quinta-feira, outubro 29, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
29 de outubro de 2009

O ESTADO
COMO
RESERVA
DE CAÇA
Por Enéas de Souza


O Estado é meu!

A chave da reformulação da economia mundial é o Estado. Por mais que os neoliberais o combatam, por mais que vociferem contra, não podem deixar de pensar que é no Estado que as energias políticas, econômicas e financeiras vão ser geradas para as transformações da nova economia. Vejam-se os bail-outs americanos, vejam-se as desonerações dos impostos na economia brasileira. Olhando bem encontramos dois pontos decisivos. De um lado, o capital sem a alavanca e a proteção do Estado, sem uma política econômica que o ampare, no limite, ele encontra muitas dificuldades para decolar. Precisa de financiamento, de subsídios, de orientação tecnológica, de suporte para embates internacionais, etc. De outro, o capital não pode deixar o Estado levar a fama. E simplesmente, por quê? Porque, depois de tudo, o Estado é o local onde os confrontos políticos da sociedade encontram a sua solução e a sua aglutinação. E é nele que se organiza uma política econômica, onde se concretiza um pacto social em ato. E num regime capitalista, o que o capital desenvolve é a idéia de que o Estado é uma reserva de caça dele. E que, portanto, as instituições estatais não devem aparecer como aquelas que dirigem a sociedade, que orientam ou designam uma direção econômica. O que o capital deseja é que o Estado possibilite a liberdade do capital na busca de belas colheitas de lucro. Assim fazendo, dizem eles, o Estado deixaria a sociedade alcançar o melhor aproveitamento de seus recursos.

A verdade é que tanto o Estado é importante para a empresa privada, como a empresa privada para a sociedade. Só que, ouvimos outro dia, um empresário daqueles que erraram o rumo do seu mercado, sem reconhecer seus pecados, dizer: “na crise, este Estado teve pontos ineficientes”. Ou seja, na defensiva, partiu para o ataque. Porque sempre há o desejo de pôr o guizo no gato.

O tudo e o nada: a fronteira interna do capital

Esta ideologia é a aposta cega dos capitais, mas principalmente do capitalismo financeiro. E para tal, vale-se de um conjunto de idéias, de propostas, de artimanhas e de iniciativas que conduzem o capital a mandar sobre o Estado e sobre a própria sociedade que institui este Estado. E aí vem o principal: o Estado sim, tem que apoiar ao máximo o capital, mas, além disso, deve constituir-se como um Estado Mínimo, mas para a população. Assim, anula-se a idéia de um Estado de direitos sociais e civis. O que significa algo mais importante ainda: os setores de educação, saúde, previdência, segurança, etc. tornam-se fronteiras internas para a expansão do capital. Ou seja, o que o neoliberalismo propugnou foi mais do que o Estado não interferir. Foi que o Estado assegurasse que as empresas públicas e as políticas públicas fossem áreas para a expansão do capitalismo liderado pelas finanças. Financeirização e capitalização, o objetivo fundamental da política econômica e da política pública. Fernando Pessoa dizia que o mito é o nada que é tudo. E as finanças dizem que elas, que não produzem nada, financeirizam tudo. Soros, o financista, mostrou que há setores da sociedade que não devem ser capitalizados. Vejam o exemplo daquela associação pela paz que administrada como empresa financeira acabou por aplicar em ações da indústria bélica. E Aristóteles ainda dizia que o homem é um animal racional...

A cirurgia plástica do Estado

1 – A visão financeira do Estado é fazer desta instituição um ponto de transmissão da correia financeira, abdicando do controle, da fiscalização e da regulação dos setores bancários e não bancários, última instância, como um Jesus Cristo social, ser o salvador do capital nas horas desesperadas da crise. Só que para exercer bem estas funções, o Estado necessita fazer uma operação cirúrgica precisa, na verdade uma cirurgia plástica. A operação tem êxito quando ele consegue ter a aparência democrática, para dar legitimidade à entidade pública. Mas logo após a eleição há que interromper qualquer contato dos governantes com seus eleitores. Considere-se o primeiro Lula, e agora a presidência de Obama. As entidades privadas de classe passam a ser o intermediário das relações sociais, principalmente as entidades empresariais. Encontros que são feitos num ambiente de comunicação dominado pela mídia, esta indústria da ideologia. Ou seja, o Estado é cercado pelas entidades de classes, no caso atual, com a hegemonia das finanças. Vocês se lembram um das primeiras reuniões de Fernando Henrique logo depois da sua eleição? Foi com os banqueiros.

2 – E há uma segunda cirurgia. Esta é de medicina interna, feita dentro do próprio aparato de Estado. O que fez o bisturi político? Isolou órgãos econômicos, na estrutura burocrática, do resto do Governo, dando a eles a predominância indiscutível sobre os demais. Foi o caso do Banco Central e da Fazenda (Tesouro nos Estados Unidos). Mas para que a operação fosse bem realizada, ela trouxe um acréscimo notável: o presidente do Banco Central, que decide elementos fundamentais de política econômica, é escolhido nos conchavos burocráticos e empresariais e submetido pelo presidente da República à aprovação do seu nome pelo Senado. E com isso criou-se a autonomia ou a independência do Banco Central, o que se constitui na maior astúcia política das finanças, pois é o Banco Central que define o patamar básico da política de juros. E se no desdobrar da carruagem, o Banco Central tem apenas uma regulação tênue sobre o sistema, o que se percebe é que a independência do Banco Central é sinônimo da independência do capital financeiro. Pois ninguém pode se enganar: as finanças dominam francamente a indicação do nome.

O problema da omelete

O Estado é, assim, o resultado de uma democracia formal, que através da eleição coloca uma cúpula política, burocrática e administrativa que sustenta uma política econômica e social no exercício do seu poder. E como já vimos, este poder é balizado pelas entidades corporativas que dialogam com o Estado, mas também pelo jogo político estatal partidário, onde o embate do Executivo e do Legislativo assume o cenário principal das adversidades. E com esses aspectos simplesmente enunciados aqui, temos a brutal sensação de que o confronto eleitoral ficou apenas como um pano de fundo. E que o governante na sua ação, pode ou não respeitar. Isso se tiver capacidade e habilidade para contornar todas as arestas da disputa direta com as forças dominantes da sociedade e que tem acesso ao governante seja por pressão direta, seja por pressão política, seja por pressão midiática. Desta maneira, o caminho para a hegemonia de uma fração social depende da forma como o setor se ampara do Estado. E, sobretudo, dos pontos decisivos deste Estado. E quando a própria ação da sociedade e da política, no caso das Finanças, destaca órgãos (Banco Central e Finanças) para gerirem políticas econômicas em benefício deste setor, toda a composição dos demais ministérios do governo fica facilitada, porque a reserva de caça está já e há muito tempo delimitada. E, no caso americano, desde o governo Clinton as finanças aumentaram significativamente o seu poder, a ponto de tratarem de estabelecer uma política de desregulamentação, de fragmentação de controle e supervisão das múltiplas áreas financeiras (bolsas, seguros, imobiliárias, etc.) através das famosas agências reguladoras, que nada mais são do que o capital controlando e supervisionando o capital. É frigideira cuidando da omelete ou não se faz omelete sem quebrar os ovos.

O favor chama-se risco sistêmico

Quando a volúpia financeira desabou, o movimento foi claro. O Big Government serviu, através do Banco Central e do Tesouro, para articular com o Congresso, junto com ações práticas do Estado, o fornecimento aos bancos em desgraça de tudo o que era indispensável: capital, linhas de liquidez, troca de títulos podres por títulos do Tesouro Americano, taxas de juros convenientes, etc. Ou seja, as finanças estavam na defesa, mas em nome de um chamado risco sistêmico, o Estado interveio para salvar o possível do que estava em pedaços. Concentrou toda a sua política monetária, financeira e fiscal, em defesa das finanças. E, sobretudo, evitou qualquer projeto de estatização ou nacionalização dos bancos. Claro, em nome da liberdade de empresa e do livre mercado. O mesmo Estado que está dando garantias aos bancos, proporcionando tempo para que as finanças se recuperem e possam encontrar novos caminhos, é a mesmo que é impiedoso para os assalariados, presos nas foreclosures das hipotecas, e que é levemente benévolo para o capital produtivo em processo de decomposição.

Onde está o avião da economia?

O mundo está vindo abaixo, mas o Estado continua sólido e em defesa do capital financeiro. O único problema é a moeda. O Estado que garante o valor da moeda é o mesmo que permite o caminho da desvalorização do dólar, por causa do seu empenho fiscal em defender os bancos e as instituições financeiras. Aí aparece a negação deste processo. Trata-se de um mecanismo interno ao Estado e que se reflete direto no mercado, os déficits fiscais levam ao aumento da dívida estatal e conduzem à economia monetária e financeira a praticar uma disfunção na moeda. Com a desvalorização, temos a liquidação da função reserva de valor (garantida pelo próprio Estado, através da taxa de juros e dos títulos públicos do governo). E só esta ameaça introduz no coração do Estado a possibilidade dele realimentar a crise. Traz também a hipótese de que a instabilidade financeira possa derrubar a estrutura de solidez da instituição do Estado. Ou seja, neste momento se avizinha a uma zona de perigo que indica que o Estado deve ser reformulado, reformado, modificado, transformado. Estamos nas proximidades de um conflito social alargado. Embora não tenhamos chegado lá, há indicações de que a crise não terminou. Que a crise não é pós-crise, que ela chegou quando muito à transição da primeira fase da ruptura econômica para uma segunda fase. O avião está voando na direção das nuvens da depressão. Mas, mesmo entrando ou não em regiões de alta turbulência, o Estado continua a ser fundamental para a resolução dela, só que através de alterações que vão introduzir o reposicionamento das forças sociais. Há que perceber que este será o momento da postulação, da proposição e da execução de novas políticas econômicas. Só através do Estado é que pode se estabelecer um novo pacto social e o estabelecimento de um novo poder. Mas este não chega pela boa vontade das forças da sociedade, e sim depois de inúmeros equívocos de política e de vários confrontos. Se o dólar se deteriorar fortemente, a crise vai entrar num período de grandes comoções. Mas, em qualquer caminho que a sociedade venha a trilhar, o Estado é o elemento necessário e fatal. E, para isso, ele terá que deixar de ser reserva de caça.

quinta-feira, outubro 22, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
22 de outubro de 2009

O TEMPO DA CRISE
(Teremos novas aves com novas plumagens?)

Por Enéas de Souza

Da passagem da economia à política

Os tempos são de crise, mesmo que a indústria dourada da mídia transforme os seus produtos, informações e comunicações em cosméticos, quinquilharias e turismo. Ela se transforma numa indústria ideológica, vendendo idéias, imagens e espetáculos. A sua função tem sido ultimamente aquela de transformar o desastre da economia num mundo benfazejo, altamente positivo, negativamente inviável. Só que o real é o que insiste e o que abate as fantasias da ideologia dominante. A crise como um personagem muito à vontade se instalou nos bancos, nas indústrias, nas casas dos indivíduos. E não adianta disfarçar: não há paliativos que melhorem o tumor, tudo é medicação leve, quando a doença é profunda. Pode-se dizer que é uma doença estrutural. Ou seja, para resolver o problema só tem um jeito: alterar a estrutura das atividades econômicas. A grande questão é que economia é uma realidade social, onde estão envolvidos grupos, classes e posições que se antagonizam fortemente, ou seja, economia é concorrência e competição. Nos momentos fortes de impasse, ela sai pela política. E não podemos esquecer que a política é conflito, disputa e contradição. Portanto, há que se admitir que a sociedade americana e mundial está debaixo de um fogo intenso e de um combate arrepiado.O Estado é o problema. Só que existem outros fatores que atuam no processo. Antes, de mais nada, existem duas estruturas que estão se decompondo e que precisam ser rearranjadas, remodeladas para que apareça o novo. Pois sem o desmanchar do velho, o novo não emerge. E o novo, o mais novo de tudo, é a transformação produtiva pela presença de expansões tecnológicas. Mas para que esta surja uma coisa indispensável tem que acontecer. De fato, uma mudança fundamental. A decomposição do velho inclusive na política para que outras políticas surjam e possam ser instauradas. Ou seja, o problema passa pelo Estado. Há que mudá-lo, com a finalidade de que novas composições políticas definam políticas econômicas que sejam transformadoras. Este filme tem que ter novos cenários e diferentes atores. Até o momento, os governos continuam com dirigentes que estabelecem proposições para reformular o velho, ou seja, para tentar acalmar a estrutura financeira. Não, o tumulto da crise e que causou perturbações vastas não passou só pelas finanças. O ponto é que como uma barca fulminante atravessou a produção e as finanças. Um fatal desastre. Veja-se, por exemplo, a produção. Ela assenta o seu avanço no desenvolvimento da tecnologia, pois é a tecnologia que permite trazer e carrear investimento. Logo, proporcionar a lucratividade cobiçada. Neste sentido, a produção conta com a tecnologia para alcançar a promessa de lucros excepcionais. Olhemos o outro lado, as finanças, que tiveram um período de glória e morte nos últimos 30 anos. A instituição da área que quiser sobreviver e recuperar o retorno consistente das rendas financeiras deve aprender a ser plástica, dúctil, vivamente flexível. E, no embalo das semanas, buscar inovações que promovam uma recomposição com a área produtiva. Há que ter clareza: só quem pode desfazer as antigas conexões e instalar outras é a figura negociadora e coercitiva do Estado. Só que o Estado está amarrado e armado para um período de hegemonia absoluta das Finanças. E este momento acabou. Como mudar? O que fazer?

O tempo e a demora do tempo

1 – Podemos dizer que para que a temporalidade econômica avance é indispensável que tenhamos o tempo da política. E aqui, dado o poder das finanças sobre o Estado, é que talvez haja uma certa possibilidade da “eutanásia” das finanças. Obviamente, num momento de desespero ou de lucidez. Pois, olhando pela universalidade do capital, talvez os dirigentes políticos, vinculados ao setor financeiro possam definir num tempo o destino às finanças. Fazer a “eutanásia” do rentista. Não de cada rentista particular. Mas, uma solução que passa pelo rearranjo do lugar das finanças como classe. Passaria a servir à sociedade, fornecendo crédito, deixando de lado o grande endoidecimento da especulação. Um movimento oficializado. E, no estado atual das coisas, este caminho, esta canalização só será alcançada por meio do Estado.

2 – Caberá, portanto, ao poder público tomar uma posição política cujo escoadouro abrangerá uma política econômica que reservará à órbita financeira um papel de apoio, um papel de fornecedor de crédito, um papel de sustentador da dinâmica das empresas. Assim, de uma deusa da Fortuna, as finanças terão que ser a deusa da Sabedoria... Obviamente que esta solução hoje é quase impensável. Mas se a economia patinar, se a acumulação não avançar, talvez. Se as ideologias, a população e os outros capitais não compactuarem com a alucinação das finanças de retornarem à lei do dinheiro que dá mais dinheiro, simplesmente por simplesmente, quem sabe. Então, é possível que a febre de que os ativos, quaisquer que sejam, tenham que botar a máscara de ativo financeiro, seja bloqueada. No final das contas, há que alterar a questão da governança corporativa. Este princípio regulador e organizador das corporações tem como objetivo a financeirização da empresa produtiva. Mas esta solução – ou algo que tenha o mesmo efeito – terá que ser o resultado de um processo profundo e que remeta a economia para um novo padrão de desenvolvimento. O que estamos sugerindo é que, no momento, o Estado começa a se constituir como o domínio próprio para esta decisão. Pois, a mudança da governança corporativa virá junto com processos complexos como a nova regulação financeira num projeto político que una efetivamente o curto e o longo prazo. A questão diante destas tarefas é, mais uma vez: como? Esta solução que estamos aludindo pode se chamar, em homenagem a Keynes, de uma política econômica de “eutanásia do rentista”. Mas como esse processo não será de fato uma eutanásia, talvez a questão seja de uma prolongada política de amnésia consentida das finanças. Ficar de molho para poder, mais adiante, crescer. É possível?

3 – Primeira conclusão: na crise, o tempo econômico tende a passar pelo tempo político. Segunda conclusão: sempre! Terceira conclusão: há que achar a negociação possível para que não haja a velha luta de todos contra todos.

Quem quer dançar a nova música?

1 – Falando sobre o tempo, tomamos consciência de que a crise financeira encadeou uma crise produtiva, que é também uma crise longa. E que só tem uma solução óbvia: o relançamento da produção. Para isso, há que colocar as finanças na senda desta. Porém, o que vimos é que para fazer um centramento na esfera real, há que fazer um processo inverso do que foi feito nos últimos anos: a desfinanceirização da economia produtiva. E para tal, inúmeros aspectos têm que encontrar definições. O maior deles já sabemos qual é, o nome saltita como uma desajeitada bailarina americana: corporate governance. Ou, no linguajar português: governança corporativa. Mas tudo isso tem um temporalidade incerta e específica. É algo mais complicado que a dúvida hamletiana do “to be ou not to vê”. Assim, decidir pela sua desmontagem, já se sente, tem parte com a santidade. É preciso encaminhar os pecadores ao rumo certo. Não há como simplesmente desfazer. Há que ter um projeto. E Obama já mostrou que o tem em parte. Falta para ele, porém, rearranjar, no concreto, o destino das finanças e da sua atividade creditícia. E na esteira desta organização, conectar as novas tecnologias de informação e comunicação com a reformulação da energia e de uma futura indústria ambiental.

2 - Por isso, o tempo é a arena dos combates econômicos e políticos. Por um lado, é com o tempo que a economia financeira conta para resistir às investidas do setor produtivo, dos assalariados e mesmo da pressão da área produtiva internacional. Só que parece que as finanças têm apenas um projeto: restaurar o antigo sistema econômico financeiro. Mas isso parece impossível por causa das contradições entre as próprias finanças e também porque aquela economia produtiva de então está em plena mutação. Temos a indústria dos automóveis em plena decadência e em plena reformulação. As grandes corporações do século XX: GM, Ford, Chrysler, GE são siglas que esvoaçam no passado. O novo é a Microsoft, a Yahoo, a Google, etc. Há que construir e montar uma Finanças para tal. Temos nos céus da economia novas aves com novas plumagens. Mas, as finanças, ainda embevecidas no seu espelho de lucros especulativos, querem uma restauração. O que é o mesmo que dizer que as corporações se amoldem ao seu antigo sucesso.

3 – Mas, em economia não há volta. O que as finanças podem é estragar a dança e não quererem dançar a nova música. Por outro lado, como chegar a um novo desenvolvimento produtivo e a uma nova melodia? E novamente, retorna a figura dramática essencial, o tempo que se veste de roupas irreversíveis. Há que armar vitórias políticas que atravessem o Legislativo e que Obama ganhe um segundo mandato. Há que organizar um projeto de sociedade de longo prazo, pois um projeto empresarial de longo prazo já existe. Pelo menos, nos setores de informações e de comunicações e na área de energia. E embora não pareça claro, o caminho industrial do meio-ambiente está sendo planejado. Chegamos ao impasse. Porque está também muito claro que, neste momento, os defensores de uma sociedade democrática deram um primeiro passo, tirando Bush e os republicanos do poder. Os homens do unilateralismo e da guerra. Mas a trajetória de Obama está apenas no começo. E não se pode ocultar que, se a maioria da população esteja contente com a sua eleição, menos estão achando que ele está fazendo um bom governo e encontrando soluções para os problemas que estão à frente. Não é por nada que, esperto como é, Obama disse para Lula, no primeiro G-20, “I love this guy”. Porque Lula saiu de um embaraço fenomenal, o chamado “mensalão”, e hoje se tornou um político extremamente admirado pela sua capacidade de encarar e resolver a política. Sorte, competência e alguns bons e grandes ministros. Pode Obama dizer isto de si e do seu governo? Ainda falta muito para terminar a primeira metade do jogo. Haverá a outra metade?

quinta-feira, outubro 15, 2009

A CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
15 de outubro de 2009

A INVENÇÃO
DA NOVA ECONOMIA
(ou duas estruturas à procura de um Estado)
Por Enéas de Souza

Parece incrível, mas no jardim do neoliberalismo não surgiu ninguém para perceber que esta terra está esgotada. Como é que não perceberam que estamos metidos numa crise de que alguns chamam da construção de um novo paradigma. Estamos numa crise do capitalismo. Repito: CRISE DO CAPITALISMO. Isto quer dizer que não é o aumento da rentabilidade de um banco, o aumento na pontuação de ações, nem uma recuperação na área produtiva que vai definir a verdadeira recuperação da economia capitalista. Podemos ter um leve crescimento, podemos ter até uma aragenzinha, quiçá um vento animador. E no limite, quem sabe, chega um azul no céu cheio de nuvens; mas tal evento não quer dizer que as coisas se firmarão num crescimento sustentável, prolongado, num crescimento firme e renovado de longo prazo. Esta crise é uma crise do capitalismo. – e, portanto, uma crise estrutural. E só se revolve uma crise estrutural mudando a estrutura da política e da economia. Parece que não se acredita, mas essa coisa de estrutura é para valer.

A falência do lucro produtivo

Esta crise estrutural do capitalismo é uma crise do capitalismo financeiro. E o capitalismo financeiro é uma combinatória dinâmica das órbitas produtiva e financeira, que no presente, no caso atual, tem a hegemonia desta última esfera. E, portanto, quando dizemos que é uma crise do capitalismo financeiro, não queremos afirma que é uma crise das finanças. A palavra assegura que é uma crise tanto das finanças como da produção. Ou seja, não dá para pensar que o aparente retorno de um ligeiro crescimento de uma ou de outra órbita dará consistência a retomada de toda a economia capitalista. O que vai fazer a diferença, o que vai dar a alternativa, é uma mudança das duas estruturas e do enlace entre elas. É preciso mudar tanto as finanças quanto a produção. Ou seja, é porque se romperam as duas estruturas que este capitalismo está capenga, que ele carrega consigo duas cicatrizes que podem ser terríveis. Elas identificam a necessidade de uma alteração, a exigência de uma cirurgia plástica. Dito de outra forma: é preciso transformar tanto a esfera financeira quanto a produtiva. O problema é que este descarrilhamento atual das órbitas impede que haja uma combinatória adequada para que o capital se expanda. Uma combinatória que ajuste os apelos da renda financeira com aqueles do lucro produtivo. Destaca-se, então, que o verdadeiro regulador do sistema capitalista é a relação taxa de juros/ taxa de lucro esperada. Regulador que foi alterado para uma prioridade do juro e da renda. E esta prioridade levada às cegas, por uma política monetária e financeira, que sem inovações e repetida mecanicamente, só poderia chegar aonde chegou, ao abismo da Grande Recessão.. Logo, há que provocar a ressurreição da combinatória dialética do capital financeiro. Só que, neste ponto do caminho, o que existe é uma paralisia das atividades econômicas, exatamente pela falência da taxa de lucro esperada.

As finanças se olham no espelho. E se acham lindas!

1 - A crise financeira mostrou para os financistas o verdadeiro outro lado da Lua da economia. É que o circuito das finanças não é infinito. E que havendo duas crises, a financeira com a inflação de ativos e a produtiva com uma super-acumulação de capital, as eventuais crises isoladas, e domesticadas, da primeira órbita foram superadas. E desembocaram, como rios num oceano, numa fratura da economia que combinou a derrubada das finanças com a queda da produção.

2 - O que emperrou na área financeira? Esta desabou pela explosão de uma dinâmica econômica que se amparava numa auto-regulação irresponsável, numa alavancagem elevada, numa securitização inchada de inovações de ativos e de derivativos perigosos em profusão, e numa propagação de negócios garantida por uma atividade enganadora das agências de ratings. O clímax de todo esse movimento foi uma relação turbinada, mas fulminante, entre o setor financeiro e o setor produtivo, relação que se tornou desnuda nos defaults das hipotecas imobiliárias. Logo depois, o incêndio atingiu toda a vasta gama de inovações financeiras, que transformadas em ativos tóxicos, trouxe, no arrastão, os bailouts e as criações de linhas de liquidez do FED. Foi um caminhão de títulos podres. Ora, com isso, o crédito foi considerado uma flor a ser cuidada e regada com muito cuidado. Tão cuidada que escasseou. E o aperto de crédito não foi superado, nem entre os bancos entre eles e nem dos bancos com o setor produtivo. E obviamente, o crédito de longo prazo, aquele que permite os investimentos produtivos e que mudam os padrões da estrutura da produção, ficou interrompido, ficou em suspenso, como um retrato numa câmera digital que não funciona.

3 - Ou seja, a órbita financeira bebeu demais, se olhou no espelho e se achou linda. Mas inebriada, cambaleou e caiu se desmanchando como um vestido vermelho na praça dos bancos. Logo, há que tomar algum remédio, alguma medicina. E qual a receita? Como costumavam dizer os financistas internacionais para o Brasil – só que agora têm que dizer para si próprios – o remédio vai ser amargo, porém necessário. Antes de tudo, é indispensável que o setor bancário tenha que ter uma estrutura de capital capaz de suportar o risco de suas atividades financeiras. Por isso, para que essa premissa funcione corretamente, trata-se, em primeiro lugar, de regular o setor; em segundo, de fiscalizá-lo; em terceiro, de sancionar as punições adequadas; em quarto, de promover uma nova arquitetura financeira; em quinto, de conceber novas regras da contabilidade; em sexto, de definir as condições de articulação do setor produtivo e do setor financeiro – portanto, de definir o crédito; em sétimo, de acabar com existência das agências de ratings, etc. Ou seja, o que está em jogo é uma re-estruturação das finanças. Com este pensamento estamos falando no papel dos bancos, na existência ou não de bancos de investimento, no papel das seguradoras, no papel dos agentes imobiliários, etc.

4 - Chegamos finalmente à estrela das finanças e da mídia, o molho do pudim: a questão do bônus dos dirigentes das finanças. Na verdade, o que está em debate aqui é a governança corporativa, cujo nó conflitivo opõe os acionistas aos executivos. Desta contradição sai um resultado prático que acentua a predominância invulgar destes últimos. Naturalmente que os presidentes das corporações, os CEOs, falam da excelência desta fração de classe, inclusive a qual pertencem. Mas, tal defesa incondicional torna a viagem do capital financeiro mais inquietante socialmente, porque nesta turma, nesta cesta de ovos dourados, estão os financistas que quebraram os bancos e saíram com muito dinheiro no bolso.

5 - Toda a estrutura do setor financeiro que se fragmentou é como taça de cristal, rompeu-se e não tem conserto. Estas peças podem ser usadas descaradamente, mas não terão nunca o brilho de outrora. É preciso re-estruturar toda a área das finanças; sem uma remodelação a crise da economia não terá solução duradoura. Ficaremos com recuperações mascaradas e de novo na dança dos ativos podres. O pior é que na cauda da crise financeira e no rasto das assistências do Estado vem a face de um combatente que pode ser torpedeado, o dólar. É imperioso re-estruturar a órbita das finanças.

Qual a produção que vai emplacar?

1 - Dizer que o setor produtivo superacumulou capital, já falamos a exaustão nesta coluna. Linhas acima, inclusive. Todavia, o que é preciso não é queimá-lo simplesmente, é fundamental renovar a estrutura tecnológica que está inscrita nas empresas. Porque? Em primeiro lugar, porque no processo de competição entre as corporações cabe dar andamento a revolução tecnológica, já começada nos anos 70 do século passado, através das novas tecnologias de comunicação e informação. Estas reformularam fortemente vários setores, inclusive o setor de bens de capital, com a criação da mecatrônica. Foi decisivo porque atingiu os mecanismos das máquinas instaladas em toda a estrutura da produção. Porém este setor está, no momento, com o seu desenvolvimento suspenso em função da especulação financeira e da crise da estrutura produtiva, que obviamente afeta o referido setor.

2 - De outro lado, uma nova realidade tecnológica entra em pauta e faz-se presente: a exigência de renovação da infra-estrutura energética, que afetará toda a economia. Ou seja, estamos transitando por uma área onde existem as perspectivas múltiplas do pré-sal, dos biocombustíveis, das energias solar, eólica, etc. Dando seqüência as questões tecnológicas, podemos constatar que os problemas ambientais trarão também a possibilidade de novas indústrias neste setor, o que requer uma transformação profunda na citada estrutura produtiva. Como vemos o que está em jogo passa pelo “envelhecimento”de indústrias do tipo da automobilística que foram as grandes vedetes do século XX. Como diz Carlota Pérez as empresas inovadoras e predominantes e que assumirão a liderança produtiva serão a Microsoft, a Google, a Yahoo e não mais a GM, a Ford, a Chrysler.

3 - É indispensável derrubar os obstáculos para que estes setores avancem e avancem incisivamente. E a partir destas revoluções tecnológicas da informática e da energia desencadear, como um punhal num duelo, outras alterações tecnológicas. E com tão vigoroso ímpeto que este conjunto de mutações tecnológicas acabaria por se constituir na alavanca de uma dinâmica ascensional cíclica da produção. Pois, estrutura e ciclo são noções que se entrelaçam e proporcionam o desenho daquilo que pode se caracterizar como uma mudança no padrão de acumulação de capital. Ou seja, só neste momento é que a economia teria entrado num processo de renovação e desenvolvimento. Para uma crise estrutural produtiva precisa-se efetivamente de uma transformação no padrão de acumulação. E a chave desta mudança está na introdução de inovações tecnológicas.

Será que o Leviatã vai orquestrar a música?

1 - A questão é, portanto, reconstruir o sistema financeiro e dar seqüência a uma mudança estrutural na esfera da produção. Pela frase vemos a inquietante e valorosa dimensão da tarefa. Metamorfose nas finanças, metamorfose na indústria. Mas, o centro desta mutação não é apenas como tem ocorrido com o FED e o Tesouro Americano: apoiar intensamente as finanças, gastando uma fábula. Mas, o importante é, sem dúvida, dispor o Estado para entrar pesadamente na economia. Qual o ponto? Propiciar uma elevação significativa da eficiência marginal do capital, De tal modo que haja um fluxo de recursos para a aplicação no setor produtivo. Estará escrito em toda parte, o principal da economia é o investimento. E para que este processo se torne reiterativo, repetitivo criativamente, o ponto que marca uma nova época é a transformação do Estado. E é preciso que se mude muita coisa. Cabe ao Estado dar uma nova coloração nas relações com o capital, com o trabalho e com a sociedade. Trata-se de assumir o resultado da dinâmica das alianças sociais e políticas, que desembocarão no Estado, com uma outra proposta de organização do próprio Estado e com uma política econômica distinta da atual.

2 - Isto quer dizer o seguinte: um dos objetivos da reforma do Estado terá que ser a mudança do domínio das finanças sobre dois de seus órgãos preciosos, a Fazenda e o Banco Central (nos Estados Unidos, o FED e o Treasury). Pois, eles terão que estar ordenados a uma estratégia subordinada a uma nova política econômica. Evidentemente que esta não vai mais estar centrada na política monetária, cambial, financeira e fiscal, que favorecia as finanças. O objetivo deve ser trocado. A inversão de prioridade buscará um projeto de constituição de um novo padrão de acumulação. Finca-se um apoio na revolução já em andamento das novas tecnologias de comunicação e informação. O Estado cumprirá a tarefa de preparar, de favorecer, de trabalhar para a conexão entre as finanças e a produção. Tudo neste ponto é imperioso: o estabelecimento das funções e finalidade do sistema financeiro, a concepção de uma estratégia que norteie à constituição de um novo padrão produtivo com um novo patamar tecnológico a infra-estrutura energética e com um outro encadeamento das indústrias por mutações tecnológicas neste novo padrão. O que significa dar prioridade ao investimento e ao emprego. E para alcançar estas conseqüências o Estado terá que recuperar uma autonomia em relação às Finanças e liderar as transformações da estrutura produtiva e financeira, pondo em questão a organização da empresa capitalista, a governança corporativa, Como resolver esta contradição entre o acionista e o executivo, o proprietário do capital e o capital em funções será uma tarefa que não se vislumbra ainda uma solução satisfatória. .

3 - O decisivo nesta aventura é que o Leviatã tem que ter um controle democrático, porque um Estado apenas forte, e totalmente voltado para o capital culminará num Estado mais autoritário, quem sabe ditatorial, e que conduzirá a sociedades a conflitos amargos e destruidores. Há que encontrar forças sociais que assumam o Estado e bloqueiem essa insanidade de apoio ilimitado às finanças e que canalizem forças para a renovação da esfera produtiva, tratando tanto de reformular a ligação entre essas duas esferas, como proporcionar ao setor do trabalho o usufruto dos direitos sociais e civis.

4 - O caminho tem um trajeto marcado, a constituição de uma nova divisão internacional do trabalho, o que fará a mundialização entrar numa nova fase. O capital, se isso acontecer, terá encontrado um novo estágio para o seu desenvolvimento. Mas, como já vimos, há tantos obstáculos para lá chegar. Re-estruturação das finanças, re-estruturação da produção, re-estruturação do Estado. Caminhos que não se fazem sem sangue, sem batalhas, sem dores, sem adversidades e sem irracionalidades. Mesmo porque, como uma estrada que está em construção, novas pedras terão que ser removidas. A dinâmica econômica e social faz como o mar, traz à praia da sociedade, novas e tantas questões. O que se nota é a necessidade de um novo acordo social, capaz de fazer avançar um novo Estado e um novo projeto de sociedade, e, sem dúvida, a expansão da própria democracia. Tudo isso faz parte da história desse momento. E embora as condições estejam dadas, a história está livre para ser construída. Os habitantes do planeta estão entrando numa era da invenção. Pois, enquanto não se der curso aos engenhos, a economia e a sociedade estarão entre a paralisia, a desordem, as explosões sociais e as soluções de força. Há que inventar para que as estruturas achem o seu novo Estado. A economia vai assim, mais uma vez, estar na mão da política.

terça-feira, outubro 13, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Você confiaria seu dinheiro a um hedge fund?

O Financial Times relata uma pesquisa da NY University na qual se constatou que 1/5 dos mais de 400 fundos auditados revelaram que as informações dadas pelo manager se mostraram falsas no que concerne ao valor presente dos ativos. Ou seja, suas performances não são as relatadas aos cotistas.

Quantos Madoffs a mais antes da regulação efetiva desses fundos? A continuar tudo como está uma nova (velha) crise será inevitável.

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quinta-feira, outubro 08, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
8 de outubro de 2009

AS FINANÇAS TÊM
SOLUÇÃO
PARA A CRISE?
(ou, tentando passar um pano no balcão)
Por Enéas de Souza


Para Obama pensar entre um memorando e outro

As soluções da crise estão aí. Todas as forças sociais têm soluções, se não idéias de transformação. Mas existe, na verdade, uma posição cardeal, uma posição que tenta fazer o mundo acreditar que ela é que possui a verdade. Trata-se daquela posição que se destaca pela superioridade aparente da riqueza, daquele grupo que manda pela pressão de um “lobby” nas votações decisivas do Congresso, daquela que cerca a Presidência de Obama com o FED, com o Tesouro e com National Adviser Council. Trata-se daquela que insiste em dizer que é a melhor, porque diz que sabe o que é melhor para a sociedade. Apesar desta força social ter levado os Estados Unidos e o mundo a uma vasta crise, ela continua a propor tudo igual, nada diferente das suas idéias. E claro, antigas idéias. De fato, o leitor já acertou, é o retorno do pensamento único querendo o retorno do mundo passado, aquele que terminou em 2007. Mas, não há como pensar que as Finanças poderão ser derrotadas assim no mais. Não é com uma simples vontade pessoal que Obama vai mudar o quadro, a correlação de forças. Obama só vai alterar a sua inferioridade política com as Finanças se conseguir armar energias sociais, preciosas, capazes de entender e agir, visando à interrupção de uma visão, de uma política e de uma política econômica, exclusivamente gerida pelo setor financeiro. E por quê? Porque as finanças é uma força social que no momento não tem proposta para além de suas próprias aventuras. Então, qual é a sua solução?

A solução das Finanças

1 - As forças financeiras estão buscando duas coisas. A primeira: elas estão tentando arrumar um tempo e dinheiro para conseguir retomar a dinâmica do processo econômico montada no movimento da especulação. A segunda: elas estão aguardando que o mercado produtivo pare de descer, que ele estacione e que o setor imobiliário retorne aos bons velhos tempos. A felicidade da casa própria. Só que esta solução já é passada, e não vai voltar mais. Na economia, uma solução despenca, pode retornar, mas volta subordinada a novas e diferentes articulações. Mas, mesmo que pudesse, o cenário continua devastador, o setor está em farrapos. E nesse ponto da recessão/depressão não há possibilidade de que o esquema anterior volte, regresse. As Finanças podem esperar, podem se desesperar, podem alucinar, podem tentar dar algum jeito de que sua visão de economia continue valendo, mas a economia não vai ceder, ela vai para frente. O tempo é implacável e degolador, ceifador e fulminante. As estruturas estão abaladas definitivamente. E, neste sentido, qual a mágica que as finanças têm de achar para conseguir ludibriar a realidade da ruptura definitiva do modelo que passou? Não é que não possa haver uma restauração da economia financeira. Mas numa outra pauta. A economia atual é como uma maçã que está apodrecendo, só uma parte pode ser comida, a outra tem que ser posta fora. Ou seja, hoje as finanças é uma sobremesa falida. Sua única chance é tentar aprisionar o tempo, fazer com que através do poder do Estado, a economia estacione.

2 - Tudo é problema na atual e persistente proposta financeira. Algumas perguntas podem nos orientar. Primeiro, pode haver recuperação com a manutenção da auto-regulação ou com uma regulação pálida e anêmica? Segundo, será que é possível que, com o seu estoque de títulos podres, de todas as ordens e que depende do governo para se sustentar, esta solução pode ser controlada sem que ameace a dívida pública – e, por fim, a moeda americana? Terceiro: será que auto-regulação vai atrair alavancagens vigorosas num momento em que todo mundo desconfia de todo mundo, num mundo que desabou recentemente por excesso de risco? Quarto: como vai ser recuperada e transformada e renovada a securitização? Quinto: quem serão os compradores dos produtos arriscados das finanças bichada? Sexto: quem vai segurar estes títulos duvidosos de instituições duvidosas?

3 - Mas, agora vem a questão mais visível. Não há como puxar do setor produtivo – pois todos os setores estão em reformulação – produtos capazes de montar, como foi o caso imobiliário, um processo de especulação. Commodities e petróleo e ouro já foram, e continuam a ser tentados. E o resultado é miserável, a especulação é sempre de curto fôlego até agora. O ouro talvez seja a mais consistente e mais promissora, sobretudo por causa da fragilidade monetária do dólar. Então, o esquema da vinculação especulativa das finanças com a produção fracassa devido tanto à fraqueza da estrutura produtiva americana como da ausência de produtos capazes de se tornarem o ativo real da vez. Acresce que um dos elementos do embaraço das atividades do “cassino” é, sem dúvida, a carência de participação do aplicador comum, porque este está quebrado, está tentando conseguir um emprego, está tentando pagar suas dívidas, está tentando salvar a perda de sua residência. Portanto, é preciso se convencer: o horizonte para as finanças, na tentativa de reconstrução do esquema antigo, é uma impossibilidade histórica.

4 - A impossibilidade histórica se baseia numa razão substancial e estrutural. A dinâmica econômica desta liderança e desta articulação contém uma inviabilidade de lógica econômica. O que foi desatado numa crise econômica não pode ser reatado, nem mesmo pelo Estado. O fulcro da questão econômica não é mais a salvação das Finanças. O fulcro é a recuperação da economia, cujo ponto de partida é o investimento e o emprego, e não a recuperação do antigo “status quo” do sistema financeiro. E para salvar a embarcação na zona dos furacões não se pode prosseguir a viagem, tem-se que mudar a rota. Esta viagem do neoliberalismo está podre. O que não quer dizer que o capital não possa desviar o seu andar, ter solução. O grupo do Obama já tem. Uma nova solução, mas uma solução de longo prazo. E não, esta demência do curto, como se fosse uma solução de lancheria, troca o refrigerante, passa um pano no balcão, etc. Mas, infelizmente, pelo triunfo passado, o mundo continua a girar em torno das falsas soluções das finanças. É como diz o samba: “quem demora, perde a hora”.

A festa das finanças revela sua aristocracia

1 - A embriaguez das finanças foi um porre daqueles. Mas, se a ressaca começar a ser curada, pode ser que aqueles espertos pensem um pouco que a questão não é de retomada da sua proposta. E sim de reformulação da sua visão econômica. Portanto, um reposicionamento da idéia de que tudo é ativo financeiro – ao menos, agora. Aquela idéia minskyana de que todos ativos – ativos reais, ativos monetários e, principalmente, ativos financeiros, tudo, tudo – era financeiro, vai ter que ser um pouco alterada. A mudança é uma mudança para o longo prazo, a reposição em cena do papel do ativo real como ativo real. O que viria através de uma retomada da indústria, da área produtiva, de transformações tecnológicas, seja da produção, seja da organização empresarial, seja do mercado de trabalho, inclusive de suas proteções sociais. Há a necessidade de um tempo econômico para os ativos reais. Ou seja, há que ter uma taxa de lucro prospectiva superior à taxa de juros. Ou dito keynesiamente: há que recuperar a eficiência marginal do capital face à taxa de juros da economia definida pelo Banco Central e hierarquizada pelos bancos privados a partir dessa taxa. Só o Estado pode, através de medidas fiscais e estratégicas, mudar o estado do carro que empacou. Mas...

2 - Mas, no corpo das empresas existe um obstáculo sério, um obstáculo grave: a governança corporativa. Assim, a forma atual de organização das corporações é que é o problema. Por quê? Porque como o André e eu temos salientado desde 2003, a governança corporativa é a maneira que as finanças encontraram para se infiltrarem na área produtiva e financeirizarem todo o setor produtivo. Ou seja, a empresa produtiva é na verdade além de um ativo financeiro, via ações, uma fábrica de produção não de lucros, mas de dividendos, sob a inspiração do famoso ROE (Return On Equity), a prioridade do valor acionário. Este império da geração de resultados monetários para valorizar as ações, inclusive por meio de aplicações financeiras, de empréstimos bancários para a compra das suas próprias, acaba como acabou, por levar a firma produtiva a um endividamento cruel, que termina por ser aprisionada na secura do crédito. Ou seja, sem a mudança das regras e da política da governança corporativa – que, ainda por cima, constrói uma divisão mortal para o funcionamento da empresa entre os proprietários das ações e os dirigentes do capital em funções – não há bailout possível. Porque, vejam, aqui temos duas contradições: uma a da transformação da empresa produtiva em empresa financeirizada; e outra, a da divisão que atinge tanto as finanças como a produção, de uma sociedade acionária onde o proprietário do capital não é o condutor do capital. E que numa sociedade moderna, o condutor dele, isto é, os executivos têm o domínio da situação e da empresa e, é espantoso, de uma participação positiva nos seus resultados, mesmo quando estes são negativos.

3 - Vimos na crise da Nasdaq, na crise das empresas ponto com, na crise da e-economy, na crise de 2001, como na crise do sistema financeiro nacional e mundial de 2007, a forma como houve a quebra, a falência, a bancarrota, a profunda crise da corporação. Crise que ocorreu sem que os executivos perdessem não só a suas remunerações como os seus bônus. De outro lado, dada as formas acionárias vigentes, os shareholders, os acionistas, não têm poder para alterar a conduta destes dirigentes, seja através dos conselhos deliberativos, seja por meio de auditorias, seja por intermédios de consultores, seja inclusive pela introdução de representantes dos acionistas na dinâmica das atividades, seja por conseqüência de um efetivo aumento de controle, etc. Nada deu certo, porque quem dirige tem o poder imediato das corporações. E como são estes os operadores efetivos, mesmo na crise, eles tiveram sucesso nas suas carreiras. Dizendo com rima pobre: tiveram o bônus e não arcaram com o ônus. O que dá para ver que estes, os executivos, são os integrantes da verdadeira fração de classe que dirige a classe dos financistas, a aristocracia do capital.

A eutanásia das finanças

1
- Na esteira de nossas considerações, a primeira proposta seria que as Finanças recuassem diante da tentativa de recuperação de sua situação anterior. E abandonassem o pensamento de retomarem a dinâmica econômica centrada na economia financeira. E que, politicamente propusessem, estando ainda na direção política do Estado, uma transformação da atual política econômica. O propósito central: um plano de estímulo fiscal amplo, audacioso, mais sólido, robusto para a esfera econômica. Seria a clara percepção de que a tarefa indispensável para a expansão da sociedade é a recuperação do investimento e do emprego.

2 - Para isso, teriam que alterar o papel do Estado. E fazer com que os recursos financeiros deste, sua capacidade de endividamento, sua capacidade de liderança fosse retomada, em benefício da produção, como nos anos trinta. Desta forma, só assim a alavanca de Arquimedes do Estado estaria catapultando um novo mundo. Obviamente, as finanças teriam que passar forçosa e até forçadamente a definir o movimento do crédito na direção da produção. Mas, na competição presente dos mercados financeiros, impossível. Sem uma alteração da relação atual entre a taxa de lucro esperada e a taxa de juros, a alavanca nem sairia do sono. E só, sob a intervenção do Estado, seria possível bloquear a tendência atual do desequilíbrio desta relação permanentemente em favor da taxa de juros. Dito de outra forma e secamente: vamos parar de favorecer a renda financeira. Chegamos a um pensamento cínico: seria até uma forma de forçar o capital financeiro a pensar que a órbita produtiva traria, no futuro, a salvação de novas especulações. Como isso não é uma proposta de solução imediata e que permita o retorno da volúpia dos mercados financeiros, não há pensamento viável para atender esta proposta.

3 - O Estado pode realmente intervir, mas não sob a inspiração da área financeira. Precisaria a esta uma capacidade de compreender – não os mercados – mas a economia capitalista no seu processo dialético entre as finanças e a produção. O que parece que até agora os banqueiros, os investidores e aplicadores financeiros, os financistas estão longe de compreenderem e pensarem. Não parece verídico e nem crível que a idéia de Keynes possa ser posta em prática: a eutanásia dos rentistas. Os banqueiros não são politicamente capazes de propor uma nova idéia de Estado, nem são aptos a passarem de financistas a estadistas. Com isso, perde-se, neste momento, a necessária transformação da lógica econômica do capital, substituindo a ênfase no financeiro para a produção. Embora, seria ótimo para a sociedade que os financistas pensassem na sua eutanásia, a transformação da economia tende a ficar estacionada até uma modificação política de envergadura. De fato, salvo se a atual recessão fugir do controle e passar à depressão. Pode ser que entre eutanásia e o retorno da especulação, haja um espaço para a política encontrar alguma solução. O que é concreto é que a sociedade vai empurrar as forças sociais para algum caminho; e o melhor é que ele seja negociado, visionado, pois o futuro já nos abana, mas pode ainda estar muito longe: ampliação das tecnologias de informação e comunicação, renovação das tecnologias e da produção de energia, introdução de tecnologia e de soluções políticas e econômicas para as questões ambientais. A agenda, de uma forma ou de outra, não pode deixar de contemplar uma fundamental discussão sobre o futuro dos direitos sociais, dos direitos civis e da proteção social do trabalho.

quinta-feira, outubro 01, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: More "unexpectedly"...

Eu sei, vai acabar se tornando repetitivo... Mas, vamos aos "unexpectedly" de hoje: os pedidos de seguro desemprego vieram acima do esperado e o relatório sobre o dsempenho industrial abaixo das expectativas.
Unexpectedly foi que índices ruins trouxeram abaixo a bolsa, com o Dow caindo mais de 2%. Se a moda pega (em economês financeiro - se a convenção altista se esboroa...)...
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
1° de outubro de 2009

SHAKESPEARE E O G-20
Por Enéas de Souza

Cirurgia na ordem do mundo

1 – O encontro dos G-20 serviu para mostrar uma cisão, uma fissura, uma separação entre a realidade geopolítica e a geoeconômica do mundo. De um lado, dada a crise financeira internacional e seus desdobramentos, o ponto essencial é a ascensão de países como a China, o Brasil e a Índia no cenário internacional. Só que esta ascensão se marca apenas no plano econômico. Porque de outro lado, as instâncias políticas continuam praticamente intocadas com a liderança americana. De um lado, a economia trouxe o G-20 e a política ficou no G-8, para dizer simplificadamente.

2 – Quanto às modificações econômicas, elas querem dizer duas coisas. A primeira é que embora os Estados Unidos seja de fato o elemento fundamental da dinâmica econômica, ele não segura mais sozinho o coração, isto é, o movimento da economia do mundo. Certamente, o contrapeso imperioso é a China, mas os demais países do G-20 fazem parte deste contrapeso. Sim, menores que a China, é verdade, contudo presentes. Portanto, no barco desta crise, estamos todos em busca de um novo porto, de uma nova mundialização. O que significa dizer que a dinâmica neoliberal se foi. E que a economia capitalista começa a dar-se conta, muito lentamente e a contragosto, que a sua saída passará pela tentativa de encontrar uma dinâmica diferente. E que seja um relançamento das múltiplas economias nacionais, em sintonia com uma transformação da própria economia internacional. Para que isso aconteça, é preciso que sejam ouvidos todos. Pois quanto mais forem discutidos e debatidos os temas que embaraçam o mundo econômico, mais será possível alguma coordenação geral. Não há saída sem a participação de todos, mesmo nos obstáculos, nas barreiras e nas trapaças da decomposição atual do sistema capitalista. Pois estamos num processo de avanço do capital, tanto no nível das nações como do planeta. Capital é crise. Mas é também concentração e centralização, que é relançamento da dominação, mas num outro patamar superior. Dominância americana evidentemente, secundada nos dias de hoje pela China. O que vale dizer que a resistência da esquerda, no momento, pode fazer com que a relação de forças seja bem menos contundente do que o triunfo do capital no liberalismo.

3 – Porém, quanto ao segundo aspecto, no nível geopolítico, a questão não pode ser posta da mesma maneira. O certo é que aqui o G-8, para não dizer o G-2 é quem decidirá, e, os outros, serão diplomaticamente – se forem – consultados minimamente. A exceção, pela tradição, é a Europa, que pode ser convidada a participar em algumas ações diplomático-político-militares, mas sempre sob o comando americano. Na realidade, a estratégia, a decisão e a ação virão dos Estados Unidos. E a China passa a ocupar um plano distinto, que já vinha ocupando no final do capitalismo neoliberal, sobretudo por causa de sua atual importância econômica. Talvez seja uma primeira mudança, mas é ainda muito tênue em relação ao poder americano. As demais nações podem até serem consideradas quando as questões passarem pelas zonas regionais onde tem vigência. E onde são árvores que dão sombra. No mais, é fatal, serão ignoradas. Deve-se dar um pequeno relevo, no campo nuclear, com pequena exceção, à Rússia. E com essas observações, nota-se, que a crise econômica e a ascensão dos emergentes não provocaram notórias mudanças na política global.

4 – Assim, os acontecimentos da Assembléia Geral da ONU com a presença nela de Obama; a declaração da França, Inglaterra e Estados Unidos contra o Irã; a transferência do centro da guerra no Oriente Médio do Iraque para o Afeganistão; e declarações explícitas de autoridades de várias nações, inclusive dos emergentes, dão a perceber que a condução política continua limitada e restrita. Os Estados Unidos, como os verdadeiros líderes, continuam tentando, mesmo com a pata econômica operada no menisco, organizar paralelamente uma nova ordem política, visando manejar adequadamente a questão nuclear, ao mesmo tempo, que tentam impor, cautelosamente, pelo lado do poder político-militar um constrangimento ao novo poder recém chegado, a China. Como disse um comentarista, a paranóia americana que tinha antigamente como inimigo o Japão, agora encara a China como esse objeto assustador. Velha técnica da elite dos Estados Unidos. Gritam, esperneiam, apontam a nação ameaçadora, para melhor combatê-la. Obviamente, o mundo hoje é mais complexo do que essa simplificação, e o que começamos a ver é a elaboração de uma nova gênese não só da ordem política como da ordem econômica. De qualquer forma o que se percebe é que os americanos ainda se põem, ainda se colocam como aqueles que falam pela “multilateralidade” para dar um sentido ao mundo em construção. Mas, a política tem uma relação dialética com a economia. E a pergunta é essa: a colisão de interesses do G-20 com as decisões do G-8 (G-2) vão produzir apenas a fissura destes dois Gs, ou haverá uma geopolítica e uma geoeconomia, absolutamente distinta, ainda não vislumbrada e assinalada? Pode-se perguntar mais pragmaticamente: que transformações vão ser possíveis a partir da instalação do G-20? Ou inquirir ainda: a fenda constatada agora não imporá uma nova caracterização geral, de uma forma ou de outra?


5 – O mundo, sob o comando dos Estados Unidos, sofreu uma cirurgia, onde o resultado é a gênese de dois tabuleiros - ou dois pólos, se assim quisermos dizer. Num deles, no tabuleiro econômico, a crise trouxe à praia das nações, com os destroços do crash econômico, o chamado G-20. Todos são soldados esfarrapados da financeirização. Uns com os uniformes esburacados, outros com rasgões. Nesse cenário, os países desenvolvidos foram os mais afetados, por exemplo, os Estados Unidos e a Inglaterra; e os emergentes, como novos atores, seguem em melhor estado, principalmente, a China. Nisso não contamos os países fora do teatro dos G-20, como os africanos, pobres maltratados da mundialização financeira e da mundialização bushiana/cheneyana. Mas, toda essa cozinha, toda essa feijoada cairá também no tabuleiro político. Provavelmente, ao longo dos novos tempos, o calor do G-20 acabará forçosamente por alterar aspectos profundos da aparente e intocada geopolítica contemporânea. Certamente mostrando novas forças, novas lâminas, resultados subterrâneos da operação econômica recente.

O Estado tem um Minotauro dentro dele

1
– Política é conversa, é sondagem, é proposta, é negaceio, é sedução, é chantagem, é ideologia, é compra, é venda, é ameaça, é invasão, é guerra. Clausewitz já falou: a guerra é uma outra forma de política. Hoje, o céu tem novas nuvens, pode-se dizer que a economia é uma outra forma de política e uma outra forma de guerra. E por isso, o G-20 é economia, mas é também política. E cada vez mais se constata que apesar de ser uma grande derrotada, as finanças continuam um império, uma “ditadura”, como uma vez disse François Chesnais. Porque? Simplesmente, porque as finanças, usando uma ideologia e uma política neoliberais, conseguiram aprisionar o Estado, tanto nas suas armações institucionais como na sua política econômica. Institucionalmente tudo foi radical e eficiente. Fizeram, para melhor domínio, uma divisão dentro do Estado entre a Fazenda (Tesouro, nos Estados Unidos) e o Banco Central, para tornar este independente ou autônomo. Desta forma, acabaram com a hegemonia política da política sobre a economia. Na verdade, a manobra foi um sucesso, a hegemonia financeira acabou politicamente por destruir a autonomia e soberania do Estado. A soberania até o início da crise foi das Finanças, usando em seu benefício o poder do Estado.

2 – Levará muito tempo para nos darmos conta do extraordinário desta vitória das Finanças sobre as demais forças sociais, inclusive nesta vasta vitória ideológica que pôs o financeiro como a sabedoria da economia e da política. A tal ponto, que sob esta astúcia, o financeiro proporcionou ao capital algo fantástico, a idéia de que a saúde, a educação, a segurança, os serviços públicos, inclusive as penitenciárias, seriam mais bem organizadas pelo serviço privado do que pelo próprio serviço público. Como a população se deixou enganar! Vejam o monumental fracasso do capital na questão da energia elétrica nos Estados Unidos e o fracasso algumas privatizações no Brasil. Porém, o néctar deste banquete era a idéia de Estado Mínimo, onde se conseguiu vender que tanto as privatizações como as terceirizações melhorariam os serviços públicos e eliminaria a corrupção. (Quá, quá, quá! Ao escrever frase anterior, ouço gargalhadas espalhadas pelo mundo!). O Estado tinha que sair de tudo. Houve um gênio, do estilo Fukuyama, que propôs que o Estado tivesse a sua administração privada. Como os humanos são doidos! Basta só pensar um pouquinho: o que seria o Estado privatizado no meio desta crise americana? Um pandemônio certamente! Olhemos só mais um exemplo: a crise financeira nos Estados Unidos, de fato, se tornou irremediável e antecipadamente incontornável, quando o secretário de Estado, Paulson, que tinha sido da Goldman Sachs, permitiu a quebra do Lehman Brothers, concorrente direto da primeira, levando a uma crise sistêmica absolutamente catastrófica para os Estados Unidos e para o sistema financeiro. Não que a crise poderia ser abortada, mas ao menos poderia ser tratada de maneira distinta.

3 – Tudo isso para dizer que o Estado com a hegemonia das Finanças, a divisão da Fazenda e do Banco Central, a visão de Estado Mínimo, com os serviços e direitos públicos privatizados, não pode reagir comandando politicamente a crise. Teve que reagir apenas financeiramente. E de que maneira? Criando nos Estados Unidos os famosos e substanciosos bail-outs, deixando parcos recursos fiscais para projetos na área produtiva e na área social, salvando os bancos das bancarrotas e não impedindo que os cidadãos perdessem casas, carros, empregos, encharcados que estavam no endividamento financeiro do crédito sem controle da sociedade, do público e do Banco Central. Por isso, o Estado não pode assumir um papel de liderança no processo. Barack Obama está preso nos fios deste labirinto político e financeiro. Michele não consegue lhe dar o fio de Ariadne para fugir do Minotauro das Finanças. O Estado manda muito, manda muito diante de cidadãos comuns, mas não consegue mandar nas Finanças (Onde está a regulação indispensável do sistema financeiro?).

4 – Pois, o que as Finanças conseguiram fazer foi deslocar o poder do Estado para fora dele, para as Finanças que, impondo o Estado Mínimo e dividindo o Estado entre Fazenda e Banco Central, impede que o Estado, numa crise, tenha uma resposta decisiva, canalizando um comando social na direção do investimento produtivo e do emprego. Para que fundamentalmente a recuperação não seja apenas do setor financeiro, no falso suposto que seria também da economia, mas que seja da sociedade como um todo, do capital e do trabalho. Aqui está o fulcro de toda a problemática: o investimento na produção. A sua impossibilidade (dada a exigência também neoliberal e aceita pela população de controle da inflação) do Estado Mínimo mostrou toda a sua dificuldade de propostas. Olhemos o Brasil de Lula. A reação do Governo foi exemplar diante da crise: desonerou os impostos para sustentar pelo consumo a demanda na economia, mantendo inclusive os empregos. Porém, a desoneração é uma política econômica defensiva, pois a verdadeira política seria o lançamento, com dinheiro público, inclusive através de impostos seletivos (outra medida condenada pelos liberais) sobre fortunas, sobre finanças, etc., com a finalidade de um programa público baseado num projeto nacional. Inúmeros setores estavam e estão precisando da intervenção estatal para reativar a economia (empresas e trabalhadores). Um projeto nacional pode ampliar os amparos, propondo desenvolvimentos amplos. Pode-se listar: a infra-estrutura urbana, a infra-estrutura energética, uma nova concepção de transportes no território nacional, um grande projeto de integração latino-americana, uma nova rede de serviços públicos eficientes (desde educação até proteção social). Ou seja, se não fosse um programa desse tipo poderia ser outro parecido. As Finanças, aqui e em toda parte, vêm impedindo, brincando de cabra-cega, por todos os meios – e o mais eficiente tem sido a ideologia – a transformação de um Estado político, cuja expressão social não seja metamorfoseada numa adesão pura e simples à política das Finanças.

O G-20 continua das finanças

1 – Olhe-se a comunicado do G-20. Como a crise estacionou, como alguns indicadores (muito poucos) dão alguns sinais de vida, os líderes se eriçaram em otimismo. Mesmo porque um dos lados da política é a ilusão, é a fantasia, é a esperança. Os governantes estão fazendo o seu trabalho e fazendo o melhor que podem. Porém, as propostas são sempre modestas, são sempre dourados sonhos. Por exemplo: há que tratar de cara e com força, da questão da elevação de capital na área financeira. Só que tratar de capital é tratar de aporte de capital. E com isso coloca-se em cheque a sua propriedade. Porque aí entra a questão da estatização, da nacionalização, da compra de bancos estratégicos por estrangeiros, etc.

2 – Há que mudar a governança corporativa. Até se falou nisso no G-20. Mas como se vai alterar a confronto entre os proprietários do capital e os dirigentes (esses que ganharam o recheio, quando botaram o bolo fora; esses que foram para casa com milhões de dólares no bolso e deixaram as corporações quebradas)? Essas mudanças, só poderiam alterar o sistema se rompessem com a forma financeirizada das corporações. Quanto às modificações do sistema financeiro, só se fala em medidas menores. Nada sobre unificação e controle das finanças, nacionais ou internacionais; nenhuma alusão ao controle social das instituições financeiras; nada sobre o crédito para os setores produtivos; nada sobre medidas técnicas de supervisão de alavancagens, de secutirização, das agências de ratings; nada sobre impostos sobre as instituições financeiras; etc. etc. Roosevelt falava em “Soft talk, big stick”. Agora é “soft talk, bull shit”. Ou seja, as finanças não querem mudanças. E estão conseguindo bloqueá-las, porque os governos que se reúnem são governos relativamente hegemonizados pelas referidas finanças.

3 – O G-20 fala contra o protecionismo. Só que o protecionismo, quem deve abdicar são os outros; nós, os Estados Unidos, somos os primeiros a tentar a proteção. Há declarações favoráveis aos estímulos fiscais, mas nos aportes financeiros do Estado, o principal vai para os Bancos, para o resto a ilusão dos cartões postais. Então, pode-se perguntar: quer-se recuperar a demanda com quê, com a preferência pela liquidez? Porque o setor privado não assume o investimento produtivo? Não foi outra a conclamação de Lula aos empresários, ao mostrar o elenco das respostas públicas das desonerações e do programa de Habitação Popular. Sabe o que fizeram os empresários? Os industriais reclamaram do custo Brasil (vamos botar mais ainda a crise no colo dos trabalhadores!) e os banqueiros souberam encontrar no silêncio a sua resposta preferida, quando se busca o seu apoio. (Não é o silêncio, ouro?). Por isso, quando se exalta o comércio internacional, quando os Estados Unidos pedem que os países superavitários gastem mais, fica cada vez mais evidente que o protecionismo é a mola, quem sabe suicida, do atual estágio do neoliberalismo na busca de sua salvação.

4 – Etc., etc., etc.

Onde olhar a melhora?

Pouco importa o que falamos. As sociedades constroem a sua saída. A mídia e o comunicado dos G-20 falam o que Shakespeare dizia muito bem: “Words, words, words”. A solução em economia e em política poderia ser uma mudança de letra, o d pelo k: “Works, works, works”. Se expressa deste modo o critério que vai nos permitir perceber quando a sociedade contemporânea estiver saindo desta Recessão/Depressão. Cape-se ou não o sistema financeiro, faça-o ou não funcional, somente a economia se recuperará como um todo quando dois aspectos inseridos no critério proposto forem atendidos: o investimento produtivo e o emprego. Até agora os primeiros tomaram um susto e levaram um tombo (menos na China) e o emprego sumiu das estatísticas e da realidade (inclusive na própria China). Concentra-se, nestas duas variáveis, o foco onde nós poderemos constatar se as pequenas melhoras que anunciam a retomada do consumo e da bolsa, do lucro dos bancos e das fusões corporativas, etc. são, de fato, efeitos de melhoras substanciais na organização econômica da sociedade. O ciclo só reabre a pendente positiva, a pendente ascensional, com o investimento produtivo e a queda acelerada do desemprego. Porque o resto não é silêncio, é bull shit de banqueiro. Ou como diz o samba de Elton Medeiros e Roque Ferreira: “a lama é lama e o ouro é o ouro”.