segunda-feira, março 02, 2009

OBAMA, AS FINANÇAS E A MOEDA
Por Enéas de Souza

A tarefa de Obama é das mais complicadas, mas ele tem uma visão estratégica de longo prazo. Coerente, unitária e bem definida. No seu recente discurso no Congresso americano (fizemos a análise dele no dia 25 de fevereiro) desenvolveu, com brilho, calor e simpatia, as suas idéias. Esse discurso e esta estratégia virão ao nosso blog muitas vezes, pois os fatos e os acontecimentos do Governo devem estar referidos, sempre que possível, ao pensamento do presidente norte-americano. Tal referência nos permitirá medir a sua capacidade de enfrentar os desafios, de inventar soluções, de aglutinar a sua equipe, de verificar o itinerário proposto e de analisar a sua audácia em resolver as questões que a crise está imprimindo.

Hoje, nesta postagem, vamos conversar sobre o dilema mais contundente do ponto de vista econômico, a questão financeira. Ela é a batalha de sua gestão. Uma batalha real e simbólica, onde a imaginação vai ter que estar no poder. E César não poderá deixar de enfrentá-la. Há que ter claro sobre a questão decisiva: como encaminhar a solução para o setor bancário e o sistema financeiro? Já vimos que a turma que aplicou o golpe nos investidores, os fogosos e dionisíacos esquemas da engenharia financeira, estão desmoralizados. Basta ver o que aconteceu com Bear Stearns, o Lehman Brothers, o Wamu, o Goldaman Sachs, o Citigroup, o Bank of América, o JP Morgan, etc Não escapam desse glorioso time, campeões do mundo, a AIG, a Fannie Mae, o Freddy Mac - sacos sem fundo para os recursos do Tesouro Nacional. E nem deixamos de mostrar nessa pintura, a cor debochada dos fundos dos trambiqueiros Madoff e Stanford. São todas essas peças, jóias da coroa; são todos eles fabricantes ou transmissores do mal das finanças, os ativos podres.

Todas essas instituições financeiras bancárias e não-bancárias deixaram uma herança incômoda. Deixaram ou instituições quebradas ou entidades zumbis. Sejamos claros: as finanças estão totalmente batidas, desacreditadas comercial e moralmente, mas não estão vencidas politicamente. Sua luta é para evitar a todo custo a ameaça da nacionalização. E tem uma chance: a nacionalização cheira na América do Norte algo contra o liberalismo, tem parte com o comunismo. Vai contra o mito da individualidade dourada, do liberalismo político mais autêntico, aquele que quer se proteger do Estado contra a falta de liberdade econômica. Até foi em nome desta liberdade que os banqueiros e os financistas conseguiram a desregulamentação do sistema financeiro.

Mas, o Estado tem tentado ajudar o setor, tem feito planos de salvamento. O Congresso e a população, mesmo aqueles que não estão contra as finanças, não tem tolerância para com os dirigentes que ganharam bônus, mesmo quando as entidades financeiras foram mal ou quebraram. O vento, então, da oposição à área propõe o dilema: ou Obama toma uma decisão política de reorganizar completamente o sistema financeiro – um sistema independente deste que se desmanchou - ou fica dando tempo ao tempo, enquanto os bancos vão digerindo, com a ajuda do Estado, os ativos podres que estão ocultos nos seus corpos fragilizados. Na verdade, olhado pelo plano geral, a coisa funciona assim. Ou Obama vai fundo ou fica na praia pegando onda. Se for fundo, dois são os pontos. Primeiro é necessário tomar uma decisão irreversível. Segundo, fazer a montagem do novo sistema, o que implica em promover uma nova arquitetura financeira. Esta deve priorizar fundamentalmente o crédito para o setor produtivo e o crédito para os consumidores. Todo o resto de títulos e papéis deve vir por conseqüência e desdobramento desta prioridade. As finanças não podem se tornarem auto alimentadoras, não devem se estruturarem no fascínio por si mesma. Porém, para mudanças significativas, a resistência do setor financeiro é muito grande. No campo político ela gera um vasto lobby sobre o Congresso Nacional, uma pressão sobre Washington, porque as finanças querem continuar a fazerem as finanças para as finanças, e não para a sociedade.

Os problemas do setor financeiro são brutais, mas, lá no canto do cenário, como uma armadilha demolidora, como uma bomba de retardamento, está em jogo a questão da moeda. Esta é a prova final da Olimpíada financeira e econômica. Pois no processo da crise, se ela se agravar fortemente, a questão monetária mostrará seu rosto verdadeiro, a sua face sem máscara. Ela imporá a necessidade de solucionar as funções da moeda. Por isso, uma indagação estala como um foguete: o que faz uma moeda? E a resposta é simples: ela proporciona a medida dos valores, assegura a circulação das mercadorias e preenche a função de reserva de valor. Aqui, sim; aqui nesta última função, vem a substância de todas as questões sobre as finanças atuais, uma vez que persiste a pergunta fundamental da economia: em que moeda vai ser conservada a riqueza? Questão que o meu colega André não deixa de colocar em nossas conversas. Porque a riqueza abstrata, esta que é feita em papéis e em dinheiro organizado pelas finanças (dólar sustentado pelo Estado norte-americano) esta está em causa, entrou em processo de decomposição. O Gordon Brown, já no ano passado, propugnava keynesianamente, por uma moeda mundial. O que não acontecerá. Os americanos nunca concordarão com esta proposta. Mas, isto não significa que o problema da moeda não vem chegando lentamente no horizonte do capitalismo, no calor desta crise. Se a questão dos bancos não for resolvida com competência, não só não haverá recuperação do crédito, mas no desdobramento, a crise se agravará, sobretudo se os temas fiscais ficarem fora do controle. E a moeda mundial do momento, o dólar, estará ameaçada. Pode-se encontrar um sintoma desabusado no subterrâneo do que está acontecendo. Porque o ouro tem subido de preço? Não se pode pensar que o ouro virá a ser a moeda do novo sistema. Mas esta busca do ouro como reserva de valor, está a indicar a fraqueza no momento atual das moedas construídas pelos Estados. Ou seja, as decisões de Obama sobre a área das finanças, envolvendo muitas ações e negociações nacionais e internacionais, têm desafios que afetam tanto a armação de um novo sistema financeiro como a resolução do problema da construção social da moeda.







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