quinta-feira, março 29, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

O QUE FAZ ENTÃO A DILMA? 

Enéas de Souza
29 03 2012


1) Ora, Dilma está nadando num oceano inóspito, tentando articular vários níveis de ação. E percebe uma paisagem internacional complexa e ameaçadora. O que Dilma enfrenta é um capitalismo em processo de mutação, de contornos absolutamente indefinidos. Para onde ele vai ninguém sabe, só se advinha, só se intui. Tudo existe em esboço, tudo existe nas tendências, que, muitas vezes, mal se enxergam. Claro, o mundo se move, mas é como aquele filme de Hitchcock, “Um barco e nove destinos”, onde um bote de náufragos tenta encontrar um navio que os salve ou uma improvável costa para aportar. E os participantes desse barco, no mar contemporâneo, são variados e estruturais: uma crise das finanças, uma crise da produção, uma crise de Estados, uma crise social importante em muitos lugares, uma ameaça no comércio mundial das nações. Num certo sentido, o Brasil está bem. E está bem porque Dilma tem uma política, um norte, que se faz com dificuldades, e, no entanto, está se fazendo e está se construindo. E essa política é a busca de colocar o Brasil em vantagem, superando os soluços e as convulsões da crise.

2) Dilma tem procurado fazer até agora uma transformação estratégica no Estado brasileiro. Manobra na direção de dar-lhe uma unidade, para que tenha condições de encarar o leão da crise que saiu da jaula e está, há bastante tempo, nas ruas. Assim, toda a luta, no pós-tucanato neoliberal, visa à construção de uma nova política econômica, que deve ser a mais consistente possível num ambiente de antagonismos inquietantes. Significa, então, a imperiosidade de renovação das estruturas financeiras, produtivas e mesmo estatais da economia mundial. É o barco de náufragos que começa a enxergar o continente.

3) Qual é o jogo da Dilma? Pela primeira vez na história do Estado brasileiro dos últimos tempos, o presidente – no caso, a presidente – centraliza tanto a concepção da estratégia nacional como a definição de uma política econômica. Com essa postura, dá sinais evidentes da importância do momento. Ou seja, neste instante da ópera, a ária da questão da política econômica é tão decisiva que a presidente avoca a si a centralidade da concepção. E mesmo parte da execução. Uma dos maiores obstáculos é exatamente dar unidade a essa política, pois ela está se fazendo a quente, no calor da hora – a ebulição se exibindo – com contradições evidentes entre integrantes inclusive do mesmo lado. Ninguém sabe qual a trilha por onde vai se encaminhar o desmanche do que já era e os canteiros de obras da construção do mundo presente-futuro.

4) A Dilma, em minha opinião, percebe que a oportunidade para o Brasil está na ancoragem no porto do novo padrão de acumulação que vai se desenrolar, se estender e se ampliar nos próximos anos. Padrão baseado nas novas tecnologias de comunicação e informação, nos novos materiais, na biotecnologia, mas que tem outros pontos, outras camadas, como as da infraestrutura energética e alimentar, por exemplo, que também estão em processo de se materializar. Faz parte da visão brasileira a ordenação e a organização das atividades produtivas do Brasil para que o país possa, de fato, andar com certo destaque na nova carruagem.

5) O que é que faz, então, a Dilma? Primeiramente, o que disse acima, concebe e passa a executar uma política econômica de preparação para integrar esse novo padrão. Então, essa unidade da política econômica tem um ponto novo, peculiar, que se centra na presidência, mas que está apoiada pela Fazenda e pelo Banco Central. E aí está a grande conquista da presidente. Foi conseguir somar ao triunfo do governo Lula, de trazer a Fazenda para o lado da presidência, o alinhamento do Banco Central a uma política de Estado. Porque como falamos sempre, na hegemonia do capitalismo financeiro, o Estado nacional foi cindido numa parte econômica (geralmente, Fazenda e Banco Central) e num agregado dos demais Ministérios. Essa forma definia o modo de dominação das Finanças internacionais e dos bancos nativos. Detendo o controle do Estado, eles reduziam a política econômica global a uma política econômica restrita. Ou seja, abandonavam a política industrial, a política agrícola, a política trabalhista, as política sociais, etc., se dedicando apenas ao quarteto adorado das Finanças: política monetária, política cambial, política financeira e política fiscal. O Brasil começou lentamente a resgatar uma política econômica coerente e unitária que tende a ser tornar novamente global.

6) O jogo da Dilma, após conseguir uma unidade nuclear do governo em torno da Presidência, canalizou e conduziu a sua política e a sua estratégia econômica para a sustentação de três setores fundamentais. Energia, mineração e produtos agrícolas. Dito de outra maneira: Petrobrás, Vale e agrobusiness. É isso que constitui a base fundamental da política econômica do Brasil, porque é quem vai dar a integração nacional no contexto desse novo padrão de acumulação. É sobre a trindade em pauta que se fará a rede econômica do futuro do país.

7) Pois, o jogo da Dilma passa por essa integração. E ao trazer, em 2006, a Petrobrás para o centro estratégico do governo, a presidente – na época, chefe da Casa Civil – já tinha a ideia de fazer uma remodelação da estrutura industrial brasileira. Com isso, dava dois sinais: estender a inserção da petroleira nacional no espaço da mundialização e usar a Petrobrás, através de sua da cadeia produtiva, como motor da estrutura da produção do país. Porque ela movimenta fortemente a indústria, mas afeta também a agricultura. A concepção parte da ideia de inscrever a Petrobrás (veja-se a abundância que vai ser o pré-sal) no padrão de acumulação novo, mas, ao mesmo tempo, formar com ela um bloco de capital que organizaria uma grande parte da dinâmica da economia brasileira. Claro que essa articulação vai adiante, enlaça o encadeamento de indústrias de sondas, navios, plataformas, etc. Mas, não pára aí, não. Requer a renovação da infra-estrutura brasileira de transportes, estradas, portos, armazenagens, etc. Ora, com isso movimenta também o setor da construção civil. E funde essas demandas com outras demandas que surgem da realização da Copa do Mundo e das Olimpiadas, onde também se incluiria a questão dos aeroportos. O conjunto avulta, cresce, evidencia uma metamorfose na economia brasileira.

8) Está se reorganizando, com toda a precariedade, com toda a disputa, com toda crítica, etc., uma tentativa de formar um segundo polo dinâmico de acumulação do país. Claro que nesse itinerário da construção civil, estaria incluída uma outra área que não poderia deixar de estar, a construção habitacional, com o “Minha Casa, Minha Vida”. Naturalmente, um alargamento da moradia para a população brasileira. E nisso tudo temos um pouco da herança do Juscelino Kubitschek, o processo de acumulação em torno de dois polos: energia e construção civil.

9) Cabe entender que, para apoiar esse conjunto, o governo armaria o funcionamento de uma estrutura de financiamento partindo do orçamento público e dos bancos estatais (BNDES, Caixa e Banco do Brasil), que estaria forçando o crédito à produção, e financiando o longo prazo. Voltaríamos a um projeto de desenvolvimento, onde o investimento estaria sendo sublinhado como o elo entre o presente e o futuro. E o emprego iria, e já está indo, no bojo dessa caravana, dessa expansão.

PARÊNTESE CAMBIAL

O maior problema para o Brasil, ao menos no plano imediato, é exatamente a questão da taxa livre de câmbio e da taxa de juros. Num certo sentido, a política econômica do Brasil está caminhando para um câmbio sim, valorizado, mas se adaptando tanto a exigência de entrada de capital, como as necessidades de investimentos externos e de movimentos competitivos da indústria nacional. É uma sintonia fina. Claro que temos o efeito chamado de “desindustrialização”, clamado por algumas empresas de todo os setores, sejam de bens de consumo não-durável, sejam de bens de cosumo durável, seja de bens de capital da indústria. E aqui o jogo é complexo também, pois há que ver que temos duas vertentes, uma que precisa do câmbio para se ajustar às novas condições de competição financeira e produtiva mundial, e outra, que precisa do câmbio para se proteger da concorrência internacional. Isto sem contar as exigências do setor financeiro nacional. A saída tem sido, em grande parte, ir lentamente mudando a taxa de câmbio e realizar uma série de medidas fiscais, aduaneiras e mesmo legislativas, que possibilitem uma melhoria da concorrência das empresas nacionais. Não tem sido suficiente até agora, principalmente porque o nível de competição das indústrias brasileiras não é de ponta.

A TECNOLOGIA DO PADRÃO

Ora, isso nos encaminha para a questão tecnológica. O Brasil não é um país de vanguarda nas inovações nem na introdução da tecnologia na estrutura produtiva. Claro que temos empresas em boas condições, veja-se a própria Petrobrás. Temos nas universidades alguns nichos de bom e até grande nível. Mas não somos protagonistas, atores de envergadura nesses episódios. Ou seja, a liderança do processo tecnológico não está ao nosso alcance. O que não quer dizer que ela deve ser abandona. Há algumas boas fichas para se apostar nela.

TEMA FINAL

Então, queria colocar um tema final. Hoje, a política econômica brasileira tem que estar pensando nas mudanças do padrão da economia mundial para organizar as suas próprias mudanças. E embora a defesa do nacional é importante e decisiva, não basta ser somente nacionalista para se posicionar no quadro atual da economia. Há que pensar o dentro e o fora do país, a economia mundializada em itinerário, em alterações, e os possíveis reflexos disto na parte interna da nossa atividade econômica.

Resumindo, o que Dilma está falando à nação, aos empresários, aos trabalhadores é o seguinte: 1) precisamos, cada vez mais, de um Estado coeso e unitário, depois de termos tido um Estado esquartejado; 2) precisamos nos juntar à construção do novo padrão, que passará por uma mudança na relação das órbitas produtivas e financeiras; 3) precisamos dessa situação para desenhar uma estratégia nacional; inclusive a de defesa da nossa industrialização; 4) precisamos reorganizar a economia brasileira com base na Petrobrás e sua cadeia produtiva, mas inscrevendo no país numa transformação da infraestrutura pública, construindo um segundo pólo dinâmico, que será a indústria da construção civil; 5) precisamos perceber que o processo que tem que estar em pauta constantemente e que não há um rumo preciso, as coisas estão indeterminadas; 6) precisamos estar preparados no conflito dos capitais e dos Estados dentro de um quadro de uma economia chamada de “livre mercado”, mas que pode passar rapidamente para um protecionismo intenso (liquidez que fazem os Estados Unidos, a Europa ou a China, com o seu câmbio atrelado ao dólar, empurram o mundo nessa direção); 7) precisamos notar que o novo padrão de acumulação exige além de empresas para a base da economia, como energia, mineração, produtos agrícolas, requer corporações que liderarão o padrão por causa de negociarem com alta tecnologia. Neste ponto, estamos fora; 8) precisamos, a despeito da nossa fraqueza estrutural, de uma política de ciência e tecnologia.

Dilma, então, está nos dizendo que o capitalismo mudou, que ele está em andamento, que o Brasil tem política econômica para tal, mas que apesar do horizonte aparecer claro, nuvens podem toldar o clima. No entanto, há uma ideia de que está em marcha um processo de grande transformação do mundo e do Brasil. O tempo dessa mudança não tem definição, mas tudo isso vai se desenvolver intensamente nesta década, quem sabe se completando nos dez anos posteriores. O filme, que continua trepidante e cheio de dramas e percalços e adversidades, pode ser perigoso e doloroso, mas não será sem emoções. Estamos num processo de alta concorrência, num processo de concentração e centralização de capital. No meio dessas nuvens de pó, muitos capitais e muitos setores vão sofrer baixas, isso é inevitável. Mas, como diz meu amigo André Scherer, os capitais podem mudar de ramo e o trabalho também. O que significa isso? Que o dinamismo da economia brasileira pode ser mais contundente do que as quedas, embora as fricções possam causar escoriações e complicações temporárias, seja aos capitais, seja ao emprego.

Como nos antigos melodramas históricos, o filme que estamos vivendo, também poderia se chamar: Dilma na cova da energia, dos chips e dos leões.

quinta-feira, março 22, 2012


CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

QUEM TEM
POLÍTICA,
TEM PROJETO

Enéas de Souza
22 03 2012



A grande revolução dos últimos tempos do capital financeiro na economia mundial é a sua distância e a sua apropriação do Estado. Com a emergência da crise financeira de 2007/08, deu-se o início da construção de uma nova realidade financeira e política que só agora toma corpo e se faz nítida. Trata-se de um organismo geneticamente modificado. Aquela antiga divisão entre Executivo e Banco Central passou para uma nova relação de força.

O SUCESSO DA OPERAÇÃO

1) Mesmo arrasada economicamente pela crise, as finanças transformaram o Estado numa marionete dócil e aplicada. Quem diria que o Leviatã de Hobbes tomaria a figura de um teatro de bonecos da Goldman Sachs e seus congêneres? E foi nesse caminhar que, vencedoras apesar de combalidas, as finanças precisavam dominar integralmente a máquina de fazer dinheiro do Banco Central. E a partir daí inventaram uma política econômica.

2) E este é um ponto chave para entender o momento transitório atual. Trata-se de um Keynes perverso. Um Keynes que usa o Estado, mas não em nome da sociedade, do capital e do trabalho. E sim em nome do capital financeiro. E na passagem fica esculpindo um Estado minimalista, um Estado reduzido, um Estado onde o Banco Central seja o formulador da política econômica. Como?

3) Assim como na política clássica de desenvolvimento o Estado gasta para aumentar o investimento privado e público, e incentiva a atividade econômica também para dar emprego, etc., agora é o Banco Central que empanturra os bancos de dinheiro (através das quantitatives easings) na base de uma taxa de juros reduzida.

4) Façamos um zoom nessa política. E vemos que essa liquidez produz quatro efeitos: um, salva os bancos; dois, aumenta a inflação; três, permite, por isso, o bloqueio do aumento da recessão produtiva, fazendo o PIB crescer um pouco quando cairia muito mais se não houvesse essa liquidez; quarto, permite que, pela desvalorização monetária e pela competição das moedas dólar-euro, as economias avançadas tenham maiores possibilidades exportadoras.

5) Como perguntaria meu amigo Cosme: É ou não é uma política financeira de desenvolvimento?

6) E a estratégia pondo o chapéu desta política, ao mesmo tempo, assegura uma retomada das economias avançadas no processo de desenvolvimento econômico, buscando manter a liderança desse processo. Ou seja, o verdadeiro Estado, aquele que faz uma política econômica, é o Banco Central, que produz crescimento botando as finanças no comando do processo. Só que esse processo é pensado ortodoxamente, e faz recair o ônus da crise sobre funcionários públicos, trabalhadores, operários e desempregados. De um lado, o desemprego público e privado coloca uma densa massa de gente demandando trabalho, o que faz diminuir o salário nominal e real. E de outro, há também o caso da Alemanha, onde o controle da remuneração dos assalariados se deu, por intermédio de acordos entre patrões e empregados, sob a condução do governo. E todos se deram bem, pois os resultados capitalistas foram evidentes para a Alemanha. Ela é hoje o Estado mais completamente parceiro das finanças.

MAS VAI DAR CERTO?

1) Parece que do ponto de vista da recuperação, sim. Muito pálida, mas sim. Embora um cara como Martin Wolff, do Finantial Times, tenha dúvidas. Contudo, vamos admitir que as finanças estivessem certas. Cabe precisar que o que vai entrar em campo são efeitos dinâmicos de curto prazo. E que não levam a economia para um novo estágio de desenvolvimento. Fica no cresce e pára, toma uma crise e recupera de novo. O chamado voo da galinha. O pula-pula. E não resolve a questão da nova economia, que tem como alvo a recuperação e a metamorfose do padrão de desenvolvimento.

2) Então, o verdadeiro tema é a articulação das finanças com as empresas que operam com tecnologias novas. Esse me parece ser o desejo secreto das finanças, o segundo estágio do seu projeto, um desenvolvimento sustentado. Porque, ao se construir um novo padrão de acumulação com essa constelação de tecnologias, a lucratividade se derramará sobre todo o sistema. E aparece a oculta ambição: o sonho que o desenvolvimento da tecnologia dê tanto lucro, tanta grana, que uma parte dessa lucratividade possa ser bombeada para o mercado financeiro. E assim criar um círculo virtuoso: finanças-produção-finanças-produção... Um delírio de infinito circuito do desenvolvimento do capital.

3) Todavia, um urubu acaba sempre por pousar na economia, porque um círculo virtuoso desemboca em circulo vicioso. Qual a razão? Ela começa com a forma do capital financeiro, que é aquela que dirige os destinos da economia atual. Essa forma tem dois circuitos, duas esferas que encaminham os capitais para a valorização. A órbita financeira e a órbita produtiva. Cada uma é regida por uma categoria econômica: a financeira, pela taxa de juros, e a produtiva, pela taxa de lucro esperada. Obviamente, que os capitais, quando estão livres, são atraídos pela taxa que dá mais rentabilidade. Por isso é que, nos últimos tempos, todos queriam navegar na esfera financeira. Mesmo aqueles capitais que atuavam na esfera produtiva, quando podiam se lançavam nas atividades especulativas próprias da outra órbita.

4) O fino leitor já percebeu tudo: a economia é atravessada por essa tensão, entre a valorização de uma esfera contra a da outra. Mas, cada uma é como um teatro; apresenta novidades que atraem os espectadores. E então, os teatros têm que oferecer melhores peças, melhores personagens, melhores sessões, etc. O povo vai num e vai noutro. De repente, a peça de um teatro é mais sensacional que a do outro. Como disse, desde os anos 70, o teatro financeiro veio apresentando os melhores rendimentos. Sua órbita ficou abarrotada e os ativos inventados foram um êxito. E quando a temporada de 2007/08 terminou, a crise, no entanto, se abateu sobre os dois teatros. E a sociedade percebeu que havia que construir um novo teatro produtivo. Pois, em verdade, é ele quem dá sustentação ao mundo no qual vivemos. É pela produção que todos almoçam, jantam, se vestem, viajam, usam computadores, compram I-Pods, etc. Por consequência, o desafio agora é como construir essa arquitetura que leva o nome de Novo Padrão de Acumulação, e que é, na verdade, resultado de uma nova divisão social e internacional do trabalho.

5) Esse é o segundo ponto de um projeto de futuro das finanças. A construção de uma nova economia, de um novo padrão de desenvolvimento. No entanto, há uma contradição visível, as finanças jogam no curto prazo, e este é um projeto de longo. Então, a questão é como fazer essa união. E aí só as novas tecnologias podem tecer esta costura. E de maneira tal que a tensão entre as órbitas não afete a rentabilidade da esfera financeira e propicie um aumento insofismável da lucratividade da área produtiva. E isso só pode acontecer quando houver uma mutação estrutural. Quando a diversidade das tecnologias funcionarem em conjunto e derem partida ao tão falado padrão de acumulação, elevando nesse navio a lucratividade do capital, prestigiando tanto as finanças quanto a produção. Embora, no momento, as órbitas estão desequilibradas em favor das finanças, há que inverter esse fenômeno.

6) Então, a pergunta fatal: será possível haver uma ligação entre as finanças e a produção, de tal modo que aumente o lucro e a rentabilidade de todo o sistema?

7) Ou será preciso que as finanças – comandando não apenas o Banco Central, mas todo o Estado – usem esse mesmo Estado para reorganizar as relações de financiamento, de investimento, de inovação, de pesquisa e desenvolvimento, de absorção de novas tecnologias, para que finalmente o novo padrão cresça e apareça?

E DESDOBRAM-SE A PERGUNTAS FINAIS

1)Sabendo que a economia capitalista contemporânea vai organizar um novo padrão de acumulação, questiona-se: como ficará a luta entre o capitalismo ocidental, com liderança financeira, e o capitalismo chinês, com dominância estatal?

(E essa indagação feita assim a quente, mais quente fica, quando se sabe que a partir de agora aguarda-se uma mudança na política e na economia da China.)

2) Depois desta primeira, temos mais três indagações.

Como virá o rosto do novo capitalismo mundial?

Quanto tempo levará todo esse processo?

Com que padrão de economia, de política, de sociedade, de ideologia, de utopia, de civilização se vestirá este capitalismo vindouro?

UMA CENA INTERATIVA PARA TERMINAR

Lá no fundo do teatro estão sentados Wallerstein, Arrighi, Harvey, Zïzek e István Meszáros. Continuam, apesar de variadas interpretações, com ar interrogativo: este capitalismo tem condições de superar mais esta? Ou estamos indo além do capitalismo? Já estamos navegando no anticapitalismo? Sim? Não? Como?

E Harvey levanta-se, vem até a frente do palco e diz: “Uma alternativa terá que ser encontrada. E é aqui que o surgimento de um movimento global de correvolucionários se torna crítico, não só para deter a maré de comportamentos autodestrutivos do capitalismo (que em si seria um feito significativo), mas também para nossa reorganização e para começarmos a construir novas formas organizacionais coletivas, bancos de conhecimento e concepções mentais, novas tecnologias e sistemas de produção e consumo, ao mesmo tempo em que experimentaremos novos arranjos institucionais, novas formas de relações sociais e naturais, com o redesenho de cada vez mais urbanizada vida diária” (“O Enigma do capital e as crises do capitalismo”, pág. 224, Boitempo, 2011).

Se você, interativo leitor, tivesse na plateia, faria o que?

1) aplaudiria;

2) vaiaria;

3) ficaria indiferente.

segunda-feira, março 19, 2012

Debate na FEE: Mudanças no Padrão de Desenvolvimento Brasileiro, com Vanessa Petreli Correa, IPEA

No encerramento do curso sobre Desenvolvimento Brasileiro realizado pelo Centro Celso Furtado na FEE e que tem com alundos os técnicos da instituição, da SEPLAG e da SEFAZ ocorrerá, no  próximo dia 22 de março uma palestra com a Diretora de Estudos e Políticas Macroeconômicas do IPEA, Vanessa Petreli. O debate será realizado no auditório da FEE, a partir das 14:30 hs.  Esse será o primeiro grande evento público na FEE no mês de março, lembrando que a última semana do mês receberá, nos dias 26 e 27, o debate sobre a revolução Burguesa no Brasil.

quarta-feira, março 14, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

VAMOS DE
ESPECULAÇÃO
E TECNOLOGIA?

Enéas de Souza
15 03 2012


O projeto das finanças para a sociedade atual tem dois passos: a interrupção da crise do próprio setor financeiro e um novo desenho para o processo de acumulação de capital no mundo. E é dentro dessa dupla paisagem que vai se inscrever o tema das mudanças tecnológicas do capitalismo e da sociedade contemporânea. Na verdade, ela se situa mais dentro da segunda, porém supõe a canalização da primeira para uma solução.

CAI, CAI BALÃO, MAS A QUEDA TEM QUE PARAR

O primeiro ponto vem sendo trabalhado por um plano que cobre a recuperação das instituições financeiras, via liquidez fornecida pelos Bancos Centrais Americanos e Europeus. Isso que inicialmente foi um socorro aos bancos, agora se transformou numa hidráulica financeira, cuidando atentamente da rearticulação de toda a esfera das finanças. Essa liquidez dá a elas mais um reforço na limpeza dos títulos podres, dá a possibilidade de ter recursos em caixa, dá a capacidade de emprestar e produzir um alívio aos Estados endividados, dá a potencialidade especulativa para aumentar a sua lucratividade, e dá, também, um caminho para desempenhar pressões políticas com o objetivo de projetar definições econômicas visando dar curso às pretensões do setor.

Então, estamos vendo que a queda livre das finanças, depois da crise inaugurada no meio da primeira década do século XXI, apresenta agora novas figuras possíveis, a ponto de se vislumbrar um distinto encaminhamento, quem sabe um roteiro de solução que resolva o mau trânsito dos aviões financeiros. Era preciso encontrar na precipitação do abismo, algo que interrompesse o rumo ao precipício profundo. Primeiro, foram, pura e simples, as salvações das instituições financeiras com endividamento do Estado. E segundo, as sucessivas operações de liquidez dos Bancos Centrais dos Estados Unidos e da Europa, com duplo efeito sobre as finanças e sobre os Estados endividados.

TERRA À VISTA?

Porém, o que é que agora está se soldando novamente? O novo amor dos bancos e do Estado. E esta soldagem está começando em tom singularmente vivo na Europa. Os Estados Unidos, por sua vez, estão em pousio, como dizem os agricultores quando põe uma terra em descanso, até a eleição de novembro. Mas, o caminho está dado. E com profundas repercussões de política econômica. Depois da cachoeira de liquidez, temos um conjunto de medidas que rebatem sobre o próprio Estado: orçamento apertado e controle de gastos com incidência sobre funcionários – o que quer dizer: queda de salários, corte de pensões, supressão de direitos, etc. Enfim, uma ruptura de contratos com os assalariados. E com finalidade de controlar o déficit e renegociar a dívida estatal para encurtá-la num horizonte razoável de tempo. A essas se somam as medidas que já vimos acima para atender a economia financeira. O leitor, então, tem dúvidas que está assistindo a um novo casamento do Estado e das finanças? Mas, ao mesmo tempo, está visível onde pega a garra da águia: tranquilo, nos trabalhadores. E claro, há manifestações de revolta em toda parte, da Grécia aos Estados Unidos. Contudo, trata-se de uma manobra meramente defensiva, porque não há nenhum projeto de poder ou de contra-poder nesses protestos. Tendem a se esgotar em si mesmos, são gemidos políticos.

A gente avança na análise e percebe que não temos nenhuma medida para retomar a atividade produtiva. Porque essa política econômica é restrita, só considera o imediato da crise bancária financeira, não olha para a questão econômica como um todo. Não temos nenhuma medida, ao menos em paralelo, e secundariamente, para incentivar o investimento privado ou público e, muito menos, algum pensamento para ampliar o emprego. E o leitor e eu não esquecemos que uma mudança na economia para toda a sociedade só se dá pelo investimento. Não tendo esse caminho, como é que as empresas estão reagindo? Elas estão aumentando a produtividade. Ou seja, se possível pagando salário menor com a exigência de um aumento de produção dos trabalhadores, seja por inovações nos métodos fabris, seja pelo corte de custo no processo produtivo, etc. Meu colega André Scherer postou no Econobrasil um artigo de Robert Reich falando sobre o tema, contando que é assim que os americanos da produção estão se virando, engordando a produtividade.

Em resumo: a soldagem das finanças e do Estado está em processo. Todavia, ela está absolutamente visível na Europa, principalmente com a colagem da Alemanha, das instituições financeiras e do Banco Central Europeu em particular. Ou seja, o amor vai se dar em novas bases. O casamento seguinte será nos Estados Unidos, e tudo dependerá se estará no poder Romney ou Obama. Mas, a cerimônia já está marcada, os convites distribuídos, janeiro começa a nova administração. O resto é silêncio público sobre a negociação privada (!) entre os partidos políticos, os candidatos e os grupos financeiros; numa palavra: entre o Estado e as finanças - negociação privada (!) que está em andamento neste momento.

E O PROJETO DO NOVO PADRÃO DE ACUMULAÇÃO?

Em verdade, temos um segundo ponto que é o objetivo desse conúbio, a nova acumulação de capital. Trata-se de desenhar as condições de configuração de uma nova economia, de um novo padrão de acumulação. Keynes, o tão repudiado Keynes pelos economistas ortodoxos, já nos disse como funciona a economia contemporânea. Ela é regulada estruturalmente pela relação entre a taxa de juros e a taxa de lucro esperada. E as finanças vencem quando a gangorra dessa regulação pende para a taxa de juros. Todavia se a gente quer que se estabeleça um novo padrão de acumulação, a inclinação tem que ser para a taxa de lucro. Como é que a economia capitalista vai recuperar as finanças e depois vai transformar a estrutura produtiva?

Neste meio termo, é bom salientar, há um setor que vai bem, está estourando resultados e produtos: o setor de comunicação e informações. E pode-se prestar a atenção para a alta lucratividade que ele está atingindo. Só que uma zona da economia não faz toda a economia; mesmo que poreje dinheiro, que haja um Midas no meio de chips e megabytes. Porém, esse setor, mais outros setores da microeletrônica, mais os setores de novos materiais, mais os setores de biotecnologia, mais os setores de meio ambiente, mais os setores de energia, mais os setores de agrobusiness, etc., podem bombar. E aí, sim, estaremos navegando com vento favorável, se abrirão espaços para as velas da reformulação da economia capitalista. Se isto tem base e tem fundamento, estaríamos hoje no ponto em que Carlota Pérez chama de “turning point”, onde tudo está à beira da metamorfose.

Toda essa área de tecnologia tem capacidade de dar grandes lucros, e ela está, por sua vez, ansiosa para ter mais e mais capital. As empresas dessa área podem retornar com força ao mercado financeiro, depois da crise da economia.com na passagem do século, e arrecadar, das mais diversas formas, recursos para desenvolver os seus projetos. Existem, no entanto, dois problemas: um, é que projetos de tecnologia precisam muitas vezes de tempo para se desenvolver, são aves de longo, demorado e duvidoso voo. Uma vez, um diretor do banco de desenvolvimento do Canadá me disse que para cada 10 projetos apoiados, apenas um dava certo. Então, é preciso muito dinheiro e trabalhar com obstinação e paciência. O segundo problema, no entanto, é o mais grave. Se a tecnologia for financiada pelo capital financeiro, a cena traz um rosto dramático, pois as finanças é um capital apressado, impaciente, um glutão: só quer resultados imediatos. E o que faz obstáculo aqui é a estrutura das próprias empresas capitalistas, a “governança corporativa” que assegura prioridade ao valor acionário, o chamado “return on equity”. O que obriga a entidade a fazer o trabalho de Sísifo, buscar constantemente e com denodo a valorização das suas ações. Esforço que pode levar à desativação de projetos tecnológicos, os quais, se fossem deixados amadurecer no tempo, poderiam ter êxitos notáveis.

COMO CORTAR O NÓ GORDIO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

Esse é um dos nós, uma das encruzilhadas mais importantes para que o capitalismo possa ir avançando. Como destravar essa contradição? Há que ter uma negociação social muito candente entre os setores. Claro, existe concretamente a possibilidade de intervenção do Estado. Obama já falou disso, logo depois do “Yes, we can”. Mas, até agora, “we can´t”. Por que? Porque o Estado estava não só envolvido com a salvação dos bancos, mas também com a sua própria salvação de Estado. E daqui para o futuro, não há frouxidão, só dará uma política de austeridade. Logo, ou se acha um jeito das finanças se aliarem à tecnologia (resolvendo a questão da governança corporativa, inclusive), ou o Estado proporciona os recursos indispensáveis para o amplo desenvolvimento tecnológico dos setores dinâmicos. Entretanto, com as finanças novamente dominando politicamente o Estado como é que isso vai acontecer? Pois aqui surge a forma de uma verdade dramática: as finanças vão ter que aceitar a supressão da exigência de financeirização da empresa da nova tecnologia.

Terá as finanças esta abertura?

Mas, leitor, veja, está tudo concentrado aqui. Ou pela articulação das finanças com a tecnologia, ou pelo Estado garantindo o encontro entre a especulação financeira e as aplicações em tecnologia é que o mundo poderá olhar a sua nova cara econômica, o seu novo padrão de acumulação, unindo as esferas financeira e produtiva e dar partida a uma outra economia capitalista. Na verdade, a economia só se resolverá pelo lado capitalista se houver uma revolução capitalista nas finanças e na produção. E essa não deixará de passar pelo Estado. É a política que vai comandar a banda. Só aí, nesse instante, é que a lucratividade dos setores de capital retornará a mar aberto e, no seu desdobramento, proporcionando condições para a expansão muito intensa do emprego. Para tal, existem tarefas a cumprir: recuperar as finanças, recuperar o Estado, aglutinar as finanças e a produção, e sustentar a força de trabalho até que se dê a expansão do emprego.

SÓ AS PERGUNTAS PERMITEM QUESTIONAR O CAMINHO

Perguntas. Primeira: é possível as finanças aceitarem a necessidade de introduzir e completar o círculo virtuoso: finanças – Estado – produção, antes que acontecimentos geopolíticos possam atrapalhar essa nova rota do capital? Ou Arrighi e Wallerstein terão razão e isso não será possível. O capitalismo pode vicejar por um bom tempo nesse deserto de recessão, pequenas expansões, novos embaraços, etc. Por isso, a segunda pergunta: mas se não se construir uma economia, vamos a qual lugar: capitalismo ou a outro sistema econômico? Qual?

Pois é, formula-se uma terceira questão: estamos, então, no escuro?

Quarta pergunta. E por que todas essas perguntas? Na verdade, este pequeno exercício de futuro econômico feito acima, pode servir para nos orientar como é que as forças sociais estão compondo os seus projetos e os seus porvires. Trata-se da tentativa de compreender o game social do presente. Não estão incluídos no pacote os jogos da geopolítica. Mas no desenho da economia a vir, ele nos dá tanto as arenas dos combates como os campos de negociação, tanto as terras de aliança, como os territórios da adversidade. Estamos, com ímpeto, na senda do virtual. E no mais perfeito reino da contradição.

Como diria o poeta Thiago de Mello: faz escuro, mas eu canto.

quarta-feira, março 07, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

FINANÇAS
EM TEMPOS DE TSUNAMI
Enéas de Souza
08 03 2012


Dilma, na quarta-feira da semana passada, abriu a boca contra os 530 bilhões de euros lançados pelo Banco Central Europeu aos bancos da região. E no seu encontro com Ângela Merkel também reclamou, usou uma expressão comum, mas forte. Chamou essa operação de verdadeiro “tsunami financeiro”. Claro, ela aludia a essa manobra, mas também a algo que vem acontecendo desde a crise de 2007/08. O mar de dinheiro, a cachoeira financeira que vem caindo sobre a economia mundial, jogado pelos Bancos Centrais aos bancos americanos e europeus, e que já somam 8,8 trilhões de dólares. Convenhamos que é um fator desequilibrante da economia planetária. Poderia se dizer de fato que é um vendaval, uma tempestade e uma enchente. Porém, Dilma tem razão. Na real, na real, é de fato um tsunami. E um tsunami sobre países como o Brasil, sobre os países emergentes e sobre os subdesenvolvidos.

De onde vem? Por quê? Como? Para onde vai?

RECUPERAÇÃO DAS FINANÇAS E ESTABILIDADE DO ESTADO

Falamos na semana passada nesta coluna da união política da Alemanha e das finanças para resolver a crise da Europa, sabendo-se que a economia, não só europeia como mundial, está se dirigindo, em movimento profundo, para um objetivo claro: concentração e centralização de capital e concentração e centralização de Estados. E com essa reordenação o que vemos é um balão cativo, um plano das finanças, com um projeto de restauração do anel partido, aquele do falso brilhante do neoliberalismo financeiro.

E com esse plano, duas coisas avultam e se afiguram imediatamente vivas: a dinâmica de uma salvação econômica e a retomada política das finanças. Delas, falamos na semana passada através do texto “A economia está mudando. Você está vendo”? Nesse artigo mostrávamos a marcha do referido plano, que se desenvolveu e se desenvolve, como numa novela policial ou numa luta de box, no cenário ou no ringue dos Estados Unidos e da Europa, no pós-estouro da crise. Os passos do trajeto foram e são simples, mas a ambição extremamente ampla. Primeiro: salvação dos bancos via recursos e endividamento do Estado. Segundo: salvação, mas aprisionamento dos Estados pelas finanças, devido, inclusive, ao uso de uma liquidez gigantesca, proporcionada pelos Bancos Centrais americano e europeu. E terceiro: reorganização dos Estados, comandada pelas entidades financeiras americanas e europeias (Inglaterra, obviamente incluída) de recomposição do Estado neoliberal através do controle do orçamento, do déficit e da dívida pública, desbravando uma política de austeridade.

Tudo está muito claro, nesse plano: o objetivo final é dar novamente aos capitais financeiros o seu poder de acumulação. Para tal, é indispensável reorganizar o Estado de forma a recuperar a estabilidade de outros tempos. Naturalmente sem a capacidade de regulamentar a dinâmica da órbita onde fluem as finanças. O fundamental, portanto, trata-se da reordenação da entidade estatal, para que volte e seja capaz de dominar um dos lados da instabilidade da economia. Exatamente, na visão financeira, o desequilíbrio do setor público. Reconstruir assim a dita estabilidade do Estado para garantir a livre especulação, tentando sempre bloquear a dinamite da profunda instabilidade que está inscrita na dinâmica das finanças. Pois é notório que sem a estabilidade do Estado (e a desregulamentação do sistema financeiro) não existirá a química que sustenta a energia da especulação. Então, está evidente. O que se pretende não é a retomada da economia a partir do investimento produtivo e do aumento do emprego. Está se propondo o retorno do cassino em novas bases. E por tempo indefinido. (Estou começando a responder a uma questão colocada pelo leitor Carlos Alberto Kfouri)

A CACHOEIRA VOLUPTUOSA DA LIQUIDEZ

Onde o cassino recomeça? A política financeira, tanto americana como europeia, de níveis baixos para a taxa básica de juros da economia, seguida pelo processo de expansão da liquidez financeira que vem ocorrendo, proporcionada pelos Bancos Centrais, permite às finanças um mobilidade fantástica. Ela se dá através de trocas de títulos podres por recursos financeiros; de empréstimos a taxas baixíssimas e prazos médios para recompor o capital; de empréstimos para serem utilizados como liquidez, visando enfrentar determinados momentos críticos macroeconômicos; de empréstimos com a finalidade de garantir fontes para a alavancagem de montantes a serem usados especulativamente nos países emergentes e subdesenvolvidos. Nesse último caso, dado o baixo custo destas alavancagens, temos a transferência da aplicação financeira em mercados desenvolvidos, ainda atravancados, para mercados de economias mais atrativas, com juros mais elevados e rentabilidades mais fornidas. Contudo, as finanças levam consigo a sua roupa mais descuidada, a instabilidade. E forte instabilidade. Pois os seus aviões especulativos carregam parte da cachoeira financeira daqueles 8,8 trilhões de dólares lançados aos bancos desde o princípio da hecatombe financeira.

Responda o leitor: trata-se ou não de um tsunami financeiro?

(PRIMEIRO PARÊNTESE – E não estamos contando, para as perturbações econômicas nos países recipientes desse volume intenso de aplicações internacionais, os empréstimos que os bancos nacionais e mesmo empresas produtivas nativas, tomam no mercado externo, abarrotados da liquidez acima citada. Eles tomam a 1%, como no caso brasileiro, e ganham no mercado interno, taxas reais de 4/5%, sem nenhum risco, em títulos baseados na taxa Selic. Onde é que os mercados europeus e americanos vão dar esta taxa? Onde é que os bancos brasileiros vão ter essa possibilidade de ganhar tão facilmente? Pensem também no efeito político interno oriundo dessas oportunidades constantes de negócios. Como é que vai a política monetária assim no mais?)

(SEGUNDO PARÊNTESE – Por isso é que “gênios financeiros nacionais” insistem que o Banco Central deve aumentar a taxa de juros para deter a inflação: por causa da enxurrada de recursos estrangeiros. Velha conversa neoliberal: vamos manter a estabilidade aumentando a taxa de juros. Na verdade, esses volumes de dinheiro, de entidades alienígenas ou nacionais, correm para os nossos mercados exatamente por causa dessa elevação. E os bancos ganham mais ainda, quanto mais se eleva o diferencial entre as taxas internas e externas. Então, o esforço do Banco Central brasileiro para baixar a taxa de juros - ontem caiu para 9,75% - é um esforço para matar a volúpia especulativa vindo desse “leite derramado”, como diria nosso Chico Buarque de Hollanda.)

A GUERRA CAMBIAL COMO EFEITO DA SALVAÇÃO DAS FINANÇAS

Mas, tem um segundo efeito dessa hemorragia de liquidez sobre a estrutura da economia mundializada que Mantega já vinha denunciando há tempos no G-20 e mesmo nas suas entrevistas. Agora, Dilma pôs uma voz dissonante nesse rock das finanças. É um efeito sobre a moeda e que se faz agudo no câmbio. Olhe só caro leitor, a pirueta neoliberal: salvam-se os Bancos e reorganizam-se os Estados através de custos para a população e para os países que não estão na nova ciranda financeira de salvação dos Estados “desenvolvidos”. Assim, ao lançar dinheiro na economia americana e europeia, o que temos é um claro jorro derivado para a esfera da circulação financeira mundial e também uma perspicaz pressão desses montantes sobre o dólar e sobre o euro. Estes últimos quinhentos e tantos bilhões de euros que o Banco Central Europeu botou à disposição e que fez a felicidade das entidades bancárias europeias, introduziu um novo passo nesta tensão entre as duas moedas. Deu-se mais um choque na constante desvalorização de uma em relação à outra. E com isso, terceiras moedas, que não são controladas pelo Estado, tendem a se apreciar, como o nosso intimorato real.

A RISADA CHINESA

Mas vejam a perfídia da situação. Em cena não temos apenas duas moedas feitas cúmplices pela estratégia das finanças e dos Bancos Centrais e dos Estados americanos e europeus. A China – desde muito tempo, e por ser uma economia capitalista de Estado – tem uma política unitária estatal que se expressa inequivocamente numa política cambial controlada. Tal passe de mágica veio de uma decisão de governo e de uma operação fantástica: grudou o yuan no dólar. E já faz tempo. O que significa que qualquer movimento no valor do padrão americano, o Estado chinês reajusta o valor da sua moeda. Então, a perversidade se amplia (o que dá efeito também no Brasil, alterando a competitividade produtiva da indústria nacional e desindustrializando setores). O que acontece na presente cena monetária mundial é de uma intensidade dupla. Num dos cantos do palco, a oposição competitiva entre dólar e euro, e no outro, a China, olhando o conflito e rindo de camarote, para ajustar simplesmente a sua moeda, acompanhando o movimento depreciativo.

É a guerra cambial que Mantega vem falando e denunciando. Na verdade, há uma relação de cumplicidade de banqueiros e de políticos para salvar os bancos e a economia do eixo americano-europeu, com a China não querendo perder o passo. E essa guerra cambial, traz a tentativa de dinamizar a esfera produtiva do eixo americano sob a forma de desvalorização competitiva das moedas. Ou seja, dá um efeito também na órbita da produção pelos caminhos do comércio externo, as exportações saem mais fáceis e as importações ficam mais difíceis. É o que acontece inversamente com o Brasil: para nós, exportar fica mais árduo e importar mais cômodo. Então, a questão se faz: Dilma não tem razão em dizer que isto equivale a barreiras aduaneiras, postas pelas economias mais desenvolvidas?

NOVA PERGUNTA INQUIETANTE. HAVERÁ RESPOSTA?

E, caro leitor, medite e responda: a abundância de liquidez e a depreciação forçada das moedas é um livre mercado? Trata-se de um livre comércio?

(TERCEIRO PARÊNTESE – Não será por essa razão que a China está provocando uma diminuição do seu comércio externo pela desaceleração da sua economia? Essa é uma pergunta. Mas, também, uma hipótese. Porque neste ponto, mantida a ordem competitiva atual, e sem mudanças de estratégia, países como o Brasil, só podem trabalhar com políticas defensivas, como medidas fiscais do tipo IOF nos empréstimos internacionais, como decisões pontuais sobre a indústria a partir do Plano Brasil Maior. Se o Brasil alterasse a sua política e introduzisse controle cambial e controle do fluxo de capitais, qual seria a sua atitude? É possível no estágio das relações de forças no país, tentar uma alteração como essa?)

UM GRITO PARADO NO AR

Pelo que expomos, vemos que Dilma tem toda a razão de reclamar. Antes de tudo, por causa de uma opção política unilateral. Essa se expressa claramente nas políticas econômica, financeira, cambial, etc., adotada pelos Estados avançados. Ao contrário de tentar salvar a economia, fazendo investimentos, aumentando o emprego, salvam exclusivamente os bancos, endividam e engessam os próprios Estados. E asseguram a manutenção da especulação em escala mundial e, com a desvalorização de suas moedas, tentam empurrar suas mercadorias e encarecer as dos países concorrentes. Logo, uma política financeira, recessiva e protecionista. Uma política antidesenvolvimento, uma política pró-manutenção da especulação e pró-financeira. E na rabeira, por efeito derivado, uma abertura para uma ação mercantil de devastação da indústria dos outros países. É uma política de articulação de uma nova ordem mundial? Ou é a velha política darwiniana de liquidar os adversários empresariais e estatais? Ou as duas?

O que se pode constatar é que, se o Ocidente desenvolve uma política agressiva e demolidora, haverá fatalmente um caminho protecionista. Dilma estará pensando em outra coisa, quando diz: o Brasil vai se proteger. Pergunta: Vão começar movimentos protecionistas globais? E a crise atual que tem um conteúdo recessivo se encaminhará, então, para um rumo depressivo? A chegada a um novo porto, a um novo padrão de acumulação, ocorrerá quando o ciclo capitalista superar a recessão atual? Ou forçosamente haverá uma depressão?

E embaixo de um certo mau tempo, existem duas perguntas que muito nos interessam: e o Brasil, apesar de tudo, dará um salto econômico como ocorreu nos anos 1930 da última grande depressão? E para tal, precisará fazer o que?

quinta-feira, março 01, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

A ECONOMIA ESTÁ MUDANDO.
VOCÊ ESTÁ VENDO?
Enéas de Souza
01 03 2012


1) A partir dos últimos acontecimentos na Europa, você pode entender que a economia está mudando. Vamos pensar um pouco. Vamos começar a olhar o momento atual do continente europeu. E ver que ele não chegou a esta situação por acaso. Ele tem, em primeiro lugar, passado. Ou seja, veio no fluxo do desenvolvimento do capitalismo, num período que se alargou de 1979 a 2007. E que, vejam só, culminou, rocambolescamente, numa crise financeira mundial. E foi assim, dos Estados Unidos, ela se desdobrou, como uma flor secundária, mas complexa, numa crise europeia. Agora maturando, está pedindo solução. Cabe acrescentar que a crise europeia na crise global tem, no entanto, uma duração autônoma. E requer como um botequim em convulsão, uma saída local. O bar precisa ser reorganizado: mesas, cadeiras, copos, bebidas, atendimento. Olhando para a paisagem toda, a gente percebe que o que se passa no mundo todo afeta a Europa. De uma maneira reversa, só que girassol diferente, a influência vai de volta. Porque hoje tudo está ligado em tudo. Logo, o espaço de realização do capital é mundializado, o de cá bate lá e o longe chega aqui.

2) O economista que analisa a situação do continente europeu pode cogitar que o processo vai mudar, e que ele, então, tem futuro. É verdade. Porém de onde se pode perceber esse futuro? O olhar fica mais aguçado se a gente o insere na dinâmica econômica do Ocidente e do mundo. E quero assegurar que, se o enxergarmos com a vista posta no longo prazo da mundialização e na longa duração da História, podemos vislumbrar, com traços mais nítidos, os seus contornos de hoje. E óbvio, é indispensável dizer que nada está decidido. Embora as condições da economia, da política e da cultura, na maioria dos países, estejam dadas. Nada garante, isso também é visível, a economia que vai sair desse conjunto. Ela pode sair para uma nova economia capitalista totalmente inovadora. Ou pode sair para uma economia estagnada, anêmica por longo tempo, uma economia global do tipo japonesa. Ou pode sair para uma economia em redemoinho, exalando um desarranjo furioso e até mesmo guerreiro. Dito de outra maneira, estamos navegando, como gostam de dizer certos economistas, na mais plena incerteza. Mas, agora está se vendo que aquilo que estava totalmente desequilibrado, agora está chegando a um patamar mais favorável às finanças. E é sobre isso que devemos falar.

O TEMPO DO CONSERTO

Na tentativa de entender a mundialização, cabe perceber que estamos na segunda fase da falência da construção financeira da economia mundial. Falência não quer dizer que a hegemonia das finanças vai desaparecer. Significa que ela vai mudar. Ela perdeu a direção e tenta encontrar um novo rumo. Na verdade, depois de um tombo, ela deu um jeito e começa a parar a queda. Ou melhor, a controlar sua queda. Então, já está em vias de metamorfose. Isso porque existem muitas conotações num processo econômico como o que estamos vivendo. Ele é um processo longo e lento. A expansão tem um percurso demorado, mas, quando a crise estoura, a caída é rápida. Rápido, todavia, não é o seu conserto, o seu rearranjo.

AS FINANÇAS TOMARAM A INICIATIVA.

1) O que está acontecendo agora? As finanças, neste momento, voltaram, não digo a jogar de mão, mas, pelo menos, a tomar a iniciativa. O que significa dizer que elas têm um plano não só para os mercados como também para a organização política das nações. E esse plano, que segue uma estratégia, tem um ritmo que já se identifica. Antes de tudo, o alvo principal: salvar e dar novamente a liderança do processo econômico e político aos bancos. E, em seguida, como um quadro construtivista de Malevitch, passar da economia à política, isto é, salvar os Estados. Esse é um plano para todos os lugares, ao menos no Ocidente. E como o que está em pauta neste artigo é examinar, para onde o processo atual da Europa indica o seu dedo, a gente tem que ver como as finanças querem, no mesmo movimento, colocá-la dentro da nova mundialização. Pois o que está em jogo é essa construção.

2) O que é essa nova mundialização? É uma etapa que se desenvolve a partir de dois eixos: do eixo americano – hegemonizado pelas finanças americanas, com as europeias acompanhando-as no cordão financeiro – e o eixo chinês, hegemonizado pela produção e finanças do Estado da China. E essa dinâmica permite uma certa oscilação do Brasil, da Rússia e da índia, se inclinando tanto para um como para outro eixo. Só que esse atrito de eixos desemboca também numa nova economia de características tecnológicas novas.

O FUNCIONAMENTO DA NOVA MÁQUINA

1) A crise europeia é uma coisa que veio se arrastando como tartaruga veloz, passinho atrás de passinho. Depois que as finanças conseguiram sobreviver ao naufrágio americano, a Europa continuava nadando, na eminência de um afogamento. E se encontrava numa desorganização endoidecida, num desvario terrível. As finanças montaram, então, um plano para a Europa. E é isso que é a grande novidade desse fim de 2011, começo de 2012.

2) As finanças europeias apoiada pelos Estados Unidos, pelo FED, pela tróica (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu) desenvolveram um plano e uma operação de grande envergadura, que foi se esclarecendo ao longo do processo. Primeiro ponto, ponto de honra, ponto fundamental para o resto das tarefas: salvar, antes de tudo, os bancos. Em segundo lugar, salvar os Estados europeus, que entraram alguns deles em decomposição compulsiva, como a Grécia. E em terceiro lugar, esboçar uma reorganização interna da Europa, base para um reposicionamento dela no contexto da mundialização. Como se vê um processo amplo, só que marcado por decisões orientadas pela visão das finanças, que é uma visão que estica o curto prazo como definição do longo.

3) O giro que fez toda a diferença, que deu origem à manobra ampla, foi um movimento institucional. Começou com a retirada de Trichet do Banco Central Europeu. Em seu lugar, entrou um pássaro esperto, de raça nobre financeira, chamado Mario Fraghi, financista vindo do Goldman Sachs. O efeito imediato se expressou na alteração da política monetário-financeira do BCE. Draghi foi baixando a taxa de juros até atingir o nível de 1%, rompendo com a política ortodoxa extremamente rígida de Trichet. Passou-se para uma política ao estilo americano do FED, causando uma inundação de liquidez aos bancos. Ou seja, dinheiro abundante. E ao mesmo tempo, houve uma absorção dos títulos podres das instituições bancárias. Dois objetivos: dinheiro para aplicações e limpeza dos balanços bancários. E nesse processo, o BCE tratou de funcionar como o banco dos bancos. E como ele está proibido, por estatuto, de emprestar para os Estados, o resultado imediato foi que os bancos viraram de posição. Ou seja, começaram a ganhar dinheiro fácil, tomar a 1% e emprestar a taxas variáveis e altas para os Estados. Humoristicamente, se poderia dizer, que agora o emprestador dos Estados, em última instância, eram os bancos. E com isso, eles começaram a espremê-los, como a laranja do suco de ouro.

4) A tentativa de salvar os bancos, no entanto, teria que se fazer acompanhada simultaneamente pela reorganização dos Estados. Pelo menos, três deles estavam em péssimas condições: Irlanda, Portugal e Grécia; dois, em profunda crise, mas com capacidade de superação: Espanha e Itália; e um, em decadência econômica e política, a França. Os demais em relativa e boa situação, com um, em boas condições e comandando o processo político: a Alemanha. Então, apareceu o segundo ponto da manobra das finanças, uma aliança tácita entre bancos e o governo alemão. E daí surgiu, um grande movimento na reorganização europeia. Uma nítida inclinação conservadora, onde brilhavam economistas ou banqueiros ou políticos de direita, que tivessem todos a mesma visão da solução econômica. Claramente, um conservador para Portugal, um banqueiro para a Grécia, um economista do MIT, Monti, para a Itália, e os conservadores de Rajoy para a Espanha. No entanto, a operação mais sutil se deu na costura do desmantelamento da posição da França. O reabaixamento da sua nota por uma agência de ratigns, trouxe um deslocamento da posição da França da co-liderança da União Européia. Pois é desse país enfraquecido que vem o único perigo, e a única e ainda assim tímida ameaça a essa ordem. Está se falando de François Hollande, do PS, candidato à presidente da França. Contudo, a audácia das finanças parece de volta. Começa-se a falar de um processo de expulsão na União Européia. E isso começaria com a Grécia. Veja o que um ministro alemão falou ontem. E depois da Grécia pode vir Portugal. A Irlanda estará na mira? Ou seja, a solidariedade sumiria na audácia bandida. De fato, as finanças têm, efetivamente, o projeto de um revival, de uma restauração.

5) Olhe bem o jogo das finanças, combatente leitor. Primeiro, uma mudança no tope do sistema financeiro europeu, a mudança do comportamento do BCE. Segundo, uma harmonização na direção dos países com a liderança da Alemanha e um desnucamento da França, e quem sabe, uma forçada de barra para cima de Grécia e Portugal. E aqui é que se pode ver a frente renovada das finanças, a conexão Estados Unidos, Inglaterra e Europa. Primeiro, uma estabilidade americana, agora uma europeia. As finanças tem o pensamento claro para uma nova mundialização: salvar os bancos e reorganizar os Estados. E com o adubo preferido do jardim financeiro: sem que o problema da regulamentação das finanças seja tocado na sua essência. E qual é a sua essência? Manter a concepção do Estado como um auxiliar e um defensor da acumulação de capital por meio de títulos privados e públicos. Ou seja, ele deve atender, acima de tudo, ao sistema financeiro. Para tal deve reorganizar as suas próprias finanças com orçamentos e déficits programados e controlados rigidamente e com as suas dívidas solucionadas num tempo razoável, de forma controlada pela Alemanha e pela tróica (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu).

6) Ora, vocês já perceberam tudo, não é? A Europa social não é levada em consideração. Nenhuma atenção ao emprego. Para canalizar a resolução dos Estados, os cortes caem em cima das despesas (servidores públicos, direitos sociais, programas econômicos) e mesmo sobre patrimônios rentáveis (as chamadas privatizações). O que significa ausência de investimentos públicos e diminuição do consumo do Estado e do consumo dos funcionários. Por derivação, teremos tanto a queda do investimento público e privado como do consumo do governo e do setor privado. Qual são os ganhos, então? Os ganhos são a recuperação das instituições financeiras e a busca, no tempo, da solução do setor estatal. Vimos, nos últimos anos, um processo de concentração e centralização de capital, e agora estamos vendo se completar na Europa um processo de concentração e centralização de Estados. China, Índia, Rússia e Brasil cresceram, os Estados Unidos estacionou e a Europa encurtou, mas está se reorganizando. Lá adiante, mas bem lá adiante, o projeto das finanças prevê a recuperação e a retomada do crescimento das empresas, depois do investimento privado e por fim do emprego e do consumo privado, além da reorganização financeira do Estado. Mas, só depois da limpeza de capital e dos Estados.

O slogan desse processo é quase soviético, mas com sinal trocado. Em vez de “todo poder aos soviets” é “todo poder às finanças”. E novamente – só que num patamar de transição e de menor altitude. Ironia, sim; pura ironia da História.

ALGUMAS PERGUNTAS QUE INCOMODAM

1) No nível econômico, a confecção da carruagem é extremamente complicada, seja porque a recuperação das finanças, por mais importante que seja, não indica que a economia irá bem. Pois, o crédito à produção continuará escasso. E aqui a pergunta serve para todo o eixo americano e, claramente, para a Europa: como vai se dar a recuperação econômica? Como vão se integrar as regiões econômicas na mundialização produtiva?

2) De qualquer forma, a gente vê o que está acontecendo, uma nova combinação de finanças e Estado. E em função do plano que falo acima, a economia está freando o seu desgoverno, o que melhora para os capitais, mas não para população, ela está desempregada e empobrecendo. Contudo, a economia capitalista não se preocupa com as pessoas; ela se preocupa com o capital. E uma economia com dominância financeira tem sempre uma contradição básica: mesmo quando se estabiliza, ela é instável, porque as finanças, já que especulativas, se instabilizam continuadamente. Minsky tem razão; não é por outro motivo que tem um livro excelente que se chama “Estabilizando uma economia instável”. Temos, no caso atual do processo econômico contemporâneo, uma dialética entre a busca de controle e a instabilidade da natureza desse capitalismo financeiro. A economia está mudando, você está vendo? Claro que sim, só que você não tirava as conclusões indispensáveis, não se dava conta do plano das finanças. Então, o mundo está salvo! Não, não exagere. Porque essa parada na ladeira pode ser apenas um patamar para uma nova descida. O que tudo está a indicar é que as finanças tomaram as rédeas dos indóceis cavalos econômicos para os seus objetivos. E as outras forças sociais aceitarão? Veja bem, um ciclo econômico para reverter a sua tendência, no caso, tendência declinante, só reverte quando as condições de lucratividade da economia como um todo voltam a crescer. Estamos nessa fase? Ou, a ave de mau agouro, que nos espreita, está certa: o que está vindo, logo depois desse “stop”, é uma nova ladeira?