UM ROSTO DE TARDE DE TEMPORAL
Por Enéas de Souza
O leitor sabe que quando uma pedra rola ladeira abaixo, ela toma velocidade, fica acelerada e pode até parecer uma bailarina de uma dança moderna. Pois o balé da economia americana está nesse compasso, descendo, e descendo mais do que o previsto. Esperava-se que no último trimestre de 2008 a economia caísse bastante, mas não além de -5%, no máximo -5,4%. Mas, nem os otimistas, nem os pessimistas acertaram. A tendência de queda foi chegar mais próximo à borda do abismo, o número ficou em -6,2%. Um tombo espetacular. Portanto, a recessão está avançando. Os analistas prevêem para primeiro trimestre de 2009 um resultado, de novo, entre -5% e -5,5%. Caso esses valores se confirmem, a recessão começará a mostrar o escondido e odioso rosto da depressão. E estará continuando progressivamente um movimento devastador, um Katrina no campo econômico, embora Obama tente animar o povo, a massa, com a retomada do sonho americano.
O elemento dinâmico da economia de acumulação financeira era o setor que negociava com papéis, com títulos privados e públicos. As notícias que rondam estes mercados são, sempre crescentemente, cruéis e sem piedade. De um lado, o Estado aumentou a sua participação no Citigroup, o que permite pensar que a nacionalização está enroscando o seu laço. Um dos aspectos mais cruciais, uma espécie de higiene na mentalidade diretiva, é a possibilidade de colocar diretores independentes no comando do grupo. O que nos permite compreender que a fração aristocrática das instituições financeiras será empurrada para fora do poder, que tão mal usaram. O que é escandaloso é que um deles chegou a pedir a um alto funcionário do Banco Central, o FED: “Nos dê uma chance”. Ora, seria uma comédia se não fosse um drama, seria uma tragédia se estes personagens não fossem cínicos. Contudo, para mostrar, que a pedra que rola, rola até encontrar uma parada, a Fannie Mae perdeu 58,7 bilhões de dólares e está querendo um auxílio de 15. Pelo visto, a ribanceira não acabou. Estes dois exemplos confirmam a idéia de que as finanças já não dão nenhuma dinamicidade à economia, só trazem relatos de vigaristas, tipo Madoff e Stanford, e anúncios de salvação do Estado, no fundo, dinheiro da população.
O segundo aspecto dinâmico da economia americana era o consumo. Os recursos disponíveis para o gasto vinham de salários, rendas financeiras e parte dos lucros distribuídos aos altos dirigentes. O consumo agora tem um comportamento mais retraído, mais contido, nitidamente tímido; pois teve uma queda de 4,3%. Olhando no fundo do olho, o que realmente despencou, com garbo e desânimo, foi o consumo dos bens duráveis, principalmente do setor imobiliário e de automóveis. Caíram acima de 20%. Ou seja, o que está desabando, por causa das finanças, tem a cara e a figura da materialização do sonho americano. A gente vê que a população em geral só faz gastos em bens não-duráveis, estritamente necessários e indispensáveis ao consumo cotidiano. Porque o assoberbamento de dívidas e o horizonte recessivo forçaram a cautela máxima em gastos em bens permanentes, já que as pessoas querem ter dinheiro em reserva a querer gastá-lo. Prefere-se jantar em casa, do que ir jantar fora. E como elemento soturno deste panorama, não se pode esquecer que há uma trava forte no consumo, o vasto contingente de desempregados, alguns sem poupança, que gastam apenas o seguro desemprego.
Evidentemente que o terceiro elemento da dinâmica do processo de acumulação financeira era o investimento produtivo, irmão deixado no fundo do sucesso e do brilho. Não há como pensar que ele possa estar bem, uma vez que diante do desastre, “as expectativas racionais” desses empresários é a de botar o pé no freio tanto no dispêndio em máquinas e equipamentos, como no gasto em construções de plantas industriais ou em novos processos tecnológicos, etc. Essa falta de demanda derruba de uma maneira desalentadora o setor de bens de capital. Na verdade, as corporações só pensam em cortar custos; antes de tudo, só pensam em despedir gente. E, além do mais, estão atrapalhados com endividamentos que sempre estiveram altos nos períodos mais recentes, sobretudo através dos “commercial papers”.
Para completar o panorama da economia, os desempregados este mês somaram ao redor de 660 mil e as exportações caíram 23,6% e as importações somente 16%. Ou seja, o esforço para que os Estados Unidos alcançassem resultados positivos na balança comercial não se concretizaram. Parece que os norte-americanos estão, mesmo, vivendo um inferno econômico. Diante do inevitável, Obama usa a única arma para acalmar o som e a fúria da população, o velho tema do renascimento do sonho americano. E em economia, o que a gente tem que olhar é para a tendência e se nossas análises estão sempre toldadas de nuvens ameaçadoras não é porque somos pessimistas: a economia é que tem um rosto de fim de tarde de chuva, um rosto de tarde de temporal.
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