domingo, março 29, 2009

Domingo, 29 de março de 2009

CHEQUE NOS DONOS DO CAPITAL
Por Enéas de Souza

O chão de ferro

A economia mundial vai fazendo a roda da descida, basta ver sobretudo as quedas dos produtos industriais. Há uma dupla demanda no mundo: a de regular o sistema financeiro mundial e a do relançamento da economia produtiva. Naturalmente, o setor financeiro luta desesperadamente para que o pêndulo da política caia para a questão produtiva. Porque o Governo pode atuar imediatamente: investimentos públicos, retomada da produção pelo lado das obras públicas e também algum gasto social em saúde, educação, etc. Enquanto isso, temos um tempo para a resolução de problemas financeiros. Vejam nos Estados Unidos. O stress test talvez já tenha até definido o tamanho do buraco de capital no setor financeiro. E o provável é que este valor seja imenso. De um lado, para manter o setor privatizado terá que haver mercado para os títulos ilíquidos – o que parece impossível – ou novos aportes de capital – o que parece quase insanidade. No entanto, os talentosos homens das finanças e defensores do livre mercado, acham que se pode produzir um mercado que ressuscitará aos poucos com esses títulos podres. O que parece delírio de neoliberal.

O tamanduá da nacionalização

Enquanto isso, o tamanduá da nacionalização está chegando e está tomando a cena e os cérebros dos executivos cheios de medo e de angústia, que tentam desesperadamente fugir da questão. O tempo é problema. Ou seja, o sistema bancário pode ficar paralisado por muito tempo, pode ter chegado para os Estados Unidos o tempo das finanças zumbis, mas, estrategicamente, os Estados Unidos não podem ficar numa posição à la Japão, anos e anos adormecido. Já a solução Suécia - nacionalizar, por um período - muitos economistas, financistas, congressistas e o próprio governo acham que esta experiência foi a de um país muito pequeno e não poderia servir de exemplo aos americanos. Vendo amplamente, o que se afigura é a de uma questão complexa: se a nacionalização vier, teremos que ver o custo para o Tesouro, a liquidação dos acionistas, a exclusão dos experimentados (sic!) dirigentes atuais, etc. E não ficamos só nestes pontos, esta questão culmina no seguinte passo: a nacionalização terá que fatalmente substituir a antiga administração por uma nova. Os executivos e os acionistas dos bancos dizem que não existe gente com o conhecimento e a experiência do setor como eles; alguns defensores da nacionalização dizem que sim, que Wall Streeet está cheio de administradores aposentados e competentes e que estariam disponíveis para tal empreendimento. Tudo isso dá um grau de incerteza que, como o vento, balança o que fazer.

O futuro é irmão da confiança?

Enquanto esta luta fica nesta indecisão entre escolher A ou B, estrategicamente os Estados Unidos, como nação, terão um certo tempo, mas não muito, para decidir sobre a questão, porque o que está em jogo é a sua liderança na realidade mundial, tanto econômica quanto politicamente. Veremos uma faceta desse embate no dia 2 de abril, em Londres, quando a discussão vai se instalar sobre as mesas de reunião. E de um modo ou de outro, e em todos os níveis, os americanos vão ser questionados sobre o seu futuro papel. E um dos aspectos fundamentais será a necessidade de regular as finanças. Naturalmente que eles vão ouvir e fazer só o que quiserem; têm poder para isso. Mas está em causa a confiança do mundo na sua liderança. E talvez seja por isso que a idéia do relançamento da demanda funcione como uma proposta e como uma pausa dinâmica para ganhar tempo na resolução do que será o sistema financeiro. (Em parêntese é bom dizer que a idéia do relançamento agradará ao Brasil).

O galo das trevas

Apenas que relançar a demanda é como cortar uma fruta – uma maçã, por exemplo – e comer apenas uma metade. É preciso, então, responder, ao próprio Estados Unidos e ao mundo, com um projeto financeiro para atenuar a crise. E este projeto não existe, salvo esse frágil Plano Geithner. Por isso, há que, em algum momento, enfrentar a besta fera: os bancos estão quebrados. E sobre esse ponto, não nos enganemos, vai haver uma boa pressão. Claro, Obama saberá medir o peso das insinuações, das sugestões, das ameaças veladas, etc. Ele já tem uma idéia do que o Tesouro pode fazer, mas também do que pensam os dirigentes dos grandes bancos. Novos elementos estarão à disposição dele, agora, em Londres, de parceiros e adversários estratégicos. Mas ele, os políticos, os funcionários nacionais e internacionais e os banqueiros sabem: há uma coisa que encurta: o tempo das decisões liberais, o tempo do mercado livre. E surge avultadamente a presença do Estado e, quase entrando em cena, um rosto aparentemente clandestino, que já está se apresentando como resposta ao problema: a nacionalização. E aí o lance se complica; porque vai ter que haver a substituição de acionistas que perderam e dos executivos incompetentes por novos donos e outros dirigentes. Isso seria um passo à frente, todavia, que muitos temem que seja um passo na semi-escuridão. A pergunta é mais forte: Obama, no meio destas pressões e contrapressões, dará este passo? O perigo é que a pausa dinâmica se torne confissão de imobilidade. E a imobilidade nada mais é do que a expressão de uma luta social ainda indefinida.

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