quarta-feira, maio 25, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
26 de maio de 2011
Coluna das quintas

O CAPITALISMO
NÃO É MAIS AQUELE,
MAS AINDA NÃO É OUTRO
Por Enéas de Souza

1) A grande crise mundial está entrando numa nova fase. De um lado, porque a economia está caminhando por pedras adversas e, de outro, porque agora, após a pólvora da crise financeira americana e européia, temos o fósforo aceso da crise fiscal, se espalhando por todo o conjunto Estados Unidos-Europa. Vendo as imagens contundentes da “revolução espanhola” da semana passada, a gente percebe que elas se juntam àquelas das populações da Grécia, de Portugal, da Islândia, da Irlanda – não citando Itália e França – que revelam tristes pontos de desespero e de revolta na realidade presente. A desfaçatez da fração de classe do capital financeiro é absoluta, pois suas instituições financeiras quebraram e foram salvas em detrimento do capital produtivo e dos assalariados. E depois de salvos, passaram a atirar contra o Estado e contra as conquistas sociais. E a coisa nesse nível é muito complicada, as práticas do capital financeiro são vorazes, predatórias e corruptoras e tentam, de todo o jeito, vender a mercadoria do neoliberalismo para resolver a multidão de crises, inclusive a crise política da decadência americana.

2) Assim, nos fixemos nos Estados Unidos. Lá, as finanças têm representantes nos principais órgãos econômicos do Estado, têm lobbies fortíssimos no Congresso Nacional, financiam as campanhas políticas de deputados, senadores e candidatos a cargos executivos. E através de sua aliança com a grande mídia – a verdade mais mentirosa do planeta – conseguem criar a ideologia do vencedor e que o valor das coisas tem o perfume e a cor do dinheiro. Exacerbam o que um dia Marx chamou do fetichismo da mercadoria, criando um ambiente de negócio e de vale tudo na sociedade. Nessa atmosfera, assumem a liderança dos capitais com uma hegemonia indiscutível. Apenas é preciso salientar e reforçar a idéia de que a crise econômica de 2007 não foi apenas financeira, mas foi também produtiva. E foi produtiva porque o padrão industrial e tecnológico dessa fase do capitalismo terminou. Está em curso a transição para um novo padrão baseado nas tecnologias de comunicação e informação, com mudanças e metamorfoses possíveis na infraestrutura energética.

3) Só que essa passagem depende de vários aspectos, entre eles: (I) o apoio do Estado para o financiamento em larga escala às diversas indústrias que virão para preencher esse novo padrão; (II) a mudança na estrutura de poder da sociedade e, consequentemente, do Estado; (III) o resgate de Estados altamente endividados, de tal modo que se restabeleça a capacidade desses de financiar as mudanças estruturais do próprio capital, levando, inclusive, a uma nova hegemonia da esfera produtiva; (IV) o retorno de uma política macroeconômica global, envolvendo política industrial, política tecnológica, política salarial, política de rendas, política agrícola e agrária, política financeira, política fiscal, etc. e (V) a submissão das finanças à sociedade, através de uma alteração profunda no controle desses capitais, principalmente, no estabelecimento de novas regras e no retorno a uma regulação financeira adequada. (Vários itens terão que ser encaminhados nesse teor: novos requerimentos de capitais para as instituições financeiras, uma regulação prudencial para proteger o sistema de novas crises, um controle efetivo do sistema bancário, um controle de perto do shadow banking  system, um controle atento e restritivo quando for necessário dos produtos financeiros a serem comercializados, uma definição mais rigorosa e mais exata de regras contábeis para as instituições financeiras, etc.). O que não se pode esquecer é que o desenvolvimento da democracia com a presença da sociedade é uma das condições que é companheira dessas transformações, porque permite a presença dos trabalhadores e outros grupos sociais nas negociações da economia, da política e do bem estar da sociedade.

4) Assim, cabe dar ênfase no seguinte: a crise econômica se desdobrou como uma flor maligna da crise financeira e foi lavrando as estruturas sociais. Foi chegando, foi batendo, foi atingindo inúmeras camadas sociais, com uma companheira socialmente perturbadora, a crise produtiva. E as duas se vestiram de crise política, desembocando num forte desemprego em muitos lugares do mundo. Veja-se a Espanha com 25% de desemprego geral (e, particularmente, com 45% entre os jovens). Só que a crise financeira desembocou, desde logo, numa crise fiscal, presente muito fortemente nos Estados Unidos e avassaladoramente cruel nos Estados europeus. Apenas a Alemanha parece um pouco mais confortável. Ou seja, a grande concorrência entre os capitais (seja financeira e/ou produtiva) atravessa agora a competição interestatal. O que significa duas coisas: em primeiro lugar, uma violenta competição entre os capitais nas finanças, na produção e nos serviços, dando prosseguindo a um vasto processo de concentração e centralização de capital; e, em segundo lugar, uma disputa intensa entre os Estados para recondicionar a sua participação na nova geopolítica mundial que apenas está se formando. Ou seja, a crise está e se encaminha para uma nova fase, onde os confrontos econômicos e políticos vão favorecer a um clima tenso e rascante na sociedade mundial. E a conjugação deles tem a potencialidade de elevar as discórdias a novos pontos de vibração inquietantes, até que uma solução – ou a terra – esteja à vista.

5) O contraponto geopolítico e geoeconômico dessa crise é certamente a China. Porque a China, com um Estado forte, tem conseguido reformar a sua economia, a sua sociedade e tem enfrentado os Estados Unidos de uma forma muito astuta, questionando-o em situações candentes: o dólar como moeda de reserva mundial, a política inflacionária americana, a gestão da recuperação econômica em detrimento de outros países (o que não exclui a própria contribuição chinesa). Enquanto fustiga por esses caminhos o seu adversário, a China faz algumas ações concretas na direção de uma nova política industrial, de um apoio muito forte e constante às suas inovações tecnológicas, de uma busca mais perseverante na renovação de sua matriz energética. Claro, essas atividades fazem parte da ação do dragão chinês na reformulação de sua política econômica, agora centrada também na reorganização econômica e produtiva do Sudeste Asiático em torno dela, fato que fortalece sua moeda, preparando-a, para num médio prazo, converte-la em moeda internacional. Pode-se observar igualmente que uma desaceleração recente na economia chinesa tem conseqüências estratégicas nos Estados Unidos, já que afeta e bloqueia o crescimento das exportações americanas. Dito de outra forma, a China está cada vez mais ativa no plano econômico, mas com escaladas geopolíticas progressivas nas suas relações com a África, com a América Latina, sem deixar de avançar uma política face à Europa, visando contrabalançar a longa influência americana, mas principalmente para absorver tecnologias decisivas para o seu desenvolvimento. O que quer dizer, a China, para o bem ou para mal, é um pólo dinâmico da nova mundialização.

6) Dessa forma, a gestação de um pólo oposto aos Estados Unidos começa a se formar, cada vez com mais força. O que significa apontar para o decréscimo americano, que ocorre por seus travamentos internos: finanças, governo de Obama em fase de recuperação para as eleições de 2012, incapacidade dos Estados Unidos de começar a transição de um padrão produtivo para outro. Tudo isso é contrabalançado por uma ascensão da China. O que significa que a passagem da geopolítica da unipolaridade para a bipolaridade está se fazendo. Cada vez é mais nítido que as forças que impelem a economia a subir vêm da China e aquelas que são decrescentes brotam dos Estados Unidos e da Europa (salvo a Alemanha). Mas, como já vimos defendendo aqui, essa nova polaridade nos parece que virá acompanhada de uma multipolaridade que comporá a nova figura. Isso porque, o desenvolvimento econômico dos emergentes trouxe pelo menos uma nova trindade que vai participar do jogo: Brasil, Índia e Rússia. Todos vão se inserir na nova divisão internacional do trabalho, naturalmente a partir das potencialidades de suas formações econômicas. O caso brasileiro é muito visível: estamos prontos para viajar na matriz energética com as conquistas do pré-sal, avançar no fornecimento de matérias primas e desenvolver uma exportação vigorosa nos produtos alimentares. E para que possamos crescer e ampliar o desenvolvimento da nossa sociedade será indispensável uma política industrial e uma política de ciência e tecnologia bem concebida, para que se esteja blindado economicamente, evitando cair na posição da Argentina no século XX. E com essa estratégia, o Brasil vai acumular poder para oscilar numa vinculação flexível frente à China e frente aos Estados Unidos. Parece, no olhar de agora, que nosso movimento é mais econômico com aquela e mais político com esse.

7) Encerrando essas observações, o analista encontrou uma forte crise econômica que se desdobra numa crise política, crescendo como serpente eriçada. A primeira, entrando numa fase aguda por causa da crise fiscal, e a segunda, desembocando num processo de formação de uma dualidade Estados Unidos e China. Nesse ponto, pode-se dizer que, por incrível que pareça, o assassinato de Bin Laden está permitindo que Barak Obama possa lançar uma nova política para o Oriente Médio. E constituir uma das bases da geopolítica vindoura, do face a face e do esconde-esconde com a China. Ou seja, finalmente a era Bush começa a ser ultrapassada. E, portanto, se os americanos se encontram em fase crítica na sua dinâmica econômica, no campo da política internacional, eles esboçam um passo para avançar na calçada muito delicada da competição entre os Estados. Dito de outra forma: a incerteza se mistura por toda parte, mas não se pode dizer que não haja movimento. Só que não sabemos se os movimentos destrutivos são maiores que os criativos. De qualquer forma, o mundo tem USA-China em disputa, como tem distintos emergentes em continuada ascensão. Para a tentativa de coordenação global está na arena o G-20, que, se não atenua os interesses conflitivos entre os países, permite, ao menos, algum fórum de negociação. Pois a metamorfose da geopolítica mundial, além de passar por concordâncias e divergências, deve também incluir na sua trajetória, à medida das necessidades e da evolução da configuração geopolítica, a alteração de antigas e a constituição de novas instituições com a finalidade de uma regulação das múltiplas facetas de uma nova etapa da mundialização. Será a tentativa de regrar o novo se desembaraçando do velho. O problema é que para chegar à aurora é preciso passar pelos perigos nada românticos do crepúsculo de um padrão econômico e político. E a questão é que ainda é noite, o neoliberalismo tenta descobrir forças para um último suspiro, a última bebida na madrugada. Mesmo assim, o panorama é claro: o capitalismo não é mais aquele, mas ainda não é outro.
Será outro?

segunda-feira, maio 23, 2011

Evento IPEA - FEE - A Dimensão da Pobreza Extrema no Brasil

Esse é um convite muito especial. O diretor de Políticas Sociais do IPEA, Jorge Abrahão estará em Porto Alegre apresentando o diagnóstico sobre a pobreza extrema no Brasil, base das políticas sociais da Presidenta Dilma.  O evento ocorre em parceria com a Fundação de Economia e Estatística e contará com um diagnóstico sobre a pobreza no RS, a ser apresentado pela pesquisadora Clítia Bacx Martins,  Coordenadora do Núcleo de Indicadores Sociais da FEE.



Atenção para o local: o evento ocorrerá no auditório da Faculdade de Economia da UFRGS e se inicia as 8:30 hs do dia 26/05, quinta-feira. Até lá!

Debates FEE

Debates FEE - Educação e Desenvolvimento, dia 24/05, 14:30 hs

quinta-feira, maio 19, 2011

CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL
19 de maio de 2011
Coluna das quintas



A MORTE POLÍTICA
DE
DOMINIQUE STRAUSS-KAHN
Por Enéas de Souza


A HIERAQUIA DOS FATOS


O complô é uma forma política de agir, talvez não seja uma forma adequada para pensar o político. De qualquer maneira, a política é conflito, é disputa, é discórdia. E no limite pode ser a guerra de todos contra todos, o “homo hominis lupus” da idéia de Hobbes, que Freud gostava, e inseriu e trabalhou no “Mal-Estar da Cultura”. Pois, o caso de Dominique Strauss-Kahn vem colocar inúmeras questões sobre essa realidade, desde os temas judiciais até os problemas do sistema financeiro internacional, não sendo a questão política da França a menor delas. Areia movediça e incêndio de vastas proporções, Naturalmente, que o processo judicial do assédio sexual, do cárcere privado e da tentativa de estupro, também tem o seu curso. E é de fundamental importância para as pessoas envolvidas. Mas na hierarquia dos problemas expostos pela anatomia do caso há algo mais profundo, há outra dimensão social e política. E é nessa que estamos interessados.


A IMPORTÂNCIA DO LUGAR DO DELITO


A pergunta fundamental é a seguinte: a quem interessa a prisão de Dominique Strauss-Kahn? Essa pergunta levanta uma série de sendas e de veredas, de caminhos e de linhas que envolvem dramaticamente o caso. Mas é preciso ver que, se houve complô, a armadilha foi bem feita. Não estou afirmando que houve armação, estou apenas me detendo no exercício do especular. Portanto, se houve cilada, eis o que teria de se considerar. Em primeiro lugar, Strauss-Kahn tinha um problema vulnerável, a questão da atração sexual pelas mulheres. DSK era o que na linguagem mais familiar se chama de mulherengo ou como se diz na França: DSK é um “coureur”. Pois, se houve armadilha, ela foi concebida em cima desse motivo. Mas coloquemos um segundo ponto. Para que a história tivesse um caráter eliminatório, definitivo, cortante, pleno de vexame, ela tinha que se dar num lugar onde as coisas do sexo fossem escandalosas, inquietantes e problemáticas. Onde o caso fosse amplificado, onde a moral derrubasse a figura atacada. E que o conhecimento do enredo, do segredo da jóia, permitisse uma chantagem sentimental em alta escala (ele atacou uma mulher negra, migrante, mãe de uma filha de 15 anos). Claro, o lugar só poderia ser os Estados Unidos. Porque, como complemento, nesse país a prisão pode ser feita com notável modo agressivo, cheia de humilhação, preponderantemente aviltante, e nenhuma importância com a questão jurídica da presunção da inocência (esse é um tema de grande repercussão, no entanto, na França, daí a revolta de inúmeros franceses). E foi nessa atmosfera que o laço cruel se aproximou do pescoço de Strauss-Kahn.


QUANDO A IMAGEM MATA


Mas, como disse, não quero discutir a questão judicial. O que me interessa é o local do delito como política. Antes de mais nada, é nos Estados Unidos, o lugar onde a política se mostra, desde logo, como espetáculo, onde, como um espelho especial, a comunidade se arma numa sociedade de imagens múltiplas. E a imagem é a forma como as relações sociais se dão entre os homens nos dias que correm. É exatamente nesse ponto que elas, as imagens, descem sua lâmina afiada sobre a integridade moral DSK. E como uma guilhotina moderna e um raio irreversível, a morte política de Strauss-Kahn se iluminou. No momento da foto, no momento da notícia, na presença das câmeras de televisão, na divulgação da rede dos blogs e na circulação da internet. Não importa se DSK é culpado ou não, politicamente ele está morto. Como falava Machado de Assis, a política tem medo da opinião pública, e a opinião pública de domingo até agora se alimentou, famélica e devoradoramente, das novidades da queda de DSK. A forma agressiva e humilhante desenhou no rosto abatido, nos olhos cheios de incredulidade, de desespero e de raiva de Dominique, a certeza de que fora, como um animal que se surpreende, fulminado numa grande cidade, a figura explosiva desta semana. Atingido por uma bala midiática numa tarde de sábado em Nova York – a imagem mata, efetivamente – Strauss-Kahn encontrou o muro de onde não passará. Aquela viagem para a França foi a impossibilidade de continuar tanto como presidente do FMI como candidato a presidente da República da França. Aquele avião não levará nunca DSK. A interrogação salta a todos: a quem interessava que ele não estivesse bordo, interrompendo qualquer chance de continuar a sua carreira institucional e política?


A QUALIFICAÇÃO COM FATOS


DSK era um político qualificado que tinha uma carreira exitosa. Foi ministro da Indústria e do Comércio, ministro das Finanças e foi sempre um economista acima da média. Até sábado, fez um trabalho muito bom no FMI, o que significa dizer que recuperou uma instituição totalmente desacreditada até a crise financeira de 2007 e conseguiu novos aportes de capital para o Fundo – compatível minimamente com as necessidades da época contemporânea. Com uma liderança decisiva, lançou, apesar do descrédito da entidade, a presença dela na solução dos desastres econômicos de diversos países e obteve uma participação significativa do FMI na gerência da atual crise da mundialização, seguindo os ditames do G-20. Tornou-se, por causa disso, um economista muito respeitado no meio das finanças, e, como consequência desse desempenho, ocorreu o seu crescimento no Partido Socialista da França. Obviamente, estrela em ascensão, emerge, avassaladoramente, como um sério candidato à presidência da nação francesa. Desde março, após o evidente fracasso de Sarkozy no seu mandato, Dominique Strauss-Kahn passou a liderar todas as pesquisas feitas desde então, algumas com margens de 16 pontos sobre o próprio Sarkozy. Nada mais conveniente para que passasse a ser um alvo a ser fulminado.


OS INTERESSADOS NO COMPLÔ


1) Na França


Certamente o maior interessado na queda de DSK era o grupo político do poder, o grupo de Sarkozy. DSK era o candidato mais forte da esquerda, cara de francês, jeito de francês e, se não amado pela população, ao menos era um político valorizado por seu trabalho internacional. Mas os comentaristas apontam também a possibilidade de haver gente de dentro do próprio PS que achasse melhor a apresentação de outro concorrente. Embora Dominique estivesse quebrando as resistências internas, esses mesmos comentaristas – pode até ser surpresa - lembraram haver tido no próprio PS antecedentes de deslocamento de candidatos em outras eleições. Ou seja, não seria impossível a existência de fogo amigo.


De outro lado, o posto de presidente do FMI tem sido ocupado por diversos franceses. E como DSK vinha desempenhando um papel de boa categoria, o governo francês, já trabalha, discretamente para a sua substituição. Mesmo que ele ainda não tenha pedido demissão, a figura em destaque é Christine Lagarde, ministra das Finanças. Suas credenciais apresentadas pela mídia são cômicas: já trabalhou nos States e (olha só o argumento!) fala fluentemente inglês... Não podemos pensar diferente: a vacância do poder é uma questão de obscena e mortífera ambição, Sabemos disso desde Shakespeare e suas peças notáveis como Ricardo II, Hamlet, King Lear, etc. A gente olha para a Europa e explodem candidatos por toda parte, inclusive na Alemanha e na França. Realmente, o despudor chegou ao extremo. A morte de DSK ainda não é oficial, e a turma do “afasta que a cadeira é minha” já botou o bloco na rua. Vê-se que a desgraça e a morte são estímulos para a liberação e o desenvolvimento exaltado da busca de poder. E isso que Strauss Kahn era um dos comandantes para a solução de vários problemas europeus. Sabemos que a Grécia, Portugal, Irlanda estão em sérias dificuldades, embora nos bastidores, também se fale de candidatos potenciais como a Espanha, a Itália, a Inglaterra, etc., etc. Dizendo rapidamente: vai ter muita grana em jogo, os governos e as finanças estão botando na mesa o seu olho gordo. E mesmo com o mau tempo e com a tempestade dos eventos do fim de semana, o circo não para, tem sessão todo dia. E ninguém sabe se ele não vai pegar fogo. Se tudo correr na direção que vai – e é bem provável, pois a crise ainda tem muito espaço para sobreviver. E a caída de DSK acelerou o processo de competição predatória entre os políticos.


2) Nos Estados Unidos


Aparentemente, aí não haveria muitos interessados. Ledo e ivo engano. Na bandeira tem muita gente querendo pegar. São vários os itens. Há uma tendência a dizer que os americanos estavam descontentes com Strauss-Kanh em muitos níveis. Uma geologia atiçada. Vendo a nova política implantada no FMI pelo dito, observando a transformação do Fundo em um agente mais ligado à governança mundial via G-20, e sentindo uma inserção mais contundente na área monetária e financeira, os Estados Unidos principiaram a se sentir meio ameaçados. O FMI foi uma instituição criada na esteira de Bretton Woods para resolver problemas de balanço de pagamentos e agora chega a ter pretensões novas: ser uma instituição mais autônoma em relação ao criador, o seu caridoso pai. Pois vejam a questão do DES (Direito Especial de Saque). A China já propôs que fosse a moeda internacional, principalmente na função de reserva de valor. Obviamente que os americanos não podem apoiar, nem gostar, afeta o dólar e seu poder de manobra. Já quanto à correnteza financeira, nunca esquecer a atuação que o FMI tem tido na solução das dívidas dos países europeus. Ela poderia incomodar a própria finanças privadas, que deve ter, falou-se numa grande instituição financeira, se alterado com as ações do Fundo em diversos casos. Tudo são falatórios, evidentemente. Mas que as finanças americanas certamente estariam contrariadas tem a ver com algumas idéias sobre a necessidade de introduzir uma maior regulação no sistema financeiro. Strauss-Kahn talvez estivesse indo longe demais. E se somarmos ainda a sua inclinação muito forte em atender soluções para a Europa. e o continuado uso de seu posto e de seu trabalho para crescer na política francesa, o odor, o feeling, de que “este cara passou dos limites” pode ser uma conclusão. Por que, então, não tirá-lo da Fórmula Um?


Tudo isso são especulações. Mas há mais. Os americanos estão já há algum tempo interessados em modificar a regra não escrita, que o presidente do Banco Mundial é americano e o do FMI, europeu. Portanto, um olho na presidência também se faz presente. Só que os emergentes – China, Índia, Brasil, Rússia, e outros – já estão, há muito tempo, querendo mudar as relações internas no Fundo, principalmente nas questões ligadas ao valor dos votos, e mesmo quanto a cargos e a própria presidência. Se isso é assim, está chegando a Hora. E o infortúnio de DSK açula esse momento. Porém, como um nascer do sol antecipado, os mais exagerados na teoria da conspiração chegam a viajar mais longe. Chegam a insinuar que talvez possa até mesmo ter havido um acordo – um sublime acordo? – entre alguma via americana e outra européia.


A CAIXA DE PANDORA E UM TIRO NUM COELHO SÓ


Porém, a teoria mais esquisita que apareceu até agora tem a ver com o retorno da mentalidade militarista nos Estados Unidos e com o assassinato de Bin Laden. Estaríamos numa nova era. E, então, há gente que pensa mesmo que algum órgão – sem excluir a CIA – estaria manejando os dados da Fortuna para cortar a ascensão de Dominique Strauss-Kahn, Primeiro, para livrar-se de um francês na presidência do Fundo Monetário Internacional e segundo, de um socialista na presidência da França. E com a vantagem de um tiro num coelho só.


O nosso interesse no caso de DSK foi sair da esfera judicial, onde existem inúmeras questões sem clareza, não explicadas e não examinadas. Nosso interesse foi mostrar que, independentemente das especulações advindas ao caso, como se fosse uma feijoada bem condimentada, o jogo político está sempre presente nos corredores dos acontecimentos. Policial ou não, o caso vem mostrar que a crise financeira internacional e as dimensões políticas dos países impõem um jogo agudo, tenso, duro, agreste, que se faz nas costas de um homem. Quase uma tragédia grega, mas que tem colorações de farsa e que não deixa de explodir inusitadamente como um melodrama. Pode até ter momentos dramáticos de quinta categoria, mas adquire, em certos instantes, tonalidades shakesperianas. Por isso, a morte política de DSK não é uma simples morte, é um vulcão nessa zona outrora mais fraterna dos Estados Unidos e da Europa. Os donos do poder, mesmo que não tenham feito nada, estão como pássaros vorazes, à espreita de uma nova abertura do Ovo da Serpente. O problema vai ser no desdobramento, haverá que fazer o enterro do cadáver político de Dominique Strauss-Kahn. Machado de Assis alertaria: cuidado que o caixão pode ser a Caixa de Pandora!

quarta-feira, maio 11, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
12 de maio de 2011
Coluna das quintas



NOVAMENTE NO CAIS
O NAVIO NEOLIBERAL
Por Enéas de Souza



1) Já temos escrito aqui neste blog sobre o ‘revival’ neoliberal. E alguns comentaristas, falam e lembram especificamente das terapias oferecidas à Grécia, a Portugal, à Irlanda e, inclusive, à Espanha. Mas esse queijo tem muito mais furos e as primeiras fatias não são essas. A construção do monstro, o monstro do fundo dos oceanos econômicos, na verdade, começa nos Estados Unidos, na corda musical da nação e do Estado americano. Percebam bem e sigam a linha melódica deste pensamento. O desastre de 2007 foi dominado por uma política neoliberal com a finalidade de evitar o risco sistêmico. O lance foi comovente: pôr à disposição dos bancos e das instituições financeiras uma montanha de dinheiro. A pergunta estalou logo na época. Tamanha generosidade, dar recursos públicos, aos bandoleiros das finanças, era um boa? Tinha outra solução? Claro que tinha, sim! Simplesmente se poderia nacionalizar ou estatizar as instituições financeiras em pedaços. E, depois de saneadas, se poderia até devolvê-las a outros capitalistas menos bandidos. Mas isso não era neoliberal, cheirava a um perfume negativo. E os banqueiros ameaçados gritaram como numa peça de Brecht: “isso é socialismo!”.

2) Na crise de 2007, deu-se a derrota das finanças, mas na queda, apesar de tudo, houve o triunfo dos neoliberais, e por ação do executivo e do legislativo conjugada. Sempre o mesmo enredo desta escola de samba. A comissão de frente traz a seguinte inspiração: antes da crise, o Estado não pode entrar no jogo econômico, deve apenas favorecer a roleta e o cassino dos títulos. Sempre na mesma direção, desregulamentando os mercados. E sempre para assegurar o vôo das rendas financeiras. Até que, no meio do desfile, as finanças tomaram um tombo e precisaram da intervenção e dos recursos estatais. Também o capital produtivo entrou em colapso. E então, na mitologia do capital, era hora do tão mal falado Estado vestir a fantasia de Midas. Dinheiro, dinheiro. Mas ele não rolou para todos. O concreto é que muitas indústrias, mesmo enormes, não tiveram ajudas ou tiveram apoios muito limitados e com a exigência de planos precisos e grandes sacrifícios. O que quer dizer que, mesmo entre os capitais, uns são mais preferidos que outros. Mas o que interessa de qualquer modo é que a semente do ‘revival’ neoliberal começava ali, na hora dos salvamentos, o carro das finanças era o mais competitivo.

3) Ou seja, o ‘revival’ nasceu com problemas, foi para o berçário logo de saída na tentativa de solução da crise. O Estado procurou manter a iniciativa do capital, mas através da esfera financeira. Era preciso, indisfarçavelmente, recuperar as finanças privadas! O leitor sabe, o doente ficou muito tempo na UTI. E o dr. Bernanke e seu hospital, o Banco Central dos Estados Unidos, junto com o estagiário em política econômica do Tesouro, Paulson, fizeram a cirurgia dos ‘ativos bichados’ das empresas financeiras. Eles conduziram essas instituições ao setor de branqueamento dos balanços. Só que essa escovação dos títulos impuros – não se tem uma notícia precisa – não se sabe se os balanços estão ou não realmente zerados. Mesmo porque a contabilidade é uma zona escura e triste. E o doce e melancólico dr. Bernanke, caridoso, continua dando os seus soros milagrosos, jogando liquidez no sistema financeiro. O que fez o presidente do FED? Carregou as bazucas do sistema, tudo para dar às finanças um novo poder de fogo. E elas, como gafanhotos, estão caindo sobre os emergentes, trazendo uma alegre e furiosa especulação, instabilizando esses mercados (O Brasil, incluído, já que uma parte da atual inflação, não há dúvida, vem daí!).

4) Essas operações de sustentação dessas instituições, desde o princípio da crise até agora, foram realmente pesadas e sintomaticamente fortes. A medicina adotada reanimou o paciente que, alquebrado e combalido, sobreviveu, levantou-se – e voltou rapineiro, com mais vigor e mais ação, para os mercados disponíveis. E se os mercados financeiros americanos se encontram sem júbilo e sem festa, os navios do sistema zarpam para portos mais apetitosos no resto do mundo. E, sobretudo, saúdam a sua liquidez lançando suas fichas noutra parte do cassino, na mesa das ‘commodities’ – vale dizer: petróleo, matérias primas e alimentos. E o resultado, por fim, incrementa uma perturbação internacional inflacionária; pressiona a valorização de moedas como o real, por exemplo; e incentiva uma disputa monetária forte, dividindo a moeda mundial entre o dólar, o euro e o yuan, apesar do dólar continuar, em última instância, com a função de reserva de valor. E isso que não estamos falando dos reflexos nas economias de vastos e ponderáveis problemas fiscais que arrasam salários, previdência, idade e remuneração de aposentadorias, aumentos de impostos e enfraquecimento do poder de vários Estados.

5) Então, meus angustiados leitores, o nenezinho ‘revival’ saiu do hospital. E começou dando um duro em Obama (que teve que matar Osama para ter chances eleitorais), descortinando mercados novos fora dos Estados Unidos, provocando politicamente o reforço e a retomada da antiga aliança capital financeiro internacional e sistemas bancários locais. E através de seus aliados, com os canhões de Navarone da mídia comprometida, pressionar mais uma vez o mundo, as populações e os Estados com as idéias e as políticas neoliberais. Apesar de estarmos razoavelmente bem, o Brasil é também palco de um ‘revival’, que procura assustar o governo e as classes médias e pobres. Só que a desmoralização americana e européia e japonesa, oriunda da incompetência da política da desregulação financeira foi tão grande, que as vozes empresariais, mesmo das instituições das finanças, não clamam, aqui, com as suas trombetas dos infernos, para a saída do Estado da economia. É bom que se veja bem e eles sabem disso: foi pelo Estado que eles se salvaram. Lá e aqui. Mas agora, como cachorros magros e mal agradecidos, já estão virando – aqui no Brasil é muito audível – suas vozes para a mídia tradicional, tratando de buzinar novamente contra o Estado e seus órgãos. “Não controlam a taxa de juros!” (Embora desejem o contrário!). “Não atuam sobre o câmbio!” (O que de fato prejudica os calçadistas e a indústria têxtil, faz-se notar). Mas os banqueiros gostam disso: livre entrada de capitais, juros altos e cambio solto. E fazem o duplo jogo da perfídia. Da perfídia neoliberal em tempos de crise. Como se dizia na minha infância: escondem a mão e dão o tapa!

6) Todavia, a fotografia do ‘revival’ brasileiro tem colorações políticas especiais. Primeiro: um retorno da pressão dos bancos, tonificados pelos recursos americanos que aportam por aqui. Sob esse som, voltam a querer pôr o Estado para dançar. E segundo, essa pressão se eleva, sobretudo, quando segmentos da esfera produtiva se aliam a eles, para reivindicar uma política mais severa que os favoreça. Mas o prato principal desse restaurante é novamente a força imperiosa dos bancos. Um amigo do mercado financeiro me disse: “Enéas, não te espantes se daqui algum tempo não retornar um bandido para dirigir o Banco Central”. Êpa!, me espantei. Mas o meu interlocutor foi firme: "é verdade, não te espantes!" Pode ser isso mesmo. O retorno de um homem de mercado para comandar as sinuosidades do sistema financeiro e influir na política monetária e financeira do país, ‘porque a inflação está aí’. Ela é ruim para os aplicadores, é péssima para o povo. Essa música cola.

7) Por outro lado, os cronistas econômicos que salientam o retorno da visão neoliberal, chamam a atenção para a Europa. Lá, todavia, o fenômeno tem um rosto muito intenso, rosto de George Clooney ou de Juliette Binoche. Dá para se ter um olhar muito nítido, diria Fernando Pessoa, um olhar de girassol. O que houve nas terras européias foi o triunfo inigualável da Alemanha, tanto econômica como geopoliticamente. Lá os bancos estão triunfantes. Foram os primeiros a serem salvos e impuseram uma política fiscal saudável, aquela que vem comandada pelo coração de Ângela Merkel. E a Alemanha está cada vez mais forte geopoliticamente, domina o Leste europeu e faz uma aliança expressiva com a Rússia. E, por sua influência, o Banco Central Europeu tem uma alma ortodoxa. E sua política é fortemente financeira. E procura sustentar os grandes bancos contra os Estados mais fracos, casos que vão da Grécia a Portugal. E sempre a velha chave: bota o retrato das finanças outra vez, bota no mesmo lugar. Há que ter clareza, o salvamento escorchante tem uma faca que funciona com uma lâmina bem afiada. Por exemplo, Portugal vai tomar um empréstimo, com juros de cinco e pouco por cento, quando o próprio FMI lhe está cedendo recursos a 3,25. E agora, digam rapidamente, quem é que vai pagar socialmente a conta, para salvar esses Estados e inclusive os bancos desses países, emparedados por outros Estados e por banco de outros países? Digam com rapidez, digam!



8) Salve o neoliberalismo!
- “De volta, compadre?”
“Sim, de volta. Mas, não alertes nem espalhes muito. Tenho sim ainda a mídia a meu favor, tenho a ‘tuba canora’, como diria Camões. Mas não divulgues, não tenho mais a liderança da dinâmica econômica. E mais, confesso aqui, que não se domina mais, sem discussões, o Estado como antigamente. E te digo no ouvido: a dinâmica não vai tão bem, porque não há uma expansão da economia produtiva com taxas de lucros extremamente altas como na época da economia ponto com. Sim, a economia até cresce, mas é tudo indústria velha, lucros grandes, mas nada explosivo e vigoroso. A nova indústria, aquela que vai mudar o mundo e vai dar a nós novas oportunidades de amplos negócios, ainda não está em expansão, não está permitindo novos vôos especulativos. Aliás, temos um pouco de culpa! Nossas próprias especulações atuais com petróleo, matérias primas e produtos agrícolas, estão emperrando as transformações. E os déficits espantosos dos Estados são bons e são ruins. Bons porque ganhamos dinheiro; ruins porque o Estado não pode financiar as indústrias novas, sobretudo aquelas de comunicação e informação. Enquanto não acharmos uma fórmula para ligar finanças-Estado-novas indústrias tecnológicas, temos que continuar, na corda bamba, traçando esse ‘revival’ neoliberal. Mas, que ele vai acabar, vai. A hora é das indústrias novas. E aí o Estado precisa ajudar a produção. O que não se sabe é o tempo da mudança! Talvez a concorrência entre os Estados nacionais, incluindo o Estado e a economia da China, ajude. Mas, por enquanto, é sitiar e cercar com o ‘revival’ neoliberal o que for possível.”

quinta-feira, maio 05, 2011

O que a publicidade vende?

Muito bom o artigo  sobre  Perversão e Publicidade publicado no Diário Gauche. O problema é que a consciência da situação ajuda, mas não garante que qualquer ser escape dessa máquina trágica do capitalismo. 
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
05 de maio de 2011
Coluna das quintas




OBAMA E OSAMA:
DUAS CABEÇAS A PRÊMIO
Por Enéas de Souza





1) Osama Bin Laden morto é o maior cabo eleitoral de Barack Obama. Isso é tão evidente que não mereceria nenhum comentário mais expressivo. Só que queria acrescentar, ou reafirmar, uma ou duas idéias nos fios de novelo. Esse episódio não é apenas um apoio à campanha de Obama. Mais que isso, para mim, ele é um turning point na trajetória do presidente americano. Trata-se de um vento de cauda, como dizem os pilotos dos aviões. Em primeiro lugar, é preciso ver que Obama vinha sendo um presidente totalmente batido pelas iniciativas dos conservadores, dos republicanos e dos financistas (veja-se que os três não são a mesma coisa). E a cachoeira de fatos caindo sobre sua cabeça trazia largos jorros de crítica da população. E não apenas da classe alta, mas gente de todas as classes. O governo do Obama, então, estava assim, parecendo um náufrago à deriva, se afogando lentamente, E o que aconteceu com ele? Há muitos aspectos – muitas determinações, diria Hegel – a respeito desse acontecimento. Há o aspecto simbólico, há o aspecto político interno, há o aspecto internacional, há o aspecto ideológico. E etc. Ou seja, as análises poderão ser longas. Longas e com muitos ângulos. No caso deste artigo vamos pegar apenas dois pontos: a política interna e os valores em jogo.



2) A morte de Osama Bin Laden mudou tudo. Ela faz parte de uma jogada de Obama para voltar ao centro das iniciativas da política americana. Sempre houve uma sombra na sua trajetória depois de eleito. A crítica feroz, sobretudo dos republicanos, a respeito de sua origem e da sua fraqueza política em defender os valores americanos, pelo menos. Na verdade, a coisa aqui é complexa, porque existem duas correntes ideológicas fortes nos Estados Unidos – a corrente guerreira e a corrente liberal – que enxergam o mundo, a presidência e a ação dos Estados Unidos de modo diferente. Obama navegou nessa última, prometendo uma diplomacia de paz, uma luta contra o sistema financeiro, uma série de pesquisas para mudar a matriz energética, uma reorganização da indústria americana e, politicamente, uma nova – ou um retorno – à liderança liberal. Tudo para fazer face à postura guerreira e canhestra do inefável Bush. Não conseguiu mover nada. “No meio do caminho tinha uma pedra”. Os financistas ocuparam todo espaço econômico do governo, o desemprego continuou alto e intolerável, a produção, indústria velha, vem se recuperando pela produtividade e nunca pela mudança do paradigma industrial. A dívida e o déficit americano, por causa da herança da crise, visitaram níveis muito altos. E as guerras, para desespero dos pacifistas, continuaram matando gente. O propósito da retirada das tropas do Iraque e do Afeganistão, e o fechamento da base de Guantánamo tiveram datas alteradas e tornaram-se figuras de histórias fingidas. Até o último fim de semana, Obama mergulhava no pântano político. A vizinhança da eleição e a sua queda de popularidade davam esperanças aos republicanos. Era o anúncio da dança da eleição perdida.



3) E aí aparece Bin Laden. E aparece morto. E isso muda tudo, sobretudo muda a estrada da re-eleição. A grande jogada de Obama foi conseguir que os Estados Unidos matassem o terrorista-mor, num momento inclusive em que o fracasso da política externa americana era uma realidade de nu frontal. O que Obama fez, ao anunciar a morte de Bin Laden, e ao expressar o seu discurso de reivindicação de justiça e de grandeza americana, foi matar um “inimigo jurado dos Estados Unidos”. Praticou a jihaad americana. Por que? Porque Bush forçou sempre a linha contra o terrorismo, consolidando a figura da “guerra ao terror” na imagem de Osama. Por oposição, esse se constituiu num símbolo, símbolo do terrorismo, símbolo da invasão do território americano. Por negação, esse símbolo unia os americanos. As Torres foram uma humilhação no orgulho pátrio. Tio Sam clamava por vingança. E o desejo de vingança expresso no desejo de matar estava presente na alma dos americanos. Desejo de vingança, sim; mas óbvio, claro, em nome da justiça. Antes de avançarmos na análise devemos atentar bem, quem foi morto não foi Osama, foi a materialização do símbolo que feriu os Estados Unidos.



4) Pois, Obama apostou alto. Jogou em cima do símbolo negativo de Osama Bin Laden trabalhado pela administração Bush. Esse símbolo negativo permitiu aos americanos fazerem a guerra do Afeganistão e do Iraque, construindo fortemente o avanço da unipolaridade geopolítica. Ponto para a indústria bélica, ponto para a indústria petrolífera, ponto para a construção civil. E naturalmente, ponto para os conservadores e os republicanos. (Enquanto isso, as finanças devastavam a economia). Todavia, o símbolo negativo, indiretamente, passou a ser o grande desafio para Obama. E emergia, no rastro do símbolo, toda a sua fraqueza política, ao mesmo tempo, que recebia as acusações de que não representava e não defendia os valores americanos. Apanhou como cão danado. Sua saída, para ultrapassar a desmoralização completa, foi fazer o lance do assassinato de Osama. A história do vivo ou morto. E a administração Obama preferiu Bin Laden morto.



5) Pois o gênio da jogada do assassinato de Osama Bin Laden é que a estratégia de Obama trabalhou sobre o símbolo que falamos acima. Ou seja, Obama não visou apenas um acréscimo de popularidade, uma recuperação de seus fracassos. Buscou a recuperação, pela direita, pelo lado guerreiro, do prestígio americano. Produto extremamente válido para o plano interno provocou, por consequência, uma reviravolta na re-eleição. Um cavalo de pau. E, sobretudo, ficou visível, Obama renasceu no calcanhar de Aquiles, ali onde os americanos se vêem como grandes guerreiros, como batalhadores da justiça, como povo líder do Ocidente e do Mundo. Imagem que estava rota e que foi usada pelos adversários do presidente contra o seu mandato. Como contraposição, veio uma caçada que termina por fulminar o terrorista que zombou dos Estados Unidos. Uma metamorfose singular, um feito absolutamente notável na imagem interna da política americana. Porque agora sim, o governo de Obama vai recomeçar. Ele é confiável, ele é americano, ele recuperou a auto-estima da população, ele conseguiu “o que todo mundo queria”. E colocando a sua bandeira na história do país (a morte do terrorista que humilhou os Estados Unidos) ele, agora sim, pode mudar, dar novas expectativas para poder reorganizar o país. Prova disso é o resultado de uma sondagem onde 96% da população americana aprovou o ato de Obama.



6) Do ponto de vista, da política como espetáculo, Obama consegue inflar de novo o seu prestígio. A partir de agora, como todos os personagens épicos americanos – dos filmes de história policial aos filmes de cowboys – ele entra no caldeirão dos vencedores. Fincou a bandeira na destruição do símbolo negativo, de onde poderá sair à re-eleição, de onde poderá superar os seus fracassos de política econômica, de política social, de política internacional. O meu sentimento é que Obama virou o jogo e vai passar ao ataque. Pela primeira vez desde que foi eleito.



7) Na política interna, em função da proximidade das eleições, em função das derrotas sucessivas em múltiplas questões (salvo na votação do plano de saúde), a paralisia do seu governo chegou a ser cogitada na votação do orçamento deste ano. Obama rumava para o despenhadeiro, a sua história política fazia amizade com o abismo. Pois bem, é nesse ponto que matar Osama Bin Laden foi a jogada de gênio. Por que? A primeira coisa: arrancou dos republicanos a liderança ideológica e destruiu o símbolo negativo. Obama se apossou do centro do espectro político e se transformou no super-herói da alma americana. Bin Laden tinha posto em cheque e tinha humilhado o orgulho do país, o primeiro a atacar, com êxito, Tio Sam na sua própria terra. Na política como espetáculo, matar o terrorista faz toda a diferença, provoca a metamorfose da figura de Obama, permite que haja um avesso na sua trajetória. E assim, lanhado o símbolo negativo, agora vai assumir efetivamente a política americana como líder legítimo. Tanto que hoje vai ao “Ground Zero” para dar a virada de página definitiva da era Bush. São aqueles jovens, sedentos de bravura indômita, que agora vão apoiá-lo, como se o marido de Michele fosse um deles.



8) O segundo ponto que queria assinalar são os valores do governo americano. Eles se colocam como vítimas, como justiceiros. Os outros são vilões. E mais, eles podem intervir em qualquer parte do mundo. E podem fazer uma caçada de morte. Tudo em defesa da democracia... E podem se rejubilar com a morte de um cara – para não dizer de um homem. Ora, esses acontecimentos me lembram as peças de Ésquilo, a trilogia chamada Orestíade. Nela, o que existe como pano de fundo e pano de frente é a idéia de olho por olho, sangue chamando sangue, morte se empilhando em cima de morte. E quando Orestes vai ser julgado, o resultado final é o estabelecimento da necessidade de um tribunal para resolver os conflitos da humanidade. Os romanos fizeram algo notável e o direito canônico deu continuidade a isso. A primazia da lei. É a lei que permite a civilidade – e não o tacape como forma de organização do mundo. Mas, como sempre afirmamos neste blog, o conflito está na base da política. Mas se ela não dá uma acalmada e não controla a violência, engendra, anima e amplia o teatro dos conflitos. Só que, se os homens permanecem constantemente na belicosidade, o que nós temos é a vitória da famosa expressão do Hobbes, “homo homini lupus”. O combate em toda a sua extensão. Uma faca puxa outra, um tiro traz o segundo, e o segundo encaminha a série na direção do infinito. Como observava Borges: existe um apelo de dinâmica ativa quando seguro um punhal na minha mão.



9) Por isso, a política é a forma de negociar e deter a violência na sua manifestação mais acerba de exercício da brutalidade. A cultura surge por bloquear, senão duradouramente, mas, pelo menos por um tempo, a agressividade progressivamente letal. E o que nos espanta nesse episódio de Osama Bin Laden é, em primeiro lugar, que o presidente dos Estados Unidos, uma das figuras importantes do século XXI, venha à televisão americana e mundial e diga – imagem diante dos nossos rostos, diante dos nossos olhos, diante da nossa inteligência – que assassinar Bin Laden significou que “a justiça foi feita”. E não deve deixar passar batido que se pode invadir um país assim na pura vontade de invadir, como ocorreu no Paquistão. E que essa interdição possa ser suprimida só porque o presidente americano avisou (a posteriori) ao presidente do Paquistão. Foi invasão sim e assassinato também. Ora, que retórica política mais miúda essa do domingo! O que está em jogo é o problema da Orestíade: o desejo de vingança. A lei ficou grudada no artefato que matou Bin Laden. Isso põe o século XXI de volta na atmosfera dos séculos antes de Cristo, ou naquele mundo dos animais que aparecem no início do filme de Stanley Kubrick, “2001”. Um darwinismo muito cortante, uma lâmina vastamente afiada. Barack Obama sucumbiu à direita norte-americana e mundial. Onde estava o seu discurso de paz? Onde ele colocou o seu diploma de Prêmio Nobel da Paz? Certamente, Bin Laden deveria ser julgado e condenado. Mas o desejo de vingança triunfou sobre o desejo de legalidade. Tivemos, depois da Páscoa, uma Aleluia sangrenta e conservadora.



10) Não há dúvida, dentro da “realpolitik”, Obama vai ao lado destro do cenário político para se salvar. São concessões políticas que tem que fazer para que o poder possa ser mantido. Pois veja, leitor eventual, Osama vem sendo superado politicamente pelas novas formas de resistência das democracias do Norte da África e pelos movimentos por mudanças políticas no próprio Oriente Médio. Então, a operação Bin Laden foi, de fato, uma operação política, ilegalidade gritante, com predominância interna e com grande ênfase no caráter simbólico, para permitir que Obama seja respeitado no plano interno e quiçá no plano externo. Não queremos dizer que ele será necessariamente vitorioso nas eleições do ano que vem; apenas salientamos que a sua candidatura já está na pista de decolagem. Decolará? Os seus fins justificarão seus meios?



11) Porém continuam a vigorar inúmeras questões. As perguntas são as seguintes: o desejo de justiça deve funcionar como desejo de vingança? E onde fica a lei? O que é bom para os Estados Unidos é bom para o mundo? O que vale para mim vale para os outros? E, finalmente, a questão decisiva: qual é o contrato contemporâneo que nos salvará da guerra de todos contra todos?