quinta-feira, agosto 26, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
26 de agosto de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


O CREPÚSCULO
DO
NEOLIBERALISMO

Por Enéas de Souza


O CAMINHO DA ECONOMIA MUNDIAL

1) O LAÇO QUE SE DESMANCHA

Olha só como está o mundo: Estados Unidos em paralisia, obviamente que a digestão dos títulos podres ainda não terminou. Vai longe. E o desemprego também. Portanto, caldo de revolta junto com corrosão do desemprego. Não se vê retorno à vista. E a mídia a dar notícias que esta empresa aumentou os lucros, que aquele banco ganhou horrores neste semestre. O que é verdade, mas não é tendência da economia, é tendência de uma ou outra corporação. O fato é que o crédito não flui, não irriga a economia, nem à especulação, nem à produção. E hoje chegou a notícia que o setor imobiliário não deslancha, vendeu-se menos novas casas que o previsto. De qualquer modo, é preciso desarmar definitivamente as finanças e dar ênfase na produção. Mas vai levar tempo. Mesmo porque o FED (o Banco Central) está ameaçando em comprar mais títulos podres para ver se alguns bancos conseguem escapar.

Pode-se ver a turbulência social americana, internamente, com o lento desmanchar da economia de hegemonia financeira até chegar uma nova, com as devidas renovações tecnológicas decisivas e a reacomodação imprescindível das finanças. Fala-se, cada vez com mais insistência, numa necessária regulação dos bancos e num controle do sistema bancário separado do sistema não-bancário. Mas, até agora os bancos querem reaver a sua lucratividade sem consegui-la. Os atores continuam em cena, mas a platéia cansou do espetáculo. Falta o encerramento da peça.

Na geopolítica, continua o desastre americano no Iraque – trocando tropas oficiais pelas empresas de guerra privada – e no Afeganistão – onde Karzai rejeita estas últimas, por serem inclusive “terroristas”, segundo seu discurso de ontem. E o Irã continua sendo uma guerra em potencial, o que significa dizer que as confusões do Oriente Médio continuam a mostrar a dificuldade de Obama impor sua visão geopolítica de paz. No entanto, o que se sabe é que estamos em plena transição neoliberal, e o bafo conservador e militar ainda está fungando forte na presidência Obama. A unipolaridade americana, apesar do seu imenso poderio econômico, militar, político, diplomático já era. O problema é como ele vai se posicionar, agir, interagir com a Europa, a China, o Oriente Médio e o resto do mundo.

2) O LAÇO QUE SE SOLTA

Já a Europa vai de mal a pior. E lá, o incesto “Estado/Bancos” está levando a uma grande busca de contração fiscal. E sabem o que é contração fiscal? É Estado sem capacidade de gasto, é economia lomba abaixo, é deflação, é desemprego, são enormes fraturas sociais. O curioso é que a invenção da Comunidade Européia acabou sendo um bom negócio para a Alemanha, que está jogando de mão, exigindo controle fiscal, definindo as linhas gerais da Europa. E ainda pode decidir se fica ou não na Comunidade. Já a França, com o Sarkozy, saudado como o gênio europeu pela direita politicamente inculta do Brasil, está entrando numa zona de alta turbulência. Ameaças por toda parte, desde cortes fiscais de direitos sociais até perseguição aos ciganos. A palavra de ordem da população francesa é RESISTIR. Grande sucesso está fazendo um juiz chamado Portelli que levanta a resistência em nome da Revolução Francesa e dos franceses contra Vichy. A Comunidade Européia pode se desmanchar – talvez fique, apenas, um núcleo duro. E em toda a Europa existem muitos perdedores, sobretudo a Europa do Leste e a Grécia. Na evolução geopolítica e econômica já se prevê uma aliança Alemanha/Rússia, que poderia ser um subeixo econômico ao grande eixo futuro, Estados Unidos/China, na nova configuração econômica mundial. A cadeia neoliberal unipolar americana com os enlaces, em primeiro lugar, com a Inglaterra (God, please, save the Queen) e em segundo, com a Comunidade Européia, dá cores mais nítidas de uma degradação cujo fim ainda não se pode prever. Pode ir ou pode ficar euro, pode ir ou pode ficar a Comunidade. Enfim, tudo está incerto.

3) OS DOIS CENTROS

A retomada da economia mundial virá de uma relação entre a economia americana e a economia chinesa. Teremos dois centros daquilo que Braudel chamava de “economia mundo”. Só que, num primeiro momento, os Estados Unidos estão se reformulando. E obviamente no longo do tempo vão puxar tanto a economia das novas tecnologias de comunicação e informação como outras tecnologias inovadoras como aquelas ligadas às ciências médicas. Virá de lá também um dos pólos da renovação energética do mundo. E só neste momento é que a relação com a China vai se fazer plenamente. Embora não seja equivocado dizer que a China está em forte reconversão de sua economia, centrando mais na realidade interior, bem como na importação de mercadorias, só não se pode dizer que ela puxará sozinha o mundo. Seja como for, a China está sólida e com dinheiro na mão e com capacidade de decisão mais centralizada por causa do papel do Estado e do seu planejamento. Por isso, sua negociação com os Estados Unidos está sendo interessante e vai continuar interessante, porque eles têm 2 tri e 300 bi de dólares de reservas. Há interesse em articular os dois grandes centros. E por fim, é importante afirmar que o dinamismo do mercado mundial, neste momento, vem dela, que não só fertiliza a Ásia como enlaça a América Latina e a África. Naturalmente que inúmeras questões estão e vão surgir nesta parte da dinâmica da economia mundial que vem da China. Tudo está se fazendo e tudo está para ser negociado.

4) AS ESTRUTURAS QUE ESTÃO SE CONSTRUINDO

Do ponto de vista econômico, dois aspectos é preciso mencionar.

De um lado, a revolução da forma do capital financeiro. Uma retomada da superioridade da órbita produtiva com as transformações tecnológicas tanto da infra-estrutura energética como do encadeamento da nova dinâmica da produção. E a conseqüência mais vital, o recondicionamento das finanças, provavelmente dividida em duas partes, uma fornecendo crédito para a produção e outra, deixando espaço para a especulação, mas com controle para evitar a contaminação da esfera produtiva. A vantagem será que as eventuais crises financeiras serão circunscritas ao próprio espaço financeiro.

De outro lado, vai se articular um novo espaço internacional, onde a nova dinâmica ligará estes dois grandes centros: Estados Unidos/China, com os americanos hegemonizando a economia com as novas tecnologias de informação e comunicação, enlaçando outras tecnologias com a bioeletrônica, a nanotecnologia, etc. A China entrará em campo com uma larga produção de produtos mais tradicionais, Desta forma, em torno do eixo Estados Unidos/China os demais eixos, zonas ou países vão se compor. Estamos vivendo o crepúsculo do neoliberalismo. Um novo período histórico está surgindo. (Cabe ao Brasil, nesta eleição, decidir se vai se encolher como no tempo de FHC ou vai continuar a grande reformulação do governo Lula. Esta eleição é decisiva para o nosso destino).

5) E A CIVILIZAÇÃO?

Mas, a indagação mais profunda vai atravessar essa nova construção: que valores de civilização estarão se gestando nesse novo período histórico? Ou, dito de outra forma: teremos o prosseguimento desta civilização selvagem onde a traição, a truculência, o dinheiro, a subjetividade construída por mercadorias continuarão dominando? Se não houver uma política pública para a cultura é certo que os valores selvagens poderão continuar a dirigir as mentes dos habitantes do planeta. Nesse sentido, a pergunta é: teremos um novo período econômico e um novo período de civilização com os mesmos descabelados valores? Ou o novo período econômico estará produzindo o ocaso – quem sabe? – da civilização do capitalismo selvagem?

quinta-feira, agosto 19, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
19 de agosto de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


PERGUNTAS
PARA O SERRA
RESPONDER
E GANHAR
A ELEIÇÃO

Por Enéas de Souza


1) Começou o horário eleitoral. Dilma está disparada na frente e Serra segue seu calvário e sua errância, tentando achar uma ruptura na estratégia da candidata de Lula. Indaga-se porque Dilma está na frente? Um clarão devastador. E para tal saber, vamos tentar observar o que lateja e o que grita como o efeito dos movimentos da sociedade, movimentos, é indispensável observar, nem sempre são tão claros e singularmente visíveis para a população e os votantes .

2) O primeiro passo da resposta parece fácil. Todo mundo diz: porque Dilma é a candidata de Lula. Mas, só isto não decifra a questão, que vibratória nos leva à tentativa de explicação desta facilidade. Vamos mais longe então. Aqui nós nos encontramos no meio da correnteza, o nosso barco se aproxima da clareira explicativa. O porto onde começa a nossa viagem se esclarece: porque Lula superou o neoliberalismo de Fernando Henrique e José Serra. Mas, é tão simples assim a resposta? A jogada de Lula deu certo? Vamos analisar o tema fora do quadro do imediato, do jogo político de divergências, de diferenças, de gozações e, às vezes, até de mágoas e atrevimentos, quase de ofensas como de picardia. Vamos seguir o roteiro que a história teceu, bem como este que vai se fazendo, um tapete explicativo, um painel de pelo menos de 16 anos, de 1994 para cá. É preciso olhar o período histórico FHC (e Serra). Cardoso, como é conhecido fora do Brasil, fez um governo dominado por um processo de acumulação financeira do capital, sem nenhuma distribuição de renda, a não ser na conversão do cruzeiro para real. No longo do período, um desastre para os baixos salários e os indigentes. No final, um expressivo desemprego avultava. A rosa negra do liberalismo. Ela toda colocada no vaso de uma imensa dívida externa.

3) O governo de FHC estabeleceu o Brasil como um dos paraísos das finanças. Sua base coletiva de apoio era liderada pelos banqueiros internacionais e nacionais. Fez uma política externa medíocre, aceitava a ALCA, não tinha presença mundial nenhuma salvo no MERCOSUL e suas decisões estavam sempre no alinhamento automático aos Estados Unidos. Uma das raras divergências era a posição pela paz no Afegasnistão. Fora disso, era a busca de condecorações e títulos honoríficos universitários, os chamados “Doctor Honoris Causa”. No plano da economia, construiu uma política econômica desfavorável aos setores produtivos (que ganhavam bastante, mas só no jogo financeiro) e aos trabalhadores, desligando-os de qualquer influência política. Acabou reiteradamente incrementando a alegria às finanças, como se o Tesouro brasileiro fosse um baú da felicidade. O resultado geral foi um caminho liberal econômico aguçado: desestatização (o que significou a construção de um Estado financeiro), desindustrialização (conseqüência fatal da prioridade da valorização dos juros e ausência de uma política industrial) e privatização em larga escala principalmente da Vale do Rio Doce (verdadeira calamidade estratégica para o Estado brasileiro). A doação do patrimônio nacional foi tão intensa que FHC só não conseguiu privatizar a PETROBRÁS (embora a tentativa da PETROBRAX), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. A estratégia nacional de FHC era não ter estratégia nacional. A sua retórica pregava que a dinâmica econômica fosse puxada pelo capital estrangeiro. E as suas decisões passavam pelo privilégio da abdicação macro do seu governo, ou seja, quem comandava eram as estratégias microeconômicas dos grandes atores internacionais e nacionais.

(Como é que o Serra, participante e herdeiro desta postura, vai querer votos do setor produtivo e dos trabalhadores e dos pobres e dos miseráveis? O povo terá ouvidos para quem jogou desta forma? Claro, sua carta foram os trabalhos na saúde. Afora, como depôs Itamar, a apropriação indevida sobre a paternidade do combate a AIDS e os genéricos, Serra desempenhou um papel acentuado. Mas para quem foi um oculto Ministro de Planejamento, esta atuação setorial específica, pergunta-se, é suficiente para esperar o reconhecimento em votos da população? E eu pergunto, para aqueles que estão criticando este escrito, poderia ser diferente para o Serra, que como FHC, Malan, Armínio Fraga, e tantos outros que estiveram no governo de FHC, facilitaram e fizeram a montagem de um sistema de acumulação financeira? É politicamente razoável pensar que a população levaria o Serra a uma vitória retumbante? É racional compreender que a sociedade brasileira tinha que pensar de outra forma e rejeitar Lula e Dilma, diante desse processo social empreendido pelo governo henriquino? E não se pode esquecer que o próprio FHC declarou à revista Época, que foi Serra quem lhe convenceu a privatizar a Vale. Pergunta: é aceitável que a nação se rejubile com a candidatura de Serra?)

4) O arco político que sustentou o governo de Lula baseou-se num pacto tácito, na práxis social e econômica dos banqueiros, dos industriais, dos agricultores, dos trabalhadores, dos desempregados, dos empobrecidos, dos deserdados. Lula soube escutar os desejos diversos das camadas sociais. E montou um governo cujo objetivo foi, no médio prazo, desmontar política e ideologicamente ( e se possível economicamente) a hegemonia do financeiro no processo de acumulação capital do Brasil. É obvio que as finanças não perderam o comando, mas o seu poder na política econômica foi sendo progressivamente contrabalançado. Os alvos que se construíram não estiveram somente entre os objetivos exclusivamente financeiros. Estão visíveis, nas suas proposições e limitações próprias, os vastos e coerentes programas sociais e o reposicionamento do setor produtivo no campo dos negócios. Houve um segundo ponto extraordinário. Ocorreu uma vasta operação para inserir o país na geopolítica internacional. Viu-se então o Brasil organizando, dialogando, mediando, combatendo, interferindo, divergindo e propondo medidas e idéias e valores, como um player global - de porte médio, naturalmente. E o que se pode concluir é que o Brasil de Lula teve estratégia e projeto nacional.

(Pode Serra esperar que os múltiplos beneficiários deste programa possam rejeitar Lula e Dilma, por mais que tenham discordado de algumas opções do governo Lula, em prol da sua candidatura? É razoável pensar que Lula, tendo feito um governo aprovado espetacularmente pela população, seja repudiado na sua indicação de Dilma? Ou seja, do ponto de vista do movimento das classes, dos grupos e das frações sociais seria racional e razoável pensar que estas classes e estes grupos e estas frações vão rejeitar a candidatura de Dilma Roussef? )

5) De outro lado, é importante ver que o movimento político ao nível das classes é expresso politicamente por figuras determinadas. Ou seja, as personalidades têm importância no jogo político. Lula sai do governo mostrando uma genialidade política que nem de longe FHC pôde e pode aspirar, embora tivesse a vã pretensão de superar dois gênios da política brasileira, Vargas e Juscelino. Primeiro ponto de Lula foi a capacidade de organizar a sua estratégia em torno do arco político e social dos banqueiros, dos industriais, do setor agrícola, dos trabalhadores, dos desempregados, dos excluídos e enfrentar da melhor maneira possível, Prometeu acorrentado, a grande operação do “mensalão”. Debaixo de enchentes e desmoronamentos e soterramentos, ameaçado de impeachment, conseguiu atravessar o Rubicão nas eleições do segundo mandato. E daí, partir para alterar definitivamente a forma de agir do Estado e incidir sobre a hegemonia financeira. Tivemos, então, no decorrer desta fase, o começo da reconstrução do Estado, um esboço de recuperação do Planejamento (o PAC), a visibilidade do êxito do Bolsa Família, do Luz Para Todos, o ProUni, o crédito consignado, o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, etc., etc. Ou seja, o Estado financeiro passou a se dirigir para um Estado capaz de projetar programas, intervenções e ter ambições estratégicas maiores, como entrar no campo energético, atuar no fornecimento de alimentos, exportar minérios, etc. Ou seja, esboçar um avanço na nova divisão internacional do trabalho.

6) Lula combinou uma estratégia de atender as necessidades de lucratividade dos setores capitalistas e uma estratégia de, com recursos escassos deixados pelo processo financeiro de acumulação, fabricar uma política consistente de apoio às classes empobrecidas. Os resultados são visíveis nas cidades do interior brasileiro, na periferia das grandes cidades, nas feiras, nos supermercados e nos shoppings. E, principalmente, a resposta política do Brasil na hora da crise mundial. Foi, dentro possível, um keynesianismo por dentro, abdicando de impostos, produziu uma bela sustentação de indústrias chaves, ao mesmo tempo que acrescentava poder de compra à população, inclusive da classe média.

7) Sutilmente, sem tirar a renda financeira, Lula foi desfazendo a política liberal e financeira de FHC e, lentamente, mostrou que o Estado é fundamental no capitalismo, seja para defender o capital, seja para distribuir renda. FHC era um subordinado do capital. Já Lula procurou favorecer a população, equilibrando as vantagens deste. FHC dava politicamente esmola com os seus programas sociais; Lula, ao contrário, valorizou os recursos para as classes desfavorecidas dando coerência à aplicação destes. FHC foi um fiel defensor da financeirização; Lula abriu perspectivas sociais para outras classes crescerem, mesmo que modestamente em contraposição. Nesse sentido, Lula foi um varguista. Ou seja, para contrabalançar o império político, social e ideológico do capital, é necessário fazer com que o Estado ponha o seu peso na contra-mão dos interesses dominantes. Mas, o varguismo de Lula foi também inovador, porque tanto usou os contatos diretos com sindicatos, organizações populares, etc., como usou a televisão, introduzindo um populismo mediático. E foi pelo conjunto da obra, desde o bloqueio da exclusividade de benefícios monetários para o capital financeiro até a possibilidade de dar bolsa família, educação, moradia e passagem de classe a grandes contingentes da população, que Lula encaminhou os votos para Dilma.

(Pergunta: Serra tem mesmo a pretensão de que toda a gente, que participou dessa transformação, vá votar na sua candidatura? Ele que sempre apareceu como nacionalista e, até como centro-esquerda, tem condições de disputar a presidência, indo para a direita, tentando recuperar o neoliberalismo esfacelado? É possível fazer uma manobra profunda e querer ir mais à esquerda, com as suas convicções e com o partido que tem? A política zigue-zagueante de ir para a direita e ir para o populismo, dará algum resultado?)

8) Precisamos, no entanto, salientar que um grupo social vai ser profundamente afetado na atual conjuntura: a mídia. Dado que as modificações do próximo padrão de acumulação de capital passa, entre outros aspectos, pelas novas tecnologias de comunicação e informação, pode-se esperar que estas empresas, que clamam tanto pela liberdade de imprensa/empresa, terão condições de continuar o seu papel de indústria ideológica, como atualmente se apresentam, ao contrário de indústria de informação? Assim, a sua radicalização tem sido notória, embora, nada esteja decidido. Pode-se notar que o desespero destas indústrias é expresso em ações ideológicas e estratégicas visivelmente contra a sua própria posição de empresas de informação, que um dia pretenderam ser. Este setor sim, está tentando derrubar a candidatura da Dilma, aliando-se ao Serra, que está embalado nelas. As últimas pesquisas têm mostrado que tem sido diáfanos e escassos os seus resultados. Embora tentem com disfarces indisfarçáveis apoiar o Serra, são responsáveis por seu caminho cada vez mais errático, e significativamente, à direita contra o arco prático da aliança social que aqui salientamos. Sempre lhes resta a armação, mas é preciso que pegue.

(Talvez a grande pergunta para Serra seja a seguinte: tem ele estratégia para avançar ou alterar este modelo financeiro (contrabalançado pelo produtivo e pelo social), que foi desenvolvido no período do governo Lula? Mas, temos ainda uma segunda pergunta. Pode um candidato, seja lá qual for, desmanchar uma aliança prática de classes - que mesmo tendo interesses profundamente divergentes e se combatendo mutuamente - que ainda pode dar passos juntos para avançar nacional e internacionalmente, seja política, seja econômica ou seja socialmente?

Sim - se a resposta for sim - a eleição será ganha por Serra!)

quinta-feira, agosto 12, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
14 de agosto de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


NÃO HÁ PAZ
NA LONGA JORNADA
DENTRO DA GUERRA

(Comédia ou tragédia?)
Por Enéas de Souza


Quando Obama assumiu sabia que o vento passava à tempestade, como uma tarde destas de inverno balouçante e feroz. Mas, esta história da política externa está meio inquietante. Primeiro, porque ele lançou o tema da paz. E a jogada era boa. Stalin numa situação complicada e grave e sem dinheiro para gastar e com um país destruído lançou a cortina de ferro, o comunismo em crescimento e a paz. Deu no que deu. Embora a idéia da paz tenha sido frutífera. Pois, agora foi Obama quem entrou com a carta pacífica. Tudo muito bem, e na sociedade do espetáculo, tudo dá um bom marketing. Só que quando ninguém manda na política externa americana, nem Obama, nem Hillary, nem mesmo o Pentágono - porque não pode insistir demais na guerra, porque o povo é contra - o diabo se diverte com os Estados Unidos. E Obama fica pendurado na palavra.
Comédia ou tragédia?

A idéia da paz era uma boa idéia. O país vai de retro. As finanças dando as piruetas do momento, fazendo os lobbies mais indesejáveis possíveis e a economia não saindo do saco – basta ver o desemprego que continua alto, muito alto: 9,5%. Resultado: a carta da paz é uma bela carta, mas que se esmaece visivelmente. Vejamos o contexto. Obama sai tentando dar um drible em todos, passa a ênfase da guerra do Iraque para o Afeganistão, marcando a promessa de saída do primeiro, e garantindo aos militares com o segundo, a sua boa guerra. O anúncio de que os americanos saem agora em agosto pouca gente acredita, porque não basta que haja retirada de tropas, é importante que saiam também as agências privadas de guerra. Estas vão sair? Não. No caso do Afeganistão, o general Christal falou demais, meio que ridicularizou Washington, teve que abandonar o comando do teatro de operações enquanto o general Petraeus retornou ao campo, só que não mais no Iraque, mas no campo dos afegãos. Contudo, a coisa mais contundente foi essa história do Wikileaks, tremenda enrascada, onde está muita coisa em jogo: a capacidade dos americanos de fazer a guerra, a qualidade da sua estratégia e a segurança dos seus órgãos de inteligência. E, principalmente, a evidência de uma desordem militar, política e de inteligência do povo de Obama. (Isso sem contar o problema do controle da Internet, da qual falaremos proximamente).
Tragédia ou comédia?

Claro, a política externa americana é uma coisa complexa. Mandam três pontos: (1) o gabinete de Obama, (2) Hillary e (3) o Pentágono e a indústria bélica. Ou seja, não há unidade. Um grupo tenta sobrepassar o outro, e todos se atrapalham e o maior poderio do mundo – incontestável – do Exército dos Estados Unidos está colecionando, no momento, a sua segunda monstruosa derrota, o Iraque, e se encaminha para a terceira, o Afeganistão, depois do fatídico Vietnam. E tudo em tempo de busca de paz que é a busca de uma boa guerra. No Iraque, continuam os contratos de petróleo, provavelmente protegidos pelas empresas privadas de guerra (continua lá a turminha do Bush, do Cheney e da Blackwater). No Afeganistão, uma guerra sem sentido, num país devastado pelas lutas com a União Soviética, pela guerra civil e agora pela guerra contra Bin Laden, no pós 11 de setembro. Para se ter uma idéia destas circunstâncias, veja o leitor “Guerra do Terror” de Kathryn Bigelow (*), Oscar deste ano, que é sobre o Iraque, mas vale para o Oriente Médio (inclusive para a projetada e ambicionada guerra do Irã). Neste filme se pode perceber porque alguns americanos ainda vão para o combate, que é uma colcha de bombas chamando os soldados para o abraço do horror.

Ou seja, o lance de Obama está fazendo água, tem a figura de espelho partido: a paz, o Iraque, o Afeganistão, o vazamento de 92.000 documentos da Wilileaks, a fragmentação do comando da política externa, até mesmo a tentativa de criar clima de guerra com o Irã. Reflexo contraditório de sua vitória eleitoral e do desmanche da união finanças–indústria bélica–mídia–militares (que elegeu o governo Bush) e que obviamente ainda está de pé e tenta virar-se e revirar-se para novamente dominar e mandar no jogo. Mas, se algo está desmanchando ainda sem perspectiva de solução é porque não há acordos internos vencedores e muito menos uma nova e coerente política externa. Os conflitos que envolvem os Estados Unidos continuam em ebulição, mas sem transformação profunda. Claro, a hegemonia desleixou-se, mas o bloco insiste via Pentágono, via Wall Street, em ganhar o petróleo, vender armas, fornecer créditos e botar tropas em ação. E porque Wall Street? Para entender, temos que dar um passo adiante de Eisenhower, militar vencedor da 2ª guerra e presidente dos USA, que denunciou a articulação indústria militar e forças armadas. Pois não é que a privatização acrescentou as companhias privadas de guerra e as finanças aos dados do problema? Como é que Obama vai se safar? Conseguirá como presidente a astúcia indispensável e a inteligência e imaginação política para armar uma nova combinação social interna e externa? De qualquer maneira, a crise mostra que a hora é mais do que nunca política – e política de longo prazo. Há que reorganizar a sociedade em torno de uma nova estratégia nacional americana, que só vai sair em cima dos conflitos sociais de interesse, que envolvem forças que estão enlaçadas ou desfeitas desde a deterioração interna da economia e da sociedade até os problemas geopolíticos mundiais, inclusive os aqui referidos. O panelão do diabo ainda acrescentou o recente e espetacular crescimento da China, para temperar o momento.
Comédia ou tragédia?

(*) Quem tiver interesse em ler uma abordagem cinematográfica sobre “Guerra ao Terror” tem um texto meu sobre o filme na revista “TEOREMA” número 16¨, lançada agora em agosto.

quinta-feira, agosto 05, 2010



CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
05 de agosto de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

NO
TABULEIRO
DA
CRISE
Por Enéas de Souza

A CÓCEGA DA RECUPERAÇÃO

Está interessante o quadro do momento. A imprensa tonitroante não está alardeando a recuperação inevitável e saltitante da economia contemporânea. Existe gente – e muitos economistas bons - pensando que as coisas vão ficar longo tempo neste chove pouco e longa parada da molhação. Porque, nada na economia está decidido. Vivemos um tempo de transição. As finanças continuam enganando que estão bem, com abundantes ativos tóxicos na sua contabilidade enganadora. Porém com dinheiro em caixa, um dinheiro recuperado para investir. E o que elas buscam? Tentam outros mercados que não o americano, sondando um tanto na Ásia, voando outro tanto por aqui - a Bolsa brasileira está retornado, crescendo. Mas, a verdade é que se há dinheiro para aplicações, as inovações estão paradas, os mercados não estão dando grandes respostas, salvo é claro os emergentes. Ou seja, temos uma economia financeira no primeiro mundo sem o brilho dos áureos tempos, estamos num tempo de transição. O dinheiro está farejando, como se vê, HongKong, Brasil – e por aí. Só que nada deslancha, nada mantém muito o vigor. A verdade é que não houve uma reorganização da órbita financeira que permita o aumento vertiginoso da especulação e retome o ambiente de euforia. Porque área financeira é dinheiro em ebulição, mas sem área de pouco resultado. Estamos, olhando bem, num ambiente de funeral, salvo nos emergentes, onde a brisa do movimento dos capitais chega a dar algum alento, mas é tiro curto. A pergunta é quase desmoralizante: quanto tempo vai durar essa cócega de recuperação que é o prenuncio da morte dos cemitérios?

A BP É BOMBA RELOGIO

Quanto mais se olha a situação da British Petroleum, mais a gente percebe um caso grave, um desastre do ponto de vista social, empresarial, político e, obviamente ecológico. Esta fulgurante empresa é bem o sinônimo e o exemplo de uma corporação numa sociedade dominada pelas finanças. Pois vejam como é o caso da BP no capitalismo financeiro. Em primeiro lugar, como empresa produtiva ela é um desastre, porque embora produtiva a sua valorização se dá no mercado financeiro. E as suas ações, devido aos problemas no Golfo do México, chegaram a baixar 40%, o que torna esta entidade produtiva frágil e vulnerável. Ou seja, ela pode ser comprada a qualquer momento numa oferta hostil. Só que para se defender, a BP entrou em contato com empresas financeiras, como a Goldman Sachs para desenharem planos de proteção. Ora, a Goldman Sachs não para de estar nas bocas. E a olhar pelo que aconteceu na Grécia, a BP não parece estar em boa companhia.

Neste sentido, a BP vem maculando, diariamente e a meses, a sua imagem, o que reforça a sua vulnerabilidade. Ficar desde 20 de abril com um vazamento de petróleo nos Estados Unidos e afetando fortemente 4 estados americanos, não é para qualquer firma. Embora ela tenha reservado 20 bilhões de dólares para atender aos danos que provocou, há cálculos que chegam a mais de 60 bilhões de multas e indenizações os seus futuros prejuízos. Claro, não imediatamente, mas como efeito dos múltiplos processos que vão lhe afetar, de agora até aos próximos meses. A única vantagem deste desastre é dar oportunidade para Obama relançar o tema da pesquisa energética e da defesa do meio ambiente, apesar de Cameron, o primeiro-ministro britânico, insistir que não se deve demonizar a British Petroleum. A conclusão é só um: conservador tem cara de pau, não tem? E por isso as propostas energéticas e ambientais de Obama vão encontrar um incremento econômico e político como até o momento não tiveram.

Hoje uma empresa produtiva funciona como uma corporação financeira. E a British Petroleum, quem a conhece, alerta para a sua contabilidade, onde dizem existir um festival de ativos podres. O que se de fato ocorrer pode causar não só complicações para a sua estrutura empresarial, como também, por extensão, para o mercado financeiro e para a Inglaterra, sobretudo fundo de pensões. Portanto, fiquemos de olho neste exemplo magistral do capitalismo presente, já que de bancarrota ele igualmente vive.

O mercado financeiro e a questão energética, por mais que evitem, acabam por requerer uma ação vigorosa do Estado, seja no sentido de dar uma função nova para as finanças, seja em planejar a transformação da matriz energética em pauta. O mundo está à espera desta metamorfose. Vai levar tempo, mas vai chegar.