quinta-feira, março 26, 2009

Quinta-feira, 26 de março de 2009

GEITHNER: TEMPESTADE
SOBRE O DÓLAR


Por Enéas de Souza

Quis dar uma de que não é a dele

A política é tragédia e é comédia, mas a economia muitas vezes é comédia pastelão. Agora, quem deu uma do antigo cinema foi Tim Geithner, concorrendo com o Gordo e o Magro e com os 3 Patetas.. Diante de uma proposta chinesa de mudar a moeda de reserva do dólar para o Direito Especial de Saque (DES), o secretário do Tesouro americano quis dar uma de conciliador, de negociador, de hábil diplomata, e disse que o tema poderia ser discutido, debatido, conversado. Ora, para quem está com problemas para resolver um sistema financeiro incroado, para quem faz parte da maior nação e da maior economia do mundo, fazer uma frase desta, mostra fraqueza, faz um gesto tíbio e exibe um erro econômico e político de grandes proporções.

O que Geithner parecia não saber

A questão da moeda é uma coisa séria, Parece que o secretário do Tesouro Americano não sabia. Considere o leitor o dólar como moeda mundial. Ela, em verdade, é uma moeda financeira, começou a funcionar depois da liquidação do acordo de Bretton Woods, quando Nixon suspendeu o padrão dólar-ouro (1971). Desta suspensão surgiu um novo dólar. Em 1979, que Volker chamou de dólar forte, na verdade uma moeda financeira baseada em dois fatores: (a) a taxa de juros do FED; e (b) os títulos do Tesouro Americano valorizados a partir desta taxa. É, portanto, a combinação destes dois elementos que dão sustentação ao dólar na função decisiva da moeda, que é a função monetária de reserva de valor. Uma moeda tem duas outras funções, a de medida de valores e de circulação das mercadorias. Qualquer moeda pode cumprir estas funções. Mas, a função de reserva de valor na economia mundial, no momento, somente o dólar é capaz. Porque:? Porque esta moeda é uma moeda garantida pelo Estado, Um Estado comum? Não! O Estado da maior economia do mundo, o Estado que tem o maior poder político do planeta, o Estado que possui o maior poder militar da nossa época. É este poder estatal dos Estados Unidos que garante a terceira função da moeda, a de reserva de valor.

(E é isto que Geithner parecia ter esquecido ou não saber no encontro de ontem do Council of Foreign Relations.)

Essa foi aquela do se colar, colou

A China jogando para proteger suas reservas, pois o dólar pode cair diante das outras moedas, por qualquer razão nesta crise, lançou a idéia de que a moeda mundial de reserva deveria ser o Direito Especial de Saque. E isto porque? Porque a China está pendurada excessivamente no dólar, o que significa neste instante que sendo o maior credor dos Estados Unidos ela é candidata a sofrer mais que todas as nações com eventuais desvalorizações da moeda americana. No limite, poderá sofrer igualmente o maior calote, no caso de uma desvalorização total. Então, a China percebe que se de um lado ela tem um certo poder de ameaça sobre os Estados Unidos, por outro lado, está na mão deles, basta os americanos deixarem o dólar se erodir.

Ora, para balizar na crise americana e mundial o jogo monetário-financeiro, para ter alguma vantagem nas discussões do G-20, ela lançou essa proposta. Algo apenas para dizer: olha dêem uma olhada em nós. Era apenas uma pedra, um peão sem quase nenhuma importância no jogo de xadrez do poder internacional, apenas para dar alguma calibragem nos americanos, construir um argumento para dar alguma vantagem em alguma disputa política e econômica com os Estados Unidos. Uma observação para nenhum secretário do Tesouro americano realmente escutar e responder. Ele poderia escutar e deveria continuar falando de outra coisa. Pois, o Geithner acreditou. Ouviu e respondeu! Esta foi de amador: em seguida o dólar perdeu valor para o yen, para o euro, para a libra nos mercados de câmbio. Certamente o leitor sabe, todo mundo sabe, que poder é poder, e os americanos não vão deixar que o dólar seja desbancado, mesmo porque não tem nenhuma moeda capaz de ser substituta. Porque, hoje para ter moeda, como já dissemos, tem que ter Estado, tem que ter Tesouro (a Europa, por exemplo, não tem), tem que ter Banco Central, tem que ter poder econômico, tem que ter poder político, tem que ter poder militar. Esta hipótese do DES se desmancha só no seguinte: onde está o Estado atrás do DES? Quem vai garanti-lo? Que Tesouro? O FMI é um órgão para-estatal internacional que só será o emissor do DES com poder de ser reserva de valor mundial, só e somente só, se os Estados Unidos mandarem integralmente no FMI. Os antigos, como Volker, diriam: esta do Geithner foi de pixote.

O Obama tomou um golo contra

Quando o Obama estava preparando o jogo do G-20 para relançar a liderança americana, que é estrutural, mas tentando adicionar um açúcar nas relações internacionais, para fazer um retorno do que um dia chamei do multilateralismo consentido, o ponta direita dos Estados Unidos faz como o Oséas, aquele centro-avante do Palmeiras, time do Belluzo, e joga a bola contra as suas próprias redes. Golo contra do Geithner. O Otto Preminger fez um filme maravilhoso sobre a política americana, válido até hoje, que se chamou “Tempestade sobre o Washington”. Pois, foi isso que Geithner fez. Ou seja, parece que ele não precisa do Lawrence Summers para azará-lo, se imola sozinho. Quem sabe Geithner é um homem-bomba. As probabilidades para ele voltar para o segundo tempo são poucas. Marc Thoma já previa: Geithner não agüenta até junho. Terá razão?

Será que Geithner pensa que a moeda é neutra?

Talvez Geithner seja daqueles que acreditam que a moeda é neutra, como uma infinidade de economistas do mainstream. Mas, acho que nem esses não fariam esta besteira de ontem.

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