Sexta-feira, 20 de março de 2009
DE COMO SUSTENTAR O CRÉDITO
Por Enéas de Souza
Confirma-se o que, em 14 de fevereiro, um sábado, escrevíamos sobre a mudança do sistema bancário nacional. Com a crise mundial e nacional, com a retirada da economia privada, com a preferência pela liquidez, o Estado passa a ter que entrar em campo para reordenar o jogo. E nessa entrada, um dos pontos decisivos vai ser a retomada do crédito e a busca do controle dos juros, mesmo que o Copom continue reagindo com precaução. Trata-se de um processo que se pode enxergar através da lógica da dinâmica econômica e de seus efeitos macro e microeconômicos.
Com quem andam os nossos bancos?
Na questão do sistema bancário nacional, o processo é claro. O Estado vai reorganizar o desenho do sistema, dando um papel absolutamente importante aos bancos públicos. Porque embora estes também se orientem pela lucratividade do capital, podem atuar não tão dependentes dela. Podem combinar programas múltiplos com lucratividades diferenciadas (até mesmo lucratividades negativas). Essa ação compensaria no geral e na média o seu desempenho. Todavia, para que se possa perceber claramente o que está acontecendo não se pode deixar de acompanhar a entrada dos bancos públicos na trajetória de uma estratégia nacional definida pelo Estado. Aqui está o ponto central do que está ocorrendo.
O Estado tem em verdade uma estratégia de reformulação do modelo financeiro de acumulação para a constituição de um modelo de acumulação produtiva. Para esta mudança, que vai estar em consonância com os países do mundo, o decisivo é controlar a área financeira e destravar os obstáculos ao crédito. Sem este uma economia moderna não deslancha. Por isso, neste momento de preferência pela liquidez dos bancos, das empresas e das pessoas; de encurtamento dos negócios e de exigências de cortes nos custos; de desemprego ativado e pernicioso; o fundamental para contrapor as forças negativas que dominam o ciclo mundial, é reativar a economia, pela ação do Estado. Gasto público e financiamento da produção e do consumo. Daí o papel do governo trabalhando em cima da reformulação do sistema de bancos públicos e do controle das taxas de juros. E com isso introduz, por incrível que pareça, um nível de competitividade do setor público no setor privado. Ganha com isso a sociedade num mercado dominado fortemente por oligopólios bancários.
Não tem como não gastar
A transformação do modelo de acumulação vem muito pressionada pela crise planetária. Veja-se a brutal queda do PIB dos países. E o Estado brasileiro está respondendo efetivamente com dois pontos novos na sua estratégia. Num primeiro instante, ampliar a sua intervenção para sustentar o investimento. E o investimento, num momento de crise, tem que plantar uma nova flor, trata-se do retorno do investimento público. Sob certo ponto de vista, essa manobra estratégica já vinha sendo preparada, política e ideologicamente com o PAC. Ela vai encontrar agora, um novo caminho, uma renovação da relação setor público/setor privado. Vão vir gastos do Estado, gastos como já disse para dar um reforço ao investimento, de tal modo que a liderança estatal introduzirá no cenário produtivo obras de caráter público. Obras onde imediatamente sobressai o Plano de Habitação Popular. Nele há indicação de que serão gastos 70 bilhões de reais.
O atraso
Assim, entramos num novo período. Considerando que a estratégia maior propugna pela mudança do modelo de acumulação financeira por um modelo de acumulação produtiva, centrado no Estado, há que modificar as condições de operação do setor bancário nacional. Porém a batalha com as finanças é uma batalha de ir ganhando o jogo pela ocupação de lugares. Lugares deixados, na crise, pelo setor bancário nacional e estrangeiro instalado no Brasil. Só que o complicador maior é o Banco Central. Ele que desde sempre esteve a favor da financerização da economia e sempre manteve a taxa de juros elevada. E só agora, não sem resistência, começou a permitir a descida da mesma. Resistiu o que deu, indo sempre a reboque do próprio mercado, que já gritava, esperneava, vociferava pela queda dos juros. Mas, não basta a queda da Taxa Selic, é preciso que diminuam também os spreads dos bancos privados. Só que sempre neste ponto, eles estão mais atrasados que o próprio Banco Central.
Começa a contraposição às finanças
E a estratégia do governo vem caminhando para cercar e, no limite, se possível, retomar sob a sua égide, o Bacen. O lance primeiro foi forçar a baixa da SELIC, introduzindo agora, a questão da regulação dos cartões de créditos pelo próprio Banco Central. Seria uma forma de conter as taxas escorchantes cobradas por um setor, deixado a evoluir meio sozinho. E sabemos que quando as coisas são deixadas a auto-regulação dos bancos o desastre para o sistema financeiro, para a população e até mesmo para eles, é notável. Mas, o governo começa a construir uma contraposição interessante com as finanças, Num sentido, avança com o BNDES no financiamento de longo prazo. E, noutro sentido, há um objetivo forte de baixar os escandalosos spreads brasileiros, fazendo com que o BB e a Caixa Econômica façam acordos com entidades diversas, a começar com a CUT para deixar de cobrar tarifas bancárias, visualizando inclusive a cobrança de juros mais aceitáveis para os associados da Central Única de Trabalhadores.
Um outro ponto decisivo é a utilização da Caixapar, seja para financiar a aquisição ou a participação em bancos médios e pequenos, de tal maneira que garantiriam o funcionamento destas entidades no financiamento de empresas do mesmo porte dos bancos apoiados. Isto estaria dentro dos planos da Caixa na pretensão de atuar e ampliar, vigorosamente, no crédito de bens de consumo duráveis de diversos portes (motos, carros, casas, etc.). O que parece também ser o incremento do Banco do Brasil com a incorporação no seu campo de atuação da Nossa Caixa. Por fim, o BNDES estaria criando um sistema de seguro-depósito com o desdobramento do seu já existente Fundo Garantidor de Promoção da Competitividade.o FGPC.
As duas pontas da saída
Assim, estamos vendo um movimento de grande amplitude do governo brasileiro para se adequar às transformações da economia mundial. Parte de um objetivo, de um plano, a mudança do modelo de acumulação, mas ao mesmo tempo tenta construir as condições de organização do setor bancário para responder as essas alterações e para sustentar o insubstituível crédito. E pode se constatar que essa metamorfose não tem sido feita de forma berrante. Ao contrário, a sutileza tem sido o tom. Embora o governo possa ter uma estratégia global tanto para a economia quanto para o sistema bancário, ele tem claro que o avanço na direção das mudanças tem que adotar um itinerário progressivo, etapa por etapa. A estratégia não é de um combate frontal, mesmo porque a saída da crise envolve duas pontas, o reforço do setor público e o apoio às empresas viáveis para encarar a foice darwiniana da crise.
DE COMO SUSTENTAR O CRÉDITO
Por Enéas de Souza
Confirma-se o que, em 14 de fevereiro, um sábado, escrevíamos sobre a mudança do sistema bancário nacional. Com a crise mundial e nacional, com a retirada da economia privada, com a preferência pela liquidez, o Estado passa a ter que entrar em campo para reordenar o jogo. E nessa entrada, um dos pontos decisivos vai ser a retomada do crédito e a busca do controle dos juros, mesmo que o Copom continue reagindo com precaução. Trata-se de um processo que se pode enxergar através da lógica da dinâmica econômica e de seus efeitos macro e microeconômicos.
Com quem andam os nossos bancos?
Na questão do sistema bancário nacional, o processo é claro. O Estado vai reorganizar o desenho do sistema, dando um papel absolutamente importante aos bancos públicos. Porque embora estes também se orientem pela lucratividade do capital, podem atuar não tão dependentes dela. Podem combinar programas múltiplos com lucratividades diferenciadas (até mesmo lucratividades negativas). Essa ação compensaria no geral e na média o seu desempenho. Todavia, para que se possa perceber claramente o que está acontecendo não se pode deixar de acompanhar a entrada dos bancos públicos na trajetória de uma estratégia nacional definida pelo Estado. Aqui está o ponto central do que está ocorrendo.
O Estado tem em verdade uma estratégia de reformulação do modelo financeiro de acumulação para a constituição de um modelo de acumulação produtiva. Para esta mudança, que vai estar em consonância com os países do mundo, o decisivo é controlar a área financeira e destravar os obstáculos ao crédito. Sem este uma economia moderna não deslancha. Por isso, neste momento de preferência pela liquidez dos bancos, das empresas e das pessoas; de encurtamento dos negócios e de exigências de cortes nos custos; de desemprego ativado e pernicioso; o fundamental para contrapor as forças negativas que dominam o ciclo mundial, é reativar a economia, pela ação do Estado. Gasto público e financiamento da produção e do consumo. Daí o papel do governo trabalhando em cima da reformulação do sistema de bancos públicos e do controle das taxas de juros. E com isso introduz, por incrível que pareça, um nível de competitividade do setor público no setor privado. Ganha com isso a sociedade num mercado dominado fortemente por oligopólios bancários.
Não tem como não gastar
A transformação do modelo de acumulação vem muito pressionada pela crise planetária. Veja-se a brutal queda do PIB dos países. E o Estado brasileiro está respondendo efetivamente com dois pontos novos na sua estratégia. Num primeiro instante, ampliar a sua intervenção para sustentar o investimento. E o investimento, num momento de crise, tem que plantar uma nova flor, trata-se do retorno do investimento público. Sob certo ponto de vista, essa manobra estratégica já vinha sendo preparada, política e ideologicamente com o PAC. Ela vai encontrar agora, um novo caminho, uma renovação da relação setor público/setor privado. Vão vir gastos do Estado, gastos como já disse para dar um reforço ao investimento, de tal modo que a liderança estatal introduzirá no cenário produtivo obras de caráter público. Obras onde imediatamente sobressai o Plano de Habitação Popular. Nele há indicação de que serão gastos 70 bilhões de reais.
O atraso
Assim, entramos num novo período. Considerando que a estratégia maior propugna pela mudança do modelo de acumulação financeira por um modelo de acumulação produtiva, centrado no Estado, há que modificar as condições de operação do setor bancário nacional. Porém a batalha com as finanças é uma batalha de ir ganhando o jogo pela ocupação de lugares. Lugares deixados, na crise, pelo setor bancário nacional e estrangeiro instalado no Brasil. Só que o complicador maior é o Banco Central. Ele que desde sempre esteve a favor da financerização da economia e sempre manteve a taxa de juros elevada. E só agora, não sem resistência, começou a permitir a descida da mesma. Resistiu o que deu, indo sempre a reboque do próprio mercado, que já gritava, esperneava, vociferava pela queda dos juros. Mas, não basta a queda da Taxa Selic, é preciso que diminuam também os spreads dos bancos privados. Só que sempre neste ponto, eles estão mais atrasados que o próprio Banco Central.
Começa a contraposição às finanças
E a estratégia do governo vem caminhando para cercar e, no limite, se possível, retomar sob a sua égide, o Bacen. O lance primeiro foi forçar a baixa da SELIC, introduzindo agora, a questão da regulação dos cartões de créditos pelo próprio Banco Central. Seria uma forma de conter as taxas escorchantes cobradas por um setor, deixado a evoluir meio sozinho. E sabemos que quando as coisas são deixadas a auto-regulação dos bancos o desastre para o sistema financeiro, para a população e até mesmo para eles, é notável. Mas, o governo começa a construir uma contraposição interessante com as finanças, Num sentido, avança com o BNDES no financiamento de longo prazo. E, noutro sentido, há um objetivo forte de baixar os escandalosos spreads brasileiros, fazendo com que o BB e a Caixa Econômica façam acordos com entidades diversas, a começar com a CUT para deixar de cobrar tarifas bancárias, visualizando inclusive a cobrança de juros mais aceitáveis para os associados da Central Única de Trabalhadores.
Um outro ponto decisivo é a utilização da Caixapar, seja para financiar a aquisição ou a participação em bancos médios e pequenos, de tal maneira que garantiriam o funcionamento destas entidades no financiamento de empresas do mesmo porte dos bancos apoiados. Isto estaria dentro dos planos da Caixa na pretensão de atuar e ampliar, vigorosamente, no crédito de bens de consumo duráveis de diversos portes (motos, carros, casas, etc.). O que parece também ser o incremento do Banco do Brasil com a incorporação no seu campo de atuação da Nossa Caixa. Por fim, o BNDES estaria criando um sistema de seguro-depósito com o desdobramento do seu já existente Fundo Garantidor de Promoção da Competitividade.o FGPC.
As duas pontas da saída
Assim, estamos vendo um movimento de grande amplitude do governo brasileiro para se adequar às transformações da economia mundial. Parte de um objetivo, de um plano, a mudança do modelo de acumulação, mas ao mesmo tempo tenta construir as condições de organização do setor bancário para responder as essas alterações e para sustentar o insubstituível crédito. E pode se constatar que essa metamorfose não tem sido feita de forma berrante. Ao contrário, a sutileza tem sido o tom. Embora o governo possa ter uma estratégia global tanto para a economia quanto para o sistema bancário, ele tem claro que o avanço na direção das mudanças tem que adotar um itinerário progressivo, etapa por etapa. A estratégia não é de um combate frontal, mesmo porque a saída da crise envolve duas pontas, o reforço do setor público e o apoio às empresas viáveis para encarar a foice darwiniana da crise.
Nenhum comentário:
Postar um comentário