quarta-feira, dezembro 16, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Grécia: um país de joelhos face ao "mercado"

A história se repete. Mais uma vez um país inteiro se curva ante às exigências de cortes orçamentários feitas pelo "mercado". A Grécia promete baixar seu déficit de 12,7% neste ano para 3% em 2013, às custas de cortes salariais dos servidores públicos e de cortes em programas sociais. Ou seja, o ajuste cai nas costas dos mais pobres como sempre. Pateticamente, o Ministro da Fazenda grego concedeu entrevista à Martin Wolff do FT, na tentativa de acalmar os mercados e, mais ridículo ainda para um país soberano, disse que seu plano é bom pois é mais duro que o irlandês!

Pensávamos que esse tempo de rebaixamento das Nações perante o "mercado" estivesse, senão revogado, em baixa. Infelizmente, estava enganado.

Tomara que a população grega, de tantas lutas nos últimos anos, tenha forças para dar ao seu governo a resposta que merece. Ditadura do "mercado"financeiro no século XXI, depois que os governos mundiais foram chamados para "salvar" esse pessoal no ano passado, ninguém merece!

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quinta-feira, novembro 26, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Dubai or not Dubai?

Dubai é um paraíso artificial muito ao gosto - duvidoso - de nossa modernidade "pós-moderna". O maior shopping center, o maior hotel e a maior praia onde só havia areia e os dejetos humanos eram devidamente "tratados" por bodes e camelos à guisa de limpeza urbana nos anos 1960. Toda a diversão atrai as grandes "celebridades" mundiais e locais. Quem não conhce Dubai nada viu ou não se divertiu. Não tem "tempo" para tanto ou tem o mau gosto de não gostar do "maior hotel 20 estrelas do mundo".
Eu me incluo nas duas categorias, particularmente: não tenho grana para a brincadeira, mas se tivesse não acharia tão interessante me banhar num falso oásis a 300 metros de altura em algum andar intermediário de um hotel com 110 andares... enfim, o que seria da humanidade e do capitalismo que gira a roda da fortuna sem os imbecis que pagam por tantas emoções?
Digressões à parte, Dubai e seu fundo soberano (se confundem as coisas por lá) estão ameaçando promover um default de mais de US$ 60 bilhões devido a maus investimentos realizados no setor imobiliário norte-americano e europeu. Era tudo o que precisava um sistema financeiro internacional falsamente saneado após março de 2009. Qual o potencial desse estrago se a notícia se confirmar? Não se sabe, mas ela "abala a confiança" na recuperação potencial das economias do mundo desenvolvido e promove movimentos desordenados na alocação dos ativos financeiros em sua incessante arbitragem risco/retorno. Os "mercados" se tornam voláteis e as previsões de uma recuperação "ampla e gradual, mas segura", vão para o saco. Os contágios que daí podem suceder são imprevisíveis , mas a turma do "deixa disso" deve estar a postos e entrar em campo a partir de amanhã. A nuvem financeira entra novamente em estado de tormenta, mas é provável que apenas gotículas d'água caiam no momento.
O problema é que de gota em gota o balde entorna e que a nuvem financeira existe. Como provado na crise financeira de 2007, a segmentação estanque dos mercados financeiros é como Dubai: uma miragem no deserto.
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
26 de novembro de 2009

O PODER DAS PERGUNTAS
Por Enéas de Souza

Parto para as férias, mas deixo perguntas. Perguntas que nos permitem compreender a evolução dos acontecimentos do que se chamou de crise financeira mundial. Mas, como temos defendido neste pedaço da internet, esta crise é uma crise estrutural. Logo, com estas perguntas, com algumas delas ao menos, teremos um certo norte para avaliar as idéias das soluções micro e macro, sejam econômicas, sejam políticas, que estão sendo propostas por toda parte. Estas perguntas servem de guia para detectar possíveis soluções e prováveis impasses dos conflitos entre as forças sociais que atravessam as conjunturas da sociedade contemporânea. Por outro lado, estas questões, que são inúmeras, podem chamar inúmeras outras. O mundo está em subterrânea transformação. Numa época onde as soluções da crise ainda estão em gestação, em contendas, ou mesmo que ainda estão ocultas para as diversas frações em conflitos, perguntar tem a saúde de encarar os redemoinhos de frente. E é por isso que todos devem exercitar, de coração e prontos para o combate, o formidável móvel do questionar e da indagação. Eis a minha contribuição, leitor infatigável; você pode ampliar, de acordo com o seu espírito crítica e sua posição política. Perguntar é uma forma de ser como D. Quixote, sair pelos horizontes do atual capitalismo e detonar a ideologia de que tudo está bem e que tudo será resolvido pelo crescimento e pela restauração do capital financeiro. E, ao mesmo tempo, saber que as perguntas não são privilégios, nem tem o poder pela sua simples existência de causar a metamorfose do mundo, as palavras podem permitir de nos darmos conta da diversidade e da amplitude dos problemas. E, claro, perceber que há uma vasta manobra de enrolação que estamos sofrendo por parte dos donos do poder. Por isso, a palavra é frágil e as perguntas são, quando muito, o gesto de despir o rei. O capitalismo financeiro está nu. Mas, o que podem tecer as perguntas? Qual o seu poder? Descartes dizia que a gente deve duvidar pelo menos uma vez na vida. E diante deste fracasso do neoliberalismo de guerra, as perguntas poderão ser um corte na continuidade absurda da aceitação deste mundo que acabou. O mundo que virá pode até ser pior, mas não por causa das perguntas. Elas darão um tempero ao grande combate das forças sociais, porque é aí que as coisas vão se definir. Perguntar é também uma forma de proteção. As palavras têm o poder de impedir que o silêncio possa ser usado contra cada um que gostaria de perguntar e não pergunta. O silêncio é ouro individualmente, mas socialmente é o princípio da concessão de coisas que não devem ser concedidas. Perguntar é o começo da resistência. O que não quer dizer que tudo esteja resolvido. Pelo contrário, o triunfo do banal, da insustentável leveza do capital financeiro, da ideologia dos vencedores, reagirá com novas idéias e novas e novas robustas ilusões. Temos que saber, como dizia Custódio Mesquita no seu samba famoso, que o capitalismo financeiro é “nada além de uma ilusão”. E assim, perguntar é uma forma de desvendar o véu e a neblina daqueles que se querem vencedores sem ceder nada. E tentar, com uma visão mais clara, construir um novo acordo político mais favorável a todos.

Pelas finanças, as economias também morrem?

1
– A reforma financeira está sendo discutida no Congresso Americano. O Governo mandou uma Financial Regulatory Reform. Três são as correntes que atravessam a vida dos parlamentares, seja sob a forma de lobbies, de pressões grupais, de e-mails, de artigos na mídia, etc. Os bancos não desejam mudar nada. O governo quer alguma regulação centrada num conselho de reguladores, num Fed capaz de intervir em toda empresa que possa apresentar nas suas operações risco sistêmico e deseja aumento de capital para diminuir o risco dos grandes bancos, os “too big do fail”. E finalmente, existe um terceiro grupo que quer uma regulação muito forte, com muitas propostas tendo muitas nuances. Não importa. A primeira pergunta é a seguinte: qual é a linha que vai marcar a diferença e pela qual se pode ver se os bancos continuarão mandando sem nenhuma ou com poucas concessões; ou se eles, os bancos, vão passar a funcionar para a sociedade, “serve to the public” como disse estes dias Paul Volker, ex-presidente do Banco Central Americano? A importância desta pergunta é evidente, porque a sua resposta vai nos permitir ter certeza que as estruturas vão mudar.

2 – Uma segunda pergunta de interesse nesta área: Se tudo ficar como estava, a economia americana pode se recuperar? Ou dito de outra maneira: a destruição já alcançada em entidades financeiras e de certas operações financeiras em larga escala não afetará decisivamente a estrutura da dinâmica do setor, sua arquitetura, suas funções, etc.? Ou ainda: quando as estruturas econômicas e políticas exigem transformações no capitalismo, um setor da sociedade (no caso, as finanças) pode bloquear estas exigências de mudanças? Se afirmativa a resposta: e por quanto tempo?

3 – As estruturas contábeis do Banco Central, apoiadas pelo Tesouro, estão trazendo os ativos podres para dentro do Estado, de tal modo que o seu poder fiscal, já em deterioração, será profundamente afetado. As perguntas imperiosas: o desdobramento disso será a progressiva queda do dólar? Há possibilidades de que o dólar se desvalorize totalmente? E será como antigamente quando acontecia com o nosso velho cruzeiro: haverá um dólar novo? Em que ocasião? E em que bases?

Quem quer um Estado diferente?

1 – Dificilmente o Estado que se desenvolveu no período neoliberal continuará a funcionar sem alterações. Como, então, poderemos perceber que estão ocorrendo ou vão ocorrer modificações na estrutura do Estado? Em que direções irão estas modificações? Teremos um Estado mais financista? Um Estado mais produtivista? Qual a articulação que existirá entre o Estado e o setor privado? O Estado e os assalariados? O Estado e os desempregados? O Estado continuará a fazer o jogo dos ricos, permitindo que aumente explosivamente a distribuição de renda? Os impostos aumentarão? As ajudas ao setor financeiro continuarão escandalosamente? Quais os setores produtivos que serão apoiados? E os assalariados recuperarão os seus direitos sociais, sobretudo aqueles altamente capitalizados pelo setor financeiro? O Estado voltará a liderar e fará dispêndios em termos de investimento, apoiando o setor produtivo e incentivando a retomada do emprego? O Estado transformará as suas estruturas internas, diminuindo os poderes das finanças sobre órgãos como o Banco Central, como o Tesouro? Que nova ideologia vai apoiar a construção de um novo Estado? O Estado transformará as suas estruturas internas, diminuindo os poderes das finanças sobre órgãos como o Banco Central, como o Tesouro? Que nova ideologia vai apoiar a construção de um o novo Estado?

2 – Estas perguntas retornam à questão básica da secção anterior: o dólar será banido da posição de moeda mundial? Pergunta que leva o seguinte acréscimo: serão capazes os Estados de sustentarem as suas moedas?


A produção deixará de ser financeirizada?

1 - Um dos aspectos fundamentais da economia é que o capital tem duas órbitas, a financeira e a produtiva, com uma hegemonia fundamental da órbita financeira. Bem, as questões que aparecem são as seguintes: o capital passará por uma nova fase? Como será a relação entre as órbitas? Qual será a hegemônica? Haverá harmonia entre elas? Qual será o Estado? Haverá opção pelo Investimento? Que mudanças existirão na própria estrutura do Estado? (Como se vê as questões, partindo de pontos diferentes, acabam, em determinados momentos, umas se enroscando nas outras.)

2-Quaisquer que sejam as respostas, teremos que descobrir se esta produção será financeirizada ou não. E emerge como uma bomba terrorista a pergunta chave: o que será feito com a governança corporativa? Vai ser alterada? Vai ser suprimida? É possível mudar a estrutura financeirada das corporações produtivas? Se não mudar, a economia capitalista pode deslanchar para um novo período de crescimento e, sobretudo, para uma nova estrutura do sistema?

A classe operária e os assalariados foram para o Inferno?

1 – O que estamos vendo é uma massa crescente de desempregados, que se expandiram desesperadamente como formigas soltas depois que um formigueiro foi destruído. Todos os trabalhadores estão marcados por um forte impacto, maiores para uns, menores para outros. Alguns perderam emprego, o que é um drama; outros perderam casas, carros, empregos e embanaram as contas de seus cartões de crédito, o que é uma ópera próxima da tragédia. Isso tudo significa que a classe operária e os assalariados enfrentam uma muralha. A derrota do capital implicou também na sua derrota econômica. Poderão sair vitoriosos pelo lado político? Como?

2 – Olhando o panorama geral observa-se que, de um lado, os operários enfrentam a tecnologia que os domina e trava as necessidades de aumento de emprego; de outro, as finanças criaram novas barreiras para requerimento de trabalho sob diversas formas: exigência de alto rendimento de ações das empresas, eliminação de empregos em centros de custos elevados, liquidação da variação de produtos lucrativos cujos resultados não levam a expressivas valorizações das ações, etc. E, ainda por cima, os trabalhadores estão com dificuldades de sindicalização e da amplitude de participação dos seus sindicatos. E, no tocante, às suas poupanças nos fundos de pensões privados, olha só o que acontece em muitos destes fundos: eles são administrados por uma direção que se autonomiza dos contribuintes e, que em muitos casos, por má gerência financeira, são submetidos a fracassos na evolução dos rendimentos destas entidades previdenciárias. E, não param aí os problemas dos assalariados. Há, naturalmente, um mal estar em termos de direitos sociais, porque desde a educação até a segurança são todos manobrados pela capitalização imperiosa do neoliberalismo. Portanto, tornaram-se produtos e serviços que estão sob a égide da valorização do capital. E pior, conforme os conflitos dos capitais essas mercadorias se tornam direitos instáveis quando o mercado se mostra adverso. E como o ápice do ápice, os trabalhadores, como fração dominada da sociedade, sofrem a ideologia da mídia financeirizada sob todas as suas formas: publicitária, jornalística, radialista, televisiva, cinematográfica, que passam a gerir e povoar o imaginário e a ambição de sucesso das classes ditas inferiores.

3 – Então, diante deste quadro, as perguntas eclodem: os assalariados, que até agora foram os que mais sofreram com a crise, têm capacidade de reformular este panorama de desvantagens quase interminável? Quais os caminhos que podem permitir um reforço à luta, à mudança destas condições para os trabalhadores? A democracia liberal, que faz com que as eleições sejam definidas pelas classes populares, mas que são apropriadas pelas classes dominantes, por diversas formas, poderá dar lugar a uma democracia mais favorável à pressão dos assalariados? Com que instrumentos? No processo global da sociedade, porque os trabalhadores não têm projeto de modificações de suas condições políticas? O socialismo ficou definitivamente superado pelo capitalismo financeiro? A financeirização da remuneração dos trabalhos (poupança, aplicações financeiras, direitos sociais, etc.) poderá ser alterada?

4 – Mesmo com perdas no domínio político e econômico, o setor financeiro continuará impor aos assalariados, as mesmas regras de flexibilização e precarização do trabalho até o colapso da antiga arquitetura financeira? Quais são as possibilidades de mudança da posição dos assalariados? Que pactos podem fazer os trabalhadores? A expansão do domínio do setor de novas tecnologias de informação e de comunicação, se ocorrer, mudará significativamente o comportamento dos salários, os termos do processo de trabalho, a questão dos direitos sociais, etc.?

Que idéias, valores e imagens dominarão a nova sociedade?

A pergunta já vem sendo escandida de longe: que novas ideologias serão introduzidas nas lutas políticas, econômicas e sociais de uma nova época, de uma nova estrutura do capitalismo? A indústria ideológica (publicidade, cinema, rádio, TV, imprensa, lazer, etc.) funcionará de que maneira e com que modificações na condução e na construção de um novo caminho para a sociedade? Neste setor, o capital continuará imbatível ou surgirão novas formas de oposição e democratização? Os trabalhadores encontrarão saídas para usar as formas das novas tecnologias de comunicação e informação a seu favor?

O que vai soldar a economia internacional?

Se a política der curso pacificamente e a economia deslanchar, estamos às vésperas de uma nova realidade internacional, onde o sistema mundial da concorrência entre as potências vai se modificar com uma menor capacidade hegemônica dos Estados Unidos e com uma presença mais encorpada e de mais longo prazo da China. Ao mesmo tempo, prevê-se o aparecimento de outros emergentes como a Índia, o Brasil, etc. A pergunta é: que economia, que política, que idéias vão permitir o elo internacional e o progresso deste sistema mundial? Qual a ideologia que vai soldar os resultados dos combates entre pos países? O mundo caminha para um estado belicoso severo ou teremos um tempo para o rearranjo do sistema? Qual a temporalidade desta re-acomodação?

(Use o poder das perguntas para entender o que está acontecendo. Você verá que as coisas podem até estar mais complicadas do que estamos pensando. Mas, em todo caso, os problemas e os temas ficarão mais claros. Como pensam os lúcidos, o importante é fazer as perguntas. E fazê-las bem. E, se possível, perguntá-las dos mais diversos pontos de vista. As perguntas são como uma cidade iluminada, elas desenham lugares e esclarecimentos.)

(Até daqui um mês)

quinta-feira, novembro 19, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
19 de novembro de 2009

QUEM VIU OBAMA POR AÍ?
Por Enéas de Souza

Qual é a sua importância?

Obama vive uma espécie de inferno de início de governo. Sua eleição veio para transformar a política e a economia dos Estados Unidos. Por conseqüência a economia do mundo. Nosso personagem tem idéias claras e de longo prazo, mas os homens não têm a boa vontade que as pessoas esperam deles. Gente complicada. E principalmente se vivem numa sociedade do lucro, do vencedor, da competição. E se tornam piores quando estoura uma crise. Mas, Obama não pode esperar que eles colaborem, tem que derrotá-los no jogo político. Obama é um homem de tino. Aqueles que acreditam nele e nas forças que o apóiam, sabem que ele está cercado de bandidos por toda parte. Nesse jogo não tem mocinhos, nem mesmo Obama. A única diferença é que ele se apresentou e se perfilou pelo lado da humanidade. Então, qual é a sua grande importância, desde logo? Ah! algo precioso. Sepultou a administração e a era Bush, que como dizia um colega meu de mestrado, são “coisas como essas (que) nunca deveriam ter acontecido”.

Os iraquianos que o digam

Mas, aconteceu. E sua trajetória foi conseqüência do triunfo americano na guerra fria. Os titulares da direita já apregoavam há muito tempo a aspiração por um grande projeto militar. Mandamos nós, que os outros tem que obedecer. Conseqüência: podemos intervir em qualquer lugar do mundo. O neoliberalismo de guerra. Todo travestido de liberdade de mercado, de liberalismo e de democracia, uma ideologia que só favoreceu aos ricos e aos predadores. Os iraquianos que o digam. Inclusive não se esqueça, querido leitor, que faz parte da resposta destes, o sapato que aquele jornalista árabe mandou para cima do Bush. Gesto que virou joguinho de esquerdistas, de cínicos e de gozadores. Pois, aí é que entra Obama, este americano “cool”, este americano tranqüilo, com o famoso slogan “Yes, we can”. Transformou a face midiática da presidência americana, mudou a cor da América, procurou nos dar uma imagem outra do cotidiano dos Estados Unidos, ao menos nos primeiros meses. Os verdadeiros liberais exultaram; já os neo (neoliberais e neo-conservadores) estão querendo, desde logo, barrar tudo que é novo e moderno e transformador na terra de Marlboro. Mas olha o resultado até agora: Obama, sim, mudou algo, mas não transformou, infelizmente, nem a política, nem a economia, nem a guerra.

E porque razão?

A herança corrosiva de Bush e Dick Cheney

1 – Quando um presidente entra em campo - embora a campanha já prepare a largada do seu mandato - encontra a fortaleza vai ser sua, já inteiramente cercada, abafada pelos habitantes da véspera e afivelada pelos mandantes de sempre. Os republicanos caíram porque Bush fez uma guerra absurda. Cada vez menos popular com o Iraque, notando-se que a performance de seu governo na área econômica foi desastrosa. Duas bolhas. E sobretudo a segundo, aquela do seu último mandato, quando o sub-prime desabou sobre sua cabeça. Seus auxiliares, mais incompetentes impossível, como por exemplo, o secretário do Tesouro, Paulson. O coitado não tinha a mínima idéia do que era uma crise. E muito menos do que era uma crise financeira. Quis ser esperto e deixou quebrar o Lehman Brothers, a concorrente de sua instituição financeira de origem, o Goldman Sachs. Provocou com essa atitude um brutal risco sistêmico. Ele não tinha a menor consciência do que estava fazendo com o primeiro bailout que em seguida preparou. E, óbvio, não tinha respeito pelo Congresso Americano, que ele enxergava como organizado pelo lobby de sua entidade e do sistema financeiro. Bush realmente foi um desastre. Mas, a pergunta é: como enganou por tanto tempo a nação americana? Como enganou – claro que menos – o mundo ocidental? Uma das respostas, pois talvez existam várias, é que Bush foi eleito porque o capitalismo americano precisava de um tipo desta ordem. De um lado, permitir que as finanças chegassem ao seu limite, soltando Alain Greenspan, o mago, e o doce Bem Bernanke, para propiciarem que elas fossem além do seu limite. Logo, que explodissem. De outro lado, deixar que o seu homem das sombras, Dick Cheney, esta mistura de Iago, Ricardo III e Macbeth da política americana, fosse a presença das trevas na destruição e na reconstrução do Iraque. Sim, Dick Cheney e Bush protagonizaram a frase de Braudel, o capitalismo é o sistema de grandes lucros e grandes predadores. Cheney foi a máscara sutil do iceberg que navegava no interior do Estado americano e que tinha como objetivo permanente a guerra. Que dupla! Obama veio para mudar esta imagem da aventura americana!

2 – Obama veio contra isso. Mas, atenção! A indústria bélica era um dos líderes do processo de acumulação de capital nos Estados Unidos. Uniu a direita, o fundamentalismo cristão, os militares e os imigrantes em busca do “green-card”. Michael Moore mostrou bem esta derradeira faceta. E o resultado, foi, de cara, em resposta ao terrorismo do 11 de setembro, uma campanha forte no Afeganistão – arrasado pela segunda vez, já que a guerra civil tinha sido a primeira. Logo depois, um dos verdadeiros alvos do governo bushista, uma ação mais forte ainda, derrubou o Iraque. Terrorismo e petróleo. Embora, o páreo oculto, ainda que inatingível, fosse o Irã. A direita, navegando seu liberalismo, mercado e democracia, ficou com a debacle americana. E o que fez Obama, quando foi eleito presidente? Diante do lobby militar moveu o peão, uma pequena peça do jogo. Passou do Iraque para o Afeganistão. Mais lógico e mais veraz para os americanos e para o mundo: caçar os terroristas. E nesse lance, ao mesmo tempo, busca contentar minimamente os militares e a indústria bélica. Qual foi a reação? Ah! quer dar o dedo? É pouco, queremos o braço! Queremos mais 40 mil homens no Afeganistão!

3 – Claro, a estratégia de Obama, no geral, está certa. Em tempos de crise e de derrota militar no Iraque, vamos para paz. Em momentos de agonia e de crise, a carta anti-bélica pode funcionar como coringa. Foi o que Obama jogou. Belo aratifício. Só que para quem está cercado, não é possível escolher muito. Saiu do Iraque, acossa o Irá, mas joga bombas no Afeganistão. Meia solução numa uma jogada de realismo. Porque ali na primeira trincheira da White House está a indústria bélica e os próprios militares, querendo melhor aparelhagem, melhores armas, melhores engenhos, maior expansão industrial. A famosa frase que a gente aprendia nas aulas de latim “Si vis pacem para bellum” continua imperando. Faz o reforço americano do seu potencial enquanto negaceia pela coisa pacífica. Obama, com seu charme e seu carisma, anda na corda que treme. Guerra e Paz. Todos pergutam: Vai ganhar? Mas não se diga que a idéia da paz em Obama é falsa. Tem trabalhado para isso inclusive com a Rússia, só que a burocracia militar é muito forte, os Estados Unidos tem se envolvido em muitas guerras, ou como disse Bush, os americanos são um povo guerreiro. De qualquer modo, é uma das contradições mais fortes que envolvem o governo Obama: ele joga pela paz e o stablishment - inclusive militar - joga pela guerra. Tudo em nome da segurança.

O lento jogo da mudança

1 – O que a meu ver Obama tem é uma estratégia geral. Sim, veio para mudar. Mas, a sua base de apoio não tem poder real suficiente. Porque politicamente, as finanças, os que mandam, não são a seu favor, não o apoiaram, embora a população queira uma mudança séria e profunda na vida e no sistema financeiro. Contra este, querem regulação, nova arquitetura do setor, limite dos bônus e nova função do sistema. Contudo, como já escrevemos várias vezes, aqui Obama também está cercado, enosado num fio de linha apertado e preocupante. Basta olhar sua proposta de reforma financeira. Ela regula insuficientemente. É um suave pé na escada para não fazer a madeira estalar. E o que temos: um Congresso dividido e animado por lobbies das instituições financeiras. A reforma talvez não saia ou saia pior que o desejo de governante. E no interior do Estado, no poder, o que é que a gente enxerga? Temos o FED, o Tesouro e o Nacional Council Adviser, tudo com infiltrados como diria Martin Scorcese. Ou seja, vai ser uma longa e desanimadora luta por muito tempo. Talvez uma nova crise financeira ou o aumento progressivo do desemprego, que alguns analistas chegam a pensar que pode ir acima de 11%, possam criar uma crise social profunda como foi a depressão dos anos 30. E aí sim, lançar a oportunidade esperada. Obama só pode contar com a paciência. Há que esperar. Esta crise ou algum passo em falso dos seus adversários. Por isso, seus primeiros e apaixonados adeptos, os sonhadores românticos, já desesperados, perguntam: Até quando, Catilina?

2 – Queremos, ampliando, dizer que na economia Obama precisa controlar as finanças. E claro, até agora, as coisas dependem do Congresso e, portanto, nada. Os lobbies estão vencendo. E ao mesmo tempo, Obama precisa recuperar o investimento para aumentar inclusive o emprego (mas com uma indústria como a automobilística isso está longe de acontecer, pelo menos no momento). A metamorfose principal, a passagem para o apoio consistente e renovado às novas tecnologias de comunicação e informação, ao desenvolvimento de novas energias, as ações mais precisas sobre o ambiente, essas ações esbarram no tamanho imenso da dívida fiscal do Estado. Obama terá que contar aqui também com a paciência, antes que faça uma transformação e comece a agir. Por esse lado, são os desempregados que clamam: Oh, até quando?....

3 – Está se vendo: na economia o jogo é muito complicado. Há que retomar as indústrias nos Estados Unidos, recambiar setores que estavam no estrangeiro, retomar a expansão globalizada a partir do país, organizar uma nova relação com a China, etc. Mas, tudo isso está emprerrado. O setor financeiro apenas especulando no exterior e nenhuma reorganização do sistema, nenhuma nova função do crédito. A produção americana continua dependendo muito das importações e o país ainda não aumentou suficientemente o seu nível das exportações. Os déficits continuam. Como reorganizar a relação com a China? A China, é quase óbvio, não pode ser a nova locomotiva do mundo, é um terço da economia americana. Mas, por outro lado, há que negociar uma boa relação com ela (é o que Obama está fazendo na atual viagem), pois os chineses embora não queiram brigar com os americanos, não estão dispostos a serem enganados, sobretudo na questão monetária E os americanos não querem nada: querem desvalorizar o dólar e querem que o yuan se valorize. Os chineses riem – até gargalham - quando Geithner fala de que aos Estados Unidos interessa o dólar forte. Mas, a questão monetária é também uma questão que China não resolveu. Não tem estrutura para produzir uma moeda que seja mundial. E joga lentamente: vai organizando e aglutinando em torno de si os países asiáticos e parte da África e até uma beirada do América Latina. Mas, o impasse continua, o dólar prossegue perdendo para o ouro, para as commodities, para o euro e para outras tantas moedas. Mas, não adianta, não existe moeda que substitua o dólar. Não há Estado para garantir tal coisa. Isso significa que os retrocessos e as instabilidades da economia financeira e produtiva americana afetam a moeda e esta articulação com o mundo, a começar pelo elo fundamental com a China. Aqui, como em toda parte do seu reino, Obama também vai ter que ter paciência. E o pior, a paciência é chinesa. Logo, se esse é o horizonte de longo prazo, no curto, terá que esperar que a combinação americana do self made man e do pragmatismo resolvam este polo da equação. Mas, não basta nem querer, nem esperar. Pessoa já ensinou: “Navegar, é preciso...” A esperança é que Obama já esteja com as velas acesas no mar do “Indefinido”. (Vai aqui também Pessoa, de novo! "Ode Marítima", Álvaro Campos.)

Da roleta onde nascem os estadistas

1 – Que ninguém se engane, Obama tem uma estratégia política global. Pode até não dar certo. E já vimos os obstáculos. Seu norte estratégico é visível: manter os Estados Unidos como país líder. E nessa continuidade de potência planetária, recuperar o poder moral, jogando o jogo caristmático da paz. Seu objetivo é da restauração e do aumento do poder americano global, Faz parte de seu cardápio reformular a economia capitalista, aumentar o poder midiático, e conduzir o mundo para uma leve tensão estratégica com a China, ainda com hegemonia americana. Há um ganho em toda esta estratégia pacífica. Achar tempo para reformar as finanças; achar tempo para retomar a esfera produtiva em termos de tecnologia e de pontos fundamentais de infra-estrutura; achar tempo para redefinir o Oriente Médio; achar tempo para fazer um pacto político interno nos Estados Unidos, etc. O problema que Obama enfrenta é como ele vai conseguir ligar o longo prazo, onde tem um projeto claro, com o curto, onde a ligação com o porvir está difícil, porque a sua conjuntura é uma conjuntura de passagem, uma transição complexa, para uma outra estrutura nacional e internacional. Ele manobra, manobra, mas continua com uma posição oscilante, o mar está cavalgando em meio de temporais. Obama atua em terreno escorregadio, movediço, e enfrenta como estamos vendo atropelos em quase todas as áreas. E, sobretudo, as internas, porque o setor financeiro não quer mudar nem a sua estrutura nem a arquitetura do sistema; porque o setor de tecnologia velha continua pensando em termos de um mundo do século XX; porque o setor bélico está sempre preocupado com a expansão militar, porque o setor de tecnologias modernas depende de muito apoio do Estado e do êxito de sua nova estratégia. E pior de tudo para Obama: as políticas sociais têm avançado muito pouco, estão até desfiando-se. Veja-se a batalha sangrenta do health-care. A idéia que passa tem que ver com a imagem de uma erosão na base popular de apoio ao presidente. Passado um ano, continua sem alcançar uma coesão entre o curto e o longo prazo de sua política global. Por enquanto angariou apenas retalhos. A pressão dos conservadores com seu poder político e de riqueza é enorme. Verdade, o seu nome é aplaudido no exterior, mas o saldo de suas ações é ainda muito pequeno e reduzido. Terá gás e sonho e artifícios e flores políticas para engatar num abraço o presente e o futuro?

2 – Não se pode esquecer que na política moderna, na política pós queda da União Soviética, na época da política neoliberal, as oposições quando ganham tem muita dificuldade de propor políticas progressistas. Os grupos de poder e as associações de classe continuam a dominar a opinião, porque a indústria midiática - a indústria de idéias, valores e imagens - está do seu lado, e gera o ambiente comunicacional, informativo e de opinião, onde joga o governo. Tudo isso mostra que Obama tem que trabalhar duro, com habilidade e em segredo e por muito tempo. Para termos uma noção comparemos com Lula. Este, só no segundo mandato é que conseguiu reverter alguma coisa. E só com a crise, que o beneficiou, pode passar para a ofensiva, o que não quer dizer que tenha triunfado irreversivelmente. Nas raízes do império, as coisas são muito mais complicadas ainda. Tem muito chão para que Obama possa transformar o sistema financeiro, o sistema produtivo, a posição dos trabalhadores, a política externa, etc., em abelhas criativas. Por enquanto são abelhas desesperadas, que se fustigadas atacam. A chamada América é uma colméia exposta à insolação do deserto. O interessante é perguntar se Obama tem a fleuma e a astúcia e a sorte dos jogadores de pôquer dos filmes americanos? Porque se não tiver...

quinta-feira, novembro 12, 2009

CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: É importante conter a valorização do real

Pequeno "editorial" do economista André Scherer na Carta de Conjuntura FEE de novembro sobre a necessidade do governo brasileiro conter a valorização do real pode ser lido em http://www.fee.tche.br/sitefee/download/carta/por/carta1810.pdf .
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
12 de novembro de 2009

SEIS PONTOS A VENCER
(ou o lado ímpar do capitalismo financeiro)
Por Enéas de Souza


O que é que a crise traz como um cavalo indócil?

Não o crescimento miúdo, que este por si só não muda nada. Mas o crescimento sustentado, que vem da transformação da economia. Pois, a recuperação do desenvolvimento capitalista, no caso da crise financeira mundial, depende da solução de alguns fatores, que estão como potros alvoroçados, aí, aos pulos, nos desafiando. E só, afrontados e encaminhados pelo nave das resoluções, é que haverá mudança de estrutura; e então, com um escuro que clareia, aí sim, a economia entrará numa nova fase, o vento balançando o investimento, o emprego e o consumo. Eis os problemas que, incômodos, devem ser encarados nos olhos: (1) regulação e nova arquitetura das finanças; (2) resolução da tensão da governança corporativa; (3) passagem da instalação para a expansão das novas tecnologias comunicação e informação; (4) concessão de alguns benefícios aos trabalhadores; (5) nova concepção do Estado capitalista; (6) nova configuração do sistema mundial dos Estados.

Será que são problemas que não se respondem?

Regulação e Arquitetura

1 – Economia financeira descarrilhou. Embora o trem seja uma metáfora antiga, pode-se usa-la para definir o desencaixe da dinâmica financeira atual. O que significa a necessidade de encontrar uma nova montagem para a economia financeira. Ou seja, um dos aspectos fundamentais é a combinação entre regulação e uma nova arquitetura do sistema. Faz-se necessário retornar a um ponto chave, arrumar a construção, deixar de rodar o carrossel especulativo. Para tal, o sistema financeiro tem que separar o sistema bancário do sistema financeiro não-bancário. Há que evitar a todo custo, o lado endoidecido do descontrole do sistema e a exacerbação do movimento da especulação, como ainda agora continua, com os investidores se endividando em dólar e aplicando em outras economias. No Brasil, por exemplo.. O remédio vem com prescrição definida: é imperiosos criar uma nova arquitetura do sistema financeiro, o que é já exercer uma certa regulação. Embora se possa definir que a regulação tem que ir mais além, centrar o disparo, o tiro, em cima de dois alvos: sobre o controle da alavancagem e sobre uma definição do papel e dos limites da securitização. Mas, só isto não basta: há que regular não apenas o sistema bancário americano, regulando também deixar o internacional. Significa sobretudo uma eficaz supervisão e controlar os paraísos fiscais. (Ouço os incrédulos, rindo como aqueles que riem ocultos em qualquer lugar do mundo!)

2 – Embutido nestes aspectos está um dos pontos chaves do sistema financeiro: qual a sua finalidade? Pois, se o sistema financeiro é uma entidade que serve a si próprio como um sistema que se auto-alimenta, é uma coisa; outra coisa será se ele tiver como função financiar o desenvolvimento produtivo. Trata-se de um jardim a ser bem desenhado, alguém com o talento de Burle Marx, porque se não as flores que ali forem cultivadas, não encontrarem o regador que traga a água indispensável, e as regras não estiverem bem adequadas, como às vezes é peculiar ao sistema financeiro desregulado, o que vai acontecer é o retorno do desastre. O descontrole e prejuízos. Por essa razão, a opção de ter como finalidade o fornecimento do crédito à produção, por si só vai forçar o sistema a uma limitação bloqueadora da volúpia especulativa. Claro, terá que haver uma regulamentação bem adequada, uma fiscalização e uma supervisão com um roupa bem feita, para que o sistema não ensandeça e o crédito não seja transformado numa banca de cassino, como aconteceu recentemente.

3 – A pergunta insolente: quem é que vai determinar o controle das finanças, a nova arquitetura e uma nova regulação? O Congresso americano terá condições para fazer um bom trabalho, independente dos fortes lobbies financeiros? Portanto, a pergunta como num teatro de questões se desdobra: quanto tempo levará para que essas transformações surjam, agora ou depois, se é que vão ocorrer? Por isso, alguns economistas encontram como balão cativo a seguinte idéia: a previsão de uma longa estagnação da economia dos Estados Unidos. Naturalmente está incluído nesta realidade um prolongado adeus ao desenvolvimento do sistema econômico produtivo. Então vejam: Schumpeter sabia que o capitalismo é crédito, mas com o sistema financeiro não atendendo a sua precípua posição de apoiar a sociedade - o crédito não fluindo - veremos, então, que a produção vai andar de bicicleta num circuito de fórmula Um.

Logo: aonde vai se achar o sistema financeiro adequado para o desenvolvimento da economia?

Como é que se livra de uma contradição?

1
– A financeirização da economia foi um processo complexo que passou pela estrutura básica da corporação capitalista, seja financeira ou produtiva. Ela introduziu dois aspectos fundamentais. O primeiro: o princípio do valor acionário, o return on equity, que significa o requerimento da busca do maior valor para o rendimento de uma ação. Dito sucintamente: o princípio da maior valorização possível do referido título. Com esse princípio, a financeirização envolveu e capturou a corporação produtiva. Quanto ao segundo aspecto, podemos dizer que a empresa capitalista acabou por inscrever nela uma forte e vigorosa contradição. E contradição difícil de ser acalmada. Já que altamente explosiva, um dinamite no coração da entidade empresarial. Porque estabelece uma tensão entre dois lugares, dois polos que se afrontam irreversivelmente. Temos de um lado, o proprietário do capital, o acionista, o investidor, que está fora da empresa; e embora estabeleça o princípio da maior renda possível para a sua ação, ele não tem forças para organizar a entidade na qual investe (operações, decisões, sistema de informações, produção, financiamentos, empréstimos, etc.). E temos do outro lado da contradição, o capitalista em função, o popular executivo, que na verdade tem salário, tem vantagens indiretas, tem bônus (não vinculado aos resultados) e que são remunerações de assalariado. E têm ainda as “Stock options”, ações vendidas a ele em condições especiais. E por elas, este executivo é também proprietário do capital.

O que exacerba este contradição?

2 – Ora, vejam só! No primeiro lado, o proprietário do capital está fora da empresa, e tem direitos sobre os resultados da entidade. No segundo, o capitalista em funções, que, no regime atual é um misto de acionista e assalariado altamente bem remunerado, que permanece alojado na administração do dia a dia. Nos conflitos de hoje, o capitalista em funções tem levado enormes vantagens sobre o proprietário do capital, não só porque sabe das perspectivas estratégicas da corporação como conhece o futuro da empresa. Adquiriu, na direção da mesma, movimentos de alta plasticidade, perspicácia e agudeza dos negócios, e tem como um sapo bem esperto possibilidades de cair fora do barco antes que ele afunde (como ocorreu na bolha ponto.com). E, mesmo, quando o navio naufraga, diante da volúpia das águas adversas, sai lampeiro com o seu bônus posto em dinheiro na sua aprazível conta bancária. Lembremo-nos do executivo que quebrou uma companhia e foi embora com 140 milhões de dólares. E o que temos visto, seja nos fatos concretos, seja nas tentativas de regrar o sistema, é que não se fabricou uma forma de dominar essa questão, essa oposição, esta contradição, seja na realidade prática, seja através do Executivo (com exceção dos bailouts), seja pelo Legislativo. O bônus tem sido praticamente intocável. Sagrado. A aristocracia, por seu talento, dizem eles, tem direito ao referido item.

3 – Mas, o problema não está bem aí. O problema está que quando tudo aparece no melhor das cores, quando o ciclo sobe, ninguém se preocupa com o ganho dos executivos. São talentos que merecem. O caso, no entanto, sofre uma reversão profunda, na decida do ciclo, quando a corporação vai entrar em zonas turbulentas. Nesta hora, é impossível controlar as manobras do capitalista em funções. Ele tem a velocidade do Ulysses contra a tartaruga, ao contrário que demonstrava Zenão de Eléia. E se o personagem do executivo age com rapidez e com as informações privilegiadas; se ele tem a lei ao seu lado, mas não tem a ética por convicção e por comportamento, esta questão parece a canção mais escura de todas. Vale como tema encarniçado. Reside nele talvez a maior dificuldade de resolver o beco sem saída, o impasse no qual se meteu o sistema capitalista. É, de fato, uma divergência intra-muros, por isso mesmo, um combate de touros. Um combate “eterno”. No qual a aristocracia do capital, os executivos, até agora tem triunfado em todos os momentos do ciclo, enquanto o investidor só vence quando o movimento da economia ascende. Desigualdade que reacende a luta, um tem o dinheiro, investe e ganha parcialmente; o outro, domina internamente a empresa e ganha até quando perde.

Quem se instala, quer se expandir!

Encontramos na atividade econômica contemporânea uma terceira dificuldade muito forte. Na dinâmica capitalista do neoliberalismo, a economia foi puxada pelas finanças que colocou as Novas Tecnologias de Comunicação e Informação (NTCI) como a esfera mais ativa do setor produtivo, justamente na ativação de transformações de outros setores. A sua instalação permitiu que a própria economia financeira deslanchasse, através de uma rede de equipamentos, de informações e de operações. Foi a NTCI que protagonizou um desempenho muito especial igualmente no setor de bens de capital, introduzindo a mecatrônica, tanto quanto possibilitou que a indústria bélica pudesse fazer guerras à la vídeo-game, como a guerra do Golfo, e proporcionou uma revolução enorme na mídia contemporânea (imprensa, rádio, TV, e indústria de entretenimento – inclusive cinema). Diga-se a bem da verdade, que esta última foi decisiva para a expansão do capitalismo financeiro, sobretudo, desvinculando a cultura, desestruturando a arte, destroçando a mídia liberal que permitia opiniões adversas, além de construir um sistema de valores práticos no realce de um estilo de vida, impugnador de valores espirituais, culturais, etc. e que cativaram as diversas nações do mundo. Pois bem, estes setores se instalaram, mas agora precisam expandir-se. E para tal é indispensável que a política, a política econômica, a política financeira e o planejamento de longo prazo fortaleçam o desenvolvimento da expansão do setor das novas tecnologias de comunicação e informação. É preciso, portanto, que se transforme a financeirização em investimento produtivo. Como essa metamorfose vai acontecer?


E os trabalhadores não levam nada?

Numa crise de porte, a legitimação do capital financeiro desceu lomba a baixo, tornou-se um cão sem plumas. Arruinou muitos investidores, mas, principalmente, levou aos trabalhadores ao desemprego, à perda de ativos (casas e carro, por exemplo) e a um endividamento brutal da sua renda. Este capitalismo financeiro precisa, agora, construir uma nova sustentação com um tratamento diferente para os assalariados. Pode-se vislumbrar que uma transformação do Estado pudesse alterar as condições acima descritas. Um ponto seria um programa de obras de estímulos às industrias que atuam na infra-estrutura da produção ou das cidades e que encadeiam outras indústrias, possibilitando a expansão da produção e do emprego. Um outro ponto, absolutamente chave, seria descapitalizar, ao menos parcialmente, os setores de direitos civis, que foram articulados como fronteiras internas do capital. Fronteiras que possibilitaram um mercado cativo para o capital financeiro como a saúde, a educação, a previdência, a segurança, a cultura, etc. Não temos idéia como estas zonas se constituem numa área tremendamente difícil de serem conquistadas ao capital. Basta ver a batalha absolutamente dramática do healthcare americano. Por essa razão, para que o capitalismo dê um novo salto, há que imperiosamente tornar-se legítimo, social e ideologicamente. É preciso conquistar a adesão dos trabalhadores. E aqui é uma área onde o capital poderia ceder espaço. A sociedade e os trabalhadores poderão recuperar este espaço?

O Estado vai deixar de defender os banqueiros?

Essas mudanças, na verdade, só poderão ser alcançadas se o Estado entrar na arena e tomar uma certa distância e encontrar uma determinada autonomia em face do capital financeiro. E na autonomia conseguir organizar, ordenar, coordenar, negociar, programar, desenvolver, e dirigir, novas perspectivas para a sociedade. E quais são essas? Exatamente as que falamos desde o começo da nossa coluna: ou seja, patrocinar uma nova arquitetura e uma nova regulamentação para o setor financeiro; encontrar uma forma minimamente razoável de manejar a questão da governança corporativa; conceber uma reformulação na forma própria do Estado e dos seus direitos sociais. O que significa agir mudando a sua atenção exclusiva à salvações do sistema financeiro, buscando proporcionar pelos seus estímulos fiscais uma transformação produtiva da sociedade, articulando crédito e produção, bem como estimulando obras que conseguiriam angariar uma melhor situação de trabalho para os desempregados da economia que passou. Ou seja, o Estado seria a única entidade que teria a possibilidade de conectar setores ociosos com setores carentes deste recurso, que simplesmente pelos mecanismo de mercado seria impossíveis de reatar. Portanto, a mutação do Estado é vital. O capital continuaria a determiná-lo, mas com outro - ou outros enfoques.

Que venha uma nova configuração econômica!

E é por meio do Estado, junto com a estratégia de empresas globais, que uma nova configuração internacional pode ser atingida, ditando um dinamismo mundial para uma economia distinta da que passou. Isto quer dizer que há enormes questões a serem negociadas, numa agenda positiva com a comunidade planetária: fluxos controlados de capitais, investimentos produtivos, comércio atrativo entre as nações; negociações para a expansão, fiscalização e supervisão do sistema financeiro, etc. O objetivo destas realidades seria a metamorfose da atual situação mercantil, incorporando novas inserções de Brasil, China, Rússia, Índia, por exemplo. A estação não deve ser das rosas, algo que acabe prematuramente. A plantação deve ser de sequóias, como no filme ”Vertigo” de Hitchcock, que são árvores que duram muito tempo. Isto quer dizer que existe a possibilidade de uma nova constelação de países, numa nova ordem geo-econômica, tendo como centro da expansão as novas tecnologias de comunicação e informação, a energia, o meio ambiente, o setor farmacêutico, etc., descortinando uma melhor distribuição do investimento, do emprego e da renda entre as diversas nações. Isso tudo são desenhos agradáveis e coloridos; por vêzes fantasiosos, por vezes esperanças justas; mas que só podem se dar no jogo e no confronto dos membros da própria configuração, sempre na procura de uma hierarquia diferenciadora de poder e de riqueza. Há muito que acomodar: moeda, investimento, repartição das áreas industriais, emprego - ou seja, uma nova divisão do trabalho. Claro, este novo álbum de família, ornamentado por uma economia financeira que faça uma adesão razoável ao campo produtivo.. Por essas análises se pode ver a extensão dos problemas que terão que ser vencidos para uma nova organização da sociedade mundial. De qualquer modo, a gente percebe que deve haver vastas alterações na estrutura da economia do mundo E que não vai ser assim na boa vontade e no amor que as coisas vão se resolver minimamente. Para tirar o mundo da recessão não basta querer crescer. Não. É preciso mudança na mentalidade e na ação dos que ganharam inclusive. De onde se pode ver que há muito a percorrer, e que não se pode achar que as desigualdades serão eliminadas. Talvez sim, minoradas, mas não se pode ficar surpreso se elas forem ampliadas. Vivemos um sistema desigual. Mas que tudo terá que ser feito com legitimação. E, ora meus amigos, há muito chão a caminhar. Seja para melhorar o mundo, ou piorá-lo - isso, como diria Nelson Rodrigues, não é coisa de meia-hora, quarenta minutos

quinta-feira, novembro 05, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
5 de novembro de 2009

HÁ PROJETO
PARA O BRASIL?
(ou "meu cavalo pelo pré-sal")
Por Enéas de Souza


Dançou a antiga configuração das finanças

1
– Quando Lula entrou no governo, o Lula I, o que nós vimos foi uma violenta ação do capital financeiro sobre o Brasil. Já no final do FHC, ameaçando Lula, o capital estrangeiro fez um ataque de grande envergadura contra o país: suspendeu empréstimos ao setor privado e ao setor público; as renovações de empréstimos anteriores tinham que ser pagas integralmente no vencimento; os investimentos diretos produtivos foram também suspensos. E, para culminar a boa vontade, as finanças especularam fortemente contra o real. Era preciso enquadrar ao Brasil nos desígnios do Senhor. Mas, o capital financeiro tinha tomado o nome do Senhor em vão e, anos depois, em 2007, explodiu a sua nave da cobiça – como os próprios americanos salientam. Ou seja, o grande país irmão sucumbiu diante da sua própria macumba ou do seu próprio “barbecue”. As finanças capotaram.

2 – Agora estamos diante de uma nova realidade. Como gostavam de dizer os empresários americanos e o FMI, o Brasil deveria fazer “o dever de casa”. E fez. Todavia, cabe perguntar: “o que é fazer dever de casa”? Que coisa mais estúpida, essa! E seja o que for, dada a crise de 2007, os Estados Unidos não fizeram o seu. Não foi, é claro, por isso, que os americanos estão numa enrascada e o Brasil está com menos problemas. É porque a dinâmica da economia financeira daquele país e a da internacional desabaram, se desarranjaram e criaram novas possibilidades de alteração no nível na constelação das economias. Veja o leitor. Uma economia tem hierarquia entre as suas diversas áreas. No presente caso, a gente poderia ver que as finanças financeirizaram toda a atividade econômica, organizando as economias nacionais em diversos níveis. Quando a economia líder sofreu um impacto – o rotundo fracasso da política econômica do neoliberalismo – a constelação das nações estava adquirindo uma determinada figura. E se a economia americana na sua liderança sucumbiu, o Brasil porque estava mais atrasado nas malhas da dinâmica financeira e, também por peculiaridades nacionais, conseguiu encontrar uma imediata saída defensiva, apta a engrossar uma nova configuração. E o que é uma saída defensiva? É uma solução onde o Estado não fica parado, usa as armas possíveis que tem, e consegue responder com menos danos o percalço que teve. Evolui para reorganizar-se internamente e rearticular-se numa nova mundialização.

Com que Estado que eu vou?

1 – A primeira coisa a constatar na crise é o papel do Estado. No caso brasileiro, o Estado sempre teve uma tradição forte, as elites eternamente se aconchegaram a ele, não só para resolver os seus problemas, mas para poder também se defender de outros adversários internacionais. Mas, o Estado é um amor desprezado pelos nossos capitais. Estes se movem, sobretudo no período neoliberal, com o deboche do Estado Mínimo. A turma que domina a paróquia tem olho comprido, suas próprias ambições passam pelo orçamento e receitas do Estado. A razão econômica é fulgurante: a eficiência do setor privado. Esta manobra oculta, o verdadeiro objeto, sua preocupação permanente do Estado manter e ampliar a sua capacidade de dar ajuda ao setor empresarial. Isto quer dizer que o Estado acabou por retirar-se do primeiro plano, ele que fora protagonista decisivo para o desenvolvimentismo durante todo aquele tempo. Até que FHC foi envolvido nos abraços das sereias, que não conseguiram ludibriar Ulysses na Odisséia, mas que se fartaram com o nosso Príncipe. O Estado, então, foi sendo desmembrado, vendido de graça sob o nome eufórico de privatização (Veja-se a Vale!).

2 – Mas, a sociedade brasileira resistiu a que essa desmontagem do Estado fosse completa. E Lula ganhou. Não foi sem levar adversidades. Teve que enfrentar três frentes dramáticas: a externa, a interna e a cultura de uma parte do seu próprio partido. Não importa. O que me interessa salientar aqui é que o governo Lula recuperou significativamente uma posição política diante do Estado. Já que era preciso recuperar o próprio Estado. E foi esta recuperação via PAC; via a busca da separação da Fazenda do Banco Central; via uma série de programas para os assalariados e para os indigentes; via recuperação da Petrobrás para uma estratégia nacional; via a possibilidade de empregar estratégica e industrialmente o pré-sal; via a formulação de um programa habitacional; via o emprego dos bancos públicos para sustentar um contraponto saudável aos bancos privados, etc. etc., que abiu um novo horizonte para o Estado, sobretudo depois da crise financeira mundial. Tudo que estou falando serve para mostrar como o Estado brasileiro está em recuperação. Qual o objetivo? Primeiro, para recuperar a sua capacidade de liderança; segundo, para começar a ter um projeto nacional; terceiro, para estabelecer uma política econômica global. E dentro da construção deste projeto, o Brasil já pôde, na crise, ter uma resposta defensiva, desonerando impostos, por exemplo, para ajudar as empresas e manter o emprego. Não pôde ter uma resposta ofensiva, pelo menos na aurora da crise, porque o Estado não estava em condições fiscais para propor, de pronto, a execução do projeto previamente estabelecido. E não estava com a bala na agulha, porque a recuperação da política neoliberal não se faz só porque se quer; se faz quando se recupera o poder de gasto.

Os cowboys e os mandarins

1 – Aqui é bom comparar. A China sem dúvida foi o país que teve a resposta mais imediata. Tudo porque o seu Estado estava em condições de decidir a busca de uma reversão forte da direção da economia. O projeto anterior chinês era participar da política dos déficits gêmeos dos Estados Unidos. E nisso cresceram, porque forneceram mercadorias (bens de consumo duráveis e não-duráveis) para os assalariados americanos. Fizeram nesse comércio um bom saldo. E com estes saldos se colocaram na outra ponta, na ponta financeira, para, preservando este capital, fornecer recursos à cobertura da dívida pública de Tio Sam. Dívida que vinha dos déficits do comércio exterior e de negócios da própria guerra do Iraque. Quando a crise trouxe a queda do comércio internacional, o Estado, como um elástico, respondeu imediatamente. Na China, ele tem a liderança econômica, pode conceber e começar – como começou – a fazer um vasto programa de “estímulos fiscais”. E esta reação talvez tenha muitas imperfeições, contudo a coisa é clara: o Estado na China que já tinha as rédeas, respondeu, gastando e relançando o seu cavalo na corrida. Tentando, evidentemente, reordenar a direção perdida.

2 – Agora vejamos o Estado Americano. Tomou um susto daqueles. Parece que seus filmes de horror entraram na economia, e, vieram, de repente, aterrorizar a sociedade americana. O Estado, como uma mãe protetora, só pôde tentar dar soluções aos Bancos. E, quase envergonhadamente, um ou outro auxílio às indústrias descabeladas. E muito pouco, quase nada, um pequeno refrigerante aos assalariados e desempregados, sem dinheiro para pagar as casas e os autos comprados. Na cauda destas medidas, estava certamente uma pequena ajuda para reformular a economia produtiva no longo prazo. Mas, a questão básica é que o Estado americano não tem projeto para toda a economia que passe pelo próprio Estado. Pois, diante da crise financeira, a solução de nacionalizar ou estatizar os bancos falidos, foi rapidamente descartada em favor dos programas de salvações dos bancos. Ficou como uma camisa vermelha numa vitrine. Viu-se, de longe, que o Estado americano só tinha um projeto: defender as finanças. Nunca se preocupou com uma proposta que passasse pelo investimento e, obviamente, por um programa de reformulação visando uma nova sociedade. Independente dos conflitos sociais que ele precisaria encarar, o que ficou claro é que o Estado americano não tinha capacidade de responder criativamente, porque estava dominado pelo passado, pelas instituições bancárias e instituições não bancárias das finanças, cujo objetivo insistente, desesperado e contra a própria população (que tem uma taxa de desemprego de 9,8 %) era, e é, manter a mesma desregulação que regia os mercados financeiros. Logo a mesma estrutura econômica. É por causa desta paralisia do Estado americano, que os países emergentes vão se repor, numa posição mais confortável, quando emergir a nova configuração mundial da economia.

O Estado faz a diferença?

1 – Diante desta realidade, no caso brasileiro, o Estado está aí com um projeto cada vez mais nítido. E parte da atual situação na constelação de países, porém se pensando já numa próxima. E como é que é isso? Em primeiro lugar, não há como esconder, este Estado é hegemonizado pelo capital. Só que se trata de um capital frágil, visto na competição intercapitalista mundial. Pode até ter bons resultados, seus capitalistas podem ganhar até muito dinheiro, mas para a sociedade brasileira, aportam pouco. Sobretudo, se o capital tomar decisões no Estado somente pela ótica do capital. Então há que ampliar o pacto entre os capitais e os habitantes. Há que apostar numa nova liderança do Estado. Assim algo mais pode acontecer; desde que o canteiro seja bem adubado e se plante flores adequadas. Por isso, é fundamental ter projeto – e projeto nacional.

2 – As coisas começam pelo lado político. Tem que haver um projeto de longo prazo e um projeto que ponha a trajetória do Brasil no futuro. E para tal há que considerar uma perspectiva dupla: em primeiro lugar, um projeto de país de mediano porte internacional. Isso significa atuar o máximo possível em todo o planeta, mas descortinando uma liderança sensível na América Latina. Em segundo lugar, uma alteração no nível de inserção da economia nacional na dinâmica de uma nova mundialização. Só que com um peso mais global e com uma economia com mais desenvolvimento interno.

3 – Ainda no que tange à política, o Brasil tem que armar uma capacidade de compreender e de resolver problemas, vislumbrando uma ordem diferente da atual. É preciso saber que o país é, no momento, um lugar de reservas fundamentais para a economia mundial em petróleo, em minerais e em produtos agrícolas, inclusive para desenvolver biocombustíveis. Um país emergente pronto para ocupar um lugar destacado. Ora, no sistema capitalista e globalizado, o apetite ao lucro pode se expressar com vigor em múltiplos setores e de variadas formas. Portanto, o Brasil tem que ter um porte adequado. Efetuar uma política ampla e inclusive remodelar a sua capacidade de defesa, capaz de proteger o seu território e as suas reservas. Logo, o Brasil tem que se preocupar com uma solução que considere um adequado poder militar. Não se trata de ser militarista, trata-se de saber que o nível da competição capitalista se encadeia com uma competição também entre os Estados. E claro, temos aqui algo em espiral: a sociedade encaminha suas pretensões numa política, que define um projeto nacional; este por sua vez rebate sobre a própria política que se realiza tanto numa política nacional como numa política internacional. A ponta aguda da espiral e o destaque do jogo é a política econômica.

4 – Aqui entra então a economia. O Brasil está pronto para subir no avião que vai conduzir o mundo. Tudo está para decidir: quem vai comandar o processo de rearranjo da economia mundial? As finanças ou a produção? O sábio Paul Volcker, aquele que comandando o FED, tomou decisões para as transformações monetárias que fizeram a passagem da moeda-ouro para uma moeda financeira, disse recentemente que as finanças deveriam, com o seu odor de moeda papel, “servir ao público”. Leia-se: servir à economia produtiva. Mas, temos muita água a correr no rio do Congresso Americano e na economia daquele país até chegar a um ponto de reversão. Ao mesmo tempo, existe uma outra realidade correndo na economia. É que a economia produtiva está num processo de reforço e extensão da sua liderança. O setor das Novas Tecnologias de Comunicação e Informação (NTCI) já foi instalado no movimento cíclico de longo prazo, que começou em 1971 e está agora de prontidão para entrar num período de consolidação e de expansão. Esta área já teve sucesso em muitos pontos. Deu condições a que as Finanças, através da informatização de suas instituições, liderasse e se tornasse hegemônica no período que atravessamos. E proporcionou igualmente a transformação da base produtiva da economia, pois foi ela quem permitiu, via a mecatrônica, a produção de novos bens de capital. Ou seja, automatizou as fábricas da economia industrial do mundo. Como disse, ela está na cabine do piloto para começar o processo de nova decolagem. Não é bem aí que o Brasil vai entrar, neste setor somos subsidiários.

5 - Porém, independente de novas expressões desta NTCI, a economia terá que promover modificações na infra-estrutura energética do capitalismo. Pois, está em jogo a transição do petróleo para alguma outra fonte de energia, coisa ainda não vislumbrada no momento. Mas, o processo está em andamento. E é aí que o Brasil pode ter uma participação destacada, alterando a sua posição na nova mundialização, já que temos petróleo, e as boas novas do pré-sal e do biocombustível. Pode-se até sonhar em desenvolvermos as energias eólica e solar. Ou seja, parece que estamos bem. Qual é, então, a nossa estratégia?

6 – E a estratégia que o governo procura discutir se baseia na constituição de um núcleo de acumulação em torno do pré-sal. O que quer dizer constituir indústrias de bens de capital, articuladas as indústrias em volta do núcleo; desenvolver a indústria de navios petroleiros; apoiar com vigor a indústria de sondas; etc. Ou seja, em torno do núcleo de acumulação, a coroa do rei, organizar todo um encadeamento produtivo, aglutinando capitais brasileiros e capitais internacionais. Ora, isto vai dar muito dinheiro e poder. Para lá chegar, o Estado deve alcançar um nível mais amplo de decisões e de definição da liderança da economia. Suas idéias e suas ações, liderando o setor privado, podem não só fortalecer a economia interna como podem dar grandes resultados no campo da exportação. E, claro, comércio vai, comércio vem; logo, isso significa a importação de equipamentos para uma melhor capacidade das indústrias de todo o parque produtivo. A grande questão aqui é, no nível da atuação e dos resultados do Estado, para onde serão canalizados esses recursos. Pois se a riqueza do pré-sal é nacional, como é que essa riqueza vai chegar até os fundamentos da nação, os seus habitantes? Esperemos que não se faça como a privatização elaborada por FHC que canalizou os recursos nacionais para os capitais privados e que deixou a Vale tornar-se uma empresa relativamente desgarrada de um projeto nacional.

7 – Só que o Brasil não pretende ficar nisso. Há um projeto de produzir campeões nacionais que possam ser campeões mundiais, ou seja, fazer com que capitais nacionais possam buscar um nível de competição internacional de alta presença, como a JBS, com apoio do Estado. O velho projeto dos anos 30 e dos anos 50, o Estado possibilitando ao capital nacional fortalecer-se. E agora tentar conquistar um lugar ao sol, um lugar no mundo.

8 – Se este é o projeto que até agora pode se perceber nas concepções dos estrategistas do Governo, o pessimista de plantão – e é bom que assim o seja – perguntará: será? Enquanto o otimista não pensará duas vezes. E dirá, à moda shakesperiana, a frase esperançosa: “meu cavalo pelo pré-sal”.

quinta-feira, outubro 29, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
29 de outubro de 2009

O ESTADO
COMO
RESERVA
DE CAÇA
Por Enéas de Souza


O Estado é meu!

A chave da reformulação da economia mundial é o Estado. Por mais que os neoliberais o combatam, por mais que vociferem contra, não podem deixar de pensar que é no Estado que as energias políticas, econômicas e financeiras vão ser geradas para as transformações da nova economia. Vejam-se os bail-outs americanos, vejam-se as desonerações dos impostos na economia brasileira. Olhando bem encontramos dois pontos decisivos. De um lado, o capital sem a alavanca e a proteção do Estado, sem uma política econômica que o ampare, no limite, ele encontra muitas dificuldades para decolar. Precisa de financiamento, de subsídios, de orientação tecnológica, de suporte para embates internacionais, etc. De outro, o capital não pode deixar o Estado levar a fama. E simplesmente, por quê? Porque, depois de tudo, o Estado é o local onde os confrontos políticos da sociedade encontram a sua solução e a sua aglutinação. E é nele que se organiza uma política econômica, onde se concretiza um pacto social em ato. E num regime capitalista, o que o capital desenvolve é a idéia de que o Estado é uma reserva de caça dele. E que, portanto, as instituições estatais não devem aparecer como aquelas que dirigem a sociedade, que orientam ou designam uma direção econômica. O que o capital deseja é que o Estado possibilite a liberdade do capital na busca de belas colheitas de lucro. Assim fazendo, dizem eles, o Estado deixaria a sociedade alcançar o melhor aproveitamento de seus recursos.

A verdade é que tanto o Estado é importante para a empresa privada, como a empresa privada para a sociedade. Só que, ouvimos outro dia, um empresário daqueles que erraram o rumo do seu mercado, sem reconhecer seus pecados, dizer: “na crise, este Estado teve pontos ineficientes”. Ou seja, na defensiva, partiu para o ataque. Porque sempre há o desejo de pôr o guizo no gato.

O tudo e o nada: a fronteira interna do capital

Esta ideologia é a aposta cega dos capitais, mas principalmente do capitalismo financeiro. E para tal, vale-se de um conjunto de idéias, de propostas, de artimanhas e de iniciativas que conduzem o capital a mandar sobre o Estado e sobre a própria sociedade que institui este Estado. E aí vem o principal: o Estado sim, tem que apoiar ao máximo o capital, mas, além disso, deve constituir-se como um Estado Mínimo, mas para a população. Assim, anula-se a idéia de um Estado de direitos sociais e civis. O que significa algo mais importante ainda: os setores de educação, saúde, previdência, segurança, etc. tornam-se fronteiras internas para a expansão do capital. Ou seja, o que o neoliberalismo propugnou foi mais do que o Estado não interferir. Foi que o Estado assegurasse que as empresas públicas e as políticas públicas fossem áreas para a expansão do capitalismo liderado pelas finanças. Financeirização e capitalização, o objetivo fundamental da política econômica e da política pública. Fernando Pessoa dizia que o mito é o nada que é tudo. E as finanças dizem que elas, que não produzem nada, financeirizam tudo. Soros, o financista, mostrou que há setores da sociedade que não devem ser capitalizados. Vejam o exemplo daquela associação pela paz que administrada como empresa financeira acabou por aplicar em ações da indústria bélica. E Aristóteles ainda dizia que o homem é um animal racional...

A cirurgia plástica do Estado

1 – A visão financeira do Estado é fazer desta instituição um ponto de transmissão da correia financeira, abdicando do controle, da fiscalização e da regulação dos setores bancários e não bancários, última instância, como um Jesus Cristo social, ser o salvador do capital nas horas desesperadas da crise. Só que para exercer bem estas funções, o Estado necessita fazer uma operação cirúrgica precisa, na verdade uma cirurgia plástica. A operação tem êxito quando ele consegue ter a aparência democrática, para dar legitimidade à entidade pública. Mas logo após a eleição há que interromper qualquer contato dos governantes com seus eleitores. Considere-se o primeiro Lula, e agora a presidência de Obama. As entidades privadas de classe passam a ser o intermediário das relações sociais, principalmente as entidades empresariais. Encontros que são feitos num ambiente de comunicação dominado pela mídia, esta indústria da ideologia. Ou seja, o Estado é cercado pelas entidades de classes, no caso atual, com a hegemonia das finanças. Vocês se lembram um das primeiras reuniões de Fernando Henrique logo depois da sua eleição? Foi com os banqueiros.

2 – E há uma segunda cirurgia. Esta é de medicina interna, feita dentro do próprio aparato de Estado. O que fez o bisturi político? Isolou órgãos econômicos, na estrutura burocrática, do resto do Governo, dando a eles a predominância indiscutível sobre os demais. Foi o caso do Banco Central e da Fazenda (Tesouro nos Estados Unidos). Mas para que a operação fosse bem realizada, ela trouxe um acréscimo notável: o presidente do Banco Central, que decide elementos fundamentais de política econômica, é escolhido nos conchavos burocráticos e empresariais e submetido pelo presidente da República à aprovação do seu nome pelo Senado. E com isso criou-se a autonomia ou a independência do Banco Central, o que se constitui na maior astúcia política das finanças, pois é o Banco Central que define o patamar básico da política de juros. E se no desdobrar da carruagem, o Banco Central tem apenas uma regulação tênue sobre o sistema, o que se percebe é que a independência do Banco Central é sinônimo da independência do capital financeiro. Pois ninguém pode se enganar: as finanças dominam francamente a indicação do nome.

O problema da omelete

O Estado é, assim, o resultado de uma democracia formal, que através da eleição coloca uma cúpula política, burocrática e administrativa que sustenta uma política econômica e social no exercício do seu poder. E como já vimos, este poder é balizado pelas entidades corporativas que dialogam com o Estado, mas também pelo jogo político estatal partidário, onde o embate do Executivo e do Legislativo assume o cenário principal das adversidades. E com esses aspectos simplesmente enunciados aqui, temos a brutal sensação de que o confronto eleitoral ficou apenas como um pano de fundo. E que o governante na sua ação, pode ou não respeitar. Isso se tiver capacidade e habilidade para contornar todas as arestas da disputa direta com as forças dominantes da sociedade e que tem acesso ao governante seja por pressão direta, seja por pressão política, seja por pressão midiática. Desta maneira, o caminho para a hegemonia de uma fração social depende da forma como o setor se ampara do Estado. E, sobretudo, dos pontos decisivos deste Estado. E quando a própria ação da sociedade e da política, no caso das Finanças, destaca órgãos (Banco Central e Finanças) para gerirem políticas econômicas em benefício deste setor, toda a composição dos demais ministérios do governo fica facilitada, porque a reserva de caça está já e há muito tempo delimitada. E, no caso americano, desde o governo Clinton as finanças aumentaram significativamente o seu poder, a ponto de tratarem de estabelecer uma política de desregulamentação, de fragmentação de controle e supervisão das múltiplas áreas financeiras (bolsas, seguros, imobiliárias, etc.) através das famosas agências reguladoras, que nada mais são do que o capital controlando e supervisionando o capital. É frigideira cuidando da omelete ou não se faz omelete sem quebrar os ovos.

O favor chama-se risco sistêmico

Quando a volúpia financeira desabou, o movimento foi claro. O Big Government serviu, através do Banco Central e do Tesouro, para articular com o Congresso, junto com ações práticas do Estado, o fornecimento aos bancos em desgraça de tudo o que era indispensável: capital, linhas de liquidez, troca de títulos podres por títulos do Tesouro Americano, taxas de juros convenientes, etc. Ou seja, as finanças estavam na defesa, mas em nome de um chamado risco sistêmico, o Estado interveio para salvar o possível do que estava em pedaços. Concentrou toda a sua política monetária, financeira e fiscal, em defesa das finanças. E, sobretudo, evitou qualquer projeto de estatização ou nacionalização dos bancos. Claro, em nome da liberdade de empresa e do livre mercado. O mesmo Estado que está dando garantias aos bancos, proporcionando tempo para que as finanças se recuperem e possam encontrar novos caminhos, é a mesmo que é impiedoso para os assalariados, presos nas foreclosures das hipotecas, e que é levemente benévolo para o capital produtivo em processo de decomposição.

Onde está o avião da economia?

O mundo está vindo abaixo, mas o Estado continua sólido e em defesa do capital financeiro. O único problema é a moeda. O Estado que garante o valor da moeda é o mesmo que permite o caminho da desvalorização do dólar, por causa do seu empenho fiscal em defender os bancos e as instituições financeiras. Aí aparece a negação deste processo. Trata-se de um mecanismo interno ao Estado e que se reflete direto no mercado, os déficits fiscais levam ao aumento da dívida estatal e conduzem à economia monetária e financeira a praticar uma disfunção na moeda. Com a desvalorização, temos a liquidação da função reserva de valor (garantida pelo próprio Estado, através da taxa de juros e dos títulos públicos do governo). E só esta ameaça introduz no coração do Estado a possibilidade dele realimentar a crise. Traz também a hipótese de que a instabilidade financeira possa derrubar a estrutura de solidez da instituição do Estado. Ou seja, neste momento se avizinha a uma zona de perigo que indica que o Estado deve ser reformulado, reformado, modificado, transformado. Estamos nas proximidades de um conflito social alargado. Embora não tenhamos chegado lá, há indicações de que a crise não terminou. Que a crise não é pós-crise, que ela chegou quando muito à transição da primeira fase da ruptura econômica para uma segunda fase. O avião está voando na direção das nuvens da depressão. Mas, mesmo entrando ou não em regiões de alta turbulência, o Estado continua a ser fundamental para a resolução dela, só que através de alterações que vão introduzir o reposicionamento das forças sociais. Há que perceber que este será o momento da postulação, da proposição e da execução de novas políticas econômicas. Só através do Estado é que pode se estabelecer um novo pacto social e o estabelecimento de um novo poder. Mas este não chega pela boa vontade das forças da sociedade, e sim depois de inúmeros equívocos de política e de vários confrontos. Se o dólar se deteriorar fortemente, a crise vai entrar num período de grandes comoções. Mas, em qualquer caminho que a sociedade venha a trilhar, o Estado é o elemento necessário e fatal. E, para isso, ele terá que deixar de ser reserva de caça.

quinta-feira, outubro 22, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
22 de outubro de 2009

O TEMPO DA CRISE
(Teremos novas aves com novas plumagens?)

Por Enéas de Souza

Da passagem da economia à política

Os tempos são de crise, mesmo que a indústria dourada da mídia transforme os seus produtos, informações e comunicações em cosméticos, quinquilharias e turismo. Ela se transforma numa indústria ideológica, vendendo idéias, imagens e espetáculos. A sua função tem sido ultimamente aquela de transformar o desastre da economia num mundo benfazejo, altamente positivo, negativamente inviável. Só que o real é o que insiste e o que abate as fantasias da ideologia dominante. A crise como um personagem muito à vontade se instalou nos bancos, nas indústrias, nas casas dos indivíduos. E não adianta disfarçar: não há paliativos que melhorem o tumor, tudo é medicação leve, quando a doença é profunda. Pode-se dizer que é uma doença estrutural. Ou seja, para resolver o problema só tem um jeito: alterar a estrutura das atividades econômicas. A grande questão é que economia é uma realidade social, onde estão envolvidos grupos, classes e posições que se antagonizam fortemente, ou seja, economia é concorrência e competição. Nos momentos fortes de impasse, ela sai pela política. E não podemos esquecer que a política é conflito, disputa e contradição. Portanto, há que se admitir que a sociedade americana e mundial está debaixo de um fogo intenso e de um combate arrepiado.O Estado é o problema. Só que existem outros fatores que atuam no processo. Antes, de mais nada, existem duas estruturas que estão se decompondo e que precisam ser rearranjadas, remodeladas para que apareça o novo. Pois sem o desmanchar do velho, o novo não emerge. E o novo, o mais novo de tudo, é a transformação produtiva pela presença de expansões tecnológicas. Mas para que esta surja uma coisa indispensável tem que acontecer. De fato, uma mudança fundamental. A decomposição do velho inclusive na política para que outras políticas surjam e possam ser instauradas. Ou seja, o problema passa pelo Estado. Há que mudá-lo, com a finalidade de que novas composições políticas definam políticas econômicas que sejam transformadoras. Este filme tem que ter novos cenários e diferentes atores. Até o momento, os governos continuam com dirigentes que estabelecem proposições para reformular o velho, ou seja, para tentar acalmar a estrutura financeira. Não, o tumulto da crise e que causou perturbações vastas não passou só pelas finanças. O ponto é que como uma barca fulminante atravessou a produção e as finanças. Um fatal desastre. Veja-se, por exemplo, a produção. Ela assenta o seu avanço no desenvolvimento da tecnologia, pois é a tecnologia que permite trazer e carrear investimento. Logo, proporcionar a lucratividade cobiçada. Neste sentido, a produção conta com a tecnologia para alcançar a promessa de lucros excepcionais. Olhemos o outro lado, as finanças, que tiveram um período de glória e morte nos últimos 30 anos. A instituição da área que quiser sobreviver e recuperar o retorno consistente das rendas financeiras deve aprender a ser plástica, dúctil, vivamente flexível. E, no embalo das semanas, buscar inovações que promovam uma recomposição com a área produtiva. Há que ter clareza: só quem pode desfazer as antigas conexões e instalar outras é a figura negociadora e coercitiva do Estado. Só que o Estado está amarrado e armado para um período de hegemonia absoluta das Finanças. E este momento acabou. Como mudar? O que fazer?

O tempo e a demora do tempo

1 – Podemos dizer que para que a temporalidade econômica avance é indispensável que tenhamos o tempo da política. E aqui, dado o poder das finanças sobre o Estado, é que talvez haja uma certa possibilidade da “eutanásia” das finanças. Obviamente, num momento de desespero ou de lucidez. Pois, olhando pela universalidade do capital, talvez os dirigentes políticos, vinculados ao setor financeiro possam definir num tempo o destino às finanças. Fazer a “eutanásia” do rentista. Não de cada rentista particular. Mas, uma solução que passa pelo rearranjo do lugar das finanças como classe. Passaria a servir à sociedade, fornecendo crédito, deixando de lado o grande endoidecimento da especulação. Um movimento oficializado. E, no estado atual das coisas, este caminho, esta canalização só será alcançada por meio do Estado.

2 – Caberá, portanto, ao poder público tomar uma posição política cujo escoadouro abrangerá uma política econômica que reservará à órbita financeira um papel de apoio, um papel de fornecedor de crédito, um papel de sustentador da dinâmica das empresas. Assim, de uma deusa da Fortuna, as finanças terão que ser a deusa da Sabedoria... Obviamente que esta solução hoje é quase impensável. Mas se a economia patinar, se a acumulação não avançar, talvez. Se as ideologias, a população e os outros capitais não compactuarem com a alucinação das finanças de retornarem à lei do dinheiro que dá mais dinheiro, simplesmente por simplesmente, quem sabe. Então, é possível que a febre de que os ativos, quaisquer que sejam, tenham que botar a máscara de ativo financeiro, seja bloqueada. No final das contas, há que alterar a questão da governança corporativa. Este princípio regulador e organizador das corporações tem como objetivo a financeirização da empresa produtiva. Mas esta solução – ou algo que tenha o mesmo efeito – terá que ser o resultado de um processo profundo e que remeta a economia para um novo padrão de desenvolvimento. O que estamos sugerindo é que, no momento, o Estado começa a se constituir como o domínio próprio para esta decisão. Pois, a mudança da governança corporativa virá junto com processos complexos como a nova regulação financeira num projeto político que una efetivamente o curto e o longo prazo. A questão diante destas tarefas é, mais uma vez: como? Esta solução que estamos aludindo pode se chamar, em homenagem a Keynes, de uma política econômica de “eutanásia do rentista”. Mas como esse processo não será de fato uma eutanásia, talvez a questão seja de uma prolongada política de amnésia consentida das finanças. Ficar de molho para poder, mais adiante, crescer. É possível?

3 – Primeira conclusão: na crise, o tempo econômico tende a passar pelo tempo político. Segunda conclusão: sempre! Terceira conclusão: há que achar a negociação possível para que não haja a velha luta de todos contra todos.

Quem quer dançar a nova música?

1 – Falando sobre o tempo, tomamos consciência de que a crise financeira encadeou uma crise produtiva, que é também uma crise longa. E que só tem uma solução óbvia: o relançamento da produção. Para isso, há que colocar as finanças na senda desta. Porém, o que vimos é que para fazer um centramento na esfera real, há que fazer um processo inverso do que foi feito nos últimos anos: a desfinanceirização da economia produtiva. E para tal, inúmeros aspectos têm que encontrar definições. O maior deles já sabemos qual é, o nome saltita como uma desajeitada bailarina americana: corporate governance. Ou, no linguajar português: governança corporativa. Mas tudo isso tem um temporalidade incerta e específica. É algo mais complicado que a dúvida hamletiana do “to be ou not to vê”. Assim, decidir pela sua desmontagem, já se sente, tem parte com a santidade. É preciso encaminhar os pecadores ao rumo certo. Não há como simplesmente desfazer. Há que ter um projeto. E Obama já mostrou que o tem em parte. Falta para ele, porém, rearranjar, no concreto, o destino das finanças e da sua atividade creditícia. E na esteira desta organização, conectar as novas tecnologias de informação e comunicação com a reformulação da energia e de uma futura indústria ambiental.

2 - Por isso, o tempo é a arena dos combates econômicos e políticos. Por um lado, é com o tempo que a economia financeira conta para resistir às investidas do setor produtivo, dos assalariados e mesmo da pressão da área produtiva internacional. Só que parece que as finanças têm apenas um projeto: restaurar o antigo sistema econômico financeiro. Mas isso parece impossível por causa das contradições entre as próprias finanças e também porque aquela economia produtiva de então está em plena mutação. Temos a indústria dos automóveis em plena decadência e em plena reformulação. As grandes corporações do século XX: GM, Ford, Chrysler, GE são siglas que esvoaçam no passado. O novo é a Microsoft, a Yahoo, a Google, etc. Há que construir e montar uma Finanças para tal. Temos nos céus da economia novas aves com novas plumagens. Mas, as finanças, ainda embevecidas no seu espelho de lucros especulativos, querem uma restauração. O que é o mesmo que dizer que as corporações se amoldem ao seu antigo sucesso.

3 – Mas, em economia não há volta. O que as finanças podem é estragar a dança e não quererem dançar a nova música. Por outro lado, como chegar a um novo desenvolvimento produtivo e a uma nova melodia? E novamente, retorna a figura dramática essencial, o tempo que se veste de roupas irreversíveis. Há que armar vitórias políticas que atravessem o Legislativo e que Obama ganhe um segundo mandato. Há que organizar um projeto de sociedade de longo prazo, pois um projeto empresarial de longo prazo já existe. Pelo menos, nos setores de informações e de comunicações e na área de energia. E embora não pareça claro, o caminho industrial do meio-ambiente está sendo planejado. Chegamos ao impasse. Porque está também muito claro que, neste momento, os defensores de uma sociedade democrática deram um primeiro passo, tirando Bush e os republicanos do poder. Os homens do unilateralismo e da guerra. Mas a trajetória de Obama está apenas no começo. E não se pode ocultar que, se a maioria da população esteja contente com a sua eleição, menos estão achando que ele está fazendo um bom governo e encontrando soluções para os problemas que estão à frente. Não é por nada que, esperto como é, Obama disse para Lula, no primeiro G-20, “I love this guy”. Porque Lula saiu de um embaraço fenomenal, o chamado “mensalão”, e hoje se tornou um político extremamente admirado pela sua capacidade de encarar e resolver a política. Sorte, competência e alguns bons e grandes ministros. Pode Obama dizer isto de si e do seu governo? Ainda falta muito para terminar a primeira metade do jogo. Haverá a outra metade?

quinta-feira, outubro 15, 2009

A CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
15 de outubro de 2009

A INVENÇÃO
DA NOVA ECONOMIA
(ou duas estruturas à procura de um Estado)
Por Enéas de Souza

Parece incrível, mas no jardim do neoliberalismo não surgiu ninguém para perceber que esta terra está esgotada. Como é que não perceberam que estamos metidos numa crise de que alguns chamam da construção de um novo paradigma. Estamos numa crise do capitalismo. Repito: CRISE DO CAPITALISMO. Isto quer dizer que não é o aumento da rentabilidade de um banco, o aumento na pontuação de ações, nem uma recuperação na área produtiva que vai definir a verdadeira recuperação da economia capitalista. Podemos ter um leve crescimento, podemos ter até uma aragenzinha, quiçá um vento animador. E no limite, quem sabe, chega um azul no céu cheio de nuvens; mas tal evento não quer dizer que as coisas se firmarão num crescimento sustentável, prolongado, num crescimento firme e renovado de longo prazo. Esta crise é uma crise do capitalismo. – e, portanto, uma crise estrutural. E só se revolve uma crise estrutural mudando a estrutura da política e da economia. Parece que não se acredita, mas essa coisa de estrutura é para valer.

A falência do lucro produtivo

Esta crise estrutural do capitalismo é uma crise do capitalismo financeiro. E o capitalismo financeiro é uma combinatória dinâmica das órbitas produtiva e financeira, que no presente, no caso atual, tem a hegemonia desta última esfera. E, portanto, quando dizemos que é uma crise do capitalismo financeiro, não queremos afirma que é uma crise das finanças. A palavra assegura que é uma crise tanto das finanças como da produção. Ou seja, não dá para pensar que o aparente retorno de um ligeiro crescimento de uma ou de outra órbita dará consistência a retomada de toda a economia capitalista. O que vai fazer a diferença, o que vai dar a alternativa, é uma mudança das duas estruturas e do enlace entre elas. É preciso mudar tanto as finanças quanto a produção. Ou seja, é porque se romperam as duas estruturas que este capitalismo está capenga, que ele carrega consigo duas cicatrizes que podem ser terríveis. Elas identificam a necessidade de uma alteração, a exigência de uma cirurgia plástica. Dito de outra forma: é preciso transformar tanto a esfera financeira quanto a produtiva. O problema é que este descarrilhamento atual das órbitas impede que haja uma combinatória adequada para que o capital se expanda. Uma combinatória que ajuste os apelos da renda financeira com aqueles do lucro produtivo. Destaca-se, então, que o verdadeiro regulador do sistema capitalista é a relação taxa de juros/ taxa de lucro esperada. Regulador que foi alterado para uma prioridade do juro e da renda. E esta prioridade levada às cegas, por uma política monetária e financeira, que sem inovações e repetida mecanicamente, só poderia chegar aonde chegou, ao abismo da Grande Recessão.. Logo, há que provocar a ressurreição da combinatória dialética do capital financeiro. Só que, neste ponto do caminho, o que existe é uma paralisia das atividades econômicas, exatamente pela falência da taxa de lucro esperada.

As finanças se olham no espelho. E se acham lindas!

1 - A crise financeira mostrou para os financistas o verdadeiro outro lado da Lua da economia. É que o circuito das finanças não é infinito. E que havendo duas crises, a financeira com a inflação de ativos e a produtiva com uma super-acumulação de capital, as eventuais crises isoladas, e domesticadas, da primeira órbita foram superadas. E desembocaram, como rios num oceano, numa fratura da economia que combinou a derrubada das finanças com a queda da produção.

2 - O que emperrou na área financeira? Esta desabou pela explosão de uma dinâmica econômica que se amparava numa auto-regulação irresponsável, numa alavancagem elevada, numa securitização inchada de inovações de ativos e de derivativos perigosos em profusão, e numa propagação de negócios garantida por uma atividade enganadora das agências de ratings. O clímax de todo esse movimento foi uma relação turbinada, mas fulminante, entre o setor financeiro e o setor produtivo, relação que se tornou desnuda nos defaults das hipotecas imobiliárias. Logo depois, o incêndio atingiu toda a vasta gama de inovações financeiras, que transformadas em ativos tóxicos, trouxe, no arrastão, os bailouts e as criações de linhas de liquidez do FED. Foi um caminhão de títulos podres. Ora, com isso, o crédito foi considerado uma flor a ser cuidada e regada com muito cuidado. Tão cuidada que escasseou. E o aperto de crédito não foi superado, nem entre os bancos entre eles e nem dos bancos com o setor produtivo. E obviamente, o crédito de longo prazo, aquele que permite os investimentos produtivos e que mudam os padrões da estrutura da produção, ficou interrompido, ficou em suspenso, como um retrato numa câmera digital que não funciona.

3 - Ou seja, a órbita financeira bebeu demais, se olhou no espelho e se achou linda. Mas inebriada, cambaleou e caiu se desmanchando como um vestido vermelho na praça dos bancos. Logo, há que tomar algum remédio, alguma medicina. E qual a receita? Como costumavam dizer os financistas internacionais para o Brasil – só que agora têm que dizer para si próprios – o remédio vai ser amargo, porém necessário. Antes de tudo, é indispensável que o setor bancário tenha que ter uma estrutura de capital capaz de suportar o risco de suas atividades financeiras. Por isso, para que essa premissa funcione corretamente, trata-se, em primeiro lugar, de regular o setor; em segundo, de fiscalizá-lo; em terceiro, de sancionar as punições adequadas; em quarto, de promover uma nova arquitetura financeira; em quinto, de conceber novas regras da contabilidade; em sexto, de definir as condições de articulação do setor produtivo e do setor financeiro – portanto, de definir o crédito; em sétimo, de acabar com existência das agências de ratings, etc. Ou seja, o que está em jogo é uma re-estruturação das finanças. Com este pensamento estamos falando no papel dos bancos, na existência ou não de bancos de investimento, no papel das seguradoras, no papel dos agentes imobiliários, etc.

4 - Chegamos finalmente à estrela das finanças e da mídia, o molho do pudim: a questão do bônus dos dirigentes das finanças. Na verdade, o que está em debate aqui é a governança corporativa, cujo nó conflitivo opõe os acionistas aos executivos. Desta contradição sai um resultado prático que acentua a predominância invulgar destes últimos. Naturalmente que os presidentes das corporações, os CEOs, falam da excelência desta fração de classe, inclusive a qual pertencem. Mas, tal defesa incondicional torna a viagem do capital financeiro mais inquietante socialmente, porque nesta turma, nesta cesta de ovos dourados, estão os financistas que quebraram os bancos e saíram com muito dinheiro no bolso.

5 - Toda a estrutura do setor financeiro que se fragmentou é como taça de cristal, rompeu-se e não tem conserto. Estas peças podem ser usadas descaradamente, mas não terão nunca o brilho de outrora. É preciso re-estruturar toda a área das finanças; sem uma remodelação a crise da economia não terá solução duradoura. Ficaremos com recuperações mascaradas e de novo na dança dos ativos podres. O pior é que na cauda da crise financeira e no rasto das assistências do Estado vem a face de um combatente que pode ser torpedeado, o dólar. É imperioso re-estruturar a órbita das finanças.

Qual a produção que vai emplacar?

1 - Dizer que o setor produtivo superacumulou capital, já falamos a exaustão nesta coluna. Linhas acima, inclusive. Todavia, o que é preciso não é queimá-lo simplesmente, é fundamental renovar a estrutura tecnológica que está inscrita nas empresas. Porque? Em primeiro lugar, porque no processo de competição entre as corporações cabe dar andamento a revolução tecnológica, já começada nos anos 70 do século passado, através das novas tecnologias de comunicação e informação. Estas reformularam fortemente vários setores, inclusive o setor de bens de capital, com a criação da mecatrônica. Foi decisivo porque atingiu os mecanismos das máquinas instaladas em toda a estrutura da produção. Porém este setor está, no momento, com o seu desenvolvimento suspenso em função da especulação financeira e da crise da estrutura produtiva, que obviamente afeta o referido setor.

2 - De outro lado, uma nova realidade tecnológica entra em pauta e faz-se presente: a exigência de renovação da infra-estrutura energética, que afetará toda a economia. Ou seja, estamos transitando por uma área onde existem as perspectivas múltiplas do pré-sal, dos biocombustíveis, das energias solar, eólica, etc. Dando seqüência as questões tecnológicas, podemos constatar que os problemas ambientais trarão também a possibilidade de novas indústrias neste setor, o que requer uma transformação profunda na citada estrutura produtiva. Como vemos o que está em jogo passa pelo “envelhecimento”de indústrias do tipo da automobilística que foram as grandes vedetes do século XX. Como diz Carlota Pérez as empresas inovadoras e predominantes e que assumirão a liderança produtiva serão a Microsoft, a Google, a Yahoo e não mais a GM, a Ford, a Chrysler.

3 - É indispensável derrubar os obstáculos para que estes setores avancem e avancem incisivamente. E a partir destas revoluções tecnológicas da informática e da energia desencadear, como um punhal num duelo, outras alterações tecnológicas. E com tão vigoroso ímpeto que este conjunto de mutações tecnológicas acabaria por se constituir na alavanca de uma dinâmica ascensional cíclica da produção. Pois, estrutura e ciclo são noções que se entrelaçam e proporcionam o desenho daquilo que pode se caracterizar como uma mudança no padrão de acumulação de capital. Ou seja, só neste momento é que a economia teria entrado num processo de renovação e desenvolvimento. Para uma crise estrutural produtiva precisa-se efetivamente de uma transformação no padrão de acumulação. E a chave desta mudança está na introdução de inovações tecnológicas.

Será que o Leviatã vai orquestrar a música?

1 - A questão é, portanto, reconstruir o sistema financeiro e dar seqüência a uma mudança estrutural na esfera da produção. Pela frase vemos a inquietante e valorosa dimensão da tarefa. Metamorfose nas finanças, metamorfose na indústria. Mas, o centro desta mutação não é apenas como tem ocorrido com o FED e o Tesouro Americano: apoiar intensamente as finanças, gastando uma fábula. Mas, o importante é, sem dúvida, dispor o Estado para entrar pesadamente na economia. Qual o ponto? Propiciar uma elevação significativa da eficiência marginal do capital, De tal modo que haja um fluxo de recursos para a aplicação no setor produtivo. Estará escrito em toda parte, o principal da economia é o investimento. E para que este processo se torne reiterativo, repetitivo criativamente, o ponto que marca uma nova época é a transformação do Estado. E é preciso que se mude muita coisa. Cabe ao Estado dar uma nova coloração nas relações com o capital, com o trabalho e com a sociedade. Trata-se de assumir o resultado da dinâmica das alianças sociais e políticas, que desembocarão no Estado, com uma outra proposta de organização do próprio Estado e com uma política econômica distinta da atual.

2 - Isto quer dizer o seguinte: um dos objetivos da reforma do Estado terá que ser a mudança do domínio das finanças sobre dois de seus órgãos preciosos, a Fazenda e o Banco Central (nos Estados Unidos, o FED e o Treasury). Pois, eles terão que estar ordenados a uma estratégia subordinada a uma nova política econômica. Evidentemente que esta não vai mais estar centrada na política monetária, cambial, financeira e fiscal, que favorecia as finanças. O objetivo deve ser trocado. A inversão de prioridade buscará um projeto de constituição de um novo padrão de acumulação. Finca-se um apoio na revolução já em andamento das novas tecnologias de comunicação e informação. O Estado cumprirá a tarefa de preparar, de favorecer, de trabalhar para a conexão entre as finanças e a produção. Tudo neste ponto é imperioso: o estabelecimento das funções e finalidade do sistema financeiro, a concepção de uma estratégia que norteie à constituição de um novo padrão produtivo com um novo patamar tecnológico a infra-estrutura energética e com um outro encadeamento das indústrias por mutações tecnológicas neste novo padrão. O que significa dar prioridade ao investimento e ao emprego. E para alcançar estas conseqüências o Estado terá que recuperar uma autonomia em relação às Finanças e liderar as transformações da estrutura produtiva e financeira, pondo em questão a organização da empresa capitalista, a governança corporativa, Como resolver esta contradição entre o acionista e o executivo, o proprietário do capital e o capital em funções será uma tarefa que não se vislumbra ainda uma solução satisfatória. .

3 - O decisivo nesta aventura é que o Leviatã tem que ter um controle democrático, porque um Estado apenas forte, e totalmente voltado para o capital culminará num Estado mais autoritário, quem sabe ditatorial, e que conduzirá a sociedades a conflitos amargos e destruidores. Há que encontrar forças sociais que assumam o Estado e bloqueiem essa insanidade de apoio ilimitado às finanças e que canalizem forças para a renovação da esfera produtiva, tratando tanto de reformular a ligação entre essas duas esferas, como proporcionar ao setor do trabalho o usufruto dos direitos sociais e civis.

4 - O caminho tem um trajeto marcado, a constituição de uma nova divisão internacional do trabalho, o que fará a mundialização entrar numa nova fase. O capital, se isso acontecer, terá encontrado um novo estágio para o seu desenvolvimento. Mas, como já vimos, há tantos obstáculos para lá chegar. Re-estruturação das finanças, re-estruturação da produção, re-estruturação do Estado. Caminhos que não se fazem sem sangue, sem batalhas, sem dores, sem adversidades e sem irracionalidades. Mesmo porque, como uma estrada que está em construção, novas pedras terão que ser removidas. A dinâmica econômica e social faz como o mar, traz à praia da sociedade, novas e tantas questões. O que se nota é a necessidade de um novo acordo social, capaz de fazer avançar um novo Estado e um novo projeto de sociedade, e, sem dúvida, a expansão da própria democracia. Tudo isso faz parte da história desse momento. E embora as condições estejam dadas, a história está livre para ser construída. Os habitantes do planeta estão entrando numa era da invenção. Pois, enquanto não se der curso aos engenhos, a economia e a sociedade estarão entre a paralisia, a desordem, as explosões sociais e as soluções de força. Há que inventar para que as estruturas achem o seu novo Estado. A economia vai assim, mais uma vez, estar na mão da política.