quarta-feira, setembro 28, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
28 de setembro de 2011
Coluna das quintas

DILMA
E O GRANDE LANCE DIPLOMÁTICO
Por Enéas de Souza


1)Tinha comentado o discurso da Dilma na parte que toca a ONU e o capital financeiro, falando de sua estréia como estadista, na semana passada aqui no Sul21 e no blog do Econobrasil. Tratava-se de desvendar a atitude da presidente diante de algo decisivo, o impasse da economia mundial, ao menos no tocante à necessidade de dominar a fera solta do século, o capital financeiro. E ela não teve dúvidas, mostrou que o Brasil tem clareza do que fazer e sabe que a questão é política. Política ao nível do Estado, política ao nível dos grupos dominantes, política ao nível da mundialização e, principalmente, ao nível das finanças. E o seu lance foi um toque de espada, porque revelou, por contraste, que os Estados Unidos estão perdidos. Estão sem lance e sem idéias. Ou estão, pelo menos, na geladeira até 2012, ano da eleição presidencial. E, até lá, o governo está dominado, à direita, pelas finanças e, à ultra-direita, pelo Tea Party. Logo, a Casa Branca está esgarçada, prisioneira como um carro nos engarrafamentos das seis da tarde. Embora, no palco americano, ainda haja outro personagem – o Pentágono e os exércitos de aluguel, as empresas de serviços militares – que, atiçando fogo, estão saindo ao mar pela via da super-ultra-direita. O melhor que pode acontecer é chegarmos ao porto com um governo de centro-direita. E por essa raia que Obama pensa triunfar. Imaginem vocês se os Republicanos ganham. Trata-se de um partido com uma combinação potencialmente explosiva, e que entra no alerta da Dilma, de que pode haver “uma grave ruptura política e social”. Daí se pode perceber quão importante e percuciente foi a sua intervenção na ONU, tocando a melodia do sussurro diplomático. Colocou um asterisco na liderança dos Estados Unidos. E legou uma caixa de mapas onde estão ali os caminhos a serem percorridos, a serem examinados, tão luminosos como o copo de leite de Hitchcock em “Notorius”. Foi o que tentamos mostrar na semana passada.


2) O lance diplomático da Dilma foi contundente, exibido como uma flor de lírio, porque disse, em todos os subtextos, que o Ocidente está nu, e que tem que haver uma grande sinergia – ela chamou de cooperação – para que a economia mundial possa se resolver. Mas, não apenas a economia, a política também. Dois problemas avultam na face extremamente grave do cotidiano planetário. E é a partir daí que tudo pode começar a ser resolver. Pelo lado econômico, a dívida soberana e o capital financeiro; pelo lado político, a questão da Palestina e do Oriente Médio. O primeiro toca a Obama, pelo emperramento da economia de Tio Sam, e também a Ângela Merkel, em sua resistência a avançar na questão européia, seja em termos de fundo de resgate, seja em termos de ações solidárias. E o segundo, toca aos Estados Unidos, ao Pentágono, a OTAN e a Israel. Na questão européia, está imerso também o “senhor da guerra”, Sarkozy, mas Ângela Merkel é a principal responsável, uma vez que ela guia os alemães que projetaram e projetam uma Europa dos capitais. E uma Europa sem instituições que refreiem os ditos agentes é como uma Europa descoordenada, descerebrada pelos capitais voláteis e instáveis. E Dilma bateu forte e isso vale para todos os dirigentes: há que ter cooperação, há que ter invenção para encontrar as novas instituições multilaterais, nova governança e nova coordenação política.

3) Embora, não se pusesse como a líder dos BRICS, mas como uma dos líderes dos países emergentes, propôs a colaboração dos desenvolvidos e dos emergentes, mas não levou aliviado todos os emergentes. Disse algo para Hu Hintao (e Wen Jiabao). Olha aqui, se tu manténs esse teu câmbio fixo, cara, não vamos ter saída. A guerra cambial vai ficar mais forte e aguda. Os americanos vão enlouquecer. E aí o que é que eles vão fazer? O que já estão fazendo: protecionismo. Vamos ter que nos entender. Sei que estás jogando de mão, mas estás aguçando as contradições, A China já ganhou muito desde 2001 e principalmente, depois da crise. Agora, joga um pouco mais nas concessões. Não encurta demais a corda!

4) E aí logo aparece: Dilma tenta alargar a fonte de decisões, a coisa coletiva da coordenação política, da governança mundial. Dilma não escondeu e mostra os impasses: a fraqueza e a prepotência americana, que quer sempre pôr no colo dos outros o restos a pagar; a teimosia dos jogos de longo prazo do câmbio fixo chinês, a incapacidade dos europeus em tratar da dívida dos países da região.



5) E veja, intrigado leitor, na Europa temos a evidência mais profunda da estratégia destruidora do capital financeiro. Seu domínio sobre o Estado gera uma política dominada pelo financiamento do setor público, prioritariamente por meio da dívida pública, e não através de impostos. O capital financeiro não quer café sem açúcar. O objetivo é a possibilidade da extração máxima de renda do tomador dos empréstimos. E as dividas vão subindo assustadoramente, e assustadoramente se dá a elevação escandalosa dos juros. Assim, ao se esgotarem os recursos do Estado e quando, como agora, os Estados (Grécia, Portugal, por exemplo) estiverem suportando as dívidas de bancos nacionais, não há mais jogo. A dívida sobe de patamar e a própria sociedade não tem mais como financia-los. Todos estão endividados, das famílias à entidade estatal. Mas a roda da fortuna circula, se move, roda, gira e, então, a nação pede auxílio para os órgãos multilaterais, tipo FMI. Se esses não têm condições, a demanda vai para os outros Estados, ou para um pool de organismos e nações. E a espiral segue perigosamente o mesmo caminho. Para efeito do nosso argumento, botamos um fim de linha, uma peça becketiana: na impossibilidade de se encontrarem recursos públicos nacionais e internacionais para a salvação dos Estados, aonde chegamos?

6) Minsky falava numa economia onde o Estado funcionava como emprestador em última instância. Estamos, portanto, aqui e agora, no inverso. Nesta fase do capital financeiro, o Estado, em verdade, não mais opera como emprestador, mas como o tomador de empréstimo em última instância. Passa-se de credor para devedor. Temos assim, numa linguagem dialética, uma inversão lógica. E por isso, por essa inversão, o capital financeiro é um capital autodestruidor. Destrói a si, ao Estado e à sociedade. Como a Grécia. A dívida tem um limite que é a impossibilidade de pagamento. E, nesse ponto, ocorre uma segunda inversão. Na proposição de Schumpeter, uma economia produtiva, nas modificações cíclicas oriundas da crise, promove uma criação destrutiva. Dissolve-se um padrão de acumulação dando origem a outro, com o surgimento de novas tecnologias, altamente lucrativas. Mas quando a hegemonia é financeira, e ela não é desfeita, a dinâmica é substancialmente contrária, dispara um movimento, uma onda devastadoramente autodemolidora.

7) Sintetizando: neste capitalismo, onde o Estado é o tomador de empréstimo em última instância, por causa da dívida, o que o move, no limite, é a autodestruição dos capitais. O que leva de arrasto o Estado e a sociedade, e os próprios capitais. Por isso é que só há uma solução, na palavra de Dilma: “a cooperação política”. E, a meu ver, se o combate não for suspenso e a autodestruição desempenhar seu papel de fúria, o desastre será a exaustão da desvalorização de capital ao extremo. O recomeço da economia e da sociedade se fará a partir de um patamar muito baixo. É fundamental antecipar a solução. Ao contrário do movimento cego da destruição, o movimento racional da negociação política. Só ela pode resolver antes do desastre. E é preciso negociar em globo, e país por pais, uma vez que as situações diante da destruição e do futuro são diferentes. Uns terão que cancelar dívidas (como a Grécia); outros terão que aumentar impostos, como os Estados Unidos. E, assim, o ritmo da crise de 2007 chegou à crise fiscal, que vai atingir o coração do Estado. Portanto, está na hora da re-invenção do político. Um Estado não quebra, chegamos ao limite de Hobbes, e todos passarão a ser contra todos. Por isso, trata-se de afastar-se deste limite e tentar uma solução. No fundo, Dilma está falando sobre isso, quando diz que podemos cair numa “grave ruptura política e social”.

8) Por que é fundamental a cooperação política? Porque chegamos, nesta época do capital financeiro e da mundialização, a uma situação paradoxal. Os capitais têm um espaço de atuação mundial, mas os Estados, um espaço nacional. E a única forma de domar as finanças e as multinacionais é uma solução concertada entre os Estados, uma governança mundial. Só que esta não está construída; precisa, ao menos, um momento de união para desnucar o poder quase insuperável do financeiro.

9) Mas os homens e os países serão tão sensatos como Dilma propõe?

10) Olhe-se o outro lado da questão, a faceta geopolítica. Dilma aí, também avançou com fluência de linguagem, lamentando não ver o pleno direito da Palestina de ser membro da ONU. E por esse lado, estamos observando o lance denunciador de Abbas: Nem Israel nem os Estados Unidos querem solução. A direita israelense avança para ampliar a situação estratégica, para aumentar a apropriação de terras, para a construção imobiliária nas áreas palestinas. E mesmo divididos, os palestinos deram uma resposta altiva e, novamente, mundializando o conflito. E o Brasil, e Dilma, agiram com a alerta fundamental: até para Israel a solução palestina traria paz e desenvolvimento. Mas, quer a direita sionista esta solução?

11) O Brasil tornou o discurso de Obama um discurso pobre, melancólico, triste, submisso às forças internas americanas, sobretudo ao lobby sionista, e portanto, governado pela direita israelense. O ponto fundamental do discurso foi dizer que o rei está nu. Mas, também, diz algo muito forte: a urgência da situação requer soluções coletivas e imediatas. E não postergações. Só que Obama e os Estados Unidos não podem e não estão em condições de saltarem para a organização do mundo. Os Estados Unidos estão rasgados ao meio com esta crise econômica e, agora, numa crise política de solução inencontrável em 2011.

12) E, então, como é que fica a coisa? A política é, antes de mais nada, conflito, combate, disputa e, no limite, quando a rosa se torna despetalada, o homem lobo do homem. Só que o contrato social (leiam o belo artigo de José Luís Fiori na Carta Maior) não tem funcionado; ao menos na Europa, ele está se desfazendo. Como nos diz Zé Luís, as utopias se foram. Não há como não olhar no olho da fera. Há que reinventar a política, sem que aumente as rixas, as destruições e os desastres sociais. A besta fera do final do século está solta. Só que as pessoas ainda não acreditam. E Dilma falou disso, de modo suave, com palavras-guia, palavras-rumo. Trouxe antigas e velhas e verdadeiras palavras, como democracia, justiça, direitos humanos e liberdade. Ora, isso supõe que Aristóteles tenha razão: o homem é um animal racional. Mas, é como dizia o meu amigo Costa: “sim, sim, animal racional. Racional quer dizer capaz de soluções. Mas, então, Enéas, de onde vem a estupidez? Ah! Do animal. Do lado animal do animal racional.”
É, ponto para o meu amigo Costa.

13) Aconteça o que acontecer, Dilma pôs os termos da equação, mostrando, inclusive, como, nas condições miseráveis do mundo, a mulher, sob a forma de mães, tem sido o elemento central das políticas de distribuição de renda. Ela apontou para várias novidades do mundo de hoje: a ascensão dos emergentes, inclusive do Brasil, a presença fantástica das mulheres, a disposição de várias forças para a criação de novos horizontes. Não sei se é um discurso otimista. Mas usa o otimismo para demarcar a zona de horizonte onde se pode dar a solução pacífica e ordenada da crise mundial. Ou seja, quando o poder chega a um grau de deterioração, e o caminho da força passa a ser um pensamento para a decisão irracional, há que se deter um momento para a construção de acordos. Dilma disse serenamente isso. Logo, quando passam pela cabeça dos dirigentes políticos essas coisas dementes do tipo “bombardeio humanitário”, a gente percebe que o bumbo do tambor das contendas está ali, novamente intacto, um fósforo pode ser o relâmpago. E o que Dilma fez, em nome de um país sem poder de organizar o mundo, foi dizer: “olha, turma, ou nós tratamos de pensar soluções coletivas, ou a ruptura está aí”. A energia das transformações pode ficar sem do controle. E a fera solta do século XX já está esfomeada, goela aberta, como Saturno, para comer os seus filhos. Goya está mais vivo do que nunca no anúncio desses tempos. Dilma, como estadista, vai contra o limite, e diz a palavra firme do Brasil, modesto na sua possibilidade de resolver situações, palavra que corta e pontua uma situação. E como estamos dormindo com o inimigo, como o apocalipse está sentado no nosso colo, a pergunta que orienta a organização do mundo é esta: pode-se regular o capital financeiro? Não há como torná-lo de destrutivo, criativo? Ou o seu caminho de autodestruição é inevitável?

Fazer perguntas – e boas perguntas – como sempre fala o meu amigo Pedro Almeida, são os sapatos da estrada das respostas. E esta alma dos horizontes e das florestas, dos computadores e dos skypes, foi o grande lance diplomático de Dilma. Afirmar questionando – o único caminho possível para o Brasil. E direto no ponto.

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quinta-feira, setembro 22, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
21 de setembro de 2011
Coluna das quintas

DILMA. A ONU
E O CAPITAL FINANCEIRO
Por Enéas de Souza



1) Dilma subiu para a tribuna da Assembléia Geral da ONU na dinâmica de algumas modificações históricas da sociedade contemporânea. Do ponto de vista social, está escudada na ascensão da mulher no século XX; do ponto de vista econômico, ela fala da crise com a credencial de quem vem de um país que tem o crescimento dos emergentes; do ponto de vista político, ela se manifesta no momento de uma crise de governança e de coordenação política na mundialização, propondo democracia, justiça, direitos humanos e liberdade. E como estadista – essa foi a sua estréia – ela diz nitidamente: não faltam recursos financeiros, o que faltam são recursos políticos e até, às vezes, clareza de idéias. Na verdade, sua proposta tem como objetivo uma dupla flor: a coesão política e a coordenação macroeconômica.


2) Quando Dilma olha o panorama do presente, ela sente que a falta de coordenação política está girando em torno da flutuação que passam os Estados Unidos. Não é ela quem diz, sou eu. Mas não tenho dúvidas que ela percebe, senão o tombo americano, ao menos, o deslocamento que o país sofreu com a crise econômica e com o cerco e a prisão de Obama pelas finanças e pelo Tea Party. Isto quer dizer que há uma pane na liderança do mais poderoso país do mundo. E é por isso que Dilma sugere que haja uma intensificação dos esforços de coordenação entre as nações integrantes da ONU e as demais instituições multilaterais, tais como o G-20, o FMI, o Banco Mundial, etc., para superar, pelo menos até as eleições de 2012, este vácuo de poder. Conclama que o rumo da solução política se acorde com uma visão econômica, com rapidez e através de soluções coletivas e imediatas.


3) Dilma não tem dúvidas que a política tem que conduzir a uma ação econômica geral, de tal modo e com tal vigor que os países desenvolvam ajustes e estímulos fiscais, duas operações que se encaminham no sentido da recuperação econômica e do processo de desenvolvimento. O resultado efetivo dessas operações carrega uma estratégia vigorosa, que traz, ao cenário da economia, um providencial aumento da demanda e um retorno do crescimento. Pois o desafio está visível, está candente, abusivamente doloroso, são 205 milhões de desempregados no mundo. Portanto, um Brasil marginalizado na expectativa de amparo estatal e de uma política econômica que dê soluções. Dilma sabe bem quem é o inimigo: é o sistema financeiro, desregulado, solto, e que se aproveita de políticas monetárias excessivamente expansionistas, caso dos Estados Unidos, para navegar no mar da especulação. Logo, o remédio é claro: regulamentar o setor. E com uma manobra insinuante, cujo toque se projeta na reforma das instituições financeiras multilaterais. Naturalmente, a idéia de regrar o sistema se acompanha de uma segunda, a desvinculação do poder das finanças dos seus instrumentos de coerção, que são esses organismos internacionais. Daí fica claro a prioridade da economia mundial para Dilma: a crise da dívida soberana de alguns países e a reversão do presente quadro recessivo.


4) Obviamente, as finanças não devem estar de acordo. Pois elas trabalham num padrão de acumulação que, embora esteja se desmanchando, permite alucinados vôos especulativos. O que instabiliza mais ainda, como diria o Minsky, uma economia já instável. E elas radicalizam um processo coercitivo de redução da política econômica de vários Estados. Ficam apenas com as políticas monetária, cambial, financeira e fiscal, que são as que lhe interessam. Claro, elas recusarão a proposta da Dilma. Só que a carta que a presidente está pondo na mesa de jogo não é uma carta apenas econômica, tem conteúdo político. No vácuo da desintegração do eixo unipolar dos Estados Unidos, ela está insistindo numa multipolaridade coletiva. E essa pressão política incrementada pelo Brasil – colocando um fogo da urgência, já que a crise não espera – se concretiza na idéia de ajuda dos emergentes, dos BRICS, em verdade.


5) E nisso – aí, é uma opinião minha – não vai se estabelecer uma multipolaridade, mas sim uma bipolaridade, USA/China, que a Dilma nem toca. E em torno dessa, uma pluralidade de nações ficará oscilando entre essas duas. Nesse sentido, jogando a idéia de universalidade da contribuição de todos os países e da transformação do cenário e da organização política de instituições multilaterais gerida pelas finanças e pelos Estados Unidos, o que Dilma está propondo é a metamorfose do quadro geral. Com isso, em primeiro lugar, deseja avançar pelos trilhos da atual inércia e paralisia americana. (Pode-se incluir, neste balaio, o imbróglio político europeu). Em segundo lugar, tenta retomar a questão mundial pelo lado dos Estados, desnucando o espaço privado do jogo das finanças. Em terceiro lugar, e por conseqüência, busca reforçar a política nas definições das soluções econômicas, ou seja, os ajustes e os estímulos fiscais consolidarão os Estados no enquadramento das finanças. E, em quarto lugar, projeta um pontapé inicial por meio da boa situação dos emergentes. “Podemos e queremos”. Só que é preciso que a China compreenda que a teimosia excessiva do câmbio fixo pode causar danos e problemas ao itinerário da solução da crise. Então, a gente consegue entender porque contra a guerra cambial e o protecionismo, Dilma queira o câmbio flutuante.


6) Todavia, a Dilma não deixa de perceber que a crise tem força, que vem, pelo menos, para descarregar o desemprego sobre os trabalhadores e a dívida sobre os Estados. E claro, ameaça, como um vento danado, derrubar os alicerces dos países. Por essa razão, Dilma propõe uma política que misture cortes e controle dos gastos públicos com superávits gigantescos; dispêndios estatais com gastos privados; investimento e consumo com uma política econômica de fortalecimento do mercado interno. E Dilma não está apenas procurando resistir à crise; visa também ir adiante, e distribuir renda e fazer inovações tecnológicas. Trata-se de uma estratégia de se preparar para o surgimento de um novo padrão de acumulação. O que vejo é a busca de uma nova articulação. Estado, capitais, trabalhadores e novas tecnologias. E com isso, aumentar o que Keynes chamava da eficiência marginal do capital, ou seja, fazer subir a lucratividade esperada dos novos investimentos.


7) E, diante da paralisia americana, Dilma sobe à tribuna para reivindicar, igualmente, uma mudança política na ONU e no coração poderoso dessa instituição, o Conselho de Segurança. O mundo é outro e o Conselho, no entanto, é ainda um Conselho do imediato pós-guerra, um Conselho vigente na Guerra Fria, um Conselho que não se alterou. Dilma, no fundo, propõe e reitera, como outras nações, a sua reforma. No curso desse itinerário, inscreve uma proposição de política internacional: guiar-se pelo desenvolvimento, pela paz e pela segurança. Isso porque, alerta, está na hora de encarar no olho esta crise econômica, uma inflamação que pode transformar-se numa labareda e num incêndio demolidor. Se tal ocorrer, terríveis desabamentos políticos e sociais afetarão intensamente homens e mulheres e múltiplos países. Não se pode evitar: todos têm o direito de participar das soluções. Trata-se de uma constatação e de um chamamento, inclusive em termos de valores. E o Brasil postula, como valores decisivos, os da democracia, da justiça, dos direitos humanos e da liberdade.


8) Está muito claro, resumindo, que a visão da presidente Dilma passa pela decomposição momentânea dos Estados Unidos e da Europa; pelo crescimento dos BRICs; pela necessidade de reposicionar as finanças na organização da economia; pela alteração da postura dos Estados diante do sistema financeiro; pela reformulação da dependência dos Estados em relação às finanças, sobretudo no ponto principal: a dívida; pela reformulação fiscal do Estado, equacionando uma política de recuperação da demanda e do crescimento; e pela reorganização da ONU e das instituições para-estatais. Contudo, a proposta mais vigorosa está no escapamento do Estado do setor financeiro para permitir que haja uma nova ordem da economia mundial, organizada por uma articulação de países ricos com países pobres, através de políticas coordenadas de estímulos, com a finalidade de diminuir as desigualdades. Claro que, aqui, vem a famosa pergunta do Garrincha: já combinaram com o adversário? Só que, em política, o jogo se faz pelo embate de idéias e de forças, E o que Dilma está construindo é a colocação de um outro e diferente ângulo para desenhar o conjunto da combinação política e economia, visando traçar uma linha para uma outra época.


(O discurso da Dilma foi trabalhado numa dimensão que conteve uma pluralidade de pontos. Uns dialogando com outros, esses fazendo distinção daqueles, e muitos contrastando com diversos, e assim por diante. A clareza do texto não ocultou a múltipla tonalidade da emoção. Contudo, o meu comentário fixou-se nos contornos da crise, demorando-se nas chamas e na luminosidade que atravessaram, direta ou indiretamente, os temas da ONU e do capital financeiro).

quinta-feira, setembro 15, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
15 de setembro de 2011
Coluna das quintas


O TEATRO POLÍTICO
DE BARACK OBAMA
Por Enéas de Souza


O CERCO DE OBAMA

Ontem falava com um amigo: Obama está mais para Carter do que para Clinton, Isto quer dizer que está perigando o seu segundo mandato. Como um principiante, cometeu tantos erros desde que chegou ao poder. Dois deles são exemplares. Logo nos primeiros momentos de sua posse, fez um segundo pacote de salvamento dos bancos (o primeiro foi no governo do Bush Jr) e não exigiu quase nada em troca. E depois de ter os banqueiros na mão, deixou de obter no Congresso uma regulamentação financeira forte. Foi derrotado por um lobby dos financistas, de modo absolutamente extraordinário. Obama viu quem é que de fato tem a hegemonia e quem tem o poder. Logo de saída já se tinha observado,ele estava cercado por todos os lados. Era gente das finanças, ou ligado a elas, desde o seu secretário do Tesouro até o conselheiro econômico da Casa Branca. Portanto, o primeiro erro foi não ter posto o sistema financeiro no seu lugar. E com isso, respeitou a ordem neoliberal, ele que era um liberal nato. E tal ordem contém tem um ponto muito severo: a retirada do Estado do controle da economia – o que significa manter à solta a desregulamentação das finanças. Primeira derrota de Obama.

A PRISÃO DE OBAMA

O segundo erro exemplar começou quando não conseguiu manter o controle do Congresso, sobretudo pela sua atuação tíbia em relação aos financistas, pela inexistente ação do Estado na reativação da economia produtiva - o que os economistas americanos chamam de estímulos fiscais - e que culminou na aceitação de uma taxa de desemprego muito alta, taxa que ainda não baixou de 9%. Enfim, Obama ficou enredado na ideologia e no poder neoliberal. Porém, a primeira perda do controle do Congresso, que já era dramático na questão das finanças, levou-o a uma segunda derrota. Se Obama estava cercado nos primeiros momentos de seu mandato – um cerco econômico - agora ele não está mais cercado, ele está prisioneiro. E sua prisão se deve a uma derrota política de grande efeito, foi batido pela direita extrema, pelo grupo do “Tea Party”.

Só que de uma forma quase humilhante. O Congresso, atiçado pelo referido Tea Party, impôs dois limites contundentes. De um lado, avocou a si o controle estrito do limite do endividamento do Estado, e de outro, através de uma comissão paritária assumiu o poder de definir quais os gastos que o Estado deve cortar. Assim Obama perdeu o controle da dívida e da despesa pública, Ora, a prisão de Obama se deu, na verdade, por uma quase paralisia do Estado. O domínio da dívida impede que ele possa pensar em fazer programas de investimento público e que venha a criar empregos. Já a perda do manejo do gasto detém ações que possam dar mínimos movimentos na flexibilização do dispêndio público, uma liberdade que lhe poderia trazer benefícios sociais de algum valor e lhe proporcionar uma queda menor de seu prestígio político.

(Então, veja o leitor a camisa de força que Obama está metido. Pelo lado econômico, amarrado pelos financistas; pelo lado, político pela extrema direita. Seu projeto é tentar a saída pelo centro, pelo centro direita, o que vai lhe trazer o possível afastamento do centro-esquerda e da própria esquerda.)

O CONTRA-ATAQUE DO EMPREGO

Obama não se deu por vencido. Cercado e prisioneiro, procura resistir, tentando “vender” a sociedade americana, que a sua derrota política foi uma traição nacional dos republicanos. E se esses não são traidores, eles devem aprovar o plano do governo de gastar 440 bilhões de dólares na criação de novos empregos. Ora, a oposição já acusa Obama de usar este plano como um plano eleitoral. Mas, é claro que é eleitoral. Numa disputa política democrática, há muito pouca coisa, se é que existe, que não seja eleitoral. O contra-ataque de Obama tenta desesperadamente reconquistar a posição que tinha antes da sua eleição. Um estadista capaz de aglutinar as figuras de Lincoln, de Roosevelt e de Kennedy. Estamos longe disso, Obama, apesar de sua simpatia, foi um desastre neste primeiro mandato.

O RETORNO DA DIREITA

Um dos temores maiores dos democratas do Ocidente é que Obama não seja re-eleito. Para entender estes temores, devemos pensar alguns pontos. Vou simplificar. Em primeiro lugar, os Estados Unidos são divididos antropológica e politicamente entre os liberais e os totalitários, estes que por baixo da defesa da liberdade jogam a carta da guerra. Essa foi uma idéia que pude constatar num filme do americano George Cukor chamado “O fogo sagrado” (Keeper the flame), filme de 1942, em plena guerra contra o nazismo. Cukor não se enganou. Basta ver Bush e seu combatente Dick Cheney, o defensor das torturas, promulgavam democracia e livre comércio.

E de outro lado, um ex- embaixador brasileiro, dizia outro dia que a alma americana era dividida em duas partes: uma parte de nacionalismo guerreiro e outra de religiosidade fundamentalista. Então, leitor arguto, faça uma mistura dessa química explosiva, e teremos uma eleição extremamente intensa, com muita dinamite na mesa. E não é a troco de nada, que se fala muito hoje no retorno do orgulho americano, não aquele que Obama trouxe com “Yes, we can”, que era um orgulho liberal. O que pode vir, vem do velho oeste para emplacar a próxima eleição, trata-se do orgulho da força, do povo eleito, do povo com missão histórica. Seguramente, a direita bélica vai ter um ponto a batalhar nesta eleição, porque ela tem um projeto: a reorganização geopolítica do mundo do ponto de vista militar. E para tal pode fazer novamente aliança com o sistema financeiro, como ocorreu nos tempos da guerra do Afeganistão e do Iraque . Pode até ser um pacto tácito, um pacto de confluência dos seus interesses próprios associados numa luta pela retomada do que chamei uma vez de “neoliberalismo de guerra”. Só que num novo patamar. Invertendo a frase de Marx, poderia dizer que a história, que nesse caso se fez como farsa, se faria agora como tragédia - se isso acontecesse.

O RECURSO DO ESTADISTA

Há um episódio dramático nesse momento. Veja-se o quadro. Vamos somar e combinar: 1) a recusa das nações européias de um projeto político constituindo os Estados Unidos da Europa; 2) a falta de um Tesouro Europeu para resolver os problemas fiscais e monetários da região; 3) a presença de um Banco Central muito limitado para a amplitude da crise; 4) a crise vigorosa de diversos Estados (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália); 5) a incompetente direção da França e da Alemanha na condução do processo político e econômico do continente; 6) a continuada e persistente batalha das finanças e das agências de ratings aos Estados e aos bancos europeus.

O que é que dá este torpedo? Este conjunto faz da Europa a bola da vez. Ou como se diz noutra linguagem, o elo mais fraco da geopolítica e geoeconomia mundial. Neste sentido, pode existir aí um momento Obama. De um lado ele diz que a Europa é “a preocupação mais imediata” e de outro envia Geithner para discutir na reunião dos ministros da Fazenda europeus, nesta sexta-feira na Polônia, uma tentativa de tratar de um plano de reativação da economia mundial. Junto com essa preocupação esta outra mais americana e mais fácil: evitar um risco de contágio dos Estados Unidos. Por isso a tentativa é válida: trazer de fora um apoio para resolver a incapacidade da Europa de solucionar a sua própria questão.

Mas, este é também um projeto desesperado de Obama para assumir a ponta das questões candentes na posição de estadista. Só que para realizar um caminho deste porte, as dificuldades dele são grandes. A paralisia do Estado americano e o aprisionamente do seu presidente, como já foi dito noutra parte do artigo, revelam possibilidades muito limitadas da ação dos Estados Unidos, cuja melhor contribuição ainda é a liquidez que o FED proporciona aos bancos e aos Estados da Europa, à beira da iliquidez e da insolvência..Mas de outro lado, se Obama conseguir evitar o contágio dos Estados Unidos já será um grande êxito. Portanto, tudo depende de política, de negociação, de imaginação e de mídia. É um caminho muito estreito, se não inexistente, mas ele precisa tentar. Tudo será bem vindo se evitar que a farsa do neoliberalismo termine em tragédia.

sexta-feira, setembro 09, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Entrevista com François Chesnais, FSP, 15/08


5/08/2011 - 05h30

Crise financeira mostra regime em beco sem saída, diz Chesnais

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ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
Crise Econômica
A crise financeira não tem final à vista. O modelo de crescimento baseado em endividamento, seguido nos países ricos, está num beco sem saída. E o calcado em exportações de insumos --como o do Brasil-- pode não funcionar por muito tempo.

A análise é do economista marxista francês François Chesnais, 77, professor emérito da Universidade de Paris 13 e autor de "A Mundialização do Capital" (1996) e organizador de "A Finança Mundializada" (2005).
Para ele, os protestos em Londres, no Chile e no Oriente Médio são expressão "de uma doença mundial criada pelo caminho tomado pelo neoliberalismo e pela dominação das finanças". Numa época de valorização do consumismo, são "reações ao extraordinário abismo social", afirma.
Juca Varella-25.mai.04/Folhapress
O economista e professor da Universidade Paris 8 François Chesnais é especialista em globalização de mercados
O economista e professor da Universidade Paris 13 François Chesnais é especialista em globalização de mercados
Folha - Qual a natureza da crise atual?
François Chesnais - O momento atual é um novo episódio na crise mundial. Ela começou há cinco anos, teve seu ponto mais crítico em setembro de 2008, com a quebra do Lehmann Brothers, e não tem um final à vista. Foi prenunciada pela crise asiática (1997-1998) e, no campo das finanças, pela quase quebra do Long Term Capital Management, no início da crise financeira russa. Eventos-chave nos anos 2000 e 2001 lançaram as bases para a eclosão da crise: o crash da Nasdaq, a resposta norte-americana ao 11 de Setembro, as guerras no Iraque e no Afeganistão, muito custosas política e financeiramente, e a entrada da China na Organização Mundial do Comércio.
Quais são as causas?
O funcionamento da economia mundial desde o início dos anos 2000 se baseou em dois pilares: o regime de crescimento guiado pela dívida, adotado pelos EUA e pela Europa, e o regime de crescimento orientado por exportações globais, no qual a China é a principal base industrial, e o Brasil, a Argentina e a Indonésia são os provedores-chave de recursos naturais. A crise representa o beco sem saída, o impasse absoluto do regime guiado pela dívida. O segundo pilar está levemente melhor, mas o crescimento baseado em exportações globais não poderá funcionar por muito tempo sem uma forte demanda externa, especialmente dos EUA e da União Europeia.
Por que há tensão nos mercados?
Os investidores financeiros estão extremamente preocupados. Há a perspectiva de um segundo mergulho da economia dos EUA, uma crise em forma de "W" nas economias avançadas. Outro risco é a vulnerabilidade do sistema bancário europeu, na zona do euro e também no Reino Unido. Há também o perigo de que o lento crescimento faça com que empréstimos públicos e privados sejam cada vez mais difíceis de serem recuperados.
Qual a situação na Europa?
Na União Europeia, desde abril de 2010, tem havido um contínuo fluxo de dinheiro público para alguns governos e para os bancos. Isso tem sido acoplado a políticas de austeridade muito drásticas em alguns países, que os arrastou à recessão (-4% na Grécia). Com isso, fica impossível o repagamento da dívida soberana. Provoca a quebra de empresas, além de levar os sistemas bancários na Grécia, na Itália e na Espanha para uma cada vez maior proximidade do colapso. Isso ameaça bancos nos países do coração da zona do euro, especialmente na França.
A situação dos bancos é preocupante?
Os eventos nas Bolsas estão sendo subordinados a situações bancárias críticas. Em 2008, a ameaça às finanças globais veio dos bancos de investimento dos EUA e das grandes seguradoras. O próximo episódio financeiro maior acontecerá quando um segmento do sistema bancário da Europa entrar em colapso na Grécia, Espanha ou Itália. A atual turbulência nas Bolsas é a expressão do pânico do investidor, que tenta antecipar esse tipo de evento. Seu principal efeito é contribuir para a efetiva ocorrência de um desastre em algum lugar. Isso afeta o comportamento do consumidor de renda mais alta e desencoraja investimentos da classe média.
Nos seus livros, o sr. descreve os detalhes do avanço das finanças. Como avalia o atual momento na história do capitalismo?
É possível traçar paralelos com o passado. Mas em nenhum período anterior foram tão elevados a quantidade de ações e títulos, os ganhos dos rentistas e nem foi tão grande a quantidade em circulação do que eu chamo de "capital monetário elevado à enézima potência". Nunca os lucros financeiros foram tão altos em comparação com a atividade produtiva. Há as consequências da globalização neoliberal contemporânea. Nunca as finanças foram tão desreguladas. Nunca a capacidade dos governos de recuperar o controle sobre as finanças foi tão fraca. A extrema fraqueza da liderança política é uma consequência direta disso. Mas há uma nova dimensão da história do capitalismo.
Qual é?
Essa nova dimensão é a crise ambiental, começando com as mudanças climáticas, que se desenvolve em paralelo à ascensão das finanças e de sua crise. Por isso, entramos nas piores condições possíveis numa era em que a civilização --como a concebemos, no Ocidente e no Oriente-- está patinando. Nossa era é uma em que as enormes e concentradas forças econômicas estão sendo chamadas a agir em tempos de crise, o que Naomi Klein chama de "a doutrina do choque": setores poderosos da sociedade não apenas protegem eles mesmos, mas usam catástrofes para ampliar sua dominação. A forma como o furacão Katrina foi tratado em Nova Orleans mostra que isso vale para grandes eventos ambientais. Alguma coisa muito perturbadora ocorreu silenciosamente na França e, imagino, em outros lugares: a "luta contra a mudança climática" foi substituída pela "adaptação à mudança climática".
Os governos deveriam jogar mais dinheiro nos mercados financeiros?
As políticas fiscais anunciadas ou já decretadas são fortemente pró-cíclicas. Elas acentuam o beco sem saída do regime de crescimento e a incapacidade que a elite dirigente tem de imaginar qualquer outra maneira de reger a economia. Não haverá fim para a crise mundial enquanto os bancos e os investidores financeiros estiverem no comando, fazendo políticas totalmente dirigidas pelos interesses dos rentistas e dando respostas à crise dominadas por tentativas de dar sobrevida ao regime guiado pela dívida.
O que precisaria ser feito para a retomada da crescimento?
Nos EUA e na Europa a recuperação requer o reestabelecimento do poder de compra das classes baixas e médias, a recriação e expansão da capacidade dos Estados de fazer os investimentos sociais e ambientais necessários e o estabelecimento de um sistema monetário internacional estável, não subordinado ao capital financeiro. As condições para isso vão incluir o cancelamento de boa parte da dívida soberana, assim como de boa parte da dívida doméstica; o reestabelecimento de uma taxação correta para a renda das finanças e do capital (um retorno aos níveis de 1970 seria um começo); o reestabelecimento de um verdadeiro controle público do sistema de crédito; um controle restrito dos fluxos de capital e uma luta efetiva contra os paraísos fiscais.
Qual sua visão sobre o poder das agências de classificação de risco?
O poder das agências de classificação de risco apenas espelha o quanto os governos foram colocados nas mãos das finanças. Mostra a extensão da abdicação do poder dos governos, que mudaram as finanças públicas de uma forma baseada em impostos para uma baseada em dívida. Meu livro mais recente, "Les Dettes Illégitimes, Comment les banques ont fait main basse sur les politiques publiques" (2011) [As dívidas ilegítimas, como os bancos fizeram para manipular as políticas públicas, em tradução livre], enfatiza que, em 1980, a dívida pública da França era de 5% do PIB. Mostro que o crescimento é consequência da diminuição dos impostos para os de renda alta, os ricos em patrimônio e lucros, e dos gastos em programas públicos de financiamento custosos, que se tornaram elefantes brancos, como o Rafale que nenhum país comprou.
E o que ocorre agora?
As agências de risco estão pressionando a elite política francesa para aprofundar as políticas de austeridade. Isso no contexto de uma situação de quase recessão --0% de crescimento e desemprego acima de 9%. A recessão mundial de 2008-2009 mostrou a fraqueza da indústria francesa e os efeitos desastrosos do jogo no mercado da União Europeia. O que é necessário é uma política industrial e tecnológica comum, um sistema de intervenção comum. É possível que, nos próximos meses, ocorra na França uma reação popular contra os próximos cortes de orçamento.
As revoltas no Norte da África e no Oriente Médio, o movimento dos "indignados" na Espanha e agora os protestos em Londres têm alguma ligação?
Eu adicionaria à lista as enormes marchas em Tel Aviv, com 200 mil pessoas, e em outras cidades contra a alta nos preços dos alimentos e o desemprego. E também esse extraordinário movimento dos estudantes no Chile. Cada um desses movimentos precisa ser analisado com cuidado. São obviamente expressão de uma doença mundial criada pelo caminho tomado pelo neoliberalismo e pela dominação das finanças.
O que os movimentos têm em comum?
Eles têm em comum o fato de terem sido estimulados pela juventude. Em muitos casos são liderados por jovens líderes que estão emergindo do movimento. São todos reações ao extraordinário abismo social num tempo em que o consumismo é projetado mundialmente pela tecnologia contemporânea e pelas estratégias de mídia. Cada um tem suas idiossincrasias nacionais e suas trajetórias políticas. Em cada caso há uma diferente mistura de um componente fundamental democrático, com conteúdo anticapitalista. Reagem ao fato de a eles ter sido negada a posse de bens que outros da sua mesma geração possuem no seu cotidiano. A crescente percepção da corrupção politico-financeira atiça a indignação e, no caso dos jovens mais pobres, os faz usar os únicos métodos que têm à disposição.
Como os partidos conservadores, social-democratas e a esquerda estão reagindo a essa situação?
Para os partidos conservadores, é sempre sobre "lei e ordem". Os social-democratas estão em profunda confusão. As forças da esquerda têm sido fortemente puxadas para o jogo institucional. Tomara que a duração, a severidade e os altos riscos da combinação entre as crises econômica e ambiental permitam o renascimento de uma forma de atividade política que comece a realmente desafiar o sistema. Na Europa, foi na Grécia que a mobilização de massa da juventude mostrou o conteúdo político mais profundo. Espero que seja o modelo para outros países.

quinta-feira, setembro 08, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
08 de setembro de 2011
Coluna das quintas

O DESAFIO
DO CAPITAL FINANCEIRO
Por Enéas de Souza

1) O economista francês Robert Boyer numa entrevista recente dizia: “É preciso, então, recolocar o diabo das finanças na sua caixa. Salvo que a operação é muito delicada: o capital financeiro é internacional e, então, difícil de controlá-lo. E ele se tecnificou de tal modo que os ministros das Finanças (no Brasil, chama-se ministro da Fazenda) são incapazes de apreender a matéria, afim de melhor enquadrá-las. Assistimos a uma perda de poder e de expertise dos políticos”.

2) O grande centro da política econômica, no Brasil e no Ocidente, no momento, é a ruptura com o neoliberalismo. O que significa trazer de volta o Estado ao comando da economia. Dito de outra forma, a política deve liderar, indicar, controlar, fiscalizar, apoiar, financiar, incentivar, etc., as atividades econômicas. E como nós não estamos no pós-crise, mas numa crise que pode levar ao pós-neoliberalismo, o que nos interessa aqui é esse passo robusto do fortalecimento democrático do Estado. Só que esse fortalecimento vem pela aglutinação das partes seccionadas pelas finanças. Pois na era do capital financeiro, todo o Estado, embora fragmentado, funciona como uma reserva de caça para as finanças. É preciso que o Estado reformule-se e volte-se para uma concentração de poder que favoreça a sociedade como um todo.

3) A reserva de caça funcionou e funciona assim: em primeiro lugar, o Estado se afasta da direção, da regulação, do planejamento, do financiamento, do investimento e da produção da economia, deixando que toda a política microeconômica dos capitais dirija a macroeconomia, sustentando apenas numa política econômica parcial e reduzida, que permita um ambiente macro de estabilidade para as aplicações financeiras. É a festa do cassino e do espetáculo do carrossel dos títulos privados e públicos. No fundo, o que interessa ao capital hegemônico é, somente, política monetária, política cambial, política financeira e política fiscal. Ou seja, o alvo era e é criar uma arquitetura de organização financeira da moeda, dos juros e da fiscalidade do Estado. E claro, controlar os dois quindins estatais, os dois órgãos sublimes, a Fazenda e o Banco Central. Para que? Para que esta política esteja a serviço de um modelo de acumulação financeira. Se a gente olhar bem, esta estapafúrdia taxa de juros do Brasil, que ninguém compreende, só tem sentido se ela foi e é fixada pelo Banco Central com a finalidade de permitir rendimentos elevados aos bancos nacionais e às finanças internacionais, bem como aos investidores individuais ou da tesouraria das empresas. É uma política do capital para o capital.

4) Na economia, todo mundo tem lado. E o lado do Banco Central sempre foi o das finanças. Mas é preciso dizer que existem enormes teorias tentando demonstrar que a economia matemática e estatística constrói uma tecnologia adequada para conduzir o Estado com neutralidade, eficiência e em benefício social. Isso não se comprova facilmente porque a economia brasileira passou mais de vinte anos tendo um crescimento medíocre. E os bancos – não se sabe bem porque – cresceram furiosa e audaciosamente. Qual será a razão?

5) O movimento recente do governo Dilma avançou num ponto decisivo. Esta já é uma das grandes novidades do seu mandato. Ela está dando continuidade e ampliando a retomada da unidade do Estado, começada no governo Lula. Estruturalmente, como é que funciona isso? De um lado, está reunindo e consolidando o que esteve separado: o Executivo, a Fazenda e o Banco Central. Lula conseguiu reaver a segunda, mas o terceiro ele só se aproximou e conseguiu, no máximo, dar um bom cerco no Meirelles, sobretudo com a ajuda da Fazenda. E isso que a crise permitiu um solavanco no Banco Central, que continuou e continua representante das finanças, mas que percebeu que a estratégia do governo na crise de 2007/8 deu resultados magníficos. Em vez de sucesso das finanças, aumento de consumo para a população.

6) E aqui está o ponto que o texto de Boyer permite compreender bem. No final ele diz: “Assistimos a uma perda do poder e da expertise dos políticos”. Chegamos a um ponto central, uma praia nova. Claro, Boyer está falando principalmente da Europa e dos ministros da Fazenda europeus. No entanto, pode-se ampliar a visão. A gente pode sustentar que, de um modo geral, os políticos estão distanciados do que é, de fato, esta economia financeira que está dinamitando o mundo. Sabem apenas que ela está, mas de um modo racional não têm idéia de como funciona e do que fazer para sair do buraco. O que me parece claro, como um girassol num canteiro, é que o grande lance do Brasil é que ele tem teoria para saber o que está acontecendo. E tem estratégia, e tem tática, e tem condições de dialogar e decidir por quais caminhos seguir. E isso permite uma unificação, tanto quanto possível, do Executivo e, inclusive, do Banco Central sob o comando da Presidência. Tudo parte de diagnósticos muito semelhantes da crise, sem que isso impeça o desempenho autônomo e criativo dos órgãos.

7) O passo importante para tal é a unidade do Estado, a tentativa de que os órgãos do governo sigam uma trajetória projetada de ação política e estratégica que venha do centro político e econômico do Executivo. Existem, a meu ver, dois pontos a serem examinados nessa unidade. De um lado, a recuperação da liderança do Estado na condução da política e da economia do país. E, de outro, a prioridade do investimento sobre a especulação financeira. Ora, a condução da política começa quando se tem um projeto de nação, mesmo diante da mundialização do capital financeiro. Pois, o governo Lula, desde cedo, lançou, com eficácia e talento, uma política externa que tornou não só o presidente como o ministério de Relações Exteriores e o país, respeitados em toda parte. E, no correr da carruagem, quando os constrangimentos externos da dívida brasileira foram diminuindo e cessaram, ocorreu um processo de recuperação da integridade do Estado. Começou, sobretudo com o aparecimento da crise, uma atuação econômica forte do setor público. Voltou-se a pensar em política econômica, em planejamento, em financiamento, em apoio à produção. E, desde cedo, o governo Lula fez uma política coerente de atendimento da população, desde aumentos reais de salário mínimo até um programa de habitação como Minha Casa, Minha Vida.

8) Houve o reaparecimento, ideológico e real do investimento e do emprego e do desenvolvimento econômico. E apesar do PAC, do retorno da Petrobrás ao campo estratégico da nação, a especulação continuou a ser uma atividade do setor bancário, mas contrabalançada, principalmente na crise, por um movimento significativo do sistema bancário público (Banco do Brasil, Caixa e BNDES). Essa resistência, diante do tumulto que veio dos Estados Unidos e da Europa, foi não só uma atitude ativa/reativa do governo brasileiro, e que mostrou capacidade de pensar a economia e de agir com rapidez, como força para aglutinar as classes sociais em torno da sua estratégia nacional.

9) O Brasil tem mostrado capacidade de pensar a economia. E pensar a economia no contexto da próxima expansão do capitalismo. O resultado disso foi compreender o primeiro ponto: o Brasil está preparado minimamente para o novo padrão de acumulação ou para a nova economia do século XXI, como dizem alguns. Emergem o petróleo (com o pré-sal, como a alavanca de Arquimedes), a produção de alimentos e as matérias primas minerais, para compor basicamente a infra-estrutura energética e alimentar do mundo. O segundo ponto está na tentativa de defender o Brasil em termos de sustentação das indústrias disponíveis (algumas ameaçadas), bem como avançar nas áreas de tecnologias médias e, se possível, entrar nas altas tecnologias, sempre observando a concorrência multinacional. Obviamente, surge a importância de fazer um mix de exportação e de mercado interno, extremamente aceitável para que o país não retorne a uma certa primarização da economia.

10) Todavia, o que me parece significativo por parte do governo é ter na jaqueta o cuidado de pensar o Brasil como um todo. Daí a necessidade de situá-lo politicamente no planeta e ter clara a posição que o Brasil vai ter nesta próxima etapa. E lógico, armar uma postura política e estratégica, construindo uma solidez diplomática e militar do tamanho de nossa realidade, de nossas possibilidades e de nossa ambição. E ressalta uma questão fundamental: a articulação da política e da estratégia do país com um diagnóstico e uma proposta de ação que avalie o preparo da nação para a amplitude da crise. Essa combinação de política e de economia, quem sabe, responda às questões de Boyer sobre o capital financeiro, sua tecnicalidade e sobre a capacidade política dos governantes de preparar uma visão ampla das soluções para o mundo. O Brasil parece que está em condições de cometer esta audácia. Porque audácia, de vez quando, é bom e anima a moçada.

11) Nesse sentido, a correção do diagnóstico e das respostas, que o governo brasileiro tem proposto para a sua proteção na crise, levou o próprio Banco Central a perceber a necessidade de afinar a sua atuação na mesma pauta do Executivo. E veja como a Dilma tem agido: ela tem falado sempre em crise, e que o Brasil está preparado para o que vier. E, de outro lado, cabe sublinhar uma aceitação do que me parece a grande lição de Getúlio, a grande lição de Lula, que a política brasileira só avança socialmente se existe uma articulação entre a produção e os trabalhadores. E, se em tempos de diagnóstico e de preparação, o governo não bate de frente com o setor financeiro – até procura orientá-lo – o que importa nisso tudo é cimentar mais um tijolo na unidade do Estado. E ela se amplia quando atrai o Banco Central para uma política e para uma economia nacionalmente mais coerente e mais coesa – mesmo numa época onde este modelo de acumulação financeira não foi posto na caixa. Diria Machado de Assis, mesmo quando ele não foi devolvido à caixa de Pandora.

12) A análise de Boyer nos permite fazer uma boa radiografia do Brasil, na medida em que temos uma conjuntura de maior afirmação da estratégica coerente e tendencialmente unitária do Estado brasileiro. É possível medir os avanços do governo do nosso país com os do governo americano, onde a Presidência quer ir para um lado, as finanças para outro e o Pentágono, ora se aliando a essa, ora pondo em questão diretamente o Executivo. Pode-se medir com o governo dos alemães, cuja incompreensão da Europa é tão absurda, que chega a não entender que a Alemanha está metida até os ossos na crise do continente. Sem os demais países, a Alemanha não escapará. Talvez a sua crise possa ser menor, mas será irremediável, pois apesar da não solidariedade dos Estados europeus, a União Monetária os jogou na solidariedade do desastre. Então percebemos que, de fato, os políticos estão distanciados de um conhecimento da dimensão do capital financeiro, da sua crise e das soluções para minorá-la. As finanças parecem outra montanha, alta e inatingível. Por isso, a impressão e o temor que as populações e mesmo os mercados têm, a cada instante, de pane nos países desenvolvidos.

13) Já a China talvez seja, no momento, um dos Estados que tenha mais capacidade de entender o que está acontecendo. Talvez as suas dificuldades sejam da impossibilidade de não ser suficientemente grande para tornar-se a locomotiva do mundo. Para isso, precisariam ter uma moeda que pudesse disputar a posição de reserva de valor com o dólar. Cuidamos, agora, em assinalar uma segunda e importante deficiência: a sua incapacidade de conduzir uma liderança tecnológica necessária para que se forme um novo padrão de acumulação produtivo. Já o terceiro ponto de carência, porém com solução ao seu alcance, é o encaminhamento de uma reorganização interna da sua economia, ameaçada por problemas produtivos, por problemas de disputas entre as províncias, pela difícil solidificação do seu sistema financeiro, pela crise imobiliária que está vindo, etc. E, dentro da reformulação chinesa, podemos enxergar, igualmente, a sua dependência nas questões vinculadas ao comércio exterior (exportações e importações) à ampliação da sua articulação produtiva na Ásia, à gerência de possíveis perdas das suas reservas internacionais no caso de uma crise forte da economia mundial. E, como um sinal vermelho, a pergunta fatal: numa crise do Ocidente, a China entrará também em crise? De qualquer modo, se o touro pegá-la, a gente sabe que a China – se valer o que fez até agora – tem um perfeito entendimento do capitalismo que está nascendo, mesmo porque o próximo capitalismo, como diz meu amigo André Scherer, vai vir com um Estado muito forte. E isso a China já tem. O seu problema será como desenvolver a sua espada principal. Ela também tem estratégia – e muito visível: a de ser um pólo antagônico aos Estados Unidos. Só que ela deseja enfrentá-lo com melhores condições políticas, econômicas e sociais que as do momento. O que pensa o leitor: será possível?

14) Então, Boyer nos conduz a perceber uma multiplicidade de aspectos inscritos no atual momento, como, por exemplo:
I) a distância entre a política e a economia;
II) a tremenda dificuldade do eixo americano (USA-Inglaterra-Europa) em conseguir compreender o que está acontecendo, pelo relativo despreparo dos seus dirigentes e dos Estados em encarar e enfrentar a realidade do capital financeiro. O problema maior é a sua insistência em manter as instituições sob o figurino neoliberal;
III) a história recente dos Estados dos países emergentes (Brasil e China, por exemplo) talvez dê a essas nações uma preparação mais adequada do que aos desenvolvidos para enfrentar a crise. Sobretudo porque, para sobreviver, elas tiveram que ajustar uma concepção do papel do Estado fora da visão neoliberal. O que não quer dizer que esses países não serão afetados pelo desdobrar da economia em pendente negativa;
IV) a saída da crise partirá da tentativa de compreende-la analiticamente, de armar uma defesa para o curto prazo e de tentar buscar ligar a trajetória da conjuntura presente ao longo alcance da economia capitalista, através de um projeto de conexão e transformação do atual padrão para o novo padrão que virá;
V) a parte central do projeto é uma modificação da posição das finanças e do banco central no conjunto do Estado, trabalhando a economia para recompor a produção e construir um novo padrão de acumulação;
VI) nesse caminho de fortalecimento do Estado, nessa trajetória da passagem de um padrão de acumulação para outro, o encaminhamento das questões sociais serão decisivas, e sobretudo, virá com mais força, dada a perspectiva do Estado forte, a questão das liberdades, da distribuição da renda, da cultura e da democracia.

O presente está em ebulição. A pergunta é: como será a face do futuro? Para que você, arguto leitor, possa responder, é preciso considerar, pelo menos, a inclinação da geopolítica para um antagonismo USA e China, os desafios do capital financeiro à economia e à política, as necessidades de unidade do Estado e da mudança de sua estrutura, e a exigência de reformulação e metamorfose da própria política diante da complexidade do mundo contemporâneo e da sua crise de civilização.

segunda-feira, setembro 05, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: UBS e o custo do fim do Euro

Relatório de hoje do banco suíço UBS mostra que o custo do fim do Euro será significativamente maior do que o custo de salvamento dos países mais fracos a partir de uma União fiscal. mas a questão está longe de ser decidida com base em uma suposta racionalidade econômica strictu sensu. Uma União fiscal tem problemas políticos para se dar agora, ainda mais na velocidade que seria necessária.

O engraçado é que são bancos de investimento e fundos hedge dos dois lados do atlântico que impulsionam a espiral fatal para o Euro até o momento. E, a cada dia se torna mais difícil - e custosa - sua reversão. De qualquer forma, vale a pena ler o documento da UBS.

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domingo, setembro 04, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: O FMI cansou da austeridade fiscal

Chrsitine Lagarde afirmou que a política de austeridade fiscal vai custar uma recessão na Europa que agravará ainda mais as condições financeiras da região. Mas, tudo indica que agora é tarde, pois a Alemanha parece estar fechando as portas para novos resgates... Caso isso se confirme a o efeito-dominó financeiro, a gravidade da situação bancária e o tamanho das dívidas público-privadas vai varrer o Euro da Grécia à França em pouco tempo.

 Faz bem o Brasil em se preparar para o pior, mas, será suficiente?

quinta-feira, setembro 01, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
01 de setembro de 2011
Coluna das quintas

O RITMO DA CRISE 
E
A PREPARAÇÃO DO BRASIL
Por Enéas de Souza

1) A noção de crise econômica é muito engraçada. Alguns pensam que a crise é uma coisa abrupta, que acontece e o mundo despenca. Não é uma ideia que vem da história, talvez seja uma que venha dos mercados financeiros. Porque o mercado é assim, sobretudo o das bolsas, vai subindo, vai subindo, oscila um pouco, mas sobe constantemente, e depois, bumba meu boi, leva um tombo prá valer. E para se recuperar leva tempo. Às vezes, nem se recupera, mas as finanças vendem – via sua linha auxiliar, a mídia – que o mercado se recuperou, para tentar novamente especular. Olhem as bolsas, nenhuma sequer voltou ao nível de antes da crise de 2007/08. Então, uma crise no mercado financeiro não identifica uma crise econômica, e muito menos crise social. Apenas indica. Só que desta vez, ela não só apontou como se derramou pela economia.


2) Pois o primeiro aspecto que temos a considerar é que a crise é um processo histórico e um processo social, e se dá na longa duração do capitalismo e na desestruturação de um padrão de acumulação. Então, o que importa dizer, curioso leitor: a crise é um processo; e um processo dentro de um padrão de acumulação. E um processo, na verdade, que exibe uma dinâmica que enlaça patamares, degraus, pendentes, trânsitos, passagens. E como ele é cíclico, constrói momentos ascendentes, momentos descendentes. E nesses, observam-se rupturas, caídas lentas, caídas bruscas, previsíveis umas, imprevisíveis outras, surpreendentes muitas vezes, mas que seguem uma tendência, um sentido, uma direção. E, graficamente, como os ciclos são curvas, há pontos que sobem, pontos que descem, pontos de máximos, pontos de mínimos. E, principalmente, pontos de inflexão e pontos de reversão. E um processo de base econômica encadeia também aspectos sociais e políticos, por isso a dialética geopolítica e geoeconômica faz parte constante da construção da longa travessia secular do capitalismo. Ou pode inscrever as possibilidades de surgimento histórico de um desmanchar desse capitalismo. Foi o que ocorreu com o surgimento do socialismo/comunismo, desafio que durou significativamente até o final dos anos 1980, início dos 1990. Mas é o que se viu: o que não mata, rejuvenesce. Ou engorda. Da ameaça do socialismo veio o nefando, sobretudo para os pobres, neoliberalismo financeiro e de guerra, glória dos financistas e deste maligno Dick Cheney, que terminou dizendo, na sua autobiografia, que a tortura é legitima porque salva vidas... (sic!).



3) Pois estamos em crise. As finanças vieram abaixo em 2007/08. E a crise que ali se instalou, iniciou um processo de queima de capital financeiro e produtivo, na direção de um novo capitalismo da informação, ou, como gostam de dizer alguns, o capitalismo cognitivo. E por consequência, também uma crise na hierarquia dos Estados. Bem, essa crise é exuberantemente insistente, porque a reprodução do capital não pode ser mais como era. E então, como uma casa que não serve mais, vai ter que se tirar o sofá da sala, vai ter que se alterar o desenho interno da residência, o projeto requer mudanças, ampliações. E enquanto o projeto não sofre alterações, por muitas razões, a bagunça continua, a ventania aparece de vez em quando, e entra pela janela entreaberta do nosso capitalismo, varrendo ambições e esperanças. E a solução desse quebra-cabeça e dessas palavras-cruzadas não se resolve facilmente. Os homens vão ter que suar muito, gastar o cérebro, pensar o quadro de maneira diferente, projetar novos dinamismos. E como já sabemos, não são os capitais, por eles mesmos, que vão resolver assim no mais. Dependem, para que não haja uma destruição em massa, de um suicídio avultado, prejudicial a muitos capitais e à sociedade, do Estado.



4) Fiz toda uma volta sobre a noção e a realidade de uma crise, para nos colocarmos novamente, como num avião, diante do panorama em face. O sentimento é de que estamos, no momento, numa pausa. Não se sabe como ela vai continuar, mas, ao mesmo tempo, as pessoas sentem medo, sobretudo quando pensam ou quando ouvem notícias. E vejamos como as coisas estão.



5) Olhando o eixo americano, as coisas estão assim: crise fiscal descambando, como um passe errado da meia-cancha, para a crise política. O Tea Party sacudiu o Congresso e colocou o governo no córner. Temos a limitação do teto da dívida, logo, o governo não pode gastar; e se desencavou na luta parlamentar uma queda de gastos públicos, controlada pelo Legislativo. Isto bate tanto no consumo do governo como no consumo da população. Ora, o efeito da demanda em queda é um movimento de recessão. Bernanke, o homem do FED, com sua barba de fauno grego, medita, medita e está pensando em botar mais dinheiro na economia. Em nome técnico: vem aí o “quantitative easing”, agora de número 3, já que lançou dois. Ora, o que Bernie (olhem o meu grau de amizade com ele!) está pensando é: o dinheiro está escasseando, quem tem não empresta, não põe no interbancário, não dá crédito para a produção, nem para o consumo. Então, vamos jogar dinheiro pelos os bancos. Mas aí é que está: dinheiro que passa pelos bancos não significa crédito para investimento, para consumo. Geralmente, significa dinheiro para especulação. E hoje, dinheiro até para ficar em caixa. Keynes chamou isso de “preferência pela liquidez”.



6) E o que faz o Executivo americano? E o que faz o Obama? Em princípio, o Tea Party, pelo caminho da resolução do Congresso, com a união moderada (sic!) de republicanos e democratas pela direita, amarrou o Executivo. Ele tem ajuda do FED para controlar, minimamente, o mercado financeiro, inclusive bloqueando a tentativa desesperada de capitais europeus para conseguir algum no mercado americano, e também, para amparar o Banco Central Europeu pondo dólar, sob forma de “Swaps”, na Europa. God bless América! Fora disso, o Executivo está tentando fazer um jogo de troca de passes, gastando o tempo, até que surja alguma oportunidade, uma abertura no muro da crise. A grande novidade é trazer Alan Krueger, um especialista em trabalho, para o Conselho Econômico de Obama. Chega de gente como Lawrence Summers! Mas, de qualquer forma, é uma inclinação muito pequena. Há que achar urgentemente um meio de baixar esta taxa de desemprego de 9%. Será que Alan vai dar alguma sugestão alvissareira?



7) Enquanto isso, o treinador do time, o popular Obama, não jogou a toalha, deixou-a no banheiro da Casa Branca, e saiu para as ruas. Vai combater cidade por cidade os adversários. Agora mesmo conseguiu a oportunidade de falar no Congresso Americano no dia em que estará em jogo mais uma rodada da disputa de candidatos a candidato do Partido Republicano. O panorama da luta está dado: até 2012 teremos uma batalha duríssima, pior que aquela de Stalingrado na segunda guerra mundial. Obama vai ter que doar sangue para conseguir atrair o povo americano. Vejam “A Árvore da Vida”, que além de filme místico, mostra como a família dos Estados Unidos profundo não tem como compreender a crise, e como os homens da grande metrópole, herdeiro da família dos anos 50, também estão perdidos na cidade fluida, na arquitetura líquida da época do capital financeiro. Eles estão todos perguntando: que mundo é este? Os Estados Unidos é um grande povo místico tentando responder, pragmaticamente, à crise. Só que, para resolvê-la, não basta pragmatismo, tem que ter teoria. Foi assim nos anos 1930, quando Roosevelt começou a saída e Keynes escreveu a sua “Teoria Geral”.



8) Por isso, Obama saiu para as ruas. Porque uma teoria social só pode ser aplicada se tiver sustentação política. Soluções à direita e à esquerda até podem existir, mas só se ganha se tiver povo na defesa do governo que aplica a teoria. Povo e classes sociais. Vejam o discurso de Obama no Estado da Nação, logo depois da eleição, e ali estava posta uma direção de política e de política econômica. Povo, Obama até teve, mas classes sociais não. As finanças não foram, a produção muito pouco, e a classe média centrista e direitista, o pessoal da “Árvore da Vida”, abominou. Talvez agora ele possa ter população e grupos sociais a seu favor, sobretudo porque as próprias finanças estão novamente ameaçadas. O Bank of América, da estratégia “to big to fail”, está mais perto do fail, mesmo sendo big. E já podem sentir que ficar na mão da política do “Tea Party” é um passaporte para não poder usar o recurso do “risco sistêmico”, a ajuda do Estado em caso de desastre como 2007/08. Ou seja, podem explodir sem que o Estado possa ajudá-los.



9) Já a Europa é aquela fragilidade dos Estados e dos bancos. Podem morrer abraçados. E o Banco Central Europeu tenta dar um jeito, com ajuda do Banco Central Americano, com esse Fundo de Estabilidade, que é uma barreira de areia de praia diante do oceano. A solidariedade dos países europeus não existe, um plano de avanço político e social – como, por exemplo, a criação de um Tesouro Europeu, um projeto de Estados Unidos da Europa – parece fora de cogitação. Então, a solidariedade não é um personagem do teatro da política européia. Nem mesmo para lançar Eurobônus, porque esses títulos teriam por garantia os Estados Nacionais. E a Alemanha não está afim, Ângela Merkel tem mesmo enormes dificuldades internas para ir adiante nessa idéia do Eurobônus. Então, o barco está indo meio à deriva, com Trichet do BCE remando, monetariamente, numa crise que além de monetária, é fiscal. Conseguirá driblar as questões que vem dessa área?



10) Atualmente, o que se nota no movimento geral do capital, europeu ou americano, é uma tentativa de buscar refúgio na preferência pela liquidez – da qual já falei lá em cima. Pois, todos estão tentando escapar de comprometimentos maiores em face da recessão, que já está dançando os primeiros rocks, as primeiras músicas, há uns três/quatro anos. Falam de uma crise em W, esta de 2011 seria o segundo V. Na verdade, não é uma crise em W; na verdade, é a continuação do processo da crise americana, da crise do capitalismo, um processo de desvalorização do capital fictício e do capital real, seja das empresas financeiras, seja das empresas produtivas. Esta crise não é uma oscilação, nem uma pequena queda e nem mesmo uma segunda seguindo a primeira. Trata-se de uma crise duradoura, aquela da mudança de um padrão de acumulação. Precisa-se destruir um e começar outro.



11) Pois o Brasil – diante deste quadro, pintado desta forma – percebe que o estouro vai chegar aqui por algum lado que não se tem certeza. Numa certa medida já está vindo pela área comercial, mas pode vir também pela área dos bancos. Bem, de qualquer maneira que chegue a estratégia do governo brasileiro me parece clara: proteger e fortificar o Estado de todas as formas possíveis. Pois é claro, só um governo forte, econômica e administrativamente bem postado, pode rebater os golpes, diminuir os impactos e apoiar a economia, sejam as empresas, seja a população. Veja-se: o Brasil é um país emergente, mas não é um país determinante na crise. Os pontos fortes dela são os Estados Unidos (e a Inglaterra) e a Europa, negativamente; e China, positivamente. Só que a avalanche da crise vem, até agora, pela decadência do eixo dominante, o americano-europeu.



12) Em face disso, o governo, que é uma entidade econômica, além de política, tem que se preparar e dar conta de sua possível resposta. Como o cara que vai competir no surf e mostra a sua competência ao dançar numa onda, assim o Brasil, cria sinalizações importantes: mantém altas reservas internacionais, aumenta do superávit primário, previne aos bancos de que jogar contra o dólar e a favor da valorização do real pode ser a sua fatalidade, trata de canalizar os investimentos para a produção interna, tenta manter o projeto dos programas sociais de forma ativa e permanente, etc. Observação: a questão do superávit primário não se trata de medida neoliberal. Se trata de medida de autoproteção. E como é que se sabe isso? Nenhuma medida é liberal ou desenvolvimentista em si, uma decisão só tem sentido dentro de uma estratégia. Então, se vê a questão do superávit primário ligando uma à outra.



13) E dentro da coisa mais geral, o governo Dilma não tem estratégia neoliberal de deixar a regata correr sem apontar direções, sem proteger ativamente a própria posição econômica do Estado. Numa economia capitalista financeira, onde o capital tem liberdade para se expandir, o limite dessa ação – se o governo também defende a população – consiste no impedimento de que as finanças – no caso brasileiro, os bancos – joguem expressamente contra os outros agentes econômicos, contra o Estado, contra os assalariados em geral e, inclusive, contra si. Assim, numa crise, a forma de um governo atuar começa com a sua capacidade de ter fortaleza, de ter instrumentos, enfim, de ter bala para disparar os seus tiros. A economia é um western, um filme de bandido, um filme de guerra, um filme de assalto, onde quem não tem arma de boa qualidade, dança. E dança feio, porque no jogo da economia, não só dança o Estado como dançam todos.



14) Dessa forma, o superávit primário tem que ser olhado no conjunto das medidas já tomadas ao longo dos últimos tempos, desde o corte de gastos até a manutenção das reservas internacionais para nos defendermos contra a fuga dos capitais. Porque a estratégia da construção de um futuro para o Brasil, no novo cenário geopolítico/geoeconômico, está num momento tático decisivo: defender o país dos danos de uma crise que vem de fora, que vem dos Estados Unidos e da Europa, sem perder a visão do longo prazo. Essas medidas podem até levar a diminuição do crescimento do PIB. A gente pode sentir, a demanda está se inclinando para baixo, seja pelo consumo privado, seja pelo investimento privado, seja pela descida dos preços das commodities (em função de uma certa diminuição do crescimento chinês e da queda da especulação financeira nestes mercados), etc. Mas trata-se de uma tática de prudência numa estratégia de longo alcance, enquanto o panorama e a direção e o andamento da “destruição criativa” do capitalismo, como falava Schumpeter, não estiver claro. A destruição, efetivamente, tem dado sinais sonoros em quase todas as partes, mas o lado criativo, as perspectivas para sair na direção de um novo padrão de acumulação, não. Talvez um pouco na área da informática, nas atividades da Google, da Apple, etc. Mas um ciclo é uma tensão entre forças que trazem a economia para baixo e forças que tentam jogar a economia para cima. Por enquanto, a incerteza é a única mulher a querer dançar. A música parou, mas o baile continua. Não está claro o que se vai tocar em seguida. Não se trata só de rock, tem outros sons. A única coisa certa e fundamental é que os Estados, sobretudo os dos países emergentes, têm que estar se preparando para o furacão que pode chegar. E esse furacão não se chama Irene, se chama capitalismo em crise.




PS – Não acreditava que o Banco Central fosse, ontem, quarta-feira, baixar a taxa Selic. Me enganei. Ela desceu meio ponto percentual. Isso aponta a meu ver para duas coisas. Uma primeira: a presente decisão sugere um fortalecimento maior do Estado brasileiro, inclusive com uma pequena diminuição do custo da dívida. E, revela também que a Dilma está conseguindo articular o Executivo e o Banco Central para a mesma direção. E o que pode ser uma grande novidade: para uma mesma visão da crise. Contudo, os problemas de unificação do Estado brasileiro por parte da presidente encontram dificuldades na organização e no desembaraço da política no Legislativo.



Já a segunda coisa que quero salientar está no fato de que a baixa da taxa de juros e a aproximação do Banco Central podem levar igualmente a um entrosamento mais sólido, político e econômico, com o setor produtivo privado. E daí, quem sabe, a possibilidade de investimentos empresariais, num tempo mais cedo do que se poderia pensar, como resposta à crise. E isso sem afetar os programas sociais!