Terça-feira, 7 de abril de 2009
A COLHEITA DE OBAMA
Por Enéas de Souza
Olhando-se a viagem de Obama cabe perceber alguns pontos para o seu currículo, alguns aspectos que marcaram a sua passagem pela Europa. Uma semana de grandes atividades.
Primeiro: personalidades e mares diferentes
Obama mostrou ao mundo que os Estados Unidos têm uma nova liderança. Uma liderança diferente daquela de Bush. Os dois são mares de natureza diferente. Um é um mar cheio de pedra, multidão de ouriços, uma quantidade enorme de tubarões à solta, mar paradoxalmente raso, mar escuro, sombrio e soturno. O outro não; é um mar onde não tem apenas o rumor das ondas escalpeladas, é um mar que dá para velejar, é um mar onde se pode praticar a pesca submarina, e é um mar que tem naturalmente tubarões, quem sabe tem a astúcia dos polvos, e tem – tem, sim - baleias e golfinhos também. E tem um sorriso que se quer franco. Ou seja, Obama é uma liderança de outra espécie. O seu sucesso talvez não venha somente da sua personalidade, mas talvez venha, sobretudo, do contraste com a presença de oito anos de Bush. A presidência deste foi tão desastrosa, tão arrogante, que as pessoas, os presidentes e os primeiros ministros, surpresos, não queriam acreditar que estavam diante de um cara simpático, que joga, mas que tem franqueza. Obama conquistou o mundo com a sua maneira de ser: simpática, humilde, de escuta, de proposição conjunta, sendo flexível quando necessário e firme quando indispensável. Esta foi a sua primeira colheita, a das uvas, que pode dar vinho de boa qualidade. Pode; não quer dizer que vai dar. Existem muitos temporais ameaçando as parreiras. E um país não é apenas a personalidade de seu presidente; um país como dizia o ex-secretário de Estado John Foster Dulles, tem exclusivamente interesses.
O balaio de frutas estratégicas
Obama mostrou que existe uma nova estratégia no campo geopolítico: retomar e refazer a liderança americana, fortalecendo o poder através de uma estratégia distinta do governo anterior. Este é o seu claro objetivo. Obama não pertence àquela linha totalitária de Bush, cujas motivações eram: guerra, petróleo e obras públicas para os grandes empreiteiros; uma combinação de fanatismo religioso e de fanfarra patrioteira; e auto-endeusamento de um país messiânico e guerreiro. Obama é um liberal à americana. Defensor do capitalismo, sim; sustenta que o mundo deve ter uma liderança americana também, mas esta liderança tem que vir por méritos e pela tradição do país.
E foi neste campo geopolítico – uma estratégia de desarmamento nuclear e de paz – que Obama tomou medidas, cujos produtos foram para o seu cesto de frutas. Verifica-se, então: (1) uma busca de segurança, de controle e diminuição do arsenal nuclear, bem como igualmente de controle dos materiais nucleares que podem chegar às mãos de terroristas; (2) uma mudança da guerra contra o terrorismo, deslocando o foco do Iraque para o Afeganistão. Vantagens: torna a luta mais nítida; e no Afeganistão entram em foco os talibans, o lugar e os treinamentos do Al-Qaeda e a terra onde viveria Osama Bin-Laden; (3) uma orientação política de combate que fixa uma realidade para o enfrentamento com os adversários. E faz deste enfrentamento, não somente uma luta militar, mas também simbólica; o que permite a adesão da Europa e dos aliados dos americanos. Anula, com isso, o disfarce da guerra do governo Bush, cujo verdadeiro objetivo era uma ação predatória sobre o petróleo (medida cujo peso pode ser observado pela tentativa de Obama de centrar as pesquisas tecnológicas em outro tipo de energia); (4) um chamamento da Europa, via OTAN, para esta guerra no Afeganistão, agora, com um gosto mais palatável. (5) uma promessa de liderar a luta contra os problemas climáticos já na reunião de Copenhague; (6) uma declaração de paz diante dos muçulmanos: os Estados Unidos não estão e nem estarão em guerra contra do Islã. Ao mesmo tempo, que Obama se permite aglutinar nessa estratégia geral de paz a relação Israel e Palestina; (7) e, finalmente, uma colheita implícita: a guerra do Afeganistão é também para os Estados Unidos uma forma de manter o emprego, pois a desmobilização poderia levar a um desemprego perigoso de militares altamente treinados.
Em contraste com este balaio de frutas, que constituem uma estratégia geral de paz e uma estratégia de desarmamento nuclear, Obama apresentou outras posições, que respondem como se fossem colméias de abelhas, que vão gerar dificuldades, mas que indicam claramente o seu ponto: (1) uma posição cautelosa, mas firme, pela instalação de um escudo nuclear, contra a possibilidade do lançamento de mísseis vindos do Irã. Trata-se de um complexo a ser localizado na República Tcheca, na Polônia e na vizinhança da Rússia, que obviamente tem resistências ponderáveis sobre o tema; (2) uma postura de apoio ao desejo da Turquia de entrar na União Européia, em desacordo frontal com a posição da França e da Alemanha; e (3) uma resposta à hostilidade calculada da Coréia Norte pelo lançamento de um míssil, numa clara alusão à discordância desta em relação à política externa americana.
As raposas intocadas
Obama (1) mostrou uma postura estratégica cautelosa na questão econômica. Sem dúvida, defendeu a idéia que o sistema financeiro deve sofrer mudanças, mas não se comprometeu com nada, no campo de alterações mais profundas, principalmente na estrutura do sistema financeiro. Obama está cercado pelas finanças, está empacado no meio dos bail outs e até das questões de marcação dos ativos podres, e do “roubo”, como disse Stiegletz, do plano do Geithner. Esta é uma área minada, explosiva. E o G-20 pode até dar apoio para ele nas questões internas, que utilizando a força anti-finanças externa pode tentar diminuir o cerco que existe em torno dele, no campo interno. Porém, (2) houve no summit uma decisão para a criação do Financial Stability Board, um novo regulador ampliando o Financial Stability Forum com a finalidade de promover uma maior estabilidade financeira internacional, buscando melhores informações e cooperação internacional. O FSB, além de controlar os hedge funds, controla o sistema contra o crescimento da sua instabilidade, reportando-se ao G-20, ao FMI e aos bancos centrais. Para Obama, essa instituição poderá ser o embrião de um movimento de deslocamento da posição das finanças no mundo e nos Estados Unidos. Por aí, por uma medida importante, mas ainda não decisiva, apenas preventiva, pode-se ver como o poder das finanças foi – e continua – muito denso, variadamente audacioso e com a astúcia das raposas da engenharia financeira. (3) Do ponto de vista econômico, a grande vitória foi colocar o FMI e o Banco Mundial na linha do desenvolvimento, para atender inclusive a algumas crises de países críticos. E, de quebra, conseguiu tirar dos europeus a indicação do presidente do FMI, abrindo um leque maior para a sua escolha. O problema é de onde o G-20 vai tirar os recursos para este novo FMI e Banco Mundial que somam 1 trilhão de dólares. Todavia, mais dois assuntos deram cor à sua estratégia econômica. De um lado, (4) a reafirmação do livre comércio, com a proposta de equilibrar o comércio internacional, evitando a política dos déficits gêmeos e, sobretudo, o desequilíbrio das importações. E por fim, (5) decisões que agradaram muito aos europeus: o G-20 decidiu exercer controle sobre os paraísos fiscais. Como se pode ver tudo entra numa sacola de boas intenções, mas é preciso aguardar a implantação de todas essas medidas. Em termos de estratégica econômica, as coisas ficaram bem claras: apoio à produção com reformulação da estrutura mercantil e um processo lento e longo, porém progressivo de controle das finanças.
O ideal da estratégia e o vulcão das situações
Ao mesmo tempo em que marca o novo estilo de liderança da presidência dos Estados Unidos, com o objetivo da manutenção e da renovação, e quem sabe, do incremento do poder americano, Obama marca também um estilo pessoal de fazer as coisas: soft, sutil, atacando pelos lados, somando forças, aglutinando pontos comuns, aparando divergências e deixando os combates decisivos para momentos onde a sua acumulação de força for julgada suficiente para o gesto decisivo. O que importa dizer, o que é preciso ver é que, concordemos ou não, Obama tem uma estratégia. E uma estratégia nítida de renovação do capitalismo (veja-se seu discurso do estado da nação) e, dentro dessa renovação, um desenvolvimento de uma nova liderança americana.
Naturalmente, que o que falamos aqui são acontecimentos, impressões e hipóteses, a respeito de sua liderança. É preciso ver se estas sementes vão florescer, precisamos ver qual a sua habilidade de encarar a violência da política e da guerra, da argúcia e da provocação dos adversários (como o caso da Coréia do Norte, quando Obama estava em plena viagem) e a forma de constituir um novo projeto de ordem política e econômica do mundo. O vulcão está aí. E como dizia uma antiga marchinha do carnaval brasileiro: as águas vão rolar. E as águas, como os especialistas em incêndio sabem, podem alimentar o fogo. Ao sair bem, Obama mexeu também nas abelhas, e elas virão de muitas partes: das finanças, da indústria bélica, do Oriente Médio, da Ásia, etc. E de todos aqueles que são inimigos do capitalismo.
A COLHEITA DE OBAMA
Por Enéas de Souza
Olhando-se a viagem de Obama cabe perceber alguns pontos para o seu currículo, alguns aspectos que marcaram a sua passagem pela Europa. Uma semana de grandes atividades.
Primeiro: personalidades e mares diferentes
Obama mostrou ao mundo que os Estados Unidos têm uma nova liderança. Uma liderança diferente daquela de Bush. Os dois são mares de natureza diferente. Um é um mar cheio de pedra, multidão de ouriços, uma quantidade enorme de tubarões à solta, mar paradoxalmente raso, mar escuro, sombrio e soturno. O outro não; é um mar onde não tem apenas o rumor das ondas escalpeladas, é um mar que dá para velejar, é um mar onde se pode praticar a pesca submarina, e é um mar que tem naturalmente tubarões, quem sabe tem a astúcia dos polvos, e tem – tem, sim - baleias e golfinhos também. E tem um sorriso que se quer franco. Ou seja, Obama é uma liderança de outra espécie. O seu sucesso talvez não venha somente da sua personalidade, mas talvez venha, sobretudo, do contraste com a presença de oito anos de Bush. A presidência deste foi tão desastrosa, tão arrogante, que as pessoas, os presidentes e os primeiros ministros, surpresos, não queriam acreditar que estavam diante de um cara simpático, que joga, mas que tem franqueza. Obama conquistou o mundo com a sua maneira de ser: simpática, humilde, de escuta, de proposição conjunta, sendo flexível quando necessário e firme quando indispensável. Esta foi a sua primeira colheita, a das uvas, que pode dar vinho de boa qualidade. Pode; não quer dizer que vai dar. Existem muitos temporais ameaçando as parreiras. E um país não é apenas a personalidade de seu presidente; um país como dizia o ex-secretário de Estado John Foster Dulles, tem exclusivamente interesses.
O balaio de frutas estratégicas
Obama mostrou que existe uma nova estratégia no campo geopolítico: retomar e refazer a liderança americana, fortalecendo o poder através de uma estratégia distinta do governo anterior. Este é o seu claro objetivo. Obama não pertence àquela linha totalitária de Bush, cujas motivações eram: guerra, petróleo e obras públicas para os grandes empreiteiros; uma combinação de fanatismo religioso e de fanfarra patrioteira; e auto-endeusamento de um país messiânico e guerreiro. Obama é um liberal à americana. Defensor do capitalismo, sim; sustenta que o mundo deve ter uma liderança americana também, mas esta liderança tem que vir por méritos e pela tradição do país.
E foi neste campo geopolítico – uma estratégia de desarmamento nuclear e de paz – que Obama tomou medidas, cujos produtos foram para o seu cesto de frutas. Verifica-se, então: (1) uma busca de segurança, de controle e diminuição do arsenal nuclear, bem como igualmente de controle dos materiais nucleares que podem chegar às mãos de terroristas; (2) uma mudança da guerra contra o terrorismo, deslocando o foco do Iraque para o Afeganistão. Vantagens: torna a luta mais nítida; e no Afeganistão entram em foco os talibans, o lugar e os treinamentos do Al-Qaeda e a terra onde viveria Osama Bin-Laden; (3) uma orientação política de combate que fixa uma realidade para o enfrentamento com os adversários. E faz deste enfrentamento, não somente uma luta militar, mas também simbólica; o que permite a adesão da Europa e dos aliados dos americanos. Anula, com isso, o disfarce da guerra do governo Bush, cujo verdadeiro objetivo era uma ação predatória sobre o petróleo (medida cujo peso pode ser observado pela tentativa de Obama de centrar as pesquisas tecnológicas em outro tipo de energia); (4) um chamamento da Europa, via OTAN, para esta guerra no Afeganistão, agora, com um gosto mais palatável. (5) uma promessa de liderar a luta contra os problemas climáticos já na reunião de Copenhague; (6) uma declaração de paz diante dos muçulmanos: os Estados Unidos não estão e nem estarão em guerra contra do Islã. Ao mesmo tempo, que Obama se permite aglutinar nessa estratégia geral de paz a relação Israel e Palestina; (7) e, finalmente, uma colheita implícita: a guerra do Afeganistão é também para os Estados Unidos uma forma de manter o emprego, pois a desmobilização poderia levar a um desemprego perigoso de militares altamente treinados.
Em contraste com este balaio de frutas, que constituem uma estratégia geral de paz e uma estratégia de desarmamento nuclear, Obama apresentou outras posições, que respondem como se fossem colméias de abelhas, que vão gerar dificuldades, mas que indicam claramente o seu ponto: (1) uma posição cautelosa, mas firme, pela instalação de um escudo nuclear, contra a possibilidade do lançamento de mísseis vindos do Irã. Trata-se de um complexo a ser localizado na República Tcheca, na Polônia e na vizinhança da Rússia, que obviamente tem resistências ponderáveis sobre o tema; (2) uma postura de apoio ao desejo da Turquia de entrar na União Européia, em desacordo frontal com a posição da França e da Alemanha; e (3) uma resposta à hostilidade calculada da Coréia Norte pelo lançamento de um míssil, numa clara alusão à discordância desta em relação à política externa americana.
As raposas intocadas
Obama (1) mostrou uma postura estratégica cautelosa na questão econômica. Sem dúvida, defendeu a idéia que o sistema financeiro deve sofrer mudanças, mas não se comprometeu com nada, no campo de alterações mais profundas, principalmente na estrutura do sistema financeiro. Obama está cercado pelas finanças, está empacado no meio dos bail outs e até das questões de marcação dos ativos podres, e do “roubo”, como disse Stiegletz, do plano do Geithner. Esta é uma área minada, explosiva. E o G-20 pode até dar apoio para ele nas questões internas, que utilizando a força anti-finanças externa pode tentar diminuir o cerco que existe em torno dele, no campo interno. Porém, (2) houve no summit uma decisão para a criação do Financial Stability Board, um novo regulador ampliando o Financial Stability Forum com a finalidade de promover uma maior estabilidade financeira internacional, buscando melhores informações e cooperação internacional. O FSB, além de controlar os hedge funds, controla o sistema contra o crescimento da sua instabilidade, reportando-se ao G-20, ao FMI e aos bancos centrais. Para Obama, essa instituição poderá ser o embrião de um movimento de deslocamento da posição das finanças no mundo e nos Estados Unidos. Por aí, por uma medida importante, mas ainda não decisiva, apenas preventiva, pode-se ver como o poder das finanças foi – e continua – muito denso, variadamente audacioso e com a astúcia das raposas da engenharia financeira. (3) Do ponto de vista econômico, a grande vitória foi colocar o FMI e o Banco Mundial na linha do desenvolvimento, para atender inclusive a algumas crises de países críticos. E, de quebra, conseguiu tirar dos europeus a indicação do presidente do FMI, abrindo um leque maior para a sua escolha. O problema é de onde o G-20 vai tirar os recursos para este novo FMI e Banco Mundial que somam 1 trilhão de dólares. Todavia, mais dois assuntos deram cor à sua estratégia econômica. De um lado, (4) a reafirmação do livre comércio, com a proposta de equilibrar o comércio internacional, evitando a política dos déficits gêmeos e, sobretudo, o desequilíbrio das importações. E por fim, (5) decisões que agradaram muito aos europeus: o G-20 decidiu exercer controle sobre os paraísos fiscais. Como se pode ver tudo entra numa sacola de boas intenções, mas é preciso aguardar a implantação de todas essas medidas. Em termos de estratégica econômica, as coisas ficaram bem claras: apoio à produção com reformulação da estrutura mercantil e um processo lento e longo, porém progressivo de controle das finanças.
O ideal da estratégia e o vulcão das situações
Ao mesmo tempo em que marca o novo estilo de liderança da presidência dos Estados Unidos, com o objetivo da manutenção e da renovação, e quem sabe, do incremento do poder americano, Obama marca também um estilo pessoal de fazer as coisas: soft, sutil, atacando pelos lados, somando forças, aglutinando pontos comuns, aparando divergências e deixando os combates decisivos para momentos onde a sua acumulação de força for julgada suficiente para o gesto decisivo. O que importa dizer, o que é preciso ver é que, concordemos ou não, Obama tem uma estratégia. E uma estratégia nítida de renovação do capitalismo (veja-se seu discurso do estado da nação) e, dentro dessa renovação, um desenvolvimento de uma nova liderança americana.
Naturalmente, que o que falamos aqui são acontecimentos, impressões e hipóteses, a respeito de sua liderança. É preciso ver se estas sementes vão florescer, precisamos ver qual a sua habilidade de encarar a violência da política e da guerra, da argúcia e da provocação dos adversários (como o caso da Coréia do Norte, quando Obama estava em plena viagem) e a forma de constituir um novo projeto de ordem política e econômica do mundo. O vulcão está aí. E como dizia uma antiga marchinha do carnaval brasileiro: as águas vão rolar. E as águas, como os especialistas em incêndio sabem, podem alimentar o fogo. Ao sair bem, Obama mexeu também nas abelhas, e elas virão de muitas partes: das finanças, da indústria bélica, do Oriente Médio, da Ásia, etc. E de todos aqueles que são inimigos do capitalismo.
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