sexta-feira, março 06, 2009

QUANDO VI QUE A FESTA ESTAVA ENCERRADA

Por Enéas de Souza


Não estamos tocando uma trombeta?

A festa especulativa da economia financeira se encerrou - envolvida que estava e está numa crise adversa, integral, profunda, uma incerteza, um vazio, coisa que ninguém sabe para onde vai. E naturalmente, foi algo muito bom ver ontem, em Brasília, o presidente Lula falar no Seminário Internacional de Desenvolvimento patrocinado pelo Conselho Econômico Social, fazendo uma espécie de balanço, mas ao mesmo tempo desenhando, com garbo, com ironia, com firmeza, a estratégia brasileira para o momento. Na verdade, não estamos tocando uma trombeta, um hino em louvação ao Lula, mas há que ver que o Brasil está, ao menos estrategicamente, preparado para o momento. E não é de agora, De qualquer modo, há um caminho percorrido, e bem percorrido. E temos uma visão do que podemos fazer e do pode vir por aí. E com alguma certeza e com a cabeça preparada para o porvir. Quando um brasileiro vê que talvez possamos sair razoavelmente da crise, a gente até desconfia. Levamos já tanta pancada, que ficamos a interrogar se os nossos olhos e a nossa inteligência não estão cegos, mudos, de costas para ao vendaval da vida. Só por isso, não temos trombeta; temos, na verdade, e precisamos encarar, uma nódoa escura do nosso passado.



Uma ruptura com o cerco financeiro

Depois da crise de 2002/2003, com os andrajos que Fernando Henrique nos deixou, caiu sobre o Brasil a crise do “mensalão”. Mas, veio, em segiuida, a atmosfera crítica, a construção lenta, sutilmente agregativa, de uma política nacional. No meio das perturbações internas, a nação andou pelo mundo tentando mostrar que tinha uma política externa independente. Mostrando - e, notavelmente praticando. Conseguimos então desmontar a ALCA, conseguimos articular com os emergentes uma frente flutuante, mas tremendamente ativa. Foi também, pelo Brasil, que a China entrou na OMC e acabou se integrando no comércio internacional. E agora como desdobramento de suas conjeturas o país está pedindo uma nova árvore, um pomar distinto, uma botânica nova, reformas no FMI, no Banco Mundial, na própria ONU. Por outro lado, depois da crise interna, a nação foi armando como um coração pulsante, uma política econômica contra as finanças, tendo obviamente a oposição contrastante do Banco Central, cuja semente conservadora e agreste se voltou em desfavor a economia produtiva. Mesmo frente a hegemonia financeira, um inseto instalada na sua carne, no seu corpo, no seu fígado, o governo, lentamente, foi insinuando uma política na direção contrária, um contra-veneno, na direção da produção. Veio daí o atestado de maioridade, o PAC, que além de todos os méritos e alguns problemas, disse com fortaleza de coração que o centro da aventura nacional era o investimento. (Ver em http://www.fee.teche.br/ o meu texto “Do investimento nascem as nações” (http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/download/indicadores/34_04/4_parte.pdf, publicado na revista Indicadores Econômicos)



Quem manda em nós?

O que sempre esteve em jogo foi o domínio da casa. Um dia tivemos o FMI dentro da sala, dentro da copa, dominando inclusive a cozinha. Havia até a proposta de que diminuíssemos o nosso Estado, nos ofereciam o poético Estado Mínimo. Defender o Estado era o opróbrio, a vergonha, a infâmia. Pois, o importante foi pensá-lo e inclusive, ousadia suprema na época, pensá-lo com um Estado atuando na economia. Um Estado diferente do Estado desenvolvimentista naturalmente, um Estado que propugnasse o desenvolvimento, como disse o Lula, um Estado que fosse indutor. E esta realidade, que o presidente vai levar ao G-20, experiência cheia de êxitos, é que o Estado, os governantes, a política devem assumir na mão, nas idéias, no orçamento, no investimento, uma articulação com o setor privado. Deve orientá-lo e inclusive botá-lo de molho, ou como diziam os neo-liberais, botá-lo a fazer o dever de casa. O presidente levará a idéia de que o Estado deve estatizar os bancos, para possibilitar a coisa fundamental do regime capitalista: o crédito. O Estado pode segundo uma visão capitalista coerente, evitar que o abismo absorva o próprio capitalismo, que cavou com os seus ativos podres o seu destino de ruína. Coragem é preciso para salvá-lo, uma vez que é um doente no hospital, mas não um moribundo na sarjeta. Busca-se mudar as estruturas indispensáveis dos bancos, para evitar que continuem no estado de finanças zumbi e que infelicitem a sociedade por tanto tempo. Podem, no final do saneamento, ser devolvidos a outros investidores, mas devem, e este é o princípio da metamorfose, servir a necessária produção. Por isso Lula está certo: “Coragem da estatização”.



Tudo está na política

O presidente pôs todas as fichas na política. “É a hora da política”, que traz algo que não está pautado pela mídia, a possibilidade de pensar diferente, a começar pela inserção autônoma do Brasil na economia e na política internacional. E hoje isso fica claro, porque a política é a arte de buscar o poder e o acordo no interior dos conflitos. E diante de um novo mundo, o Brasil parece bem preparado. Veja o leitor: quando falamos do discurso do Obama, salientamos que sua idéia de futuro se centrava numa transformação e numa mutação da economia na direção do longo prazo. E, Obama sugere ainda, que esta economia estaria sustentada numa alteração profunda tanto da energia como tecnologias novas. Pois o Brasil está no páreo, está na Olimpíada, ao menos na questão energética. O grande lance - sim, um grande lance - foi o lançamento do PAC, centro da estratégia do investimento. Nesse particular a celebração da Petrobrás como a grande carta se constitui no coringa energético da economia. Pois a Petrobrás, como disse a Maria da Conceição Tavares, a Petrobrás é uma verdadeira nação. Veja-se como o presidente Gabrielli está contentinho. Assim, a política é a capacidade de encarar os contrastes e as disputas, com franqueza, mas sem ingenuidade. Assim, por extensão, no caso, a política de investimento leva a propugnar por algo que possa dirigir o país. Pode propor uma política econômica subordinada à Produção, ao Emprego e a Distribuição da renda. Mas, atenção galera: o presidente sublinhou que a Economia só pode funcionar se a estiver ligada à Democracia e à Justiça Social. O investimento é político com toda a sua força de realização.E ampliando essa posição para o plano internacional, o gesto forte –e não brando - é ser contra o protecionismo, porque o protecionismo é jogar uns contra os outros, é amortecer a inversão, é isolar os países e destruir os empregos. Estou de acordo com a Conceição Tavares nesse transe, tenho muito medo que isso leve a uma conflagração ampla, ou seja, ousemos a palavra que José Luis Fiori põe na roda, o perigo e a extensão da “guerra”. Estamos modestamente de acordo com ele, a guerra está no centro da questão política, não fossemos nós chegados ao filósofo Heráclito: “A guerra (polemos) é o rei e o pai de todas as coisas”.



Como vamos nos organizar?

Um Estado se organiza em torno de uma estratégia. Já falamos de sua realidade externa, agora falaremos do domínio interno. E sobressalta no núcleo do governo, uma oposição muito forte, contra o capitalismo financeiro. Por isso a necessidade da construção de uma sociedade produtiva, com o crédito adequado. Desta forma, há uma ênfase numa trindade financeira extremamente importante - BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica - para que através dela se possa trabalhar para um projeto de reconstrução do Estado e do desenvolvimento brasileiro. Um Estado que tenha como primeira condição, já dissemos acima, um projeto para a produção, para o emprego, visando, sem dúvida, uma indisfarçável distribuição da renda. Porém, não esqueçamos – e estamos tão desacostumados a isso – de que necessitamos de um Estado que esteja envolvido com a democracia, uma democracia que atinja e proteja, seguramente, aos deserdados. Por isso, Lula juntou os programas do FHC, dando-lhes coerência, ampliação, organicidade e profundidade política. Foi assim que construiu o Bolsa-Família, o Luz para Todos, o aumento constante do salário mínimo, o crédito consignado, o emprego via PAC, os Territórios da Cidadania, etc. É essa amalgama política que pode resistir à debacle e à queda das finanças. Pensando bem, esta construção não espanta, está na lógica de um avanço social de longo prazo. O que espanta é a habilidade com que tudo isso foi feito, com um cravo branco na lapela, bem diante do mundo do espetáculo financeiro, cujo emblema máximo é Bernie Madoff, o malandro que não aconteceu.

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