segunda-feira, março 09, 2009

O CÉU E O INFERNO DAS EMPRESAS E DOS BANCOS
Por Enéas de Souza


A governança corporativa e o ciclo

Um dos problemas da crise atual é a governança corporativa, a forma de organização das empresas e dos bancos no atual capitalismo. Ela está mostrando todo o seu impasse nesta altura do campeonato. Olhemos o tema. Em primeiro lugar, a governança corporativa busca fazer com que a empresa volte toda a sua dimensão, dedique a sua prioridade, ao rendimento das ações. É o chamado “Return on equity” (ROE) Ou seja, quanto mais aparecem resultados, quanto mais perspectivas produtivas e mesmo tecnológicas emergem, as ações sobem e a empresa se torna mais valiosa. Assim, o mercado de ações torna-se uma medida financeira do valor empresarial. Quando o ciclo econômico sobe, o mundo é azul e o infinito parece estar à mão. O oposto é verdadeiro, quando o ciclo desce e a economia desaba, a corporação vai ao inferno. O infortúnio é imediato: os investidores querem, compulsivamente, se ver livre destas ações malditas. Veja as quedas recentes das ações do Citi e do Bank of América.

Citi, Bank of América e Petrobrás

Claro, o movimento acionário oscila muito, porque estas ações participando do jogo da Bolsa estão acopladas no desenvolvimento econômico dos capitais a um processo especulativo que faz parte da atual financeirização da economia. Assim os rumores sobre a política econômica, sobre a abertura ou fechamento de mercados, sobre o rumo da competição entre os capitais, sobre os índices de desempenhos econômicos, sobre as respostas das empresas a novos paradigmas produtivos ou a novos desenhos da esfera financeira, tudo isso entra no giro diário da bolsa. Quando se olham às oscilações da Petrobrás, por exemplo, pode-se ver que a empresa tem, no momento, uma certa consistência comportamental, seja pelas suas reservas petrolíferas, seja pela sua entrada no mercado de biocombustível, seja por suas atividades no Japão, etc. O movimento diário de ascensão e queda na bolsa, absolutamente conjuntural e próprio da especulação, não esconde a tendência de crescimento e de perspectivas de uma empresa que está bem posicionada no jogo da economia.

O bônus dos executivos

Mas a governança corporativa, mostra que se de um lado temos o problema da prioridade do acionista, o que faz as empresas estarem permanentemente preocupadas com a sua valorização acionária, o seu valor de mercado, de outro lado encontramos uma realidade forte no estímulo aos dirigentes da corporação. Pois, as “stock options”, os bônus servem para que estes funcionem com dedicação especial ao êxito do negócio. Essa forma de organização é ótima desde que, mais uma vez, o ciclo avance e as perspectivas econômicas sejam florescentes. Porém, numa crise, a adversidade mostra toda a sua garra. Pois nela, não existe a mesma solidariedade entre os proprietários e os executivos. Vejamos os casos dos executivos que saem com bônus. Na semana passada, anunciou-se a investigação de 7 altos dirigentes da Merril Lynch, empresa absorvida pelo Bank of América, que receberam ao redor de 10 milhões de dólares de bônus. É importante ver que na hora da descida do ciclo, no momento da crise, como estes executivos, na verdade, são empregados de alto nível, eles não sofrem a mesma oscilação das empresas. As remunerações fazem parte dos contratos, logo devem ser pagos. O problema moral não entra nesta questão econômica, trata-se um tema, importante sim, mas de outra esfera.

Os conflitos que rasgam as empresas modernas

Tudo isso surgiu por única razão. A empresa no capitalismo contemporâneo é esgarçada por um conflito forte. A figura do antigo dono, hoje está dividida em duas: o proprietário das ações que quer o maior rendimento delas, e o executivo, que toca a empresa, mas tira vantagens do seu funcionamento. Esta fórmula, quando a economia desmonta, mostra o seu tórax aberto e dilacerado. Porque, antes de mais nada, numa economia que cresce como foi o caso da economia americana, com rápidas crises, nos últimos trinta anos, tudo vai bem. A prioridade ao acionista e as vantagens aos executivos são céu azul, geram acumulação e dinheiro. Quando, porém, o mundo tomba, a contradição se mostra com toda a sua força. Pois, no capitalismo atual, o proprietário e o executivo são dois lugares na estrutura do capital, solidários quando o ciclo sobe e adversos quando o ciclo desce. E este problema foi sempre escondido por duas razões. A primeira, já foi expressa, se sustenta na pujança da economia capitalista das últimas décadas. E segunda, se ampara na própria ideologia do capitalismo, na idéia de que a economia de mercado tinha conseguido abolir o ciclo. Esta última talvez tenha sido um dos maiores equívocos dos empresários e dos economistas oficiais que diziam que o ciclo tinha acabado e que a política econômica tinha dominado as intempéries e os vendavais econômicos. Eles mesmos se enganaram, eles mesmos prepararam a surpresa devastadora da crise. A lição que fica é definitiva: nunca a economia capitalista acabou com o ciclo. Porque é a própria concorrência quem gera a existência dele. Como também no seu desdobramento, leva sempre à ruptura de uma fase do processo de acumulação. Como disse um economista francês Isaac Johsua: “capital é crise”. Porque, histórica e estruturalmente, a ascensão e a queda são partes inerentes - e inarredáveis - do funcionamento do capital.

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