sexta-feira, abril 03, 2009

Sexta-feira, 3 de abril de 2009

OS RESULTADOS DO G-20
Por Enéas de Souza

A belicosidade e a aglutinação

A reunião dos chefes de Estados do G-20 serve para que, na dinâmica econômica e política, apareçam pontos de conflitos e alianças, rotas de adversidades e de construções, e possíveis trajetos de temores e de ameaças. Ela serve, enfim, para uma abertura de cena onde se possa ver com mais clareza o tabuleiro do jogo da contemporaneidade. Naturalmente que existem negaças, dribles, conluios, espertezas, manobras de bastidores, sobretudo num momento onde a crise é um rio voluptuoso e causador de divergências. De um modo geral, em face desse panorama, o que se viu foi uma ação exitosa de Obama, que tentou, de maneira soft, hábil, duas coisas: uma liderança disposta a aceitar opiniões e sugestões – Lula disse que ele estava disposto a ouvir – e uma liderança sob a forma de aglutinação, para somar pontos de acordo adiante das disputas. Talvez sejam estas duas metas, o que de mais importante aconteceu na reunião. Ou seja, o lado belicoso de toda a política foi posto momentaneamente em repouso. É algo que existe sim, que está latente, mas que por hora não será o principal. Todo esforço será sempre o de achar algo comum para contornar as disjunções. O primordial parece ser a tentativa de construção de uma saída da crise, de forma segura, porém que será longa, sem que as rivalidades normais deixem de existir. Emerge, com uma ênfase operativa nas relações internacionais, uma idéia ligada na convergência de interesses. Dito de outro modo: o que ficou estampado neste G-20 foi que o poder americano, mesmo arranhado por longos anos de guerra no Iraque e por uma crise financeira e produtiva de dimensão mundial, é ainda um poder que pode avançar e liderar no sentido de uma reconstrução política e econômica. Obama, diante de possíveis conflitos (o gesto de ameaça de Sarkozy é um exemplo midiático), usou este poder para propor um valor (a necessidade de resolver a crise e construir um novo mundo) com a finalidade de ultrapassar e re-posicionar (mas não necessariamente superar) as forças antagônicas em direção a um ponto futuro.

O poder e a hierarquia

Não se pode pensar que a reunião dos chefes decide tudo. A meu ver, o que importa é a direção dada pela liderança. O que parece que Obama quer dinamizar é a fluidez, o entendimento, a abertura das relações, etc. E seu lance mais claro é que, ao passar do G-7 para o G-20 (na verdade, 19 países), o presidente pretende que o círculo das decisões se amplie para que os confrontos imediatos entre alguns participantes sejam postos num enquadramento de poder suficientemente forte para que, ao menos, a maioria canalize os movimentos num determinado sentido. E nós sabemos qual é: uma direção na qual os Estados Unidos possam retomar a sua posição. Mas que esta situação de poder acomode algumas mudanças, onde se admita outra hierarquia e outros participantes como a entrada de nações como a China, a Índia e o Brasil. Todavia não dá para se enganar: há uma luta poderosa entre os países, mas também não há como duvidar de que está em marcha uma nova ordem econômica e política. O que significa dizer que o neoliberalismo está em transformação, que as finanças têm que encontrar uma nova situação na economia, que a economia produtiva vai seguir um caminho de retomada e de direcionamento para um longo prazo.

O buraco na euforia

Assim, o movimento tendencial da política é mover o mundo para outra situação. Só que nada está resolvido. Temos dois eixos de reorganização: o relançamento da economia (com maiores participações do FMI e do Banco Mundial no sentido do desenvolvimento e do comércio internacional) e a regulamentação da esfera financeira (com possíveis controles dos paraísos fiscais, dos hedge funds, das agências de notação, etc.). Só que estes dois eixos exigem uma perspectiva de longo prazo. E é fundamental dizer que nada foi falado sobre aquilo que é o ponto decisivo das finanças: a forma de erradicação dos ativos tóxicos e o desenho e a construção de um novo sistema financeiro, inclusive a forma como vai se resolver a crise bancária de capital, de liquidez e de crédito. Claro, há motivo para euforia. Ela é válida na forma política da reunião, que foi conduzida sob o ângulo do entendimento, mas não há nenhum motivo de euforia na solução econômica imediata da crise. Há sinais, esboço de aspectos a serem desenvolvidos, contudo não há ainda uma firme trajetória em curso. O que pode abrir, logo, logo, uma fissura no entusiasmo.

De cima para baixo e de baixo para cima

Todavia, algo se passa fora das salas das reuniões, e que envolve com intensidade aqueles que querem modificações amplas na ordem das coisas. Há um grande número de participantes, de todos os matizes sociais, que querem alterações muito fortes no clima neoliberal, financeiro e guerreiro que dominou o planeta nos últimos anos. E talvez aqui esteja o espinho da flor, pois se trata do mundo inteiro, de personagens que não estavam nas reuniões, mas que, de uma forma ou de outra, estavam e estarão balizando os acontecimentos, que estavam e estarão dizendo que existe uma cólera, uma fúria, à direita e à esquerda, contra os desmandos dos Estados, dos políticos, dos financistas, dos empresários, etc. Embora possa haver esperança, há insatisfações que aumentarão se as ações forem apenas paliativas. Há um desejo de modificações substanciais. E isso muita gente não consegue ver, mesmo numa reunião cheia de boa vontade e simpatia mútua.

De qualquer maneira, existem dois movimentos no conjunto da obra. Um que vem de cima para baixo: a tentativa de reorganização da liderança do reino capitalista, financeiro, liberal, petrolífero, americano do mundo. Dinâmica que passa por Obama, ou tem Obama como líder. E ela não é uma liderança que se fará sem contradições, ao contrário, mas que segue com um objetivo de longo prazo. E existe um outro e forte movimento, caótico sem dúvida, que vem de baixo, dos esfomeados, dos desempregados, dos empregados, dos aposentados, dos temerosos, dos pesquisadores, dos professores, de intelectuais, da classe média, etc, que querem mudanças radicais, mas em sentidos muitas vezes opostos. Estes movimentos estão mal começando. E é sempre o velho tema: como uma pele nova substitui uma pele velha? Como um outono passa para o inverno, na direção de uma primavera, para alcançar um novo verão? Está em jogo e em marcha um deslizamento no tempo-rei, que leva uma pergunta chave e contínua: para onde?

Um comentário:

André Scherer e Enéas de Souza disse...

Parabéns Enéas, excelente post. Acompanhando como posso aqui de BsAs, o que torna ainda mais imporate para mim teu relato. Tenho visto as notícias, mas como sempre faço a ressalava: e na prática, será que rola algo efetivo? Por exemplo, será que os paraísos fiscais "acabaram" como declarou Sarkozy? O risco sistêmico poderá mesmo sertratado pelo FMI como apareceu na declaração de Zapatero? A ver... No global, me pareceu (pareceu, não acompanhei emd etalhes) bastante positivo o encontro.