quinta-feira, março 05, 2009

DEPOIS DE UMA DUPLA, OUTRA

Por Enéas de Souza


Não acredito que a reunião do G-20 em abril será um sucesso, pois todo mundo quer que o outro país mude para o seu lado. De qualquer modo, temos desde já uma vasta discussão, em muitos lugares, desde a Ásia até a América Latina, passando pela Europa, sobre as perspectivas desse encontro. Parece, no entanto, que tem um fato que deve ser considerado com cuidado. É como aquelas cenas de filmes que às vezes quase passam desapercebidas, mas que tem um papel fundamental na evolução da história e no trabalho do diretor. Enfim, o nosso mundo tem esta fisionomia de espetáculo e estes grandes eventos têm um ar e uma atmosfera de filme. O G-20 não tem nada a ver com o tema do filme de Hitchcock, mas o nome do filme é capaz de dar um certo tom desse momento: “Intriga Internacional”.

Passou meio batido nos meios econômicos, o encontro entre Obama e Gordon Brown. Encontro, obviamente, preparatório para o G-20, em abril, em Londres. Como as economias americanas e inglesas têm tradição de serem complementares desde sempre, elas são flores da mesma roseira, e os dois políticos, pregadores de catedrais irmãs O encontro de terça-feira pareceu significativo em muitos níveis. Mas, naquilo que nos concerne nessa postagem, o que importa é vê-lo como um determinado acerto, que os dois líderes, devem ter feito para seguir uma política e uma ação comuns. Sob certo aspecto, mas totalmente sobre outras condições, Obama e Brown substituem outra dupla, Bush e Blair, com a diferença que este novo duo tratará da construção de um outro ambiente econômico internacional.

Um dos aspectos importantes, como se fosse um refletor sobre o G-20, é que todo mundo espera uma definição maior dos Estados Unidos sobre a condução de uma nova etapa da globalização. Isto no momento me parece inviável porque os Estados Unidos não tem ao menos até agora, talvez possa ter em abril, uma visão clara do que deve ser o sistema financeiro americano e o sistema financeiro internacional. Porque todo o jogo da trindade econômica de Obama - Geithner, Summers e Bernanke - é que eles estão dedicados a salvar os bancos. E as medidas de política monetária e financeira são de um modo geral, pontuais e imediatas. Ou seja, está faltando a estes condutores da política americana uma concepção global da economia, envolvendo uma reformatação completa da esfera financeira, e inclusive uma metamorfose da relação finanças e produção..


Faltando isso, falta quase tudo. Apesar desse aspecto decisivo, o G-20 vai dar início a uma negociação entre os maiores países. E nos parece que em alguns pontos Obama já se definiu, ao menos em termos de princípios, concordando e apoiando e incorporando ao seu caminho o primeiro ministro inglês. George Brown tem sido um político, desde que os troféus do neo-liberalismo se derreteram, preocupado com a globalidade, preocupado com uma busca de entrosamento econômico entre as nações. No encontro das duas personalidade, de um lado Obama teria confirmado esta parceria Estados Unidos e Inglaterra, e de outro, veria como um objetivo claro, começar a discutir a tentativa de uma resposta mais global à crise. E isto é perfeitamente evidente, porque no processo desenvolvido até agora, as posições dos países são diferenciadas. Os Estados Unidos e a Inglaterra tomaram um tombo muito grande, a China saiu um pouco mais inteira, a Europa atravessa uma crise de desagregação forte, o Brasil tem aspectos positivos, misturados a outros negativos, etc.

Embora a crise financeira deva estar no centro das discussões, o processo da globalização envolve também a produção e os serviços. E a discussão terá uma abrangência que insinua a busca de uma nova ordem econômica mundial. O que se pode constatar é que se tenta encontrar princípios que vão conduzir o processo. Então, vamos dizer que a reunião de abril, pode ser o começo da definição de uma passagem, que será longa e árdua, de uma economia de acumulação financeira para um outra de acumulação produtiva. Para tal é preciso jogar em dois tabuleiros, discutir os rumos do sistema capitalista, e equacionar igualmente problemas concretos. Nessa última linha, a mais urgente, primeiro, cabe uma resposta mais coordenada frente crise; segundo, uma procura de anular a todo o custo o protecionismo, o que significa manter o livre comércio em pleno vôo; terceiro, embora os Estados Unidos, nesta ocasião, ainda não devam ter uma resposta para a área financeira, o certo é que se incluirá uma forte discussão sobre os papéis de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, sob pena de tornarem-se totalmente obsoletos e ultrapassados no atual contexto. Naturalmente, existem dois outros temas chaves, duas máscaras frontais, que atendem aos assuntos mais de longo prazo: a luta contra os paraísos fiscais e a tentativa de mudar o comportamento da China, no emprego de suas reservas monetárias.

Este encontro de Obama e Brown pode ter um papel chave para a liderança americana no mundo, e fazer parte de uma estratégia da reformulação da ordem econômica, sem deixar de considerar pontos da ordem política também. Apenas, que o desgaste que os americanos tiveram no passado recente com a presidência Bush e com a crise da econômica não fará da reunião do G-20 o êxito que o mundo deseja e ambiciona. O conflito é a lei da política, e o poder a forma de contornar e direcionar a disputa. Obama tem a vontade de acertar, mas ele não sabe ainda qual é o tamanho do seu poder.

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