O DESPEDAÇAMENTO DAS FINANÇAS
Por Enéas de Souza
As finanças se encontram hoje divididas, e lutam desesperadamente para não só manter a liderança na sociedade, mas para não perderem a posição e a iniciativa no processo social americano e mundial. O centro da questão é a sua extraordinária derrota ocorrida a partir de 2007. A imensa catástrofe que causaram para si como para os demais setores. Foi como a rosa de Hiroshima, uma rosa da destruição. No atual governo do Obama, elas tentam por todas as maneiras encontrar uma linha, um cordão, uma idéia para cercá-lo, para levá-lo a decidir em seu favor. O triângulo das Bermudas do governo Obama, Geithner, Summers e Bernanke, apesar das suas contradições entre si, têm encontrado tremendas dificuldades para dar uma nova configuração a este setor. Só que a dificuldade é aquela de encontrar algum plano, quem sabe uma mágica, que una a multiplicidade de interesses desta fração do capital. Esta área se encontra formidavelmente fragmentado, temperado por adversidades irreconciliáveis, o que representa uma dilaceração de pontos de vista. Trata-se de uma dispersão de opiniões, de sugestões e de ação que impede qualquer união maior. As finanças precisam se entender e elas não se entendem.
Tem finanças para todos lados
O ponto que uniria todas seria o retorno ao passado e o passado é hoje uma mera saudade. Ou seja, há uma parte do setor que foi destruído: inclui aí o Bear Stearns, o Lehman Brothers, o Stanley Morgan, o Wamu, a AIG, Fany Mae e Freddy Mac, etc, que desapareceram, foram salvos pelo Estado, foram aglutinados ou centralizados por outros grupos. Ou seja, o darwinismo do capital ceifou esta área, lavrou nesta terra absurda. Portanto, o processo que reformula o capital, que tenta ir adiante, eliminando os obstáculos, na área financeira já fez o seu estrago, já reformulou uma parte do seleto e orgulhoso mercado da área. A partir daí, além de instituições financeiras de menor significação, temos um grupo de bancos que restam de pé, mas sob a ilusão e o esforço final de que continuam de pé, como se fossem como aqueles bêbados que querem mostrar que ainda continuam de pé. Nessa direção estão o Citi, o Bank of America, por exemplo. Esta é uma segunda parte. Temos uma terceira, constituída de investidores que estão esperando e que mantém recursos e que apesar de perdas continuam como os aviões de carreira, decolando, dirigindo-se para aeroportos financeiros onde exista pouso. São investidores do tipo Buffet, são fundos soberanos da China, fundos soberanos dos árabes, etc.
Por onde passam as soluções
Mas, não é pelo lado da fragmentação dos integrantes da esfera financeira, que a coisa emperra mais, porque aí tem algo que os une, todos têm a mesma esperança: o Estado pode salvá-los. O problema verdadeiro é mais embaixo, o problema é a solução a ser dada aos bancos, ao sistema financeiro, à regulação, etc. Ou seja: qual a nova lógica a ser implantada. E aí a divergência dos atores é extensa e um medo perpassa o mercado financeiro. E na luta dentro da sociedade, as finanças estão recuando em relação aos seus irmãos capitais e outras frações da coletividade.
Existem três formas de solução da crise pelo lado financeiro:
a) as finanças zumbis: os bancos mantém os ativos tóxicos, mascarados sob uma contabilidade apropriada, e buscam uma digestão lenta e de longo prazo para estes títulos podres. Fator essencial desta solução serão os freqüentes baillouts que o Estado deve prover. Por exemplo, fala-se que, no momento, Geithner prepara um novo aporte de 1 trilhão de dólares. A grande oposição a esta proposta são obviamente as outras forças sociais: a produção, os comerciantes, os trabalhadores, etc. bem como integrantes de partidos políticos no próprio Congresso. Nesta opção já foi descartada a variante pura, a simples doação de dinheiro. Faz parte desta variação, a nacionalização branca, que é a mesma solução, porém disfarçada, quando o Estado adquire ações preferenciais e permite que os bancos e a suas direções continuem a gerir as atividades, sabendo-se que os proprietários originais das ações também não terão as suas ações derretidas. Apenas – e graças a Deus! - terão (alguns já tem) um novo sócio: o Governo. Se a solução der certo, todos no médio prazo ganharão. Mas, os adversários continuarão os mesmos, isto é, a produção e a sociedade. E nesse quadro podemos acrescentar: o tempo de solução será inevitavelmente muito, muito longo, o sistema bancário funcionará como um navio avariado, em estado precário;
b) a nacionalização do sistema financeiro. Não apenas a nacionalização dos bancos, mas a nacionalização do próprio sistema em pauta. Ou seja, uma mutação completa. O Estado toma conta dos principais bancos ao adquirir as ações e, aí está o fundamental, assume o controle, gere as operações, define em conjunto estratégias, faz um novo sistema financeiro, determinando a regulação, a envergadura da atuação do banco central, a limitação das agências de ratings, etc. Ou seja, totalmente diferente da nacionalização branca. Mas, esta nacionalização tem duas mãos, pois implica que ao final do processo, com os bancos saneados e o sistema funcionando, o Estado possa devolver à sociedade, leia-se aos capitais saudáveis, a propriedade dos bancos, o que levará a uma nova configuração de entidades, de proprietários e de dirigentes. A objeção, forte e intensa, surge, obviamente, dos atuais proprietários e dos dirigentes destas corporações bancárias, que perderão não só o comando delas, mas a hegemonia sobre a própria sociedade que tanto infelicitaram. E existem também objeções daqueles (políticos e público em geral) que acham que tudo que está ligado ao Estado é contra o individualismo americano e contra o livre empreendimento. Mas, este movimento cresce, inclusive com economistas insuspeitos de serem de esquerda;
c) a forma “good bank/bad bank”. O Estado de fato ficaria com os ativos podres, constituindo o “bad bank”, mas transferiria a flor do lodo, a parte saudável do sistema, os “goods banks”, para novos proprietários. Essa alteração implicaria na substituição dos antigos e possivelmente alteraria a composição dos executivos atuais por novos, que tocariam agora em condições normais, regularizadas, a competição do setor. Naturalmente, que esta hipótese vai contra os atuais detentores das ações e dirigentes em curso, que se negam a ceder suas posições. Esta hipótese poderia implicar também numa nova regulação do sistema financeiro.
O caldeirão do diabo
Como se pode ver neste elenco de proposições, o que avulta como um feixe solto de cordões, é que não existe unidade no setor financeiro. A fração das finanças está ela própria fragmentada, o que barra qualquer tentativa de solução, enquanto, ao mesmo tempo, o setor fica profundamente fragilizado. As pressões sobre o sistema financeiro e o governo americano tenderão a aumentar, principalmente a partir das reuniões do G-20, porque europeus e japoneses e mesmo emergentes, como o Brasil, buscarão uma frente para a regulação da economia financeira. Neste sentido, esta fração do capital entrará agora na sua verdadeira era de turbulência, já que teremos oposições vindas de toda parte, inclusive do próprio interior do Governo americano.
quarta-feira, março 11, 2009
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