiva, abrindo itinerários, avenidas e trajetórias de longo alcance, e que não serão operacionalizadas sem obstáculos, sem adversidades e sem adversários. Mas, o lance de Obama se dá e se constrói a partir do símbolo. Ele próprio, Obama, é a mudança. Antes de tudo porque é o primeiro negro a ganhar a presidência da nação. Na verdade, o vencedor é um mestiço onde está incluída uma herança muçulmana. No entanto, existem mais dois aspectos significantes que dão amparo ao caráter simbólico de sua presença no cenário político: contra as finanças, no discurso no Congresso em fevereiro, revela um projeto de longo prazo para a economia dos Estados Unidos. Este discurso encadeia, ao lado de outros discursos, de diversas ações, de múltiplas negociações e tantas proposições, um estilo que tem como objetivo assegurar que o líder e a liderança dos Estados Unidos mudaram. A finalidade é tirar a mascara do medo e da prepotência e pôr no seu lugar o rosto da confiança, da sensibilidade e da escuta. A liderança pela sua própria aparição tem a ambição de ser uma nova figura, um símbolo para detonar a máscara.

O Clausewitz da paz

O que Obama representa e o que ele quer? Ele representa a visão liberal que volta a aparecer historicamente para tentar romper com a imagem guerreira introduzida acintosamente por George Bush, uma imagem guerreira desastrada, uma liderança avessa ao debate e às discussões, um comando de pura imposição da força. Ou seja, Obama traz a tentativa de construir a imagem de um império, no sentido contrário, que nasça da negociação, da riqueza benevolente e da tentativa de harmonia. Porém, ele surge no bojo de uma renovação da própria força do império, que pretende reconstruir um capitalismo baseado numa outra forma produtiva, que deixa espaço para as finanças, mas que quer um sistema financeiro mais controlado, mais a serviço do crédito do que da especulação. Pretende trocar um capitalismo “hard” para um capitalismo “soft”, se isto for possível, superando a guerra como o elemento básico, deixando espaço para a dinâmica da paz. Por essa razão, diríamos, fazendo um jogo de palavras, que os Estados Unidos nos propõe, pensando em Clausewitz, que se a guerra é uma forma de política, vamos para a paz como uma forma de guerra e, por consequência, uma forma de política.

O real e a utopia

A estratégia do novo presidente é fazer um deslocamento do movimento bélico do Iraque para o Afeganistão e, com isso, ir arrebanhando o apoio da Europa. E visa paralelamente conseguir uma diminuição da tensão com o Irã, embora sem ceder na questão do escudo nuclear. Com essa lógica, trata de mudar a inflexão no mundo muçulmano, afirmando que os Estados Unidos não estão nem estarão em guerra contra o Islã. Faz assim uma ação propositiva de acabar com a idéia conservadora e quase ridícula da “guerra das civilizações”, por consequência abrindo também a perspectiva de um relacionamento novo entre Israel e Palestina, etc. Contudo há uma nuance a estabelecer no presente tema. Além do deslocamento da guerra ao terrorismo para o Afeganistão, concentrando o ponto de frontal antagonismo, ao mesmo tempo, investe na idéia principal de sua estratégia política: inverter o tema da guerra pelo da paz, lançando, sobretudo, a estratégia do desarmamento. Com rigor, Obama faz um lance oposto ao normal dos últimos anos dos Estados Unidos. Ao contrário de exigir que os adversários abram mão de seu arsenal atômico, os Estados Unidos giram o jogo e dão o exemplo: eles se propõem abrir mão de suas armas. Este lance começou em Londres com a Rússia, na tentativa de diminuir o arsenal nuclear. O método de Obama é combinar um movimento real com uma utopia geral pela paz. Com isso alimenta um conteúdo moral na sua liderança e abre o jogo na direção de um apaziguamento das tensões. Todo este aspecto da sua estratégia não será feito sem discordâncias, sem combates, sem desconfianças, e talvez não sem turbulências imprevistas.

A racionalidade para domesticar

Então, a racionalidade do jogo de Obama começa efetivamente com essa carta da paz, essa carta do desarmamento. Diante dos impasses políticos de toda ordem dos Estados Unidos, o que se evidenciou nesta conjuntura é que ele deve voltar ao caminho da utopia liberal e a designação da paz como forma de vida entre as nações. Trata-se de uma maneira de mudar a sua liderança e o seu poder, com um objetivo substancial de conseguir tempo para que possa – um dos pontos reais de sua crise - domesticar as finanças, abrindo espaço para a reconstrução produtiva do planeta. Pois o embrulho americano foi total, o neoliberalismo levou esse navio para um impasse econômico e para um impasse político, para o desgoverno das finanças e para a desorganização política da guerra. Pois se o oposto é o que vai ser tentado, a paz e a produção, nesta mesma mudança, se poderá perceber os adversários internos de Obama, aqueles que se filiaram ao governo Bush, a indústria financeira, a indústria bélica e a indústria de construção civil com base na guerra. Esses grupos em processo de derrota vão responder fustigando de uma forma ou de outra. Cheney, por exemplo, já disse que os americanos não estão protegidos contra o terrorismo. E no plano da competição entre as nações, não podemos esquecer que se ninguém tem poder para enfrentar os Estados Unidos, há, no entanto, a necessidade de definir um novo mosaico de relações internacionais. Nessas relações se cruzam aspectos políticos e aspectos econômicos, constituindo um panorama que vai mudar a antiga configuração da disputa entre as nações. (Um exemplo desta “corrida imperialista”, como chama José Luís Fiori, é, dada a crise das finanças americanas, o avanço financeiro da China acertando swaps com a Argentina e instalando uma filial de um banco chinês na cidade de São Paulo).

A dialética do poder e do capital

Desta forma, a estratégia de Obama é muito nítida: desfraldar a campanha do desarmamento e da paz para obter um determinado tempo, com o fim de reformular as atividades econômicas, re-encaminhar as finanças, reorganizar o curto prazo produtivo e lançar um novo projeto de um outro padrão de acumulação. Mas, para modificar e expandir o poder americano é preciso torcer o objetivo da política externa e angariar condições para a construção de uma nova economia. E esta economia, de volta, poderá confirmar a renovação deste poder. É uma tarefa que para ter êxito há que articular bem a estratégia política e a estratégia econômica, armando uma dialética muito fina e muito firme entre o curto e o longo prazo. É dela, desta dialética, que nós poderemos julgar se os trabalhos de Obama vão, de fato, construir uma nova liderança, um novo capitalismo e um novo poder americano. Aqui está o punhal do desafio.

quarta-feira, abril 08, 2009

Quarta-feira, 8 de abril de 2009

O OCULTO E O VISÍVEL
(ou a estratégia econômica de Obama)
Por Enéas de Souza

O vento das incertezas

Para pensar a estratégia de Obama é preciso fazer duas coisas: primeiro, perceber que ele está querendo muito ser um grande presidente, porque ele é o presidente de uma transição econômica fundamental. E para tal é preciso que tenha, e esta é a segunda coisa, uma estratégia. E uma estratégia muito bem pensada, ampla, firme e vigorosa, mas uma estratégia que esteja sujeita às variações táticas em função das adversidades e dos adversários. E pensar a estratégia de Obama é uma questão decisiva tanto para os aliados quanto para os adversários. Só que, neste ponto e neste momento, não podemos ter certezas, porque muito discurso, diversas idéias, algumas ações nos dão apenas sinais muito precários, muito iniciais e razoavelmente diáfanos dos seus objetivos. Não se pode negar que há algo mais importante do que está visível, é aquilo que está envolto no oculto, algo que se vislumbra no escuro. E o que não aparece, mas que está grudado e encoberto pela luz, é aquilo que temos que supor, é o pulo do gato, e que, no atual correr do vento, está pleno de incertezas.

A visão e o norte

À primeira vista, a impressão que se tem é que Obama tem uma visão da totalidade. Ele sabe que um ato feito num ponto do sistema afeta os demais pontos e que há uma interconexão entre os elementos que estão em jogo. Em segundo lugar, parece que Obama tem um norte que vai ficando mais nítido à medida que os lances são jogados, como um rosto de um desenho que um artista está fazendo. E combinando os atos e a possível totalidade pensada por Obama, podemos esclarecer tanto o que está na luz como o que está na sombra dos seus gestos estratégicos.

Existem rumos para a mudança?

Nesse sentido vamos fazer um primeiro retrato, um primeiro esboço de sua estratégia. Diremos que a sua visão geral parte da necessidade de uma mudança no capitalismo e do poder americano. Vamos analisar hoje, especificamente, a mudança econômica, embora ela esteja acoplada com a questão do poder nacional. Elas são duas realidades interligadas, mas para efeito de análise, vamos discuti-las por partes. Queremos tratar, em primeiro lugar, da transformação do capitalismo. E o que importa para Obama, é sairmos desse capitalismo financeiro predador e que está abraçado com a guerra. Quer desfazer este enlace de morte. E quer re-posicionar as finanças, levá-la de um exclusivo setor especulativo para um setor disposto a fornecer crédito para o desenvolvimento produtivo da sociedade. Só que há um terrível obstáculo: a produção está atravessando uma crise tecnológica impressionante, envolvendo a questão energética, a questão ambiental, a renovação tecnológica de inúmeras indústrias, como a automobilística, etc. O que Obama pretende, então, para dar início à nova dinâmica econômica, é posicionar a economia para o longo prazo. E neste posicionamento vem uma enxurrada de problemas: o que fazer no curto prazo? Como financiar a pesquisa tecnológica? Qual o tempo de duração destas pesquisas? Como relacionar o curto e o longo prazo? Para que tal aconteça, Obama está disposto a fazer o Estado cumprir o seu papel. E tentar novas alianças setor público-setor privado, produção e trabalho, que estavam fora de questão na hegemonia das finanças.

A pedra no roubo

E é aí que surge a grande interrogação: como atuar com as finanças? Este setor é altamente poderoso, tem um sistema perverso de lucratividade, manda em toda a parte, desregulamenta o que pode e, ainda assim, burla as poucas regras que existem. Trata-se, até agora, de um setor totalmente fora de controle. E mais, Obama tendo, no seu elenco de atores, dois prêmios Nobel, Krugman e Stiglitz, não pode deixar de contar com o grupo dos “financistas”, Geithner e Summers, e o presidente do FED, Bernanke. As finanças estão como ostras encravadas nas pedras do Estado. Obama, mais cercado impossível. E, assim, se “financistas” dizem A e os outros, dizem B, se Geithner diz que o seu plano é dez, os outros – Stiglitz, por exemplo – diz que o plano não é zero, é pior, é um roubo; Obama, dado o maior poder das finanças, opta por aqueles que dizem A. Apenas bota uma pequena pedra, um grão de areia no sapato e decide que os executivos dos bancos ajudados pelo governo não podem ganhar essas fábulas que Wall Street paga. Essa decisão foi uma navalha afiada e uma cisão importante no grupo especulativo.

A corda

Bem, qual é mesmo a estratégia de Obama? Ele tem uma visão de longo prazo centrado na produção; e busca ajustar as finanças a esta dinâmica. Sem ser contra os bancos, pensa que o capitalismo tem que ser produtivo antes de tudo. Mas como reverter as finanças do seu antigo projeto, de financeirização de toda a economia? Só pelo controle do Estado. E como chegar a este objetivo? Parece que o lance de Obama aqui é o seguinte: dar corda para as finanças. Deixar que ela se arranje ou mostre a sua inviabilidade. E aí, Obama deve ter um cálculo, pois não há estratégia sem cálculo. É preciso, então, em primeiro lugar, dizer até quando, mas principalmente até quanto o Estado vai ficar nas mãos das finanças. Ou seja, deve ter claro até que ponto pode ir a estratégia de Geithner, seja em termos de dinheiro, seja em termos de resultados, seja em termos de tempo. O André Scherer publicou ontem, aqui no Econobrasil, que a estimativa do FMI para o custo da crise é de 4 trilhões. Roubini falava em 3,6 tri. Logo, se isto for certo, o plano de Geithner não vai chegar até o gol, fica no meio de campo e, talvez, até a bola vá para fora, vá para a lateral. O problema, então, para os analistas, é ter certeza que dar corda para Geithner é, de fato, a estratégia de Obama, e que ela é uma estratégia correta. Se assim for, cabe pensar com a cabeça dele e responder até quanto vai custar e até quando vai durar a chance. Obviamente que está embutida a pergunta: quem vai ganhar E quem vai perder? O plano de Geithner (e de Summers, como dizem alguns) vai dar dinheiro para os banqueiros. Eles vão ganhar política e economicamente o que perderam financeiramente. A nós, nos parece que este é o jogo do presidente americano, dar corda para que se evidencie socialmente que a solução é outra. Pois só desta maneira o Estado – e ele como presidente – podem tentar sair do cerco em que estão metidos.

No fim do túnel, só perguntas

A estratégia de Obama na área econômica supõe, portanto, uma espera dupla: uma espera para que as finanças se arranjem, uma espera para que produção se reorganize e vá na direção do longo prazo. E Obama confia que estas esperas possam ser regradas pelo Estado. E aí os leques e os trunfos são muitos: ajuda financeira, financiamento de pesquisa, apoio aos trabalhadores: saúde, educação, ajuda nas moratórias habitacionais, etc. Mas, se isto está visível, tem muito mais coisa no oculto: qual a posição do sistema financeiro neste novo projeto? Qual a segurança que vão conseguir os trabalhadores em termos de aposentadoria e de melhorias sociais? Qual será a possibilidade de competição nacional e internacional da indústria americana? Qual o projeto de expansão da economia dos Estados Unidos no quadro internacional? Como será realizado o comércio entre os países do mundo? Qual o papel das finanças neste comércio?

A paz e o tempo

Então, o que se pode ver é que Obama vai ter que fazer um jogo complexo, sair de uma economia financeirizada para uma economia produtiva. Vai ter que alterar os termos do contrato social e político; vai ter que se afastar de uma economia baseada nas finanças, na guerra e nas novas tecnologias de comunicação e informação para tentar a construir uma economia sustentada na infra-estrutura energética, nas novas tecnologias dos múltiplos setores industriais, além da expansão de outras tecnologias de comunicação e informação. E é neste modelo que vão ter que se encaixar as finanças. Mas, atenção, este reposicionamento vai ser feito durante um processo de reformulação do poder americano no mundo, abrindo espaço para uma política de paz, talvez a única forma de assegurar um tempo para a renovação da economia produtiva e financeira americana.

terça-feira, abril 07, 2009

Nova estimativa de custo da crise: US$ 4 trilhões

As estimativas quanto ao custo da crise seguem crescendo. Quem não se lembra que o FED ao início da crise, estimava seu custo entre US$ 100 e US$ 250 bilhões? Quem não se lembra que Roubini foi chamado de apocalíptico ao avançar o número mágico de US$ 1 trilhão em meados do ano passado?

 De lá para cá, com a deterioração econômica, os custos estimados aumentaram e hoje passa batido o novo relatório do FMI a ser publicado em 21 de abril e  que estima, segundo o Times de Londres,  em US$ 4 trilhões o csto fiscal da salvação do sistema financeiro global!

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Terça-feira, 7 de abril de 2009

A COLHEITA DE OBAMA
Por Enéas de Souza


Olhando-se a viagem de Obama cabe perceber alguns pontos para o seu currículo, alguns aspectos que marcaram a sua passagem pela Europa. Uma semana de grandes atividades.

Primeiro: personalidades e mares diferentes

Obama mostrou ao mundo que os Estados Unidos têm uma nova liderança. Uma liderança diferente daquela de Bush. Os dois são mares de natureza diferente. Um é um mar cheio de pedra, multidão de ouriços, uma quantidade enorme de tubarões à solta, mar paradoxalmente raso, mar escuro, sombrio e soturno. O outro não; é um mar onde não tem apenas o rumor das ondas escalpeladas, é um mar que dá para velejar, é um mar onde se pode praticar a pesca submarina, e é um mar que tem naturalmente tubarões, quem sabe tem a astúcia dos polvos, e tem – tem, sim - baleias e golfinhos também. E tem um sorriso que se quer franco. Ou seja, Obama é uma liderança de outra espécie. O seu sucesso talvez não venha somente da sua personalidade, mas talvez venha, sobretudo, do contraste com a presença de oito anos de Bush. A presidência deste foi tão desastrosa, tão arrogante, que as pessoas, os presidentes e os primeiros ministros, surpresos, não queriam acreditar que estavam diante de um cara simpático, que joga, mas que tem franqueza. Obama conquistou o mundo com a sua maneira de ser: simpática, humilde, de escuta, de proposição conjunta, sendo flexível quando necessário e firme quando indispensável. Esta foi a sua primeira colheita, a das uvas, que pode dar vinho de boa qualidade. Pode; não quer dizer que vai dar. Existem muitos temporais ameaçando as parreiras. E um país não é apenas a personalidade de seu presidente; um país como dizia o ex-secretário de Estado John Foster Dulles, tem exclusivamente interesses.

O balaio de frutas estratégicas

Obama mostrou que existe uma nova estratégia no campo geopolítico: retomar e refazer a liderança americana, fortalecendo o poder através de uma estratégia distinta do governo anterior. Este é o seu claro objetivo. Obama não pertence àquela linha totalitária de Bush, cujas motivações eram: guerra, petróleo e obras públicas para os grandes empreiteiros; uma combinação de fanatismo religioso e de fanfarra patrioteira; e auto-endeusamento de um país messiânico e guerreiro. Obama é um liberal à americana. Defensor do capitalismo, sim; sustenta que o mundo deve ter uma liderança americana também, mas esta liderança tem que vir por méritos e pela tradição do país.

E foi neste campo geopolítico – uma estratégia de desarmamento nuclear e de paz – que Obama tomou medidas, cujos produtos foram para o seu cesto de frutas. Verifica-se, então: (1) uma busca de segurança, de controle e diminuição do arsenal nuclear, bem como igualmente de controle dos materiais nucleares que podem chegar às mãos de terroristas; (2) uma mudança da guerra contra o terrorismo, deslocando o foco do Iraque para o Afeganistão. Vantagens: torna a luta mais nítida; e no Afeganistão entram em foco os talibans, o lugar e os treinamentos do Al-Qaeda e a terra onde viveria Osama Bin-Laden; (3) uma orientação política de combate que fixa uma realidade para o enfrentamento com os adversários. E faz deste enfrentamento, não somente uma luta militar, mas também simbólica; o que permite a adesão da Europa e dos aliados dos americanos. Anula, com isso, o disfarce da guerra do governo Bush, cujo verdadeiro objetivo era uma ação predatória sobre o petróleo (medida cujo peso pode ser observado pela tentativa de Obama de centrar as pesquisas tecnológicas em outro tipo de energia); (4) um chamamento da Europa, via OTAN, para esta guerra no Afeganistão, agora, com um gosto mais palatável. (5) uma promessa de liderar a luta contra os problemas climáticos já na reunião de Copenhague; (6) uma declaração de paz diante dos muçulmanos: os Estados Unidos não estão e nem estarão em guerra contra do Islã. Ao mesmo tempo, que Obama se permite aglutinar nessa estratégia geral de paz a relação Israel e Palestina; (7) e, finalmente, uma colheita implícita: a guerra do Afeganistão é também para os Estados Unidos uma forma de manter o emprego, pois a desmobilização poderia levar a um desemprego perigoso de militares altamente treinados.

Em contraste com este balaio de frutas, que constituem uma estratégia geral de paz e uma estratégia de desarmamento nuclear, Obama apresentou outras posições, que respondem como se fossem colméias de abelhas, que vão gerar dificuldades, mas que indicam claramente o seu ponto: (1) uma posição cautelosa, mas firme, pela instalação de um escudo nuclear, contra a possibilidade do lançamento de mísseis vindos do Irã. Trata-se de um complexo a ser localizado na República Tcheca, na Polônia e na vizinhança da Rússia, que obviamente tem resistências ponderáveis sobre o tema; (2) uma postura de apoio ao desejo da Turquia de entrar na União Européia, em desacordo frontal com a posição da França e da Alemanha; e (3) uma resposta à hostilidade calculada da Coréia Norte pelo lançamento de um míssil, numa clara alusão à discordância desta em relação à política externa americana.

As raposas intocadas

Obama (1) mostrou uma postura estratégica cautelosa na questão econômica. Sem dúvida, defendeu a idéia que o sistema financeiro deve sofrer mudanças, mas não se comprometeu com nada, no campo de alterações mais profundas, principalmente na estrutura do sistema financeiro. Obama está cercado pelas finanças, está empacado no meio dos bail outs e até das questões de marcação dos ativos podres, e do “roubo”, como disse Stiegletz, do plano do Geithner. Esta é uma área minada, explosiva. E o G-20 pode até dar apoio para ele nas questões internas, que utilizando a força anti-finanças externa pode tentar diminuir o cerco que existe em torno dele, no campo interno. Porém, (2) houve no summit uma decisão para a criação do Financial Stability Board, um novo regulador ampliando o Financial Stability Forum com a finalidade de promover uma maior estabilidade financeira internacional, buscando melhores informações e cooperação internacional. O FSB, além de controlar os hedge funds, controla o sistema contra o crescimento da sua instabilidade, reportando-se ao G-20, ao FMI e aos bancos centrais. Para Obama, essa instituição poderá ser o embrião de um movimento de deslocamento da posição das finanças no mundo e nos Estados Unidos. Por aí, por uma medida importante, mas ainda não decisiva, apenas preventiva, pode-se ver como o poder das finanças foi – e continua – muito denso, variadamente audacioso e com a astúcia das raposas da engenharia financeira. (3) Do ponto de vista econômico, a grande vitória foi colocar o FMI e o Banco Mundial na linha do desenvolvimento, para atender inclusive a algumas crises de países críticos. E, de quebra, conseguiu tirar dos europeus a indicação do presidente do FMI, abrindo um leque maior para a sua escolha. O problema é de onde o G-20 vai tirar os recursos para este novo FMI e Banco Mundial que somam 1 trilhão de dólares. Todavia, mais dois assuntos deram cor à sua estratégia econômica. De um lado, (4) a reafirmação do livre comércio, com a proposta de equilibrar o comércio internacional, evitando a política dos déficits gêmeos e, sobretudo, o desequilíbrio das importações. E por fim, (5) decisões que agradaram muito aos europeus: o G-20 decidiu exercer controle sobre os paraísos fiscais. Como se pode ver tudo entra numa sacola de boas intenções, mas é preciso aguardar a implantação de todas essas medidas. Em termos de estratégica econômica, as coisas ficaram bem claras: apoio à produção com reformulação da estrutura mercantil e um processo lento e longo, porém progressivo de controle das finanças.

O ideal da estratégia e o vulcão das situações

Ao mesmo tempo em que marca o novo estilo de liderança da presidência dos Estados Unidos, com o objetivo da manutenção e da renovação, e quem sabe, do incremento do poder americano, Obama marca também um estilo pessoal de fazer as coisas: soft, sutil, atacando pelos lados, somando forças, aglutinando pontos comuns, aparando divergências e deixando os combates decisivos para momentos onde a sua acumulação de força for julgada suficiente para o gesto decisivo. O que importa dizer, o que é preciso ver é que, concordemos ou não, Obama tem uma estratégia. E uma estratégia nítida de renovação do capitalismo (veja-se seu discurso do estado da nação) e, dentro dessa renovação, um desenvolvimento de uma nova liderança americana.

Naturalmente, que o que falamos aqui são acontecimentos, impressões e hipóteses, a respeito de sua liderança. É preciso ver se estas sementes vão florescer, precisamos ver qual a sua habilidade de encarar a violência da política e da guerra, da argúcia e da provocação dos adversários (como o caso da Coréia do Norte, quando Obama estava em plena viagem) e a forma de constituir um novo projeto de ordem política e econômica do mundo. O vulcão está aí. E como dizia uma antiga marchinha do carnaval brasileiro: as águas vão rolar. E as águas, como os especialistas em incêndio sabem, podem alimentar o fogo. Ao sair bem, Obama mexeu também nas abelhas, e elas virão de muitas partes: das finanças, da indústria bélica, do Oriente Médio, da Ásia, etc. E de todos aqueles que são inimigos do capitalismo.

segunda-feira, abril 06, 2009

Segunda-feira, 6 de abril de 2009

A DANÇA DO FOGO
Por Enéas de Souza

A contenção dos fortes ataques

As finanças continuam o seu intenso jogo para não perder a posição de comando da economia dos Estados Unidos. Um primeiro ponto foi conseguido: manter uma representação muito forte dentro das instituições do Estado americano. Dominam o FED e o Tesouro, e têm vinculado a elas, de uma forma ou de outra, o diretor do National Economic Council, do Presidente Barack Obama, Lawrence Summers. E além da manutenção desses lugares têm uma vasta rede de lobistas no Congresso Nacional. O seu domínio permitiu, na realidade, que fossem contemplados com tentativas de “bail outs”, inclusive esse último PPIP (Public Private Partnership Investment Program), plano que é um verdadeiro saque no povo, segundo o economista Joseph Stieglitz. De qualquer maneira, para quem entrou numa crise formidável, que inviabilizou o crédito, que paralisou os mercados financeiros no geral, as finanças estão feridas, mas não derrubadas e, institucionalmente, continuam tentando soluções para saírem da crise, obviamente em seu benefício.

Os pães dos ricos não cessam

Como podemos sentir, moralmente, as finanças estão mal situadas politicamente com a população. Primeiro, pelo desastre financeiro que infelicitou inúmeras pessoas, sobretudo nas questões das hipotecas imobiliárias. Segundo, pelas perdas dos múltiplos investidores nas diversas aplicações em títulos financeiros. Terceiro, pela questão dos bônus aos executivos, que se tornaram escandalosos, uma vez que pessoas que causaram rombos financeiros inauditos ficaram, ou mesmo saíram deles, com gratificações retumbantes, incompatíveis com a condução incompetente dessas entidades. E mais, ocorreram situações graves que provocaram imensa irritação. É o caso de funcionários da AIG que receberam alargados bônus, quando esta seguradora teve um aporte de mais de 200 bilhões de dólares do setor público, dinheiro dos contribuintes. Obama, obviamente, não só se manifestou por um limite nos bônus, quanto na questão específica da AIG recomendou que Geithner lutasse, de todas as maneiras, para diminuir os valores envolvidos na questão. Até o Congresso foi sacudido por grandes discussões sobre o tema. (E para que não paire dúvidas, o secretário Geithner, no geral, é favorável ao pagamento de bônus).

Concessões que podem ser benéficas

Agora, na Europa, no G-20, as finanças foram atacadas intensamente por todas as partes, mas aparentemente as concessões foram poucas em termos concretos. Não houve nenhuma definição sobre a nova estrutura do sistema bancário, salvo a criação de Financial Stability Board, um órgão que vai dar uma controlada na instabilidade internacional e vai registrar e fiscalizar os hedge funds, de acordo com os governos, com o G-20 e com os bancos centrais. E houve, cabe registrar, uma outra concessão: um certo controle dos movimentos financeiros na questão dos paraísos fiscais. Olhado sobre os mais diversos ângulos, estas medidas soam mais como medidas preventivas, que poderão ser também benéficas às finanças na prevenção de novas crises. Não provocam transformações profundas no sistema financeiro. Ou seja, nada sobre as modificações das instituições (por exemplo, sobre a nacionalização, sobre a governança corporativa), nada sobre modificações do Banco Central, nada sobre a desbragada criação e controle dos títulos financeiros. Apenas, como um modesto anúncio de um leve outono, três concessões relativamente menores: hedge funds, Financial Stability Board e alguma regra para os paraísos fiscais. Resumindo: ficou algum controle na total desregulamentação que vigia até agora, e que, como as modificações paliativas do Banco Central americano, pode dar uma certa estabilidade para que as finanças consigam atravessar o rio dos mortos.

Os intocáveis

As pressões continuam muito gritantes de todos os lados. E há um ponto que continua sendo muito problemático para as finanças. Um monte de cacos de vidros para atravessar o corredor. É o caso dos executivos, que além de ganharem muito dinheiro, quebraram os bancos e, paradoxalmente, continuam intocáveis, firmes nos seus postos. Geithner, vindo da Europa, do G-20, disse que o governo removerá os executivos dos bancos – olha o tempo! - no futuro (!), se isto for necessário e se houver uma “assistência excepcional” do governo. Na verdade, talvez seja mais uma declaração tática, porque, os exemplos dos bancos Citigroup e Bank of América são contundentes. Houve uma injeção governamental de capital e ninguém foi substituído. Geithner, então, está fazendo esta afirmação porque o governo está sob sol abrasador. Os críticos falam que Obama endureceu com o setor automobilístico, tirando inclusive o chefe executivo da GM, mas até agora não forçou o tom com setor financeiro. Fato que levou alguns congressistas proclamarem que a White House pega leve com Wall Street.

Por quem dobram os sinos?

A conclusão é obvia. Quando um grupo social, uma fração de classe como as finanças, ganhou tal volume de poder como o que acumulou nestes 30 anos, a metamorfose das relações sociais de produção não são fáceis de serem realizadas. As finanças manobram para continuar no comando do processo econômico. E aparecem indicações vindas dos discursos de Obama, sobretudo daquele no “estado da nação” no Congresso, que querem assinalar que existe, no entanto, no subterrâneo da sociedade uma busca de metamorfose. Esta, se crescer como um bolo, como uma nova forma, fará funcionar uma corrente, um fluxo, na direção de um outro modelo capitalista de acumulação. A luta, porém, está instalada, mas ainda não é volumosa. Movimentos anti-capitalistas são personagens coadjuvantes, fazem pequenas pontas, no palco das oposições. Analisando bem, o que está se vendo nesse momento é que há uma forte pressão contra as finanças, que até agora apenas estão dando o lado e cedendo o mínimo. A crise vai demorar muito ainda para ser resolvida. Mas, algo se deslocou, apesar do reduzido deslizamento do setor financeiro. E as finanças que antes tinham o total domínio político, econômico, social e ideológico da sociedade, agora não têm mais, perderam, sim, o domínio ideológico. E estão disputando, ferozmente, os domínios social, político e econômico, nesta seqüência. Então, a sua ditadura, que antes era sólida, está algo abalroada. As finanças estão oscilantes, estão balançando, mas não estão dominadas - e muito menos, estão de joelhos.




domingo, abril 05, 2009

Domingo, 5 de abril de 2009

A CRISE SE AMPLIA
Por Enéas de Souza

O que se enxerga

A sociedade americana vive um momento difícil, o seu capitalismo está em desagregação, embora existam movimentos para a sua alteração. O que se enxerga, no entanto, é o cair das finanças embrulhadas numa crise de capital, de liquidez e afundadas em ativos podres; é o descambar da indústria, em função da superacumulação produtiva recente, para uma competição desesperada, para uma tentativa de reorganização produtiva, inclusive para retornar a liderança mundial em termos de produção e de produtividade; é o setor serviços, por conseqüência, caindo fortemente. Ou seja, a economia americana está em declínio e tenta buscar forças para a sua reformulação. Mas, são os trabalhadores que sofrem no bolso e nas suas vidas, pelo desemprego, toda essa fúria da crise.

O que marca a meteorologia social

Nos tempos áureos de Clinton e mesmo em momentos de Bush, a economia americana estava com uma taxa de desemprego ao redor de 4%. Pois, bem hoje ela chegou a 8,5%, o que significa a maior taxa dos últimos vinte e cinco anos. Fica muito claro, que a devastação social é intensa. Desde dezembro de 2007, quando a crise mal estava no início até agora são mais de cinco milhões e cem mil empregos perdidos, tendo este mês de março de 2009, desempregado 663.000 pessoas. E as perspectivas para os próximos meses continuam graves e parecem sombrias. Há precisões que estas taxas possam atingir 11% , talvez até mesmo este ano. A meteorologia social continua marcando chuvas fortes, temporais e ventanias. Naturalmente, que a ação do governo pode minorar o desemprego, mas o que se pode constatar é que as forças que fazem a economia penetrar na recessão e se encaminhar para a depressão são maiores que aquelas que geram o dinamismo contrário.

A demanda endoidecida

O terrível nesse processo é que a queda do emprego mostra profundamente um dos problemas graves dos fundamentos desta economia financeirizada, que tende a chegar ao fim. A dinâmica desta economia estava centrada na especulação, que produzindo rendimentos financeiros assegurava um dispêndio crescente no consumo, de tal modo que era este consumo que puxava, em terceiro lugar o investimento, o alimentador do emprego. Pois foi essa cadeia econômica que desabou. E quando os rendimentos das finanças secam, quando o desemprego cresce, e, portanto, o consumo desce e a demanda tomba endoidecida; nada faz o investimento subir. E então, as forças recessivas e depressivas se instalam, o consumo se enrosca no investimento, ambos despencam e a sociedade entra numa crise profunda.

Porque está mais difícil do que devia estar?

Neste momento, cabe ao Estado entrar em campo e reverter o quadro, centrando fundamentalmente os seus recursos no investimento. Isso se torna extremamente difícil porque há necessidade de salvar os bancos, as finanças sempre próximas, para evitar o risco sistêmico. O risco sistêmico significa a instalação da desordem absoluta na economia e na sociedade. Então, a conversão para uma outra economia é um processo longo, e por mais que o governo se incline para o investimento, há que tentar tapar os furos e salvar o bote financeiro. E nunca se pode esquecer, que o Estado está dominado pelas finanças ao menos em dois pontos, o Tesouro e o FED,. Ah!, devemos lembrar que o diretor do Nacional Economic Council do presidente Obama, o controverso Lawrence Summers, segundo Blomberg.com, de uma forma ou de outra, esteve ligado aos hedge funds e aos bancos. Não está aí, perspicaz leitor, um dos pontos candentes da crise? Obama vai ter que ter muito jogo de cintura. Para contrabalançar, e botar mais grafittis nos ouvidos dele, olha só o que escuta das ruas de Nova Iorque: “bail out the people”. É preciso compreender a crise em toda a sua amplitude, dentro da dinâmica econômica, dentro da política e dentro do Estado.