quinta-feira, novembro 25, 2010

CRÍTICA FINANCEIRA MUNDIAL
25 de novembro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS



A DANÇA RITUAL
DA UNIDADE ECONÔMICA

Por Enéas de Souza



A unidade de política econômica parece ser a grande conquista do governo Dilma. E ela não se fez de rogada. Escolheu uma equipe que vai seguir as suas determinações. Naturalmente, que o ministro da Fazenda tem autonomia para fazer a política determinada pela presidente, como também o ministra do Planejamento tem autonomia para seguir as orientações da Dilma. É o que o mercado financeiro mais esperava; confirmou-se, o presidente do Banco Central também terá a sua autonomia. Ou seja, tem todos autonomia. E são todos auxiliares da presidente do Brasil. Esta talvez seja uma linguagem que os mercados não entendam. Autonomia após as diretrizes.. Felizmente, as instituições financeiras ficaram contentes. O problema da autonomia do Banco Central é importante porque ela é diferente de sua independência. Esta é uma coisa que passa pela incapacidade que tem o presidente da República, depois de escolhido o presidente da Autoridade Monetária, de retirá-lo do jogo. Escolheu, não tira mais. O cara tem mandato definido por lei especial. E a independência significa que o Banco Central não tem que estar alinhado com o Executivo, com o país. O Banco Central escolhe as políticas, as metas, a execução e o Estado que se vire para arrumar os seus gastos, os seus títulos, a sua dívida, a sua política de desenvolvimento, etc. Este modelo é o ideal para as finanças. Por quê? Porque ele não segue a postura estratégica da nação, segue e faz a política dos capitais, dos mercados. Parece que funciona assim: é como se estudantes definissem os temas dos cursos, os horários e a periodicidade das aulas, dos estudos e as questões que vão cair na prova. O professor que se vire, a partir daí pode fazer o que quiser.

Mas, não é disso que queremos falar. O nosso negócio é a unidade do governo, a unidade da economia. Quando o neoliberalismo dominava na época de Fernando Henrique o esquema era o seguinte: O comando do Executivo estava dividido entre o presidente da República de um lado, a Fazenda e o Banco Central de outro. Num segundo momento, sobretudo depois da intervenção do FMI, a cisão foi absolutamente crítica: de um lado, FHC, do outro, a Fazenda e o Banco Central, mas agora com um lado picante, o Armínio Fraga, que dirigia este último, passou a mandar mais do que Pedro Malan e até mesmo que o FHC. Claro que esta linha de fissura era sutil, pois quando tocava assuntos propriamente políticos, seguramente, o Fernando comandava, mas quando se tratava de assunto econômico, o presidente não palpitava. Um, que ele não sabia nada de economia; dois, que o poder estava com os bancos – e logo com o Armínio Fraga.

Com o Lula o jogo foi pouco assim: o Palloci parecia vigorar imperiosamente. Mas, era o Meirelles, então, quem mandava mais que todos. Como diria o Tom Zé, não se podia ofender o Meirelles, porque o mercado não gostava, e obviamente, Pallocci e Lula seguiam o dito. O Pallocci, jeitoso, manêro, sem ofender o Lula, até tava mais com o Meirelles. Diante de alguns clamores do PT, da esquerda, o Lula começou a se aconselhar com economistas; e o Belluzzo e o Delfim insinuaram questões importantes. Lula tinha dúvidas. Até que Palloci, o “médico que sabia mais economia que os economistas”, deu um passo em falso, na sua dança ritual, e foi substituído por Guido Mantega. Pois, Mantega foi a surpresa. Foi um bilhete premiado. Lula foi ver, olhou bem, no princípio Mantega fez uma ou outra bravata, mas logo, logo, se ajeitou e se ajustou; e criou uma primeira cisão forte entre Fazenda e Banco Central. Guido era do lado de cá, era desenvolvimentista. E, embora com alguns arrufos desafetivos, Mantega e Meirelles acabaram encontrando uma linha de convivência e de conduta. Mas, a imbatível combinação Banco Central/Fazenda tinha um trincado na sua taça. O mundo mostrava sinal de mudanças, a fruta tinha amadurecido.

A trajetória vitoriosa de Meirelles - soberbo imperador da economia do Brasil; até Ministro chegou a ser, um posto que no tempo do Delfim era um cargo subordinado - tornou-se por longo tempo o comandante geral da economia, dirigindo medidas, ações, normas, posicionando o Banco Central, o COPOM e a Fazenda, para uma política monetária que favorecia fortemente o modelo financeiro de acumulação, originado aureamente no governo de FHC. Tempos inesquecíveis de Meirelles no Lula I. Depois da queda do Pallocci - o Hipócrates economista - os tempos mudaram. E com a entrada da Dilma na Casa Civil, servindo como o centro de planejamento e aliada inconsutil de Mantega, aconteceu uma transformação na composição do poder econômico na cúpula do governo. O sistema equilibrou. E lentamente, a força foi deixando a praia de Meirelles. Tanto o equilíbrio das contas do governo, com o desempenho de Mantega; como o recomeço do desenvolvimento e o retorno do investimento com a ação firme da Dilma; tanto os resultados da diplomacia de Celso Amorim como os avanços do conhecimento do Estado, do mundo e da economia, por parte do presidente Lula, fizeram com que o balão altivo do Meirelles se tornasse cativo. Acresce a esta química, uma mistura inusitada dos meandros e dos labirintos do fracasso neoliberal no mundo e da recuperação desenvolvimentista, inclusive na China, Índia e que passaram pelo Brasil, foi levando as águas do rio à inevitabilidade da saída de Meirelles. O mundo liberal estava cantando aquela música glorificada por Nora Ney: “Meu mundo caiu”. O tombo sem saudades das finanças, sobretudo dos Estados Unidos; o aumento da taxa de investimento e a busca de crescimento do PIB no Brasil - postulados pela Dilma e também por Mantega - trouxeram um velejar a plenos pulmões para a expansão da economia produtiva. As finanças estavam sendo senão batidas; no mínimo, postas nas cordas com um lutador de boxe acuado. Mas, não esqueçamos: batidas, mas não derrotadas.

Pois, o que está fazendo agora, Dilma? Está tentando dar unidade ao comando da política econômica, que por ser política tem a orientação da presidência da República, e, por ser econômica, deve ser seguida pelos ministros da área. Ou seja, cada um tem individualidade e tem autonomia, cada um deve ter brilho e inteligência pessoal, mas sob as diretrizes do governo e da presidente da República. Portanto, todos agem solidariamente, de modo técnico e político, dentro de uma estratégia e dentro de um projeto de nação. O Estado serve para isso: para organizar e executar uma política nacional. E obviamente, o Estado, via a presidência da República, desenvolve sob este conteúdo uma política econômica global. Pois, além da política monetária, financeira, cambial e fiscal – únicas fundamentais na política econômica neoliberal – constrói-se também uma política industrial, uma política agrícola, uma política de rendas, uma política de comércio exterior, uma política social, uma política tecnológica, etc., etc., etc. Ou seja, o presidente da República trabalha a unidade do Estado no guarda chuva do campo da política e do projeto nacional. Por isso, a unidade da equipe econômica é da maior importância, porque um Estado Desenvolvimentista tem que ter uma unidade de planejamento, de ação e de trajetória. E quem arbitra, obviamente, os conflitos naturais numa equipe do governo é o presidente da República, ouvido os ministros em sua autonomia e complementariedade operativa. Mas, é preciso dizer, e ser claro, nem todos os ministros são iguais, eles agem e são apreciados na sua hierarquia dentro da unidade do governo. Então é bom não confundir hierarquia e autonomia com independência, com o fazer o que bem quiser, com o fazer o que o mercado deseja. O que a Dilma está nos dizendo com as escolhas atuais é isto; há unidade, há hierarquia, há autonomia, mas o ponto principal é a unidade de comando que fica na presidência da República. E o ponto de sustentação de tudo está na política e no projeto nacional. Adeus Meirelles, o tempo do neoliberalismo dominante terminou, começou o do neodesenvolvimentismo. Que este - tenha longa vida!


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