quinta-feira, dezembro 29, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

A REVERSÃO
DO ESTADO
PRÓ-FINANÇAS.

Enéas de Souza
29/12/2011


Tenho falado que é o Estado que vai intervir e liderar a transformação da atual sociedade capitalista, de financeira-produtiva para produtiva-financeira. Mas, amiga e leitora, a arquiteta Glenda, traz aos meus comentários da semana passada, “Por quem estouram os foguetes neste Natal”, uma dupla questão. Nas suas palavras: “Concordo com tudo, só que me ficam algumas dúvidas, a primeira: será que ainda existe ‘Estado’? Aquele que cuidava da ‘res pública’, aquele que supostamente existiria para promover o ‘bem público’? Acho que está (o Estado) reduzido a um fantoche, um brinquedo nas mãos do ‘mercado’ e dos bancos! Em segundo lugar, tem uma questão crucial que é este ‘embate’ entre Ocidente e Oriente: conhecendo-se as diferenças cruciais entre as mentes ocidentais (que tiveram sua inspiração primordial – num exercício de síntese muito redutor, é verdade – no pensamento, ciência e políticas gregas e, fundamentalmente no Direito romano) e as mentes orientais, sempre ferrenhamente autoritárias e ditatoriais, pergunto: qual o papel da China, da Índia, Irã, Iraque, etc., neste quadro apocalíptico?”

Glenda tem toda a razão sobre o Estado atual. E por quê? Em primeiro lugar, porque hoje o citado personagem é resultado de uma construção e de uma institucionalização política que dá ênfase e saliência ao projeto das finanças. Não se pode esquecer que institucionalização vem de “instituire”, que quer dizer “o que permite viver”. É o que permite viver a supremacia do capital e das finanças. E nesse embalo, o Estado deixa de lado tanto o bem comum, quanto a dimensão pública da sociedade. E ele se transforma – pela sua atuação, pela prevalência de mecanismos onde a taxa de juros é o principal definidor de impostos, tributos, taxas, multas, descontos, desonerações e incentivos, e mesmo de políticas públicas, etc. – no que chamo de Estado financeiro.

Podemos perguntar: em que consistiu fundamentalmente este projeto neoliberal das finanças para o Estado?

O projeto das finanças foi uma lenta e longa noite que visou a destruição do Estado nacional (1979-2007/8). Deu-se, então, como a repartição do átomo. Houve uma ruptura na unidade e no entrelaçamento de instituições e órgãos estatais que comandavam a política, a estratégia e o projeto nacional. Tal cirurgia esquartejadora, infindo espetáculo macabro, envolveu a separação e a anulação e, em muitos momentos, a cooptação da direção do Estado. Fantasma aterrador. Duas de suas grandes forças institucionais – o Banco Central e a Fazenda – se tornaram, no mais das vezes, órgãos auxiliares das Finanças. Só que, dentro do Estado, eram forças dominantes. E para completar a destruição da unidade, um dos elementos decisivos da operação do Sistema Financeiro, foi tornar ineficiente ou eliminar completamente o Ministério de Planejamento. Obviamente, essa bala mortal, transformou o Estado numa ‘stultifera navis’, um Titanic navegando sem rumo. Culminou essa operação tríplice por liquidar uma política econômica e social global, ficando o Estado apenas a conduzir uma política econômica reduzida, dedicada à expansão voluptuosa do sistema financeiro.

Ou seja, armou uma política subalterna de Estado com um composto de política monetária, cambial, financeira e fiscal, com o objetivo nobre de garantir a estabilidade da economia, no entanto, para que as instituições financeiras surfassem nas ondas da especulação. E o resto, se não foi silêncio como diria Hamlet, foi a metamorfose de zonas da política pública a expansão do capital inversor nas fronteiras internas do próprio Estado: previdência, saúde, educação e cultura. Com isso, o processo de socialização foi abandonado até mesmo como busca de longo prazo. E como um véu enganador, o futuro desapareceu do horizonte das sociedades. Surgiu, então, a grande festa do cassino e do carrossel financeiro, que atirava sobras para o setor produtivo e migalhas para a população. Houve momentos exitosos em que as pessoas se sentiram felizes. Só que o desastre americano, em todos os sentidos, revelou que, no outro lado da lua, o rei exibia seu corpo nu. Pois só existem perspectivas duradouras para toda a sociedade, se e somente se o longo prazo organiza o curto.

Mas qual foi a curva que levou as finanças ao seu trajeto declinante? Foi a carta mais audaciosa, a mais alta, como uma árvore secular: a desregulamentação progressiva e doida do mercado financeiro. Foi aí que, como um cavalo selvagem, a especulação tornou-se uma correnteza indomável, levando de arrasto inúmeros capitais e ativos financeiros. Ela – a desregulamentação – está arruinando todos os Estados dos países desenvolvidos, dos Estados Unidos à França. Isto foi o resultado de uma combinação de ações do executivo e de congressos, permitindo, no caso mais exemplar – os Estados Unidos – que as alavancagens (cada dólar se transformando, sem controle, em trinta, quarenta, cinquenta outros) provocassem as extrapolações da securitização e da hipotecarização. E vejam que nesse processo ocorreu também uma aliança dentro do Estado contra o Estado, a partir de poderosas forças que atravessaram os congressos nacionais e, muitas vezes, o próprio judiciário.

Já se pode ver que o projeto neoliberal sempre procurou afastar o Estado da economia, liquidar funções fundamentais dele como a mais vital, a do planejamento de curto e longo prazo. Para ver o descolamento do Estado com a população, a questão do emprego foi relegada ao setor privado, a uma política microeconômica. Veja-se a perfídia: o Estado, sobretudo na crise, tem que sustentar o nível do emprego da sociedade, o contrário do que se faz hoje, quando é forçado a cortar na própria carne e começa pela exclusão de funcionários, pela liquidação da previdência e das aposentadorias e a supressão dos programas sociais, etc., como em Portugal e na Grécia.

Mas, Glenda, veja só a perfídia desse neoliberalismo. Cortaram o Estado em pedaços para melhor repartir o domínio do Estado para o capital, com hegemonia do financeiro, como já falamos acima. Mas, no entanto, estamos no coração do artifício e da cilada. Aparentemente, a fragmentação do Estado nos dava a impressão de que ele estava sem força. E isso era verdade. Mas somente dentro de uma linha: estava sem força contra o capital e contra as finanças, principalmente. Mas contra o cidadão, esta força era cada vez mais sem limites. Porque Estado tem o monopólio da força, ele é coerção, e as finanças sempre usaram a coerção do Estado contra o cidadão, e não contra o Estado, porque, na verdade, quem o ocupava era a própria Finanças. A burocracia que poderia visar, pelas suas funções, o bem comum, tramava, por compadrio, com a força econômica dominante, a capação da res pública. Chesnais, François Chesnais, disse muito bem: o que temos é a ditadura do capital financeiro. Por isso, o público desabou, mas o poder do Estado, não. E as finanças sempre souberam usá-lo como nunca, apoiado no domínio financeiro sobre o político em geral. No entanto, está havendo, inclusive no Brasil, um princípio de reversão do Estado, onde a sua reunificação está num movimento que vai se acelerar. Múltiplas pressões encaminham o ente estatal a liderar a construção de um novo padrão de acumulação. Chegar até lá e reconstruir é um longo processo de desmontagem das instituições liberais e a construção de novas. Não há como negar que a China, dando saltos avassaladores, tem mostrado o êxito da unidade do Estado no combate à crise atual. A tendência parece vigorosa. É daí que nasce o mar da reversão.



(PS. Quanto à segunda questão, não sei responder com segurança. Mas, o que posso dizer é que ela tem que ser pensada não num confronto entre Ocidente e Oriente, mas num confronto de fundos antropológicos, sociológicos e históricos das nações na dinâmica do capital, no seu processo de reprodução. Por isso, o Estado chinês – por mais que tenha as influências históricas das suas dinastias, da Revolução comunista de Mao, da sua cultura histórica milenar – vai sendo direcionado pelo processo de valorização do capital. Claro, o Estado do capital nos Estados Unidos é diferente do Estado do capital da China. As tradições das nações dão a cor da sua experiência no desenvolvimento do capitalismo. Mas, o primeiro, enquanto sobreviver, será o capitalismo. E isso faz parte da luta geopolítica das nações. O comunismo foi o último movimento que se opôs, e foi derrotado, diga-se, pelas suas próprias contradições. No confronto do Ocidente e do Oriente, o importante é saber, em termos de economia, se existe a possibilidade de construção de um outro sistema que possa se opor ao citado capitalismo. Do contrário, será apenas o modificar da forma externa de desenvolvimento do capital, porque o capital é o seu próprio construtor, já que é ele que revoluciona a si mesmo. E a sua destruição terá que ser um processo revolucionário de base política, econômica, social e ideológica – que, no momento, está fora de cogitação e de construção).

quinta-feira, dezembro 22, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

POR QUEM ESTOURAM
OS FOGUETES NESTE NATAL?

                                               Enéas de Souza



Estamos num processo longo de reformulação da economia capitalista, desde a crise de 2007/2008. Neste Natal, a gente pode fazer um balanço para onde ela vai. E examinar, busca de lucidez, que tendências estão inscritas no seu movimento e na sua dinâmica, uma vez que o mundo se mexe apesar das aparências. Daí a pergunta: para onde está indo o capitalismo? Nada mais próximo do que falava o nosso Fellini: “E la nave va”.

A DINÂMICA DO CAPITAL ESTÁ NO IMPASSE

Quando se olha a realidade atual, o que é que nós vemos? Olhamos uma economia que chegou a um auge nos fatídicos anos de 2007/2008 e desabou. Chegar a um auge quer dizer que esta economia criou capital demais, superacumulou e, portanto, quando se chega a um excesso, a um transbordar, o capital – que sobra e que não dá lucro – precisa ser queimado, destruído, eliminado. Isto significa que a acumulação não vai adiante, não há mais espaço para crescer. Ao mesmo tempo, toda a lucratividade do sistema cai e é preciso recuperá-la; mas sabe-se que os mesmos procedimentos não podem ser repetidos. No caso das finanças, toda aquela enxurrada de papéis que se tornaram apodrecidos não conseguem mais serem utilizados, são papéis ilíquidos, são mecanismos emperrados. Ari Barroso tinha razão: são “Folhas Mortas”. E as instituições que as possuem se tornaram insolventes. Foi aí que entrou o Estado e o Banco Central dando força às instituições financeiras, fazendo operações de salvações gigantescas ou pondo liquidez na caixa e nos ativos dos bancos.

Então, os bancos ficaram se equilibrando e se salvaram, mas o problema é que a superacumulação indica claramente que o processo não vai adiante, que cada vez mais há empecilhos. O espaço de acumulação se reduziu, os mercados encolheram e a lucratividade também. Ora, foi assim na securitização com a grande história da crise imobiliária, está sendo assim na crise dos títulos soberanos, e continua assim na questão da re-hipotecarização. Logo, a arena de valorização do capital ficou pequena para tanta fome de lucros e de valorização. E quando o espaço encurta, os capitais tem que lutar entre si, com todas as armas, com todos os machados, com todas as facas, com todas as navalhas. Este é um processo de luta à morte dos capitais. Ele já destruiu várias instituições financeiras. Entre elas, a Lehman Brothers, a Fannie Mae e, recentemente, a MF Global. Isto quer dizer que alguns capitais já morreram (por exemplo, o Unibanco no Brasil) e outros vão morrer. Não há expansão da lucratividade para todo mundo; o que há é concentração e centralização de capital. Os mercados – tão celebrados – sumiram para alguns capitais. O capital vive um impasse: vai levar muito tempo para que essa autofagia traga uma abundância de lucros para todas as suas frações, da financeira à produtiva, sem que a economia altere profundamente o seu padrão de acumulação.

DE ONDE VEM A REVERSÃO DA FASE ATUAL?

É possível recompor a possibilidade de acumulação de capital, de modo substancial, através de uma vasta metamorfose tecnológica. E como pode ser? Ela se dará por meio de uma passagem, de uma transição. Vemos, de um lado, uma economia produtiva que está se desmanchando, que está apanhando e que vai estacionar e regredir nos próximos anos. Nela, a tecnologia já chegou ao seu limite, há várias coisas que podem ser acrescidas, mas a sua liderança atingiu uma zona de saturação. De setor líder vai passar a ser um setor em processo de envelhecimento e comandado por outro(s). Seus incrementos serão sempre de produtividade e jamais de invenções revolucionárias, como é o caso da indústria automobilística. Todavia, algumas outras indústrias, como a eletrônica, têm saltado para transformações decisivas, tanto na questão da produção, como na questão da distribuição – ou, como se chama de outra maneira, na esfera da circulação do capital. Isto quer dizer que uma parte do novo padrão de acumulação – as novas tecnologias de comunicação e informação – vai progressivamente ocupar o seu lugar, a posição de liderança dinâmica. É exatamente pela tecnologia que o capitalismo pode sair do seu impasse de aumento da valorização do capital.

A BARCAROLA DO ESTADO AVANÇA NO MAR DOS CAPITAIS.

Contudo, o ponto chave para a transformação da economia é o Estado. E aqui temos que salientar duas coisas. A primeira é que o Estado tem que se livrar do aprisionamento das finanças, que levaram a quebra de alguns Estados nacionais, através do entupimento das dívidas soberanas. Ou seja, os Estados têm que abandonar essa ligação cariada. Eles não podem se recuperar para salvar e apoiar novamente as instituições financeiras falidas. Se isto acontecer, tudo será como no Japão, nada se mexerá, nem as finanças, nem a produção, nem a sociedade e nem o Estado.

(Os americanos estão singrando nesse caminho e nessa rota, só as eleições podem alterá-los. E a Europa? Bem, a Europa está pior. Veja o BCE: não empresta para os Estados, mas empresta para os bancos, sob o suposto inverossímil de que esses comprarão as dívidas daqueles. Ah! essa idéia só pode ser de um homem das finanças: Mario Draghi, aquele que comandava a Goldman Sachs, quando essa auxiliou a Grécia a falsificar as contas para entrar na Comunidade do Euro... Porque o concreto é o seguinte: o banco especula e não compra dívidas para salvar os Estados. Só por essa razão é que o BCE faz a festa das finanças e encaminha o desastre europeu para mais uma falsa esperança.)

Para que o capitalismo se resolva, o Estado precisa desatar a crise fiscal, escapando da longa mão especulativa e anti-social das finanças. A segunda coisa é que é preciso deslocar a fonte de atenção da estratégia dos Estados, ela deve deixar de se ater às finanças e passar a se preocupar com o investimento e com o emprego. As finanças jamais financiarão um Estado em profunda crise e jamais passarão recursos da especulação para a aplicação produtiva espontaneamente. Por isso, o Estado é o ator principal. Portanto, a questão é uma questão política. E as indagações são as seguintes: como é que politicamente o Estado vai passar à liderança do processo econômico e resolver seus problemas de financiamento? A ênfase do novo financiamento será através de novos endividamentos? E eles serão de que origem? Ou o financiamento virá através de aumentos de impostos? E como? Ou será através de uma situação mista, endividamento e tributos? Ou o Estado, num caso extremo, financiará a si próprio porque nacionalizará ou socializará os bancos? De qualquer forma, a pergunta subsequente é imperiosa: o Estado vai se financiar para quê? A única resposta válida: o financiamento deve ser para um projeto de longo prazo da economia, que é a construção desse novo padrão de acumulação já citado.

A questão toda que aparece neste Natal é a incerteza da definição e o tempo para essa mudança, já que ela depende da capacidade de resistência das finanças, da amplitude política dos capitalistas e dos trabalhadores para instalarem um Estado com um projeto de longo prazo, e das negociações políticas e econômicas capaz de dirigir o Estado para a arquitetura de um novo padrão de acumulação. Se o impasse triunfar, a mundialização pode desembocar, quem sabe, na instauração do bélico, de um escuro neoliberalismo financeiro de guerra.

quinta-feira, dezembro 15, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL:

DILMA NA TENSÃO
DO CURTO E DO LONGO PRAZO

Enéas de Souza



Um ano de Dilma. Há muita coisa a falar sobre a sua presença no cenário nacional e internacional. Vir depois de Lula não é fácil, porque Lula fez um trabalho sensacional e empolgante. O que é surpreendente para os adversários é que ela está se saindo bem, está fazendo as suas tarefas. Como se dizia antigamente, a Dilma é quadro. Mas, agora, ela ultrapassou essa etapa, ela é a comandante do país. Só que pegou uma conjuntura movediça, voluptuosa e errática. Numa palavra: ameaçadora.

Olhem, leitores controversos, qual é a situação em que se encontra a presidenta. Em primeiro lugar, há dois problemas imediatos. Um de curto prazo: como armar a defesa brasileira em torno da ameaça constante do vendaval da crise. E nele a pergunta chave é: qual o momento exato em que a conjuntura internacional será irreversível? Dilma vai precisar de sintonia fina e de uma sensibilidade antenada, como a de um escritor como Borges. Ou, como Pamouk. Mas, há um segundo ponto, um problema de transição: como desenvolver um projeto nacional no meio da constância dos ventos e dos aguaceiros? Aqui já é o longo prazo que está chegando à porta e perguntando à Dilma: o que tens para me agradar?

(A essa última pergunta, nos seus devidos momentos, Collor não tinha resposta e Itamar só tinha suspeitas. Já Fernando Henrique, foi indolente: deram-lhe o neoliberalismo e ele aceitou. Talvez tenha sido que nem Riobaldo, só que sem Diadorim. E Lula, por sua vez, chegou para descortinar um horizonte ao Brasil na política externa e para desenvolver, igualmente, uma luta contra a miséria, uma política de sustentação coerente para os que fizeram e fazem as verdadeiras raízes do Brasil).

Assim, a questão do curto e do longo prazo é uma realidade terrível, porque, como a economia capitalista está em transformação, as crises americanas, europeia (incluindo Inglaterra) e a tendência da China, a diminuir seu crescimento, mostram que o mundo do capital vai mudar profundamente. É o que sempre vínhamos dizendo: a busca de um novo padrão de acumulação. Ou seja, algo de adventício vem chegando. Como diria Carlota Perez: estamos na zona do “turning point”, só que este momento leva tempo para se encaixar. Enquanto ele não chega, vivemos a turbulência do curto prazo. E os estragos do capitalismo neoliberal obrigam aos países a cuidar das devastações do imediato (vide agora o novo problema da re-hipotecarização, como faz notar o meu amigo André Scherer).

Bem, no meu modo de ver, a grande jogada de Dilma é exatamente colocar uma atenção muito forte sobre o curto prazo, sem descuidar de olhar, pelo menos de quando em vez, para o longo. Como assim? Explicite melhor! O que penso ser a estratégia da Dilma para o termo imediato já começou desde os primeiros dias de seu governo. Claro, tudo se inaugura com um princípio, que é uma estratégia: a reunificação do Estado. Ela é um grande lance para o Brasil se desvincular deste neoliberalismo financeiro, cujo objetivo foi sempre desarmar a entidade estatal de sua capacidade de efetuar política econômica, de pensar e articular o curto com o longo prazo, de proteger a sociedade de eventuais desastres dos mercados financeiros que afetam o investimento produtivo e o emprego, a inanidade pública diante da crescente miséria e fome do mundo. O resultado desse processo de financeirização da economia e da sociedade foi um Estado fragmentado, no mínimo dividido entre Governo de um lado e Fazenda e Banco Central de outro.

Foi essa cissiparidade econômica que Dilma conseguiu obstaculizar e dar um passo gigantesco para a reunificação do Estado. Se Lula já tinha conseguido colocar a Fazenda no bom caminho, Dilma alcançou um feito memorável. Sem impedir a autonomia do Banco Central, articulou para o órgão uma presidência que tem uma visão de economia semelhante a do próprio Governo. Faz muitos anos que não existia essa identidade na área econômica. No limite, o Banco Central de Meirelles, pelo menos, era sempre as Finanças governando o país. Agora, o Banco Central pensa também no crescimento econômico da nação. Olhem, para confirmação, no movimento da taxa de juros.

O que significa isso? Significa que para que um país possa vencer sem grandes rombos no seu casco de navegação esta brutal crise internacional ele tem que ter minimamente uma unidade. E Tombini, pelo menos até agora, tornou-se um presidente alinhado com o Estado Nacional. E daí vem a visão de Dilma. É preciso preparar fortemente o Brasil para defender-se da furiosa disputa econômica do momento atual, efeito da queda da produção dos países líderes ocidentais, da queda do comércio internacional, da devastação alucinada das finanças, da procura invasiva de especulações vigorosas, da débâcle do eixo americano (USA-Inglaterra e Europa) e dum avanço menor do eixo chinês como rebote desse eixo americano sobre ele.

Esmiuçando um pouco, Dilma tem então duas preocupações no curto prazo: a primeira é defender-se dos efeitos negativos da recessão mundial a caminho de uma depressão. E a segunda: recuar, fechar-se se for necessário, para uma certa proteção da economia brasileira, voltando-se, atingido um ponto crítico, para o mercado interno. Essa manobra visa reaver um capitalismo estatal, como o da Petrobrás, incentivando o capitalismo privado produtivo, até para uma expansão internacional, e procurando medidas, controles, ações na área financeira que protejam o próprio setor bancário. Isto quer dizer que Dilma trabalha numa dupla dimensão: manter as relações com o que está vivo do capitalismo internacional e uma reativação das estruturas internas do nosso capitalismo para que se mantenha o investimento e o consumo e se mude a situação de áreas industriais prejudicadas nessa mundialização, sobretudo aquelas afetadas pelos chineses. Tudo é uma questão de momento, de oportunidade, de ter o olfato para o que vai ocorrer. E, sem nenhuma dúvida, puxar o gatilho no momento agudo.

O ponto mais complexo, no entanto, é o do longo prazo. Por quê? Exatamente porque o Brasil não é um país líder do capitalismo, não tem nem um setor industrial nem tecnologia de ponta. E aqui talvez esteja uma das grandes dificuldades para Dilma. Por um lado, o Brasil está encaminhado para o novo padrão internacional de acumulação, pois a sua inserção está praticamente garantida através do petróleo, da mineração e da produção de alimento. Só que se ficarmos nisso será cometer o equívoco da Argentina no século XIX e XX. Seria paralisarmos nossas pretensões na trajetória da produção primária. E, portanto, ficarmos dançando um excessivo e prolongado tango. O problema, então, é como conseguir envolver o país numa estratégia de longo prazo, englobando um itinerário industrial onde as novas tecnologias de comunicação e informação, da biotecnologia, dos novos materiais, etc., façam a sua parte. Isso vai exigir, além de planejamento, investimentos estatais e investimentos privados, locais e estrangeiros, e uma estratégia que envolva além de um projeto nacional, econômico e político, um desdobramento para as áreas da educação, da ciência e tecnologia, e da cultura. Mas não, é claro, como um projeto adicional, e sim como um projeto essencial do país.






















CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Mais sobre as "re-hipotecas"

domingo, dezembro 11, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Fisk e a ditadura financeira

"I didn't need Charles Ferguson's Inside Job on BBC2 this week – though it helped – to teach me that the ratings agencies and the US banks are interchangeable, that their personnel move seamlessly between agency, bank and US government. The ratings lads (almost always lads, of course) who AAA-rated sub-prime loans and derivatives in America are now – via their poisonous influence on the markets – clawing down the people of Europe by threatening to lower or withdraw the very same ratings from European nations which they lavished upon criminals before the financial crash in the US. I believe that understatement tends to win arguments. But, forgive me, who are these creatures whose ratings agencies now put more fear into the French than Rommel did in 1940?"
Talentoso. Falei sobre essa picaretagem no Clube de Cultura terça e ontem estávamos comentando o assunto de novo, né Enéas? Muito bom esse artigo do Robert Fisk.

http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-bankers-are-the-dictators-of-the-west-6275084.html

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: The Merkelization of Europe - By Paul Hockenos | Foreign Policy

The Merkelization of Europe - By Paul Hockenos | Foreign Policy

terça-feira, dezembro 06, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Debate no Clube de Cultura

Amanhã e quinta-feira (07 e 08/12) ocorrerá o debate "Crise Financeira Mundial: e o Brasil?" , no Clube de Cultura, situado na Rua Ramiro Barcelos,1853.
Amanhã estará em debate a conjuntura internacional e o desenrolar da crise financeira, com o economista André Scherer. Quinta-feira o tema será a conjuntura nacional frente à crise internacional, com a participação do economista Augusto Pinho de Bem.
O Clube de Cultura se notabiliza ao longo das décadas  por promover debates que estimulam a difusão do pensamento crítico, tendo nos estudantes da capital seu público principal. As palestras dessa semana se iniciam às 19:00 hs.