sexta-feira, março 27, 2009

Sexta-feira, 27 de março de 2009

O QUE FALTA
AO ESTADO BRASILEIRO
Por Enéas de Souza

Da resposta do governo à questão do Estado

O Plano de Habitação Popular mostra, se olhado por um outro ângulo, além do mero plano, algo profundamente complexo da realidade brasileira. Vieram do fundo do mar alguns aspectos. O primeiro deles foi a resposta do governo à crise. Ela veio com a máxima rapidez possível, dentro de um Estado não preparado para enfrentar a crise com medidas governamentais. Mas, é exatamente, este outro aspecto, a condição deste Estado que precisamos analisar. Talvez seja, dando uma recuada, tomando uma distância, a necessidade de tratar o Estado em sua dimensão de Estado que temos que colocar em questão no lançamento deste plano.

Na crise, o Investimento do Estado é prioritário

Diante de uma crise econômica de um porte avantajado e que traz sobre o Brasil uma sombra de queda do PIB e um devorante aumento do desemprego, o que se pode dizer é que o governo tinha que fazer o que fez. O governo tinha que devolver à crise um plano (mesmo que às pressas) baseado em recursos fiscais. Pois, atuando exatamente sobre as obras públicas, ele acentuou a ênfase no investimento, e um investimento que gera demanda a outras áreas produtivas. Apesar de avanços tecnológicos nesta área da construção civil, esse Plano acelera enfaticamente um ponto social decisivo: o aumento substancial na área do emprego. E mais, esta oferta de imóveis se conecta com a procura de residências por parte de uma classe desfavorecida, o que permite assinalar um interesse desse Plano em favor da população.

O neo-liberalismo vesus uma política nacional

Mas, há aspectos graves a examinar. Em primeiro lugar, o governo do Lula se move num Estado com traços de liberalismo. Funcionou desde os anos 90 a idéia de que o Estado deveria se retirar da economia, deveria ser mínimo. O que isto provocou foi, sem dúvida, a liquidação de uma política econômica global, que envolvesse política industrial, política agrícola, política de trabalho, política de rendas, política científica tecnológica, política monetária, política financeira, política fiscal, política cambial, etc.
Esta política econômica global estaria subordinada a uma ação de coordenação e de planejamento. Os dois grandes nomes de uma estratégia nacional seriam tanto uma política macroeconômica, como um planejamento nacional, que poriam em andamento um projeto de nação e a execução deste projeto.

O entrelaçamento dos planejamentos

Naturalmente, que o planejamento é algo muito amplo e embora parta, no caso de um projeto de desenvolvimento econômico social, da área de economia, ele exige de forma eminente um entrelaçamento com outras áreas para que o planejamento econômico não desperdice recursos em função de miopias dos economistas diante de áreas específicas. Assim, uma política agrícola requer um planejamento envolvendo o planejamento econômico com diversas áreas da agronomia, da pesquisa bio-tecnológica, de formas de produção agrícola, etc. Por isso, quando se trata de uma área como a área de habitação, haveria a necessidade de aglutinar um planejamento econômico que esteja articulado com um planejamento urbano em seu sentido amplo (água, esgoto, luz, transporte, escolas, postos de saúde, materiais de construção, acessibilidade, conhecimento econômico e social dos moradores, etc.)

Com quem andou o nosso Estado

Temos que interpretar este fato do Plano de Habitação Popular dentro de uma visão mais ampla. Nela dá para sentir e compreender o que foi a devastação causada pelo neoliberalismo. Uma destruição do Estado brasileiro. Um Estado que era voltado para a liderança de um desenvolvimento econômico e social onde, além de uma política econômica e um planejamento, que – atenção! - servia à acumulação de capital, liderava a dinâmica econômica através de investimento públicos e estatais, ao mesmo tempo em que elaborava uma estratégia de solidificação de um Estado de bem-estar social subdesenvolvido, mas ainda assim Estado social. A derrota das elites dominantes brasileiras nos anos 80 levou a uma longa destruição desse Estado, via endividamento público, via privatização das empresas públicas, via liberalização do comércio externo e via liberalização dos fluxos de capitais. E, como inversamente a transmutação da água em vinho, o Estado desenvolvimentista tornou-se um Estado financeiro. O que logicamente afetou a população nativa como “um mecanismo de desastre”, na palavra de Fernando Pessoa. Este processo terminou por desenvolver um cuidado do Estado apenas com uma política econômica muito restrita. E levou em conta somente as políticas monetária, cambial, financeira e fiscal no nível macro para que a financeirização da economia fosse plenamente um sucesso. Todas as demais políticas da área econômica foram rebaixadas, e se tornaram funções de decisões de cunho microeconômico. Como resultado final, o governo do momento neoliberal deixou de lado qualquer planejamento macro, de qualquer ordem.

Sobras e demolição do banquete neoliberal

Felizmente sobrou alguma coisa: a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o BNDES, alguma institucionalização das normas trabalhistas, de ações da previdência, etc. Mas outras áreas sucumbiram, geralmente áreas ligadas ao planejamento urbano. Bem, o importante é perceber o que foi a devastação provocada pela financeirização do mundo: suspensão da ação do Estado como Estado a partir da hegemonia fantástica do Ministério da Fazenda e do Banco Central sobre o Estado e sobre o país. No final do governo de FHC e mesmo no primeiro governo Lula, chegamos a ter a hegemonia absoluta do Banco Central no comando de uma economia de acumulação financeira. Ou seja, constitui-se um Estado financeiro, afastado de uma política e de uma estratégia nacional, azeitando-se para uma festa de ativos privados e públicos, que obviamente só precisava de estabilidade de preços, de controle fiscal e de câmbio flexível. O resultado foi a demolição da política econômica unitária e do planejamento nacional, desarticulando política, economia e sociedade.

A economia e a sociedade não voltam para trás

Ou seja, o que é preciso é retomar um Estado nacional que promulgue uma economia de acumulação produtiva. Mas, vejam os leitores, o que estamos propugnando aqui não é uma volta ao desenvolvimentismo. Ao contrário daqueles que achavam que a história tinha terminado, ela não acabou. E, mais importante, ela não volta para trás. O objetivo é buscar um Estado que desenvolva a economia e a sociedade integrando-se na economia mundial, numa nova economia a vir depois da atual tempestade financeira e produtiva do capitalismo. Há que buscar uma economia de acumulação produtiva, sob a liderança da dinâmica econômica feita pelos investimentos públicos e estatais, acoplados com capitais nacionais e internacionais. Porém dentro de uma política e um projeto nacional, que recupere uma política econômica global e um planejamento econômico em conexão com os mais diversos planejamentos. Ou seja, temos que reformular o Estado, deslocando o Banco Central de sua posição no mínimo autoritária, se não ditatorial; ele tem que ser um instrumento do desenvolvimento econômico e social, e não instrumento de acumulação das finanças. O Estado precisa existir para toda a sociedade.

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