quarta-feira, fevereiro 22, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

A ALMA DA ESCOLA
“UNIDOS DO OCIDENTE”

Enéas de Souza
23 02 2012


Dizem os entendidos em carnaval que a bateria é a alma de uma escola de samba. Pois a alma da escola “Unidos do Ocidente” é os Estados Unidos, que agora faz, com o violino da China, o ritmo da economia mundial. Atualmente, os Estados Unidos vivem um momento de relativa pausa. Um pouco como a Mangueira. A razão reside nas evoluções da política. Como todo mundo sabe, a decisão “para onde vai” o Estado americano depende da eleição de novembro. Obama esteve durante quase todo o seu mandato sob tremendo cerco. Ao receber o poder nas eleições de 2009, perdeu o passo e escorregou na sua estratégia, agindo timidamente contra os bancos. Do que tinha prometido, não alcançou medidas populares importantes, salvo na questão da saúde, e, ainda assim, de modo limitado. Veio depois, quase com humilhação, o seu grande revés. O samba – no caso dele, o jazz – atravessou na avenida e perdeu as eleições parlamentares do meio do seu mandato. A consequência inevitável: deixou de ter maioria na House, na Câmara de Deputados. Foi como se ele tivesse descido desastradamente uma pista de montanha russa. Ora, entortou o prumo, fracionou a imagem e desabou vertiginosamente no conceito popular.

E aí, como Dante, na primeira parte da Divina Comédia, Obama entrou no trajeto do Inferno. E seu governo parou, estancou e se dissipou numa tentativa de se manter nadando. Mas, sem boia nenhuma, um Dante sem Virgílio, com nado atrapalhado e tímido. Até que percebeu – felizmente, em 2011 – que precisava entrar em campanha para as eleições de 2012. Renovar a sua carteira de presidente. Já que o parlamento tinha interrompido qualquer veleidade de uma marcha progressista de seu governo. O laço que estrangulava Obama tinha a corda da política fiscal. De um lado, para gastar, estava limitado aos cortes do gasto público, negociados com os republicanos. E de outro, bloqueado pela amarra do teto da dívida, definido pelo parlamento.

Cercado completamente, Obama lançou-se ao ataque/contra-ataque eleitoral. E o ano de 2011 e o início deste 2012, o presidente ficou preparando a música para se manter no carnaval da Casa Branca. No seu discurso anual sobre o “estado da nação”, tentou mostrar êxito – pelo menos, parcial – em algumas políticas, sobretudo na tentativa de recambiar as empresas americanas que tinham ido para outros lugares, notoriamente para a China, na chamada deslocalização industrial. Fez-se, nessa ocasião, figura de campeão dos Estados Unidos, tentando reaver, na época da mundialização, as corporações para o espaço produtivo local. Por que isso era e é importante? Por causa do tombo do emprego. Buscava mostrar que, apesar dos adversários à sua política, a busca de reaver empregos estava dando certo. A prova: a taxa de desemprego estava caindo. Ela tinha saído dez e alguma coisa para menos de nove, chegando hoje na casa dos oito e quatro, oito e seis.

E Obama, como um bom advogado, tem procurado mostrar seus lances em prol da população desassistida na pós-crise financeira de 2007/2008. Lançou nessa direção uma tentativa de tratamento legal e ordenado para as dívidas imobiliárias e retomou, com um novo esforço, o gesto de taxar os ricos. O que se conclui de seus movimentos? Que Obama fica alimentando uma combinação de ações possíveis através de projetos quase impossíveis de serem aprovados e um discurso eleitoral para 2012 dizendo: olha, eu já estou propondo isso. Faz uma gerência política da paralisia causada pelos republicanos e da campanha antecipada das eleições, tecendo a reativação daquela chama que um dia o levou à presidência dos Estados Unidos.

Enquanto isso, os republicanos lutam nos canteiros da construção de seus carros alegóricos para ver qual deles vai ser candidato e que enredo e que projeto político ele vai levar à luta.

O que está em jogo, desde 2011, é a política que vai definir a nova economia.

VAI MUDAR O ESTILO DA BATERIA?

O grande problema da economia americana – e da economia capitalista – continua sendo como passar de uma economia velha para uma economia nova. Para tal, é preciso mudar de tecnologia, de política econômica; é preciso reorganizar as relações entre a economia financeira e a economia produtiva, é preciso definir as relações entre capital e trabalho, tanto nos Estados Unidos como no mundo. E é preciso introduzir a polêmica questão: como o Estado participará da dinâmica dessa passagem?

Quero examinar aqui um aspecto da temática da economia financeira e produtiva, mas um ponto extremamente agudo; se poderia dizer um rosto quase incógnito do problema.

Para que se chegue ao outro lado da margem da crise da economia é necessário impedir que a economia financeira se mantenha na mesma trajetória que transitou de 1979 até a crise da primeira década do século XXI. O que significa mudar em muitas facetas e inscrever regras e mecanismos para que ela não gire mais somente em torno de si mesma. E muito menos que ela atraia os resultados monetários das empresas produtivas com a finalidade de manter o circuito das finanças na rota delirante da especulação. Contudo, o que deve ser evitado continua insistindo até agora. Pois, leitor atento, dê-se conta, a corporação produtiva segue tendo ótimos lucros com o sucesso de suas aplicações financeiras. Em muitas delas é ele que é decisivo para a sobrevivência da corporação. Veja os seus balanços.

Mas tudo isso tem uma causa profunda, que está estaqueada na estrutura empresarial: o modelo da governança corporativa (corporate governance). Essa figura da organização empresarial cravou no corpo da corporação moderna um caráter financeiro inarredável. Ou seja, a produção é eminentemente financeira. Por quê? Porque esta governança corporativa estabelece e força que o principal de uma empresa produtiva não é a sua produção, nem a sua renovação tecnológica, nem a sua pauta de produtos inovadores. O principal dela é a valorização de suas ações – chamada em inglês de “Return on Equity” (ROE). O que significa dizer que toda corporação é gerida financeiramente. E gerida em todas as suas dimensões, pois cada um de seus centros de custo tem que dar lucro para proporcionar ao todo da empresa a rentabilidade desejada e o fundamental incremento do valor acionário. Ou seja, a corporação tem que elevar ao máximo a rentabilidade de suas ações. Daí que uma empresa produtiva está fundamentalmente preocupada com a sua rentabilidade global. O que faz da tesouraria, do departamento financeiro, a chave do seu êxito, através de um papel especulativo, inclusive jogando com suas próprias ações no mercado financeiro.

Assim, o principal não é o produto. Não é o investimento e o consumo das suas mercadorias. Não são as inovações tecnológicas do seu processo de produção, nem a diversificação do elenco de produtos da empresa. E, claro, muito menos a busca de pesquisa e de invenção de novas tecnologias. O que continua vigorando é a lucratividade acionária da empresa. Pouco importa de que modo. Nesse sentido, as finanças têm absoluta prioridade sobre a tecnologia. Isso provoca uma diminuição na velocidade das transformações da produção, exatamente por causa desse imperativo financeiro. Então, para que haja metamorfose do capitalismo, é preciso transformar a governança corporativa, retirar do corpo e das leis das empresas essa hegemonia do financeiro sobre o produtivo e suprimir a determinação estrutural da financeirização inexorável da corporação.

A questão é: como?

Por incrível que pareça, a primeira coisa é que haja consciência social e política desse enorme problema. Consciência social e política quer dizer a consciência dos investidores, dos diretores de empresas, das gerências, dos trabalhadores, da sociedade, dos políticos. Aqui está o verdadeiro nó da passagem de uma economia financeira para uma economia produtiva, com as finanças dando prioridade ao crédito à produção em relação ao crédito à especulação. A consciência levando a ação, a práxis.

Assim, é preciso que se tenha consciência do momento histórico para a transformação do capitalismo. A ideia fundamental não é apenas crescer. Na velha economia, agora o crescimento é efêmero, morre logo ali. É indispensável mudar o padrão de acumulação da economia. O que passa por mudar as relações entre as finanças e a produção, por mudar a tecnologia, por mudar as relações entre capital e trabalho, por mudar as relações entre capital, trabalho e Estado. Mas, muitos financistas, no entanto, acham que a economia tem que apenas voltar a crescer. Como sua visão passa somente por lucros extraordinários, lucros especulativos, o que interessa ao sistema financeiro são os bons velhos tempos. A produção reencontrar o seu crescimento e as empresas, financeirizadas, retornarem e ampliarem a sua rentabilidade acionária. O leitor não pode pensar que a economia e a sociedade vão se resolver com essa política e essa proposição das finanças. A economia desaba em seguida. Quais serão as ações da indústria e da agricultura e dos serviços e dos trabalhadores nesse quadro? Um dos pontos que vão lançar o futuro da sociedade contemporânea está na solução do impasse atual da governança corporativa.

Pode-se ver, então, o panorama da luta econômica e política. A questão decisiva, que está no horizonte das economias do Ocidente, sobretudo da economia americana é: como desfinancerizar a produção? Como abandonar ou transformar a governança corporativa? E a pergunta subsequente é: estão os Estados Unidos preparados e se empenharão para alterar essa estrutura? E a Europa? E o resto do mundo? Tudo está no bojo das disputas, das convergências e das divergências das classes sociais. Reforçando que o principal da resposta esteja nos Estados Unidos, cabe a indagação carnavalesca do momento: vai mudar o estilo da bateria da escola “Unidos do Ocidente”?

quinta-feira, fevereiro 16, 2012


CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

A MISÉRIA
DO BANQUETE FINANCEIRO
DA GRÉCIA

Enéas de Souza
16 02 2012





1) A Grécia continua a incomodar as finanças. Ou são as finanças que incomodam a Grécia? Sim, porque a salvação da economia grega está embananada. O que está se tratando no caso é da austeridade fiscal, da privatização de bens públicos, dos pagamentos da dívida, das reformas estruturais (obviamente salários, pensões, cortes de despesas públicas, etc.). E também da recapitalização dos bancos locais. E não está sequer em discussão a sociedade grega como um todo. Mas, como diz Wilhelm Buiter, economista conservador, mas de análises seguras, a Grécia ainda precisa achar 320 milhões de euros para completar os novos cortes do mais recente pacote, do mais recente bail-out. O grave, o mais profundamente grave, é que se tudo der certo, a dívida pública ainda estará a 120% do PIB em 2020 – e naturalmente com o PIB caindo. Como se vê, pode-se já ter certeza, se tudo der certo, a Grécia chegará naquele ano na posição que a Itália está hoje. E como sublinha Buiter: sem o alto nível da riqueza privada italiana.

2) Mas, a Grécia está em franca decomposição. Porque para conseguir implementar todo o pacote é necessário que haja controle sobre o gasto, sobre o cumprimento dos prazos e sobre o comportamento da máquina pública na colaboração do programa traçado. Para tal, não basta a decisão política. É indispensável uma administração e uma burocracia estatal competente que cumpra as metas acordadas. Todo o movimento da intervenção da Tróica (FMI, BCE e Comissão Européia) está concentrado em estabelecer uma proposta para o saneamento do Estado através de uma definição rigorosa e estrita do orçamento, da gerência sem vacilos do déficit, bem como da vigilância rígida da dívida pública. E a eficiência dessas operações é o que falta para a Grécia. Seguindo a tarefa de reorganização do país, a águia das finanças internacionais procura fazer as ideias da Tróica na direção de resolver a crise fiscal e a crise financeira. E, claro, jogando os encargos e os restos do banquete para o lado da população. E, com isso, provocando desemprego, queda de salários, perda de propriedades, etc. Ou seja, o laboratório da Tróica, junto com Lucas Papademos, primeiro ministro banqueiro, está produzindo e tentando transformar, se tudo correr bem, as crises fiscal e financeira numa profunda crise social.

3) (Um dos aspectos pelo qual a crise geral das finanças mundiais não se resolve é porque a política econômica implícita desse setor financeiro, para os diversos países, se baseia na tentativa de tratar tudo financeiramente. Assim, o Estado está em crise, bom, vamos fazer um programa de cortes de gastos, de pagamento dos juros, do controle do déficit e da dívida. É sempre o mesmo ritornello. Dito de outra forma, a sua estratégia é visão financeira e atenção às contas públicas. Mas, não se pensa nada a respeito do investimento público, do investimento privado, do aporte de capital para instalação de indústrias nas sociedades em crise econômica, num sistema bancário público e/ou privado com crédito para a produção. Uma economia só avança socialmente – atenção, estou falando ‘socialmente’ – com o crescimento do PIB e desenvolvimento da condição dos seus cidadãos. E isso só se dá com aumento do investimento e do emprego, com políticas públicas para a população, com acréscimo das receitas, com o aprimoramento do gasto público e com o escalonamento adequado da dívida do Estado. Visto por esse ângulo, a salvação da Grécia é uma devastação. E vem com uma pitada de humor negro: os conservadores dizem e ainda falam da baixa poupança das famílias para recuperar e ajudar na retomada da produção. Como é que as famílias desempregadas, como é que a gente com perda de salário, pode poupar? Não há como não pensar que a ajuda financeira de 130 bilhões de euros não seja um lance das finanças para salvar as próprias finanças sem nenhuma preocupação com o destino da Grécia econômica, política e social!)

4) Logo se vê que uma crise social não se resolve do jeito que estão propondo. A insatisfação vai estar sempre presente como ocorre a quem mora numa casa sem telhado. A trajetória da revolta está aí. Enquanto isso, um lado chocante e não sem ácida comicidade, os credores e políticos europeus conclamam os partidos gregos a aprovarem e controlarem a situação. A pergunta inevitável: será isso possível por quanto tempo? E como serão as próximas eleições gregas? Ganhará Antonis Samaras do Partido Nova Democracia, conservador? Fará aliança com os socialistas do Pasok?

5) Existem críticos (politólogos e economistas) que falam da possibilidade da União Européia, a certa altura do jogo, excluir dela “a preguiçosa Grécia”, como falam alguns alemães. O governo da Angela Merkel, aliás está oscilando, ora dá indicações que não, ora sussurra que sim. E Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças, afirma que não se deve dar mais nenhum dinheiro para a Grécia. Será um indicativo? Então, se for, será o buraco negro. Ninguém tem ideia do que irá acontecer. Para os gregos, os custos da passagem do euro para o dracma serão enormes, a desvalorização robusta, a evasão de capital absurda, os investimentos, aí sim, desaparecerão. O que não quer dizer que pequenos negócios, uma economia paupérrima não se estabeleça. E a tão falada, desvalorização monetária para que a Grécia possa exportar a preços baratos é uma ideia inútil, pois a Grécia vai exportar o quê? E como se fala em turismo barato, baratíssimo, ele vai dar conta de quê? Mas, a pergunta que é calada e que, no entanto, não se apaga com as exigências financeiras do pacote é a seguinte: como ficará e viverá a população? Ela vai emigrar? E para onde? Todos esses contornos não sevem de combustível para uma explosão social e política?

6) Por essas razões, a situação grega só pode ser analisada no contexto da Europa dos capitais. E dos capitais hegemonizados pelas finanças. Pelo menos no estágio atual, não existe união política da Comunidade Européia. O que significa que não existe um Estado Europeu que possa fazer uma política global. O que temos é apenas um espaço europeu, um espaço aberto à capitalização, sobretudo financeira, que tem uma agência econômica, o Banco Central Europeu, que cuida dos capitais e dos bancos. Por exemplo, o BCE pode emprestar para os bancos, mas não para os Estados. Claro, podem se inventar químicas para efetuar esses empréstimos. Todavia, o que domina – e isso é notório há anos – na visão dos Estados nacionais da União Européia é o construto financeiro. Daí que o cuidado da Grécia passa pela Tróica: o FMI, a União Europeia e o Banco Central Europeu. Ela está, então, vê-se claramente, sob os cuidados e a política de uma Europa Financeira.

7) Pode se concluir com segurança que a situação da Grécia na atual crise econômica – de conteúdo financeiro e fiscal – desemboca inexoravelmente numa crise social, fato que acentua, exacerba e enfatiza – um escândalo! – a abdicação da Europa Política. Uma Europa Política do desenvolvimento econômico e da distribuição da renda, do estabelecimento do bem estar social e da meta insistente do bem comum. E a ironia da Europa financeira é desprezar a questão do bem comum em relação a um país onde esta ideia nasceu. Aristóteles morreria de vergonha ao ver atingidas, mortalmente, outras noções que ele criou, além dessa. O homem é um animal racional. O homem é um animal político. Essas três idéias foram atiradas na lixeira pelas finanças.

8) É, então, a Europa Financeira que faz um projeto político de uma austeridade que liquida a Europa Social. E isto pesa, sobretudo, para os países que foram endividados, como o Estado conservador e corrupto da Grécia anterior a Papandreou. E tudo em aliança com a Goldman Sachs e com a anuência de bancos do continente. Culpa da Grécia, sim; culpa das finanças, também. E com isso teremos a manutenção da Europa Financeira com a hegemonia política do Banco Central (na mão de Mario Draghi, ex-Goldman Sachs), com uma política fiscal austera, com a diminuição de salários, de aposentadorias, etc. tudo em nome da necessidade da estabilidade da economia para a expansão da acumulação financeira. E não esqueçamos que Hobbes corrigia Aristóteles, como fundamento da teoria política, ao dizer que o homem era lobo do homem. E nesse diálogo de todo os tempos, Freud, no “Mal-estar da Cultura”, concordava. Então, leitor indignado, não provoca reflexões essa situação da Grécia, como a de Portugal e da Irlanda?

9) Olhando os aspectos atuais desta Europa Financeira constata-se que o Banco Central Europeu está se tornando para o sistema bancário da região – sem ter um Estado por trás – no emprestador de última instância. E pratica uma política de liquidez que dá folga às instituições financeiras, mais ou menos no modelo do FED após a crise de 2007/08. O que são boas coisas. E, ao mesmo tempo, Wilhelm Buiter acrescenta uma lenta queda no déficit fiscal da Comunidade, uma diminuição do risco sistêmico de importantes bancos, e também a diminuição do risco de default desordenado de importantes Estados soberanos. Mas, alerta: continua a subcapitalização dos bancos e continua a volatilidade financeira. E por quê?

10) A concorrência entre os capitais situados nas finanças prossegue certa e extremamente forte. Pode-se empregar, para essa competição, a metáfora de um sistema darwiniano. Embora os bancos centrais tenham proporcionado alavancagens interessantes, os negócios com títulos andam a passos instáveis, inclusive com os títulos das chamadas dívidas soberanas. E sobretudo, nos alerta Volker, ex-presidente do FED, criador do dólar forte do final da década de 1980, que os grandes bancos estão empacados no espaço internacional com regras ainda não negociadas de fusão, de liquidação das instituições financeiras por causa de regulações jurídicas diferentes. E ele nos avisa da necessidade de padrões estandartizados de capital para os bancos em todo sistema.

11) E se a gente penetra na floresta ardente das finanças –dentro desse quadro de concorrência frontal, onde imperam a desconfiança de bancos em relação a outros bancos, a carência de regras talvez mais precisas para a separação dos bancos de investimento dos bancos comerciais, as indefinições nas questões de seguros de crédito, etc. – a gente percebe efeitos e pressões fortes sobre a União Européia. São provas disso o tombo das notas das agências de rating para os países europeus e também para setores bancários de um ou outro país. Na Europa, temos um jogo de vai e volta, de morde e assopra, de bate e alivia. E quando se pensa que a coisa vai dar uma acalmada, o chicote canta e estala na pele, sobretudo na dos países menores e da periferia europeia. Ou seja, as finanças conseguiram, com a sua política de austeridade, chegar a um movimento de pausa e crise, e de crise e pausa. Um círculo infernal. Depois de séculos da Europa cristã, da Europa das duas grandes guerras, alcançamos a efêmera presença de uma região financeira e liberal. Olhado pelo ângulo da longa duração da História, a indagação é turbulenta: para onde vai esta Europa das Finanças?

12) Pode-se concluir que a Comunidade europeia está tentando encarar a questão da crise fiscal e financeira da região. Mas, está postergando olhar nos olhos a crise social, que está aumentando barbaramente – e quase que por toda parte. A meu ver, esta crise da Europa, no entanto, não terá saída sem a resolução da crise americana e, por derivação, da crise inglesa, porque todas elas estão enfiadas numa crise do capitalismo. E essa crise capitalista é, na verdade, um conjunto de crises. Uma crise econômica, uma crise tecnológica, uma crise social, uma crise cultural, uma crise civilizacional. A crise na Europa, então, é só um apêndice. Só se pode perceber a Europa no interior da trama da História.

13) E aí temos um alumbramento, há várias questões a solucionar: como se dará a passagem da atual economia mundializada para uma nova economia? Haverá essa passagem? Um cara como Immanuel Wallerstein não acredita que o capitalismo sobreviva. E há indícios disso. A crise social não será resolvida, em nenhum lugar, se as finanças não pensarem numa forma de aglutinar, ao seu projeto, as múltiplas populações nas diversas camadas da sua inserção. Não há hipótese do financeiro ter – e, muito menos, ser – um projeto político e social para a contemporaneidade. Sua concepção é limitada e tosca. O neoliberalismo está sempre tentando voltar. Os ideólogos de plantão produzem ideias, obras e filmes para mostrar a riqueza desta visão. Mas, ela já veio abaixo. E Braudel já nos disse vigorosamente, o capitalismo só sobrevive com a adesão das massas. E o que me parece importante: o experimento das finanças hegemonizando os Estados, as políticas econômicas, e as estratégias de desenvolvimento econômico (industrial, comercial, agrícola, etc.) são, não custa dizer, um fracasso. Mas, elas, as finanças, também cabe salientar, continuam no poder.

14) A pergunta decisiva e fundamental no momento é a seguinte: existe possibilidade de acordo entre as finanças, a produção e a população? De qualquer forma, a mundialização financeira não tem tido solução para a mundialização social como pensava o neoliberalismo. Mas ele resiste, é um vírus que viveu se fortalecendo por ausência de contraponto. E sob o guarda chuva da mídia conservadora. Será que as pessoas não vêem que o experimento das finanças se evidencia e mostra toda a sua verdade na absoluta nudez do experimento grego? Será que o experimento grego, num processo de reversão dialético, não se tornará um presente grego para as finanças e para o mundo? Que sociedade virá daí? Será que estamos no inverso da peça de Shakespeare: bem está o que bem acaba?




quinta-feira, fevereiro 09, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

FUTEBOL E AEROPORTOS.
A DECISÃO QUE INCOMODA.

Enéas de Souza
09 02 2012



Está me inquietando, e a muitos brasileiros, essa coisa dos aeroportos. Começo por tentar pôr em ordem os meus pensamentos. E, ao mesmo tempo, começo a fazer perguntas, que talvez não saiba responder.

Primeiro, sobre a posição de princípios. Para mim, o Estado é o elemento fundamental no processo político e econômico de uma nação democrática. Substancial na política, decisivo na estratégia, incisivo no projeto nacional e flexível nas táticas. Fica, nessa passagem, uma pergunta para o que estamos discutindo: e os aeroportos são ou não são estratégicos?

Segundo, a privatização. Pessoalmente, não sou um estatista rígido, acho que é possível privatizar, só que sou contra as privatizações de pontos estratégicos. Indagação evidente: os aeroportos não são estratégicos para o país?

Terceiro, o estado atual do Estado nacional. Na dinâmica brasileira, com o passado neoliberal de privatizações chamado de “Privataria tucana” por Amaury Ribeiro Jr., o Brasil de Lula e Dilma vinha retomando a unidade do Estado. A pergunta é: os leilões das concessões dos aeroportos interrompem esse processo?

DISTINÇÕES

Para começar, na questão em discussão, temos que distinguir: privatização e concessões. A concessão é uma privatização temporária, controlada (há que olhar os editais e os contratos!). A privatização é uma transferência de propriedade. A questão, portanto é o tempo, o tempo das concessões. Filosoficamente, já falei: sou contra a privatização de entes estratégicos. Mas não sou contra concessões, porque como dizia Ignácio Rangel, a economia avança ligando setores que têm recursos financeiros com setores carentes. E a pergunta sequencial é: tem o Estado esses recursos?

A primeira coisa que inquieta é como sabemos pouco dessas concessões. Não houve grandes debates, não se sabe bem o que estava em jogo, não se ouviu os prós e os contras. Só agora que estourou a decisão e que a TV trouxe à imagem as figuras dos leilões e dos vencedores é que começou verdadeiramente a discussão. A ave do questionamento voou tarde e não é, obviamente, uma ave da sabedoria. Então, por que o governo não forçou o debate? Por que a mídia só agora disparou manchetes? (E mesmo aqui, quando divulgou, o fez de forma parcial e enganosa. Vejam o título da noticia de um jornal: “Governo privatiza aeroportos e estrangeiros ganham leilões”. É esse parcialismo obscurantista que enche a paciência dos leitores). Por que as facções – e mesmo a oposição – não tratou de debater o tema?

A RECUPERAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

O Estado brasileiro – por uma hegemonia que articulou na profundidade da sociedade as finanças e as multinacionais produtivas com o setor bancário nacional e parte da indústria, comércio e agrobusiness brasileiro – impôs à nação uma política neoliberal, através da presidência de Fernando Henrique Cardoso, no final e na dobra do século passado. No entanto, na época de Lula, houve uma alteração na geologia social, uma alteração, que deu origem a um novo pacto concreto. Pacto entre as citadas forças acima com outra parte da indústria brasileira, aliada nesse momento as frações populares. Claro, isso permitiu uma política coerente para os trabalhadores, desde que o capital a juros – como fala François Chesnais – continuasse ganhando o que vinha ganhando. Foi essa a condição indispensável. E como ele ganhava muito no mercado financeiro, principalmente com a política de juros altos e com os títulos públicos que eram um dos elementos fundamentais desse processo, a aliança progrediu. E o governo pode fazer uma política coerente para o setor dos trabalhadores e dos miseráveis.

O quadro começou efetivamente a mudar com a crise financeira de 2007/08, que trouxe um declínio da hegemonia das finanças. Veio uma competição forte entre as instituições financeiras e a possibilidade ampla de uma inclinada aliança entre o capital produtivo e a população (trabalhadores urbanos, operários, desempregados, trabalhadores rurais, etc.). Isso se expressou na tentativa – no Brasil, pelo menos – de recuperação do Estado que tinha sido desmontado e destruído nas suas partes pela política governamental fernandina. E também dilapidado insidiosamente pelas privatizações. A chave do itinerário de retorno à presença do Estado, um pouco antes da crise, foi o PAC, concebido pela Dilma quando estava na Casa Civil. Houve aí dois pássaros de envergadura, dois gestos de metamorfose. No subsolo do PAC vinha a ideia de planejamento, e no anúncio dos investimentos do governo, a recuperação da Petrobrás para o núcleo estratégico do Estado.

Bem, a política econômica que Lula levou foi um longo processo de reativação social do Estado e da sua unidade, recuperando, em parte, a política monetária muito afetada pela política cambial, a política financeira (o indicativo expressivo é o movimento da taxa de juros brasileira) e a política fiscal, incluindo o controle do orçamento, do déficit e da dívida. E diga-se, que isso foi realizado num ambiente demoradamente neoliberal. Nessa paisagem econômica e política, é bom frisar, a questão do superávit fiscal é fundamental para manter uma segurança mínima do Estado em face dos possíveis ataques especulativos das finanças. Na verdade, o superávit fiscal, e mais a manutenção das reservas em dólares, faz parte da política de quem quer proteção e condição de ser minimamente autônomo, no mundo de hegemonia financeira e de política neoliberal vigente na mundialização.

DE LULA A DILMA

A decisão da Dilma sobre os aeroportos se dá dentro do processo de continuação do governo Lula. Antes de mais nada, Lula jogou, no cassino dos esportes, na dupla questão da Copa do Mundo e das Olimpíadas em função de alguns aspectos: 1) projeção do Brasil no mundo; 2) aprovação e orgulho nacional pela candidatura do Rio com um projeto de recuperação econômica e de prestígio da Cidade Maravilhosa (Inclui-se aí um subprojeto de deslocamento de São Paulo, enquanto lugar do tucanato); 3) afirmação ampla da popularidade de Lula, que culmina um processo de ter-se tornado o primeiro estadista do Ocidente em 2010. E por isso mesmo, um reforço na promoção da eleição da Dilma.

O ESPORTE COMO ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

Colocado assim, conquistado assim, a questão passou a ser como administrar esse projeto. É preciso salientar que a candidatura brasileira para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas e a aprovação dessas propostas pelos respectivos comitês internacionais fizeram nosso país tornar-se parte desse pacote econômico mundial. Fez-se um laço com um tipo de capitalismo que passa pelos esportes, onde se aglutina um núcleo e um bloco de acumulação de capital (estádios, campos de treinamentos, acesso aos estádios, transporte público, etc.) numa reorganização, diga-se desordenada e caótica, do urbano. O futebol é uma fronteira da acumulação do capital nos novos tempos. Então, se pode interrogar: que acordos público-privados existiram, no momento da designação do Brasil, que o governo Lula decidiu como importante para o projeto do capitalismo no país?

Esses projetos dos estádios caíram, muito claramente, dentro de uma necessidade não só de avanço do capitalismo mundial e nacional produtivo, mas também da necessidade infraestrutural da economia brasileira, a saber, aeroportos, estradas, portos, saneamento básico, transporte urbano, etc. Então, é com esse pano de fundo que temos que compreender a questão atual dos aeroportos brasileiros. A Copa e as Olimpíadas são, em si, um projeto estratégico do governo brasileiro? Acho que não. Mas é irreversível? Sim. E se integra num movimento de articulação da infraestrutura brasileira? Sim.

ENTÃO, COMO ENTENDER O JOGO?

Então, tem que se entender esse projeto dentro de uma visão que a Dilma tem salientado do crescimento acelerado do Brasil, problema fundamental na competição interestatal. E para ter um crescimento acelerado – a experiência da China incentiva – não basta aporte de capitais locais e recursos públicos; é fundamental empresas que possam tomar crédito e investir. É o caso dos aeroportos. Então, temos dois problemas. Um é a questão do investimento em área estratégica. Bem, o que se pode dizer sobre informações na imprensa é que o investimento será no complexo aeroportuário, sabendo-se que o controle do espaço aéreo, que é o decisivo para o país, continua com o governo brasileiro. De qualquer forma, me parece que o problema é amplo: não bastam as instalações e investimentos do aeroporto, é preciso estrutura urbana que apóie o local. E isso não está em questão nesses leilões.

(Parece que para ultrapassar o emperramento brasileiro é fundamental ir tocando o processo, independente das ressalvas teóricas, políticas, econômicas, etc., que possam ser colocadas. Por exemplo: no caso dos aeroportos, como disse, falta a parte de apoio do acesso urbano. Mas, se for esperar a solução disso, não vai sair. Então, vamos indo adiante, porque depois se arruma, depois se arranja. E se não se arrumar, pelo menos algo saiu. É o pragmatismo brasileiro. Faz e depois vê, e depois se arruma. Naturalmente que já é um progresso, pois é o contrário de ir levando a coisa com a barriga. O contrário do neoliberalismo que era canalizar tudo para o mercado financeiro.)

Os críticos dos sindicatos colocaram uma questão importante: o Estado tem dinheiro, sim; por que não usar o superávit fiscal primário? Bem, isso é verdade. Até já comentamos acima. Só que queríamos apresentar o tema pela questão da estratégia nacional e de uma política econômica adequada para tal. Assim, se o Brasil busca a estratégia do crescimento acelerado, é preciso contar com recursos nacionais e internacionais, mas também é fundamental que o país tenha uma estrutura econômica robusta. E, obviamente, a política econômica tem que se proteger, numa mundialização com predominância financeira, dos ataques dos inimigos do país e, certamente, um deles é a atitude especulativa das finanças. Para que o país possa buscar o crescimento acelerado, ele tem que se resguardar. Logo, a economia brasileira tem que usar esses dois protetores, o superávit fiscal, para não entrar numa crise do pagamento dos juros como outros países, e a reserva em dólares, para não sofrer ataque especulativo por parte do setor financeiro. Então – como “bola de segurança”, como diz o pessoal do voleibol – o Brasil não poderia fazer essa aventura aparentemente fácil, a de usar o seu superávit primário, para construir os aeroportos. A hipótese contrária teria um risco muito elevado.

Um outro problema é, sem dúvida, as críticas que poderiam surgir no futuro sobre o ritmo e o término das obras. Veja o leitor, que aí temos um gesto político importante. Dando à iniciativa privada – incluindo estrangeiros – a execução das obras, Dilma se acautela quanto a comentários ferozes e violentos da oposição ao governo, sobretudo da auto-proclamada imprensa livre, pelo andamento dos trabalhos, atrasos, aumentos de preços, etc., inevitáveis em construções desse porte. Na verdade, a imprensa vai ter que bater no tambor do próprio setor privado, o que fará com mais suavidade. Claro, sobrarão críticas ao governo, mas será em muito menor grau. (De qualquer forma, a questão importante será a da fiscalização das obras, do cronograma, da exigência de cumprimento das etapas. E aí sim, o governo jogará de mão se quiser. E com apoio da própria mídia!)

(Porém há algo que está no cruzamento da expansão econômica do Brasil, da construção de estádios e aeroportos, da estrutura hoteleira e da estrutura das cidades. É que essas obras têm um odor de corrupção, um cheiro de multiplicação excessiva de recursos públicos para que tudo fique pronto para a Copa. Há cheiro de ataque ao Tesouro Nacional, há cheiro de chantagem as mais diversas. E isso tudo vai ficar em pauta até 2014/2016. Nesse sentido, o povo e a sociedade brasileira estão inquietos. E sobretudo, isso pode ser expresso por um “filósofo brasileiro”, o Barão de Itararé, com aquela célebre frase: negociata é todo bom negócio para o qual não fomos convidados. E daí a inquietude de todos com essa solução das concessões, que envolve uma parte do setor privado que é extremamente ágil para o bem e para o mal. Quem não se lembra das polêmicas sobre as obras do Pan-Americano? Por isso, a tensão de parte da sociedade com esses pontos que discutimos aqui.)

FINALIZANDO

Finalizando, de fato tenho muitas dúvidas sobre o modo como foi conduzida a decisão dessas concessões. Os pontos que podem sustentar a postura do governo são: o crescimento acelerado, o manejo da política econômica, as necessidades de capital, (com o fato técnico da manutenção do controle do espaço aéreo pelo governo brasileiro), um passo a mais na aliança com o setor privado, a necessidade de bloquear as criticas da imprensa privada anti-governo, e a imperiosidade de manter a política econômica de controle dentro de uma inserção neoliberal na economia e na política mundial.

Terá sido uma boa o lance de Lula? Dado o lance, houve astúcia, prudência e sagacidade na solução da Dilma?





quinta-feira, fevereiro 02, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

DILMA
E A ARTE DE FAZER
A FISIONOMIA DE UMA ÉPOCA

Enéas de Souza
02 02 2012


A Dilma tem uma inteligência estratégica que une, tanto na concepção como na prática, a Grande com a pequena política. Não é um jeito trivial, não, é uma força de ser. Tem a vocação de um pensamento nítido que não vacila no gesto. O que parece ser uma ligação da teoria com a prática: o conhecimento está irmanado com uma velha idéia grega, a do kairós, que quer dizer o senso de oportunidade. Nela há uma fraternidade dialética entre a idéia e a hora da ocasião. E o efeito deste movimento é o melhor possível – até agora, ao menos – pois a surpresa dos opositores, o aplauso dos adeptos e a indiferença dos que “não gostam e não entendem de política” se expressam numa aprovação inédita do país à presidenta.

Vou tratar da sua presidência de uma maneira rápida e sintética. Sei que a questão é vasta. Mas começo por colocar na roda e na pauta alguns aspectos que tenho por relevantes. Deixo para mais tarde uma melhor e mais ampla análise sobre a política da Dilma. Aproveito a sua viagem a Cuba para fazer uma pequena reflexão sobre este ano e um mês que tivemos de seu trabalho. O que se pode dizer sobre o assunto?

LULA E DILMA, A SOMA DE UM PROJETO DE PODER

A primeira coisa que gostaria de salientar é a continuação do lulismo, num agora lulismo-dilmismo. Parece incrível que as pessoas não notem este prosseguimento. E não notam. E não notam porque avaliam que a Dilma, para ser continuação do Lula, teria que ser uma cópia. Ela não é uma imitação, isso já ficou abusivamente claro. Portanto, é um continuar com qualidade própria. E quando Dilma faz algo diferente do que pensam que Lula faria, querem destacá-la dele. Esse país não está sabendo pensar. Como dizia um velho professor da direita na faculdade de Economia, “unir sem confundir” é preciso. Relacionar e diferenciar. Ver que a realidade tem uma solda e uma luz que põe os pontos do mundo no seu lugar.

Pois Lula e Dilma fazem parte do mesmo jogo. Um projeto de poder. Um projeto de poder nacional para transformar tanto o capitalismo financeiro e o neoliberalismo político como a condição do Brasil e da população brasileira. A estratégia da Dilma vai se fazendo, continuando e transformando a escultura de Lula, tanto na geopolítica como na geoeconomia. Não podemos deixar de salientar que com a Dilma houve um aumento de força neste projeto de poder. Juntos, Lula e Dilma, constroem um acréscimo de plasticidade na trajetória petista. Duas estrelas valem mais do que uma, tem mais céu e mais presença no combate político, tanto partidário, quanto entre nações. O lulismo se dilata, se fortalece, se adensa com o aporte da Dilma. Por isso, digo lulismo-dilmismo.

A DANÇA DA GEOPOLÍTICA E DA GEOECONOMIA

A crise do capitalismo pôs em questão o capitalismo financeiro e o neoliberalismo, e dividiu o eixo único do poder americano em dois, o novo eixo de Tio Sam e o eixo chinês, que se encontram num longo processo de constituição. Pois, na confusão do baile, a estratégia do Brasil, nesse momento, navega com algumas peculiaridades. A primeira coisa a constar é que o país tem que flutuar no jogo político, seja por causa da proximidade do comércio exterior com a China, seja porque os Estados Unidos trabalham em formas disfarçadas de protecionismo, seja porque os chineses têm ações predatórias nas relações com os outros países (África e mesmo América Latina, por exemplo), seja porque os americanos têm formas financeiras devastadoras. E por aí nós vamos.

O Brasil já mostrou que é um player médio no jogo internacional das nações, mas que não tem capacidade de organizar nem a geopolítica, nem a geoeconomia mundial. Dada a evolução da crise atual, aquela presença exuberante de Lula e do Brasil nos últimos anos não poderia continuar. Cabe aproveitar pequenas intervenções para marcar pontos, para segurar campos conquistados, aguardando o ressurgimento criativo no futuro para novos avanços. Trata-se, logo, de manter e reforçar a nossa posição. Assim, faz a Dilma. O discurso na ONU, a presença no G-20, a viagem à China, etc. Contudo, o horizonte da geoeconomia e da geopolítica mundial está a indicar que deve-se ir além de um reforço do estado atual do país. O salto sobre a crise passa por ordenar uma determinada região do mundo. A China arruma a Ásia e o Brasil amalgama a América do Sul, talvez a América Latina.

No caso brasileiro, a expansão da presença do Brasil no colorido continente sul-americano carrega um processo que projeta integrações produtivas, aduaneiras, integrações de infra-estrutura, de transporte, integrações educacionais e culturais, etc. O espaço deste itinerário adquire uma potencialidade altamente desejável e promissora. E essa flor, esse girassol, amadurecerá plenamente quando o rosto escuro do protecionismo chegar. Ele abrirá uma nova etapa da crise mundial – talvez no fim de 2012, quem sabe no decorrer de 2013. Nesse quadro, a integração regional será absolutamente decisiva para esses países. A América do Sul passa a ser, nessa paisagem, uma jogada geopolítica e uma jogada geoeconômica. Trata-se de uma oportunidade semelhante àquela que o Brasil teve por ocasião da crise dos anos trinta, só que agora num território continental. Dilma está com essa bola toda.

No campo geoeconômico, o principal norte é o futuro da economia mundial. No meu modo de ver, toda esta crise econômica serve para pautar a passagem de um padrão de acumulação de capital para outro, esse novo centrado na expansão das tecnologias de comunicação e informação, de novos materiais, das ciências médicas, etc. Essa passagem é longa e demorada, cheia de convulsões e rebuliços. Basta lembrar o que foi a crise da Grande Depressão. Portanto, temos um longo caminho a percorrer. Todavia – cabe salientar um ponto decisivo – o Brasil parece já estar neste futuro. Não pelo lado da fronteira tecnológica de vanguarda, mas pelo lado de uma certa infra-estrutura desse padrão. O Brasil vai de energia, de alimentos e de minérios. Contudo, é fundamental não ficar nessa primarização: o desenho da economia brasileira deve traçar um planejamento para a área de inovações e de tecnologia. E isso que daria ao país uma posição melhor na nova divisão internacional do trabalho.

É o curto prazo que está envolto num terreno de incertezas e de ameaças. Pois, se as contas do governo vão bem, o Brasil, como um atleta de salto triplo, se prepara – e essa é uma das preocupações da Dilma – para bloquear os efeitos da crise européia, para encarar as múltiplas facetas e repercussões do protecionismo variado, para conter o expansionismo complicado dos chineses. E, no entanto, o Brasil também não pode deixar de considerar as perspectivas de uma expansão do mercado interno. A vitamina virá de um programa de investimentos (PAC, Minha Casa, Minha Vida, por exemplo), acompanhado do consumo da classe mais necessitada, através dos gastos dos programas sociais do governo. E, como ampliação do mercado interno, pode-se apostar em tentativas de superar as questões vinculadas ao que se chama de desindustrialização da economia produtiva por causa do efeito chinês. Completa o espelho da incerteza atual os temores da repercussão da crise européia, o que Guido Mantega chama de guerra cambial, o tratamento mais consistente da taxa de juros e da atração insistente dos capitais financeiros pelo Brasil, etc.

A NOVIDADE ESTRATÉGICA DA DILMA

Pensem os leitores, dispam seus preconceitos, e pensem mais atentamente o que Dilma está construindo no subtexto de sua presidência. De um lado, a unificação do Estado, que ela trabalha desde os tempos da Casa Civil e cujo maior êxito é a convergência do Banco Central com o governo. E de outro lado, dar uma cara nova à política, o que está se constituindo, a meu ver, como uma surpreendente novidade da área. Ousamos dizer que ela tenta mudar politicamente a política, introduzindo o campo dos valores como uma passagem de nível, como uma tarde de sol num inverno social. Vou tentar explicar. A política é conflito, combate, diferença, tensão, discórdia. Perspectivas opostas, basicamente, valores distintos. Nela jogamos com a alteridade. Tudo aí se complica pois está presente a figura do outro. O outro é meu adversário, pode ser meu inimigo. O outro me escapa. Não sou capaz de fazer com que ele faça o que eu quero a não ser que ele esteja disposto a querer o mesmo. Na política contemporânea, houve o incremento de um padrão onde os valores da chantagem, da corrupção, da violência, por exemplo, predominam. O poder pelo poder. O realismo político passou a ser: se o outro não tem valores, ah! meu caro, eu também não preciso ter. Não preciso assumir valores coerentes, afirmativos, de uma cultura crítica, de um desenvolvimento social, da busca de um bem estar, da construção de um bem comum. Logo, valores coletivos, valores da dignidade, da legitimidade, da solidariedade, da liberdade, da fraternidade, da democracia. Valores para um poder criativo. Posso, pelo contrário, assumir os valores da força, da violência, da porrada, da prepotência, do ludibrio, do engano, do engodo, da burla, do exercício único do mando como o valor que interessa. Houve assim uma espécie de abolição de valores de um tipo em detrimento de outro no quadro da modernidade do jogo político.

Dilma vem articulando nos seus atos um conjunto de valores que não responde automaticamente aos atos dos adversários, ao menos, no mesmo nível deles. E isso tanto no jogo político partidário, parlamentar e ministerial como no jogo político da mundialização. Se duvidam, vejam o tema da corrupção de ministros e dos ocupantes de segundo escalão do governo. Ou a questão dos direitos humanos nos planos nacionais, como nos casos do Irã, de Cuba e dos Estados Unidos. Memorável o seu encontro com as madres de Mayo na sacada da Casa Rosada. Memorável também a resposta em Cuba sobre a questão dos direitos humanos. Todos os países cometem delitos, disse ela. O Brasil, Cuba e os Estados Unidos. Chamou a atenção para Guantánamo, que curiosamente os “defensores” dos direitos humanos não falam. Com atitudes como essas, Dilma vai compondo uma cesta de valores que passam pelas já citadas questões da corrupção e dos direitos humanos, como também pela presença das mulheres em cargos públicos de destaque, como a obstinação na erradicação da miséria, como a civilidade no trato da política. E assim, a viagem no campo dos valores vai se fazendo.

Gostaria de chamar a atenção para o tema da corrupção. Trata-se de algo profundo. O capitalismo financeiro fazendo de tudo – homens, coisas e valores – um negócio, corrompeu fortemente as relações humanas e políticas. A política se tornou, em muitos momentos, um caso de compra e venda, de chantagem, misturando favores políticos e cargos. Dilma tem se dedicado a reverter essas coisas. E fez da chantagem, inclusive midiática de denúncia da corrupção, uma forma de alavanca para romper com estas práticas. E fez de tal forma que baliza a própria base do governo na escolha de ministeriáveis, como também provoca a elevação ética no campo da política. Faz dos valores um componente do político, de tal forma, que cria um ambiente, uma atmosfera que vai transformando e enfatizando a política. Os valores tornam-se um ponto de referência em qualquer negociação. Ou seja, o combate principal se dá entre valores, embora, na sua prudência e astúcia, Dilma sempre saiba que a política é relação de forças, imposição de vontade. E que o menos ruim é melhor que o péssimo. E só se sabe isso quando se joga com valores.

A UNIÃO DA GRANDE E DA PEQUENA POLÍTICA

Essas pequenas considerações servem para mostrar que a estratégia da Dilma é capaz de unir a Grande e a pequena política. Porque se Dilma se dedica a desenvolver a política, a estratégia e o projeto nacional – uma herança do governo Lula – ela não a defende somente em nome da política e da economia, mas a sustenta em nome de valores, que é a única forma capaz de fornecer critérios para decidir tanto no ar da Grande política como no solo da pequena política. Dilma age com valores que lhe permitem dar uma distinção à política na floresta agreste do capitalismo selvagem. E essa transformação tem sido feita progressivamente, sem alarde. E, de repente, as pessoas tomam consciência da energia e da sutileza da Dilma. A sua estratégica envolve uma concepção de valores como um toque sutil no combate pela metamorfose da política. São valores que não deixam de ter contundência, pois a política é um jogo pelo poder, é a arte de fazer a fisionomia de uma época.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Economics in the Age of Deleveraging

Economics in the Age of Deleveraging

Esse é um artigo bastante importante e interessante (publicado pelo blog Credit Writedowns) para quem quer entender os mecanismos que afetam a política monetária e fiscal na crise pós-2007. Não por acaso, uma das primeiras postagens desse blog, ainda em 2007, se chamava "O medo da cascata de desalavancagem sistêmica". As coisas andaram bastante mais lentas do que pensava naquele momento graças a forte reação dos Estados e dos Bancos Centrais, principalmente após os episódios de 2008. No entanto, o processo de "niponização" das maiores economias ocidentais continua e se trata de uma Depressão, com "D", de aparência soft...

No momento, sem uma alteração político-estrutural profunda, é o melhor dos mundos possíveis.