quinta-feira, julho 28, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
28 de julho de 2011
Coluna das quintas

NEM EUROPÉIA,
NEM AMERICANA:
A CRISE É MUNDIAL
Por Enéas de Souza

1) André Scherer escreveu um belo artigo em http://econobrasil.tumblr.com/ sobre a crise européia. E como num jazz, ele tocou uma guitarra, agora, estimulado pelo som, pela música, toco o meu sax tenor. Estamos numa plena “jam session” ou num sarau sobre a crise financeira internacional. O que poderia dizer em paralelo? A minha primeira frase musical vai para a velha tese, que André também concorda: a questão é o domínio econômico e político das finanças. E, em minha opinião, é preciso retomar a autonomia do político em relação à economia; isso porque, certamente, a política está dominada, subordinada, funciona como serva das finanças. Claro, a Alemanha observa o lado geopolítico. E pode-se ver que toda a sua manobra, desde muito tempo, era compor uma parceria crítica com a Rússia e enrolar a França deste gênio Sarkozy para fazer da Europa, uma Europa dos capitais. E, nesse movimento, tomar uma posição mais consolidada em face dos Estados Unidos e da China. A Comunidade Européia sempre foi um sonho da Alemanha... para a Alemanha.

2) Cabe falar um pouco da Europa dos capitais. Pois, a idéia alemã era exatamente isso: avançar num espaço sem controle, o espaço europeu, sem nenhuma força política, salvo os Estados e as representações limitadas dos Estados, para ter um espaço de domínio da valorização dos capitais europeus. Um além Estado nacional onde o capital pudesse se valorizar sem freios. Ou melhor, com algum controle, só que a seu serviço, em seu benefício. Por isso, para arbitrar as desavenças entre as instituições financeiras, foi criado o Banco Central Europeu. E, inclusive, para definir coisas singelas para os capitais, como a taxa de juros básica do sistema.

3) Parecia essa idéia uma aleluia. O sistema inventa e os homens – no caso, os financistas – ficam à margem como pescadores na borda do rio das finanças. Mas o que importa de um modo geral aos homens de negócios são os cálculos da economia sem ver que essa só se mantém se existe uma dinâmica que passa pela ordem política. Então, Volker, o presidente do FED, inventou, sem saber, o dólar como moeda financeira, depois de 1979, que inclui duas coisas, duas realidades: a taxa de juros que assegura ao dinheiro a valorização temporal mínima desse capital, mas que se materializa nos títulos do Tesouro, no primeiro caso, nos títulos do Tesouro Americano. Esses dois elementos garantem a moeda com a sua função principal de reserva de valor, num mundo pós-Bretton Woods, num mundo sem o dólar ouro, com o dólar financeiro.

4) Falei duas condições: o Banco Central com sua taxa básica e o Tesouro, com o termo que garante a valorização do dinheiro. Pois vejam a falseta européia. Criaram o Banco Central, mas não criaram o Tesouro – deixando a cargo dos países componentes da Comunidade a garantia da moeda, ou seja, cada país sustentava o Euro com o seu Tesouro. Olha só o lado manco que a Europa armou: um banco central geral, mas vários Tesouros, alguns Tesourinhos, para sustentar o Euro. Olhe e pense o leitor: o Tesouro irlandês, o Tesouro português, o Tesouro grego estão à altura do Tesouro Francês e, suprema comparação, do Tesouro Alemão? O Euro criou o múltiplo e capenga Tesouro esfacelado da Europa. É essa multidão de pedaços que os políticos europeus estão tentando costurar.

5) Dirá o leitor controverso: mas, alto lá! Como é que a moeda européia continua geralmente valorizada no mesmo nível por relação ao dólar (1,40)? Ambrose Evans-Pritchard matou a questão. O euro está caindo em relação a várias moedas, inclusive o “Brazilian Real”. Ou seja, o dólar e o euro são duas moedas bêbadas. Claro, tem um lado que a desvalorização tenta servir ao comércio externo dos países da Europa e dos Estados Unidos, tentando favorecer suas exportações. Mas o fato é que o eixo inflamado USA-Inglaterra-Comunidade Européia está em queda na sua sustentação econômica, caracterizada pela derrapagem de suas moedas. E essa derrapagem está expressando a queda desse eixo em relação à China. E o problema é grave, porque o yuan não é moeda de mercado, não tem capacidade para ser moeda mundial, o que significa que nosso Mantega tem razão: estamos numa guerra cambial. E, sobretudo, o sistema monetário internacional não tem uma moeda forte para conduzir o processo das trocas.

6) A Europa está complicada porque o jogo está sendo feito em cima não de uma Europa política, mas sim de uma Europa dos capitais, que, para se proteger, avança mais um pouco o lado político. É isso; mais um pouco. Vejam: o Fundo de Estabilidade Europeu tem mais possibilidades de ser uma Agência Européia de Resgate de Dívidas do que um Tesouro. A turma segue com cuidados, mesmo agora, quando Trichet, o presidente do BCE, já está convencido que é preciso um Tesouro europeu. Não adianta, a turma vai num passo cauteloso por causa da necessidade do capital não querer controles sobre si e desejar manter um poder forte, intenso, de pressão, sobre o(s) Estado(s).

7) O projeto das Finanças européias não é incrementar a formação do Estado europeu, salvo se ele for absolutamente necessário. Por quê? Por causa da liberdade de ação. A tal autorregulamentação dos capitais. Eles tiveram um susto com a Grécia, Portugal e Irlanda. Mas acreditam que driblaram a crise. E vejam só como pensa uma cabeça de banqueiro: vamos ajudar os gregos, os irlandeses, os portugueses. A taxa de juros é, digamos, 5%, agora estão baixando para 3, 5%. Pois bem, ajuda? Vejam a Alemanha paga 3%. Pois mesmo nesta ajuda existe um premio de risco de 0,5%. que os capitais vão faturar. É obvio que para os países em crise é um grande negócio, pois a Grécia chegou a pagar 17% de premio. Mas ajuda? Ajuda, sim, só que os caras ganham ainda um naco. Ou seja, ajudam, contudo continuam, para não perder o costume, batendo o bolso dos contribuintes gregos. Na verdade, a pergunta decisiva é: a quem eles estão ajudando?

8) Quem ganha? Em primeiro lugar, as finanças que não quebram, e, em segundo, os Estados dos bancos emprestadores. Porque se quebrarem os bancos, quebram os Estados também. O pacote é sensacional porque é um pacote financeiro que tenta salvar todo mundo: Estados devedores, bancos dos Estados devedores; bancos emprestadores e Estado dos bancos emprestadores. E nesse lance, há algo que é preciso enxergar: a Alemanha forçou todo o tempo a entrada, na “ajuda”, dos capitais privados. À primeira vista é interessante, porque os bancos são “voluntariamente” convidados a comparecer, modificando juros para baixo e prazos por mais tempo para cima. Certo? Certo! Só que há um pequeno detalhe: Ângela Merkel concitou os banqueiros a entrarem nas negociações, o que é um escândalo, porque aprofunda a combinação Estado-bancos. E consequência tem sabor especial: os bancos propõem uma atitude particular numa negociação de Estado e o Estado se privatiza mais ainda, com as finanças aumentando o seu domínio público. Maravilha!

9) E, pelo apresentado acima, se pode ver que as finanças, com cumplicidade dos chefes de Estado dos países, não só resistem à formação dos Estados Unidos da Europa, como os avanços eventuais que se façam, serão desviados, em cima do lance, em proveito delas. Ou seja, Estado nunca! A não ser que sejamos os donos dele. Por isso, não acredito que a Europa se faça Europa sem que haja uma hecatombe. E o passo feito agora é apenas para construir um arremedo de Tesouro, uma Agência de Resgate de Dívidas. E se conecta nesse link uma integração dos banqueiros na reestruturação da dívida, compondo com o grupo de dirigentes do Estado um acréscimo da privatização das decisões estatais.



10) Uma coisa importante que André e eu concordamos: não há crise grega, ou crise irlandesa, ou crise portuguesa. O que há é uma crise européia. E para dizer a verdade: a crise não é européia. Nem européia, nem americana, a crise é da economia mundial. E ela vem avançando a partir de um eixo que está desabando, fenômeno de geologia econômica, capaz de trazer para o primeiro plano uma profunda crise financeira que culmina numa crise monetária. E, no caso, uma dupla crise monetária: o dólar pelo lado americano e o euro pelo lado europeu. Então, como afirmamos acima, a crise da moeda tem origem numa crise do Estado. Efetivamente, o resultado vem a galope, estamos diante de uma imperiosidade de grande envergadura: a mudança da configuração atual do Estado. E aparece a fatal pergunta: mudará?

11) O que é que deve mudar nesses Estados? Primeiro, o retorno da soberania, do poder e da autonomia do Estado em relação às forças econômicas. É a política que deve assumir o comando do processo social, em função dos interesses do Estado e da sociedade. O poder que institui é o povo, a população, a multidão, a sociedade, em nome do qual se governa. A pergunta do momento: não foi exatamente a idéia de Bem Comum que as finanças esqueceram?



12) Pode-se ver a realidade do poder social através da posição que o Banco Central ocupa no conjunto das instituições. E daí vem a pergunta subseqüente: como é que existe um órgão encastelado no Estado, com o poder coercitivo do Estado, que não se submete ao poder executivo, quando toma medidas executivas? Ora, não pode o Banco Central ser autônomo e nem, muito menos, independente do governo. Ele tem que estar integrado na política econômica do Estado, numa política econômica global, que atue sobre as políticas monetária, cambial, fiscal, financeira, mas também sobre as políticas industrial, tecnológica, de rendas, agrícola, agrária e sociais, mesmo num quadro de acumulação de capital multinacionalizado. Por isso se percebe a mágica das finanças. Sob a alegação de que não deve haver influência política nas decisões financeiras do Banco Central faz-se uma agência que decide “tecnicamente” sobre as variáveis que influenciam o mercado. “Tecnicamente”, é claro, quer dizer que as melhores decisões são aquelas que encontram as soluções mais benéficas para a concorrência dos capitais na esfera financeira. Mas, atenção, se conseguiu algo melhor ainda – e essa foi a solução dos últimos tempos - as finanças passaram a deter a sua própria regulamentação. E o que sobrou para o Banco Central? Definir a taxa juros básica do mercado e coordenar, nas crises, soluções para as falências ou pacotes de salvação para as instituições financeiras.

13) A segunda mudança fundamental do Estado é a posição que o Tesouro assume na sua estrutura. Ele não pode ser instrumento de uma política financeira das finanças, tem que ser um dos pilares da política e da estratégia de um Estado. Logo, o que importa na dinâmica da política contemporânea é a mudança das relações políticas, de uma sociedade que impeça o assalto do Estado que as finanças fizeram e fazem nos dias que se aceleram. É óbvio que essa mudança só se processa no tempo, depois de muito combate e muita luta, na continuidade dos fracassos sociais rotundos das políticas geradas pelo atual setor hegemônico. No entanto, ela já está a caminho. Só que sua concretização depende do persistente trabalho da política e da sociedade.

14) Podemos dizer que, na dimensão histórica da vida presente, essa metamorfose se fará no bojo de uma dupla passagem. A passagem geopolítica da unipolaridade americana para a bipolaridade USA-China, e a passagem de um modelo de acumulação de capital centrada na produção de petróleo e automóveis e produção em massa para um modelo baseado nas novas tecnologias de comunicação e informação (revolução da informação, “cheap microeletronics”, computadores, softwares, telecomunicações, biotecnologia, novos materiais). É nas lutas para essa dupla passagem que poderemos buscar à seguinte realidade, o seguinte e óbvio objetivo: não são os povos que devem servir as finanças, mas as finanças que devem servir aos povos. Por que uma realidade tão clara foi obscurecida por tanto tempo pela filosofia e prática do neoliberalismo?

quarta-feira, julho 27, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Entrevista com Enéas de Souza no Sul 21

Grande (nos dois sentidos) entrevista com Enéas de Souza no jornal online Sul 21.

CANCELADO O DEBATE COM LUÍS BÉRTOLA

Informe da Assessoria de Comunicação da FEE:

Comunicamos que a palestra “Rasgos principales del desarrollo de América Latina desde la Independencia”, que ocorreria no dia 28/07, está cancelada devido à impossibilidade de o palestrante, Luis Bértola, embarcar para Porto Alegre na data e horário programados

sábado, julho 23, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Algo de estranho acontecendo

Quando eu escrevo um artigo e o pessoal ultra-conservador do Telegraph argumenta no mesmo sentido, que o "pacote europeu" está atrasado ao menos em 18 meses, tem algo de errado acontecendo...

 E eu suspeito que o que está muito estranho é a economia mundial.

PS: outras indicações de que algo está muito errado:
1) o Presidente da BundensBank declarou que o acordo apenas transfere os riscos para os países mais fortes e reduz o incentivo ao juste dos endividados. Essa é uma das questões que não explorei suficientemente no artigo abaixo: mesmo que haja vontade política e instituições garantidoras, não haverá uma contaminação dos países mais fortes (França e Alemanha) pela dívida dos mais fracos?;
2) a agência Fitch declarou o défault da dívida grega. Algo me diz que o "mercado" vai exigir novas explicações dos líderes europeus ainda nessa próxima semana.

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Colapso do Bank of Ireland confirmado

A agência noticiosa Reuters confirma que o governo da Irlanda está em tratativas com investidores privados na tentativa de não nacionalizar o maior banco privado do país, insolvente desde o início do mês de julho. Será mais uma transferência ao setor público dos prejuízos financeiros do setor privado, aumentando a já enorme dívida pública irlandesa, com  potenciais transbordamentos para bancos ingleses e norte-americanos. 

Até agora, nada na Bloomberg, Financial Times, WStreet Journal... Sintomático.

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Potencialidades e riscos do novo acordo europeu, por André Scherer

O acordo estabelecido no dia 21/07 entre os líderes europeus baseia-se em quatro pontos:

1) 1)  a extensão do European Financial Stability Fund (EFSF), em tamanho e escopo (tornando-o o embrião de um Fundo Monetário Europeu capaz de tomar medidas preventivas em relação às dívidas soberanas e aos sistemas financeiros em risco), de modo a garantir as dívidas dos países europeus ameaçados de défault;
2) 2) a redução dos juros e alongamento dos prazos das dívidas de Irlanda, Portugal e Grécia, com comprometimentos diferentes entre esses países (maiores e mais claros em relação a Grécia; não tão explícitos em relação aos demais);
3)     3) o “convencimento” aos bancos privados em aceitarem uma perda em torno de 21% de seu engajamento em relação aos títulos gregos – e somente os gregos -, o que configura o já famoso “défault seletivo” a ser proclamado pelas agências de notação na próxima semana, com conseqüências sobre o mercado de Credit Default Swaps (CDS);
4)  4)  criação de uma agência de rating européia que possibilite uma maior independência em relação ao julgamento promovido pelas agências tradicionais.

   Há um enorme potencial para o aprofundamento institucional da União Europeia nas decisões tomadas na última quinta-feira. Esse pode ter sido o dia em que, finalmente, os europeus se deram conta de que o atual suporte institucional e orçamentário é estruturalmente deficiente. Há, nas medidas propostas, um cheiro de união fiscal e política, única forma de vencer a crise avançando em direção ao “projeto europeu” de unificação, esboçado após o final de II Guerra Mundial.

   Afinal, as medidas aprovadas somente têm alguma probabilidade de sucesso em médio prazo com a institucionalização de um Tesouro Europeu que fará dos países hoje existentes entidades sem substância econômica e/ou capacidade política. E, em funcionando, um país vencedor, a Alemanha, que suportará a dor dos bail-outs necessários à consolidação fiscal dos países devedores, tal qual suportou os custos da sua própria unificação. E continuará tendo um mercado quase cativo nos agora disciplinados países “periféricos” da Europa Unificada, incapazes de disputarem politicamente o comando (ou as resistências) em face de seus “salvadores”. O que não foi obtido pelas armas pode ser possível obter pela via do “mercado”, num reflexo europeu de uma ditadura soft engenhosamente engendrada pelas finanças em nível mundial, com a submissão daqueles que se deixam capturar pelo jogo financeiro.

   A “nova periferia” européia sobreviverá em uma institucionalidade (inclusive Espanha e Itália, obviamente) a ser construída em um momento em que seu peso político e seu potencial para se contrapor as decisões franco-alemãs será praticamente nulo. Mas, em vencendo a etapa inicial e os conflitos políticos internos, haverá uma Europa, uma política fiscal, monetária e externa européias, unificada; e um espaço a disputar no complicado jogo geo-econômico global da primeira metade do século XXI.

No entanto, nada indica que o caminho esboçado acima possa ser facilmente percorrido a partir de agora. A lista de percalços é longa, mas, para facilitar a compreensão, iniciemos por aqueles de caráter mais “conjuntural” (mas não menos decisivos para o desenlace do imbroglio):

1)   1) o timing para que uma decisão como a tomada nessa semana fosse indiscutivelmente efetiva pode ter passado. Esse é um problema recorrente desde o início da crise financeira mundial e que decorre, conforme inúmeras vezes argumentado nesse blog, de dois fatores complementares: de um lado, a incompreensão teórica quanto à gravidade e aos mecanismos que dão dinamismo à crise; de outro, a diferença no tempo de resposta aos acontecimentos da política e da “finança”. A finança propõe e a política reage. Inúmeras vezes, tanto no campo norte-americano quanto europeu (sem esquecer as instituições multilaterais como o FMI ou a BIS), ouvimos uma declaração que se repetiu na última quinta-feira:  a de que era hora de passar à frente, de ter em mão instrumentos  preventivos e ações conseqüentes engatilhadas face à dinâmica dos acontecimentos. Não há dúvida de que as decisões tomadas são uma tentativa de retomar a dianteira estratégica do Estado no jogo financeiro, mas terão elas a agilidade e o tamanho para uma resposta efetiva capaz de modificar o perigoso contágio em direção às dívidas espanhola e italiana já em curso?
2)  2) a incerteza quanto ao teor  e a capacidade implementação, econômica e política, efetiva das medidas propostas. Nesse sentido, é emblemático que o teor efetivo do pacote de medidas a ser considerado pelo parlamento alemão somente venha a ser detalhado pela chanceler Angela Merkel no final de agosto. As decisões cruciais concernem não apenas o tamanho do EFSF (o qual, segundo várias estimativas, deveria ser ao menos triplicado para cerca de 1,2 trilhão de euros de modo a ganhar em efetividade) mas também os prazos (há uma proposição de dobrarem para quinze anos ao invés dos 7,5 anos atualmente vigentes) e as taxas de juros (possivelmente limitadas a 3,5% ao ano). Como efetivar essas medidas com a agilidade necessária dadas as questões políticas envolvidas, especialmente na Alemanha?;
3)   3)  a extrema fragilidade do sistema financeiro privado, em particular na Itália e na Irlanda, coloca riscos de novas crises graves a serem resolvidas in extremis pelo Banco Central Europeu (BCE) a qualquer momento. Correm nesse final de semana rumores quanto ao défault dos bônus do Irish Bank, o último dos grandes bancos irlandeses ainda não nacionalizado, o qual teria proposto no início do mês de julho um desconto de 90% em sua dívida vincenda no valor de 2,6 bilhões de euros! Conforme a Reuters, a International Swaps and Derivatives Administration (ISDA) teria determinado o dia 28 de julho para a compensação dos CDS referentes ao credit event referente a Irish Bank, a qual seria nacionalizada em seguida. Sabemos que qualquer abalo maior na Irlanda repercute tanto na Inglaterra quanto nos EUA e, sintomaticamente, na semana passada os representantes do Irish Bank teriam feito o tour em Wall Street na busca desesperada por impedir o trágico desfecho. A história tem potencial e promete, caso se confirme, fortes emoções para a próxima semana. Na Itália, o Unicredit não sai das manchetes e já deu a clássica declaração pública de que “o banco se encontra suficientemente capitalizado” na semana passada... Nesse contexto, não é surpreendente que tenha havido insistência quanto ao fato de que o setor privado participaria “apenas no caso grego”, com a reestruturação “voluntária” da dívida soberana do país. Será factível e realista essa proposta?
   Esses, dentre outros problemas, devem complicar bastante a  efetividade da ambiciosa (porém tardia) proposta européia. Mas as questões estruturais envolvidas não são de menor monta, ao contrário. Para não me alongar muito nessa já imensa postagem cito:

1)    1) quem convencerá o povo alemão a pagar a conta das dívidas da periferia européia depois de toda a campanha midiática em contrário feita nos últimos anos?;
2) 2)  quem convencerá os povos dos “novos países periféricos europeus” a consolidar e cristalizar essa condição em uma nova institucionalidade européia?;
3)  3)  como garantir um mínimo de crescimento econômico no continente europeu,condição fundamental para o estancamento dos prejuízos financeiros, dados os planos de austeridade condicional que continuam a ser exigidos dos povos endividados?;
4)  4) como impedir o contágio recíproco entre União Europeia, Inglaterra e EUA, mantendo o livre fluxo de capitais?;
5)     5) como impedir um desastre no mercado de derivativos de crédito, dados os volumes envolvidos e o caráter sistêmico de suas relações financeiras complexas?

Volta-se ao início: os governos não entendem o que está em jogo, reagem tardiamente e com mecanismos inadequados ao estágio do problema. Como ensina François Chesnais, ao contrário de 1929, não podem e não desejam confrontar o poder financeiro. O fato de ainda estarmos lidando com um poderio financeiro praticamente intocado mostra que não existem forças nos Estados, no momento, para impedir um desfecho fatal. Essa segunda década do século XXI promete ser bastante agitada. O que o Estado não faz, o “mercado” desfaz, resultando em uma crise autofágica que somente pode nos remeter a Marx: “o limite do capital está no próprio capital”. Ou, reafirmando: “capital é crise”. O ambicioso pacote europeu parece pouco, muito pouco, face ao que está em jogo.


quarta-feira, julho 20, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
21 de julho de 2011
Coluna das quintas

OS TAMBORES DA ESPECULAÇÃO
E DA POLÍTICA AMERICANA
Por Enéas de Souza

O leitor atento tem muitas coisas para pensar e debater. Há, de um lado, a crise americana com a sua crise fiscal – o Congresso disputando um limite, um teto, para a dívida pública; há, de outro, a avalanche européia que vai derrubando a Grécia, Portugal e Irlanda e se avizinha como um anjo negro da Espanha e da Itália; há as relações perigosas da imprensa com o Estado na questão inglesa de Murdoch – o homem que sabia de menos – para contrastar com Hitchcock, o homem que sabia de mais. Temos um clima de incerteza no mundo, uma crise no compasso do estouro e outra, vindo logo ali atrás, e o Ocidente parecendo um bordel, onde todos os frequentadores estão brigando, estão se digladiando, com adversidades pelo caminho. Temos bandidagem, temos vigarice, temos chantagem, temos mortes, temos desesperança, temos desespero. Enfim, o avesso do dinheiro, da política e dos negócios. Se a gente toma a posição de um analista que vê as coisas como comédia e como tragédia, a gente sente que vamos ter muita confusão. Em todo caso, já dá para ver também que se pode chegar a um trabalho de observação agudo sobre o capitalismo, sobre as relações do Estado com a sociedade, sobre o conflito financeiro/produtivo, sobre as forças da política e da economia. Mas não se pode esconder que o Ocidente está muito bagunçado. Como o espaço é pequeno para tanta questão, vamos nos contentar em desenvolver uma rápida análise sobre o caso americano. A razão é simples. Já comentamos na semana passada a Europa e hoje vamos entrar no caminho americano, pois os Estados Unidos são a maior potência do planeta. E mesmo que a geopolítica esteja em transição da unilateralidade americana para uma bipolaridade com a China, o que parece interessante é que as vastas lutas no interior da sociedade americana, tanto políticas como econômicas, terão um papel decisivo na transição do capitalismo. Vejamos os conflitos que vive a “soi disant” América, para observar que, como na Europa, há ali também um barril de pólvora.



O DESENCONTRO DAS FINANÇAS E DOS CONSERVADORES



1) A crise americana, depois do tropeço de 2007/08, se encaminha para uma nova fase. Duas coisas avultam: uma nova crise especulativa e a questão do teto da dívida americana em discussão no Congresso nacional. A crise especulativa, depois de muitas assistências que o Estado deu às finanças, desde salvamentos a ajudas de liquidez, passa, agora, para um novo patamar, devido a um novo rastilho especulativo, onde sobressaltam os fundos mútuos. Ou seja, vamos para mais uma ameaça de queda do mercado financeiro. E isso vem evidenciar que o problema de 2007/8 não foi resolvido. O elemento radical para a solução da baderna dos mercados de títulos privados e públicos era e é a regulamentação do sistema financeiro. O que obviamente não aconteceu naquela ocasião, uma vez que as finanças conseguiram bloquear no parlamento qualquer tentativa de votação de uma lei que regulamentasse o setor.



2) Não escapa a ninguém que as finanças têm um poder de lobby absurdo, fulminante, devastador e podem arquitetar um muro, com a finalidade expressa de impedir qualquer proposta congressual. E podem brandir, no momento decisivo da hora crítica, a cruz do risco sistêmico. Vai vir tudo abaixo. E, então, o presidente de plantão, como foram Bush e Obama, tira da cartola, não um coelho, mas mais um plano de salvação. O leitor acertou: um plano de salvação com dinheiro público. E esses planos, de um modo geral, atendem bastante aos bancos, muito pouco aos empresários produtivos e praticamente nada aos trabalhadores.



3) Os banqueiros na Fórmula Um do dinheiro se acostumaram a ter o Estado, como um super-herói, ao seu lado. Mas, também, como se ele fosse um bombeiro disciplinado para apagar o incêndio das especulações que as finanças atiçam. No processo político-econômico, os financistas detém um tal poder no Legislativo que freiam qualquer dose de regras fortes ao setor. E, ao mesmo tempo, como um guri, como um moleque bagunceiro, sabe que, de um modo geral, o Executivo está pronto para entrar em campo e retira-lo das maldades dos excessos praticados. Essas ficam com a população e com o Estado. Assim, a tática das finanças com o Executivo e com o Legislativo é jogar perigosamente, mas nunca chegar a fechar as portas do bar – já que, com o contribuinte, elas acham que ele só tem que comprar os seus títulos, podres ou não. O resto é silêncio.



4) As finanças são conservadoras. Só que tem gente que é mais conservadora ainda, chegando ao campo da ultra-direita no Congresso, estando entre eles aqueles que simpatizam ou estão diretamente ligados ao “Tea Party”. Para esses conservadores, o tema preferencial tem outra cor – a de um vermelho sangue intenso – pois muitos republicanos querem a jugular do governo. O problema aqui é eleitoral e ideológico. Os conservadores querem derrubar Obama. E, então, toda a estratégia, sobretudo depois da vitória eleitoral no Legislativo do meio do mandato, é pôr água no chope, aumentar a radicalização contra o governo democrata. E depois da aprovação do programa de Saúde, a ação se fortaleceu e se cristalizou. Amarrar o governante e a burocracia, jogar em cima de um teto para o endividamento federal. Ou seja, buscar um controle maior do Estado sobre os gastos, sobre o déficit e sobre a dívida, sobre a assistência social e impedir aumento de impostos. E o jogo tem uma data fatal: 2 de agosto.



5) Se a insanidade vier à tona, o Congresso vai impor para o governo de Obama uma limitação na progressão da dívida dos Estados Unidos. Ora, essa medida levaria a um “default” americano, que certamente repercutiria devastadoramente sobre o dólar, o que anularia essa moeda como reserva de valor e afetaria todas as posições de países credores do Tesouro americano, como a China, Grã-Bretanha, Japão, países produtores de petróleo, Brasil, etc. O resultado seria a catástrofe.



6) Assim, embora sejam aliados contra o governo Obama, as finanças e os conservadores têm posturas distintas. Os financistas ambicionam manter o controle da política econômica. E, portanto, não distantes dos recursos e do endividamento público para que obtenham a salvação, caso necessitem dela. Os financistas trabalham no horizonte financeiro. E os conservadores querem retornar ao poder. Logo, seu panorama tem a ver com a política. Estão dispostos a fustigar ao máximo o governo Obama, paralisando-o, engessando-o, limitando seus raios de manobra, sua capacidade de receita e de gasto, etc. Querem que o governo fracasse.



7) O que se espera é que eles, os conservadores, não cheguem a afrontar a razão, criando um impedimento para que os Estados Unidos não refinanciem as suas dívidas e que possam se endividar tranquilamente em função de sua estratégia. Que não se pense no “default” como objetivo derradeiro. Pois como já vimos, caso ocorresse, isso seria o caos americano e mundial. Trata-se de uma demência. Assim, se os conservadores forem ao limite do inferno, o fogo fará do mundo um campo minado em explosão, cujas conseqüências são imprevisíveis. Afasta de mim esse cálice, pensaria Milton Nascimento. Portanto, que isso fique no limite do jogo político congressual e inter-partidário.



8) Agora, uma coisa é clara: enquanto as finanças não forem controladas, não haverá solução nem para a economia financeira, nem para a economia produtiva, nem para os avanços tecnológicos, nem para a liderança do Estado. O aprendizado geralmente vem dos erros – e de muitos erros. Só assim que os humanos e o capital e os governos começam a encontrar, com um faro que termina por aparecer, o caminho do longo prazo, saindo das disputas miúdas e destrutivas do curto prazo.



O ENLACE COM A EUROPA



Certamente, a configuração da crise dos Estados Unidos se articula com a configuração da crise européia, que analisamos semana passada neste espaço. O compasso da crise avança semana a semana, dia a dia, e o eixo que envolve Estados Unidos – Inglaterra – Comunidade Européia está inflamado em vários níveis. O que se põe em pauta aqui é uma figura desse eixo, as entranhas de um país fundamental. A especulação e o teto da dívida estão fervendo e as apostas dos personagens nessas duas cenas se conectam, se desarticulam e se concentram nos Estados Unidos e se espraiam para o resto do mundo. Aqui como na Europa, os tambores estão rufando, o que não quer dizer que China, Brasil, Rússia, África do Sul, Coréia e o resto do mundo não estejam atentos. Mas todos têm poder e não têm, porque a intriga da realidade é maior que as nações e os capitais. Cabe analisar o que dá, mas sabe-se que o jogo é feito entre a razão e a desrazão. Mostramos aqui nesse jogo americano, alguns pontos de sandice. Por isso cabe a pergunta: será que a razão será capaz de vencer a insanidade? Ou os homens e os países continuam os mesmos?

terça-feira, julho 19, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Um dia depois do outro...

Bom, na sexta-feira eu coloquei que não existia crise italiana e, sim, europeia e mundial... Hoje, sem surpresa,o blog Credit Writedowns traz um post sobre o já aparente contágio da crise para a França... e daí para a Alemanha:

 "The contagion to (France and Germany) is already starting if you look to the CDS market. It has done in the past as well but things always settled down again. You see that in the German and French CDS charts. This time I suspect France will remain slightly coupled."

Moral da história: em um mundo comandado pela valorização financeira especulativa, só bobo acredita em "fundamentos". Todos estão "nadando nus" quando a maré baixa (Warren Buffet). Já repetimos isso muitas e muitas vezes nesse blog!


sexta-feira, julho 15, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Não existe "crise italiana"; por André Scherer

Uma pequeníssima nota: não faz nenhum sentido examinar as condições da economia italiana, sua relação dívida/PIB, a maturidade de sua dívida pública... Nada disso faz sentido porque NÃO EXISTE CRISE FINANCEIRA ITALIANA E SIM CRISE FINANCEIRA MUNDIAL, a qual, nesse momento, tem um dos seus centros de contágio na Europa. Sim, a Itália pode fazer quanto ajustes fiscais e reduções de despesas públicas quiser E AINDA ASSIM ENTRAR EM DÉFAULT de sua dívida! É um problema de contágio, de mimetismo, de "miopia financeira" e não de "fundamentos". 

Sem financiamento, sem jogo.  E pior, com fuga de capitais, o que acontece? O problema "micro" é que a dificuldade em encontrar um mínimo consenso na UE em relação a quem perde e como no setor bancário privado europeu está levando a uma situação de fuga de depósitos bancários nos últimos dias. Isso aparece nas quedas do M1 em diversos países como a Itália... e a França! E no aumento dos depósitos bancários na... Suíça, o que tem levado o franco suíço a uma valorização record frente ao euro. As taxas do interbancário europeu estão variando nervosamente nos últimos dias, mostrando que os bancos grandes estão escolhendo seletivamente para quem vão dar funding. 

Nesse contexto, pensar isoladamente em crise grega, crise portuguesa, crise espanhola, crise italiana é simplesmente não compreender NADA  dos mecanismos de contágio financeiro em operação na Europa, é pensar com cabeça de "agência de rating", de investidorzinho rastaquera... Os fundamentos da Alemanha são ótimos, mas nem esse país está a salvo do contágio europeu, que possui facetas múltiplas e mecanismos variados.

quinta-feira, julho 14, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL 14 de julho de 2011 Coluna das quintas OS VENTOS DA VERDADE VÊM DA EUROPA Por Enéas de Souza

A Europa está entrando buraco a dentro. Um, no nível econômico: as especulações contra Espanha e Itália; e outro, no nível das sombras do Estado, nas famosas relações perigosas entre o setor privado e o setor público, onde emerge o caso Murdoch. Então, as lavas do vulcão estão se revolvendo e se contorcendo, ameaçando e infestando a Europa econômica e política. São dois fenômeno gritantes que exigem reflexão e respostas práticas.
A ESPECULAÇÃO VAI MATAR A EUROPA?
1) Pois, este é o caso: especulação. Procura-se sempre dourar a pílula quando se trata das finanças. Elas sempre se dizem necessárias para a economia. E levantam a idéia de que as instituições financeiras servem de crédito à produção. Ora, ora, caro e esperto, mas enganado, leitor, faz muito tempo que as finanças não se dedicam a este tipo de crédito. Geralmente, o crédito é dirigido à especulação. Para o setor financeiro nenhuma aplicação é melhor que um título especulativo, nada é mais voluptuoso do que o jogo elástico da aplicação em “commodities” E, sobretudo, porque a sua liberdade é quase total, o Estado não pode refreá-la, a desregulamentação do mercado financeiro é a regra. E embora tenha havido recentemente alguma forma de controle, as finanças são como pássaros, voam alto, ultrapassam os modestos obstáculos, e atacam como águias e ganham como piratas: muito e muito dinheiro. Como dizia um amigo americano: “Speculation, that´s the name of the game” (Especulação, este é o nome do jogo). Ou seja, quando as instituições não têm uma regulamentação estatal elas ficam soltas para o ataque, qualquer ataque. E não existindo crédito à produção, o setor financeiro se torna finanças bandidas
2) Há uma idéia definitiva nas finanças: o seu movimento é regido não por qualquer critério social, como por exemplo, fornecer crédito aos setores produtivo ou para o consumo das famílias. Na prática, elas são atraídas – isso está berrando de evidente – pelo lado especulativo. E vejam e olhem bem, não se trata de dizer que um banco ou uma entidade financeira são especulativos. Não. O que se trata de dizer é que a totalidade das finanças – é preciso sublinhar com ênfase – pratica uma vontade e uma ação especulativa. Cada aplicador ou instituição atua geralmente de modo separado, só que o conjunto deles e delas tem uma tendência uniforme de exercer um desempenho e um comportamento de aproveitamento excessivo e imediato. E a dinâmica nos mercados financeiros mundiais é toda movida pela elasticidade jogatina do rendimento.
3) No caso da Europa, a hora atual é a do ataque das finanças aos Estados. E estes enxames de abelhas vorazes atuam sempre no interesse do seu próprio desenvolvimento e jamais no interesse geral. Num primeiro momento inventam o endividamento pelo fornecimento fácil de recursos, depois tratam das renovações seguidas até o momento da deterioração do ente público. E por fim, como um espadachim dos antigos filmes de capa e espada, depois de muito lucrarem com a prática de juros faceiros, normalmente com prêmios de risco altivos, dão o golpe final. Diante da dívida progressiva, a única saída é a “ajuda” das entidades tipo FMI, União Européia, Banco Central Europeu, etc. Vem, é claro, os “planos de salvação”, que serão tantos quantos forem necessários para a recuperação ampliada do capital, cedidos ao Estado.
4) Ora, esse plano pode ter duas etapas: uma primeira, onde se destaca a apropriação máxima de recursos possíveis, sejam monetários ou propriedades, como as famosas privatizações, que levam a um empobrecimento e uma transferência de renda do país explorado aos financistas. Nesse plano de salvação, as finanças acabam por definir uma política econômica de austeridade para o país, que envolve corte de gastos gerais, corte de despesas com pessoal, corte de funcionários, corte de assistência social (aposentadorias, gastos com saúde, gastos com educação), vendas de propriedades do Estado, etc. Este balaio de medidas inclui muitas vezes aumento de impostos e um plano de recuperação do sistema bancário nativo, parceiro local, com uma recapitalização dos bancos. Este filme nós já vimos por aqui. O resultado final é paradoxal, porque caem as receitas do governo, o que no limite cria sempre a possibilidade de novos planos de salvações (como está para acontecer com a Grécia e  Portugal), provocando um decréscimo da produção, um desemprego em grande escala e um estado de empobrecimento geral da nação. É um processo que atravessa vários anos e que transfere renda da população para os bancos locais e para os Estados, e destes bancos e destes Estados para as finanças hegemônicas.
5) Há uma segunda etapa, quando a audácia chega ao limite do limite, tentada contra, e felizmente recusada, pela Argentina. Trata-se da proposição de um Comitê de credores para dirigir a política econômica de um país, onde o funcionamento do Estado existe antes de tudo para pagar as dívidas e só secundariamente para manter a sua existência, e por último, atender as necessidades da sociedade. Ou seja, o Comitê de Credores passa a determinar tudo dentro do país. É uma liquidação de qualquer resquício de soberania e de autonomia. As flores são plantadas somente para crescerem no jardim das finanças. Após a atitude corajosa dos argentinos, que fizeram uma renegociação na marra, diminuindo frontalmente a dívida, o país buscou um desenvolvimento interno com resultados muito interessantes para o Estado, para a democracia e para a população. Esta etapa não foi abandonada, as finanças a deixaram no armário.
6) Bem, o que está acontecendo agora na Europa? Estamos no prosseguimento da crise das finanças internacionais após a crise americana de 2007, que teve seus desdobramentos inquietantes na Europa. Num canto da cesta dos países, temos aqueles que têm dívidas enormes face à dimensão dos seus PIBs e que apresentam déficits continuadamente crescentes e precisam deter essa forma de comportamento. O procedimento normal é quase bélico: as finanças cercam esses países de tal modo que eles são obrigados a fazerem o plano de salvação e a permitirem que propriedades e patrimônios públicos sejam transferidos para os capitais privados.
7) O que marca na Europa nesse momento, do ponto de vista geopolítico, é a tentativa de mudança do comando europeu. Num certo sentido, a Alemanha está obrigando a uma nova hierarquia na sociedade do Velho Mundo, acentuando definitivamente o seu retorno na proposição do desenho do continente. Passa a ser o país líder com propostas de definição para o comportamento econômico do conjunto dos países, visando a implantação de uma política econômica de austeridade, com controles fortes na área fiscal. Obviamente que esta proposta aparece também nos planos de salvação para os países europeus, só que com uma participação crescente dos bancos no manejo da situação. Pois Ângela Merkel exige que os capitais entrem obrigatoriamente na participação destes planos, com recursos na renegociação da dívida. Isto quer dizer que as finanças se entrelaçam cada vez mais com os Estados. Certamente, a ida de Christine Lagarde para o FMI foi uma bela jogada da Alemanha e da França – retirando de cena, por qualquer que seja a razão, o inconveniente Dominique Strauss-Kahn – para dar um encaminhamento mais financista a constituição de uma nova hierarquia européia. Só que essas políticas contracionistas que a Alemanha propõe apenas adiam, por mais um tempo, a crise das finanças, a crise da economia produtiva, a crise dos Estados europeus, a crise do Euro e a crise da Europa. Porque está muito claro, o que está em jogo não é a salvação das nações européias, mas sim, a salvação das finanças do Velho Continente. E nada indica que elas serão salvas. E se não forem, não só a Espanha e a Itália tombarão, mas estarão em cheque além dos países da comunidade européia, a Inglaterra e, no fim da linha, os Estados Unidos.
8) Nunca esquecer que essas finanças estão todas entrelaçadas. Não é por outra razão que Bernanke declarou ontem, quarta feira, no Congresso americano que o FED (Banco Central Americano) está preparado a dar novos estímulos econômicos. Tradução: dar outra liquidez, a terceira já, além dos “bailouts” para os bancos americanos e num certo sentido apoiar o Banco Central Europeu e os bancos privados para enfrentarem a potencialidade de defaults de Estados e de instituições financeiras.
9) Como se vê, a crise é grave. Tentemos examiná-la no contexto da crise do Ocidente. Cabe ver que ela principiou nos Estados Unidos e envolveu a necessidade de salvação das instituições financeiras americanas. No caminhar do processo surgiram dois planos para os bancos, que receberam mais de 1 trilhão e meio de dólares de empréstimos do Estado, além da efetiva troca de títulos podres por parte do FED para limpar o balanço destas entidades financeiras. E isso sem contar outros programas de liquidez para o sistema bancário. Uma vez que o Estado está sempre de sobreaviso para sustentar, em nome do risco sistêmico, a liquidez e a solvência destes capitais.
10) E nisso, não houve nenhuma modificação significativa da desregulamentação dos bancos. Eles continuaram atuando fundamentalmente na especulação, tanto em mercados americanos como em commodities. E, via lobbies, travaram o Congresso para qualquer modificação maior na regulamentação financeira, além de paralisar o governo americano com a lei sobre o limite do endividamento dos Estados Unidos. Se até 2 de agosto as coisas não forem resolvidas, os americanos poderão estar sujeitos a defaults, o que seria uma tragédia para a economia mundial. Ou seja, o conflito finanças x sociedade, deslocado para finanças x Estado pode chegar a um agravamento fantástico da crise ou a derrota definitiva do governo Obama para as finanças, que teriam então recuperado a sua capacidade de dominar o Estado, quatro anos após a irrupção da crise de 2007. Assim, embora sem ser uma fração de classe unitária e absolutamente coesa, enfrentando diversas contradições internas, as finanças americanas estão avançando para conseguir uma solução de compromisso no jogo político e alcançar um triunfo esfarrapado, mas ainda assim triunfo. E isto combinaria com uma tentativa de rearranjo das finanças na Europa, desde sempre apoiadas pelo Banco Central Europeu, pela Comunidade Européia, para instaurar de vez o projeto da Europa dos Capitais, uma vez que não se fala e nem se cogita da criação de um Estado político da Europa.
Conclusão: os capitais financeiros estão jogando com as populações dos Estados Unidos e da Europa o jogo de cara e coroa célebre: se der cara, eu ganho; se der coroa, vocês perdem.
11) Porém esse novo arranjo, se ele se confirmar, nos leva para uma situação crítica, já que a produção americana e européia crescem vagarosamente, o desemprego continua firme e a transformação tecnológica da sociedade ocidental continuará emperrada. Uma vez que a passagem do padrão de acumulação centrado no automóvel, no petróleo e na produção em massa para um padrão baseado nas novas tecnologias de informação e telecomunicação não se dará. E não se dará porque não haverá crédito para a produção. Este não é o jogo das finanças. E não se dará também porque o Estado, que poderia fazê-lo, ficará submisso e de mãos dadas com setor financeiro. Enquanto não se estabelecer a rota para a passagem que falamos acima, a crise será a rainha do Ocidente. Shakespeare uma vez disse: Woman, thy name is fragility (“Mulher, teu nome é fragilidade”). Hoje, substituiria a palavra mulher pela palavra finanças.
12) Geopoliticamente, a crise das finanças no Ocidente é o que está permitindo, com cada vez mais velocidade e maior consistência, primeiro, a passagem da unipolaridade americana para a bipolaridade USA-China. (Entre parênteses, a China cresceu 9,7% no primeiro trimestre e 9,5 no segundo, carregando consigo a Ásia, a Índia, o Brasil, a América do Sul, e a África.) E em segundo lugar, que o eixo Estados Unidos– Inglaterra–Europa vai ter uma nova liderança na Europa, a Alemanha, seguida pela França, enquanto a Inglaterra tenta se situar nesse meio do movimento das geleiras do Ocidente, de um lado sofrendo a crise americana - que é também sua - e de outro, tentando não se contaminar com a crise da União Européia.
 QUEM SÃO OS QUE DOBRAM OS SINOS?
13) Pois é nesse contexto que se pode entender esta crise Murdoch, que entrelaça capitais privados (finanças e meios de comunicação) e o Estado. O nível de criminalidade seja das finanças seja dos meios de comunicações é extraordinariamente alto. Façamos uma reflexão: de um lado, as finanças fizeram todo tipo de falcatruas e ninguém foi preso, e até estão em condições de recuperarem a sua força; de outro, os meios de comunicação, ao menos parte da grande mídia, por sua vez, constituíram um partido que faz do domínio público um domínio privado. O que pensar, então, da audácia de Murdoch que organizou um poder midiático enorme, a ponto de ser um elemento decisivo, pelo seu apoio e de sua mídia, nas eleições de Major, de Blair, de Cameron? Ou seja, não era o governo e os políticos que se serviam dele, mas ele que os elegia e, em parte, dirigia o Governo. O apoio inglês à guerra do Iraque se deu depois de uma conversa de Blair e Murdoch, revelou a mulher de Blair. Pois bem, ele avançou tanto as suas forças dentro do governo, que a sua relação com Cameron permitiu não só relações pessoais com o primeiro ministro, como também a colocação de um diretor do jornal que Murdoch fechou – o “News of the World” – para porta-voz de Cameron. Já prevendo a bomba, este auxiliar se demitiu em janeiro, quando as investigações estavam em andamento, mas foi preso por esses dias pela polícia britânica. Oh, fina comédia!
14) Figura no roteiro desta história a idéia de que  Murdoch iria se apropriar de uma espécie de CNN britânica, a BSkyB, por decisão estatal, quando eclodiu o escândalo e o Estado suspendeu a operação de “takeover”. Mas o mais grave de tudo: no afã de controlar, de ter poder sobre as pessoas, de dominar o Estado, o jornal de Murdoch fez mais de 4000 investigações com escutas clandestinas e não autorizadas, além de ter subornado policiais, etc. Ou seja, uma baita ação criminal. No entanto, audácia aguda, ele andou espionando Gordon Brown, o primeiro ministro depois de Blair, a quem Murdoch não apoiou. Leitor incrédulo olha só os tempos que estamos vivendo no Ocidente. Primeiro, as finanças subjugando o Estado líder do Ocidente e instalando a Europa dos capitais com a liderança da Alemanha. Segundo, a Inglaterra exibindo a céu aberto como se opera a chantagem no Estado. Lembram o recente filme de Polansky sobre um “ghost writer” de um primeiro ministro inglês? Esses tempos trazem também o caminho da destruição do Estado, através da inversão de papéis: o controle público do poder pelo setor privado. Este caso do Murdoch nos faz lembrar o velho filme de Orson Welles, “Cidadão Kane”, onde o plutocrata John Foster Kane achava que podia fazer tudo, desde a guerra contra a Espanha até ser presidente dos Estados Unidos. Como disse Orson Welles de seu personagem: Kane era um fascista. E, a pergunta final não é mais a de Hemingway: “Por quem sinos dobram?”. A resposta nós sabíamos desde o poeta John Donne. Todavia, a pergunta de agora é outra: “Quem são os que dobram os sinos?”. Agora nós também sabemos. 

sexta-feira, julho 08, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: A Europa e a Nova (Velha) Crise Financeira


 As palavras “contida” e “superada” já foram utilizadas inúmeras vezes desde o início da crise financeira mundial, ainda em setembro de 2007, sempre com o intuito de demonstrar seu caráter passageiro, como a anunciar uma iminente volta à normalidade e ao business as usual. Isso ocorreu com Bernanke anunciando a “contenção do problema hipotecário-imobiliário estadunidense no pequeno e desimportante mercado subprime em outubro de 2007”, com a “solução” dada à falência do banco de investimentos Bear Stearns em março de 2008 e com a inundação de dólares promovida pelo FED após a falência do Lehman Brothers, em outubro de 2008, sem que o transcurso de agravamento da crise fosse substancialmente alterado.
Dos Estados Unidos, dados mecanismos de contágio diretos e indiretos, a crise se propagou para a Europa. Ainda em 2009, o infame acrônimo PIGS foi cunhado pelos bancos de investimento para apontar os países “bola da vez” para ataques especulativos. Nascia uma “nova periferia européia”, designando os sócios minoritários da União Europeia e do Euro. Assim, com velocidade espantosa, Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha (dos quais se aproxima perigosamente a Itália) foram rebaixados de promotores do “milagre europeu” a párias com condução fiscal temerária, dado o rápido agravamento de suas relações dívida/PIB, decorrentes tanto das crescentes dificuldades de financiamento de uma dívida pública substancialmente inchada pela incorporação pelos Estados de créditos fracassados do setor financeiro privado, quanto das perdas na arrecadação de impostos causada pela queda da economia mundial.
Em maio de 2010, a deterioração da possibilidade de financiamento desses países pelo “mercado” levou a criação do European Financial Stability Fund (EFSF), baseado em uma troca de dívida “podre” dos países em dificuldade por dívida lastreada em títulos da União Europeia, em uma inflexão forçada da política do Banco Central Europeu (BCE), fortemente influenciado pela posição alemã de não apoiar aportes financeiros públicos aos países endividados. Fortes compromissos fiscais foram exigidos dos países da “nova periferia europeia”, os quais permitiram acesso a recursos do EFSF e do FMI. Novamente, a crise foi então dada como resolvida. Entretanto, 2011 marca o aprofundamento das dificuldades de acesso ao crédito privado para esses países, com os spreads pagos em relação aos títulos alemães para rolagem das dívidas da Grécia, Portugal e Irlanda     batendo novos records quase diariamente. Em situação desesperadora, um novo plano para evitar um default da Grécia é concebido in extremis. Uma novidade se soma aos pacotes anteriores: além de medidas draconianas de austeridade fiscal, da participação da ECB e do FMI, também os bancos credores são chamados a “colaborar” com o alongamento dos prazos de cobrança da dívida grega. Mais um passo é assim dado, com admissão de prejuízos potenciais ao já combalido setor bancário dos países “centrais” da Europa, possibilidade ainda não aventada anteriormente.
Dará certo dessa vez? As dificuldades são imensas e tornam desprezível essa possibilidade. No caso em tela, as agências de rating ameaçam seguir rebaixando a nota de crédito dos “novos países periféricos europeus” (o que já fizeram com Portugal dia 5 de julho), - o que levaria a desmoronar de vez a frágil arquitetura financeira de troca de títulos sobre a qual se embasa o esquema de rolagem da dívida desses países -;  o “risco político” com a as justas manifestações das populações atingidas apenas aumentaria e a possibilidade de atingir as metas fiscais compromissadas inexistiria.
É mais correto imaginar que se trata de mais um aperto no parafuso de uma nova-velha crise de proporções espetaculares, tantas vezes dada como superada, tantas vezes insistente no (res)surgir. A solução passa por enjaular de vez a finança e a especulação financeira para libertar os povos. Alguém se habilita?

quinta-feira, julho 07, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
07 de julho de 2011
Coluna das quintas


A METAMORFOSE
NECESSÁRIA DO ESTADO
Por Enéas de Souza




Vamos trabalhar hoje um pouco sobre as dimensões desta crise atual, que não é uma crise do capitalismo, mas é uma crise de uma fase do capitalismo. Se poderia dizer que é uma crise da liderança das finanças, uma crise de um padrão de produção e uma crise da estrutura do Estado. Existem alguns aspectos desse colapso que seriam importantes destacar.

1) Esta crise acusa a interrupção de uma dinâmica econômica comandada pelas finanças. E está expressa na brutal crise americana, com desdobramentos na Inglaterra e no continente europeu. Vem, por sua vez, caracterizada pela crise dos derivativos financeiros cuja origem estava nos títulos montados em cima de hipotecas do setor imobiliário, que desabaram em 2007/8 tendo seu grande momento na quebra do Lehman Brothers e de outras instituições. O que se interrompeu nesse instante foi o prosseguimento intensivo da lógica financeira da especulação. Pois todo o crédito dado pelas finanças se dirigia preferencialmente para o mercado de títulos privados ou públicos. Ora, ao criar problemas de liquidez e de insolvência nas suas instituições, as finanças provocaram a transferência da dívida privada para os Estados, o que acabou causando também uma situação de insolvência em alguns países, pois a dívida pública explodiu fortemente. Caso da Grécia, de Portugal, da Irlanda e da Islândia. Foi nesse processo que entrou em cheque a liderança do setor financeiro.

2) Na débâcle americana houve também uma crise na esfera produtiva. Pois a derrubada do setor imobiliário criou e arrastou consigo toda uma cadeia de indústrias na estrutura da produção. O que se evidenciou foi que o padrão centrado no longo prazo em petróleo e automóvel, embora permitisse o desenvolvimento significativo de indústrias como a bélica, a midiática, a da informática, a eletrônica, a da construção civil, esse padrão resvalou para um esgotamento lucrativo evidente. Isto quer dizer que o bloco petróleo/automóvel chegou a um certo limite, sem permitir, no entanto, que novas combinações levassem à transformação do padrão de longo prazo. Não quer dizer que novas indústrias não estivessem atuando para modificar o que estava instalado como principal. Nesse sentido, as indústrias de telecomunicações e de informações, futuro centro da nova ordenação produtiva, estavam presentes. Porém, as condições institucionais de operação das finanças para o fornecimento de crédito às mudanças profundas da produção (e mesmo distintas estruturas institucionais estatais) não estavam dadas. Pelo contrário, estavam condicionadas ao padrão baseado nos automóveis e no petróleo e na produção de massa.

3) A terceira dimensão da crise é a crise do Estado. E o que se pôde perceber é que o Estado teve uma função predominante de apoio às finanças sob uma forma curiosa, a de retirar-se da Economia. Com esse gesto, permitiu que o setor financeiro se autorregulamentasse e criasse condições para uma expansão temerária e extremamente perigosa dos seus ativos. No momento da crise, os Estados, a começar pelo Estado americano, foram assustadoramente benevolentes com esse setor, fornecendo recursos financeiros e proteção, tanto através dos seus Bancos Centrais como dos seus Tesouros. Mas não deram a mesma atenção às estruturas produtivas e muito menos aos assalariados. Para esses, não buscaram nem o alívio das dívidas das famílias, nem trabalharam para a recuperação do emprego. O Estado que, durante todo o tempo de sucesso das finanças, elaborou uma política econômica restrita à política monetária, à política financeira e fiscal, jamais usou o peso de sua organização e de sua burocracia para efetuar uma política econômica global, incluindo política industrial, política de emprego, política de rendas, política tecnológica, etc. O Estado, por essas razões, tornou-se um admirável e fúnebre prisioneiro das finanças.

4) Portanto, a questão da economia está hoje nesse ponto: a) houve uma perda de dinamismo das finanças na invenção e venda de produtos financeiros, acarretando uma estagnação da sua liderança na área econômica; b) aconteceu um emperramento do setor produtivo, que não teve condições de efetuar as transformações estruturais para a passagem de um padrão de longo prazo para outro; c) emergiu um aprisionamento do Estado pelo capital aplicado nas finanças, ficando, por consequência, sem condições para a reformulação de suas estruturas burocráticas e acabando por endividar-se de uma forma tenebrosa. Na realidade, muitas nações chegaram à beira da insolvência.

5) Então, o leitor veja o encadeamento do esquema da crise: crise das finanças – crise da produção – crise do Estado. E esse último elo ameaça tomar um rumo que pode ter um efeito de dinamite, enlaçando e recaindo novamente sobre as finanças. É o caso da Grécia e de Portugal que podem afetar os bancos franceses, alemães, espanhóis, ingleses. E aí fertilizar uma espiral envolvendo nova crise financeira, nova crise produtiva, nova crise do Estado. A espiral tomaria vulto e corpo e poderia terminar num círculo progressivamente vicioso. E isto não parece estar muito longe, está quem sabe ali, logo na curva da estrada porque as tentativas de solução do capital recaem sempre sobre uma política econômica comprometida com as finanças. Ou seja, o objetivo não é recuperar o país, promover uma política de retorno das atividades produtivas e ter um programa de desenvolvimento com investimento e com avanço do emprego. Não, o objetivo é fazer operações financeiras para que os Estados, ao diminuírem gastos, eliminando salários, destruindo aposentadorias, etc., consigam resultados de caixa capaz de pagar as suas dívidas com as instituições bancárias. E claro, já se sabe, que as políticas de contração vão afetar a demanda, seja de investimento, seja de consumo. E como nos países da Europa, o câmbio não será desvalorizado, o comércio externo vai igualmente desabar.

6) A questão principal desta crise é, sem dúvida, o aprisionamento do Estado pelas finanças. Num país como os Estados Unidos, a maior potência da economia mundial, a temática nos mostra que a paralisia do Estado, seja pelo endividamento, seja por leis do Congresso, é agressivamente contra a metamorfose indispensável da sociedade. E sem o seu dinamismo não se alcança a transição entre o atual padrão de desenvolvimento e um outro futuro. O caso é que o Legislativo impedindo uma mudança profunda na regulamentação dos bancos e impondo ao endividamento público americano um teto – negociação que está se efetuando entre o Governo e os partidos políticos, sobretudo o Republicano – amarra a capacidade do Estado de reformular sua ação. Com essa paralisia, ocorre o impedimento da entidade estatal modificar suas estruturas e preparar seus recursos e sua capacidade universal de coordenação no rumo de um novo Estado e de uma nova trajetória de acumulação, cuja prioridade seja o setor produtivo.

7) Que Estado seria necessário construir? Em primeiro lugar, é preciso compreender que um Estado só se transforma por meio de forças políticas, que na luta social, assumam o poder e tenham uma estratégia e um projeto de transformação. Em segundo lugar, cabe perceber que o Estado terá uma etapa obrigatória no seu projeto: a reformatação do sistema financeiro. Com um toque de bom senso, seria pôr as finanças a serviço da sociedade. E em terceiro lugar, está nas contas desse processo a prática do Estado organizar suas instituições em função do novo padrão de acumulação de capital, o que implica a determinação de novas relações entre as finanças, a produção, o trabalho e o próprio Estado.

8) A tarefa, na verdade, de reconstrução do Estado culmina pela subordinação das finanças à prévia estratégia desse, ao mesmo tempo que inclui um projeto de sinergia das forças econômicas para o desenvolvimento de um novo padrão de acumulação de capital. A reorganização do sistema financeiro não se faria sem complicações, pois exige definições na estrutura de capital das empresas bancárias, na ênfase do financiamento da produção por relação à especulação e na concepção de medidas de controle, fiscalização e orientação do sistema financeiro.

9) Por essa razão, fica mais que demonstrada a necessidade fundamental de reorganizar toda a dimensão da sociedade na vertente que começa pelos Estados Unidos e chega até a Europa. Pois o mundo está precisando que esse lado do planeta se reformule, uma vez que uma outra parte já está se organizando, a começar pela China, Índia, Brasil, Rússia. Mas talvez seja a China que esteja mais avançada na transformação do Estado. De qualquer modo, não se pode chegar a um novo mundo com o atual Estado que tem o Ocidente, fundamentalmente dominado pelas finanças. O mundo começará a mudar se elas se colocarem ou forem colocadas numa nova posição dentro da sociedade. E elas só mudarão se houver um novo Estado com um novo conjunto de forças, armado de uma estratégia e de um novo projeto, para um vindouro padrão de acumulação produtivo. É isso que está em jogo no andamento da carruagem.