quinta-feira, novembro 11, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
11 de novembro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


DILMA E
A TEMPESTADE
SOBRE O CÂMBIO
Por Enéas de Souza



Naturalmente, que vencida a etapa das eleições no Brasil, volta a preocupação sobre o cenário mundial onde o Brasil está inserido. O jogo está pesado. Isto porque as finanças continuam dominando nos Estados Unidos, e a solução de Bernanke e do FED (pôr 600 bilhões no mercado comprando títulos públicos até a metade do ano que vem) é tentar equacionar o seu problema com uma inflação que vai mudar a paridade do dólar em relação às demais moedas. É uma solução financeira porque não se dá no âmbito de estímulos fiscais (como queria Paul Krugman), dirigidos, prometidos para áreas onde os investimentos seriam fundamentais. Não; são recursos que vão entrar na área financeira e serão aplicados em títulos, naturalmente em mais festa da especulação. Com isso uma nova alavancagem importante surge para as instituições financeiras. E estas, dada as condições complicadas nos Estados Unidos vão se dirigir para o exterior, Hong Kong, Brasil, Alemanha, ou algum lugar que tenha possibilidades de rendas. Mas o que mais importa é que a expansão do investimento no setor produtivo local parece excluído. O sonho do retorno de Keynes, no crepúsculo das finanças, continua sendo uma ilusão ao longe.

YUAN NA SOMBRA DO DÓLAR

Ora, esta manobra é uma manobra interessante dos USA, pois o aumento da massa monetária terá como finalidade imediata baixar o dólar e, além de fornecer recursos para as finanças, este aumento vai permitir maior competitividade das suas exportações. E, portanto, melhorar seu persistente déficit no comércio exterior. Na verdade, trata-se de combater também a China, só que a China, de posse de forte capacidade de jogo de política econômica e com um domínio sobre o nível do yuan, está pronta para fazer o lance mais normal possível: acompanhar o caminho do dólar. E logo, como não trabalham pelo mercado, se o dólar baixar, eles também vão baixar o yuan.

G-20, O LUGAR DO BANG-BANG CAMBIAL

É como aquele filme de faroeste “OK Corral” monetário. E naturalmente, o Brasil tem um interesse especial sobre o assunto. Não se pode ficar sem fazer nada diante de um combate, que pode ser sem tréguas, entre USA e China. E é por isso que Dilma está em Seul: para sentir, para poder conversar, mais dificilmente negociar e - se for o caso - orientar o ministro Mantega sobre suas possíveis idéias. O fundamental é ter estratégia, e o Brasil a tem. A explícita é a de tentar incentivar que a dupla que dirige o mundo se acerte e consiga um entendimento razoável. A implícita é ter um plano para o caso dos países não se entenderem, como é o mais provável. Então, existe um arsenal de medidas que podem ser tomadas, porém a principal, a proteção decisiva – e factível de imediato – é o controle de capitais.

O QUE É QUE A DILMA ESTÁ OLHANDO?

A necessidade fundamental é evitar a invasão de capitais que, como gafanhotos, podem arrasar parte da economia, alterando fortemente o mercado financeiro, como também o mercado de ativos reais. Criando, num primeiro momento, por tabela, a apreciação da nossa moeda. E, claro, oportunizando maiores níveis de importações por parte do Brasil e tendo dificuldades crescentes nas exportações. E com um problema adicional, um segundo mais tarde, a bomba explodindo no balanço de pagamentos, na zona das transações correntes. Ou seja, um verdadeiro desastre. Aí sim, aquela pneumonia que foi apenas uma marolinha na crise de 2007, acamparia nos pulmões nacionais agora em 2010/11. Assim, tudo que parecia ir bem, acabaria mal. O inverso do título da peça de Shakespeare.

O que é que Dilma está olhando? São as nuvens que anunciam tempestade sobre o câmbio, mas não somente o câmbio brasileiro. Porque vamos atravessar uma fase complexa, onde o que está na mira no conflito das finanças e da produção é sem dúvida a moeda. A moeda construída pelo capital financeiro, na verdade, a moeda financeira, onde o fundamental era a combinação da taxa de juros do FED com os títulos do Tesouro Americano, que garantiam – ah, garantiam! – o dólar como o dinheiro que sustentava a função monetária mais importante, a de reserva de valor. Pois isso foi jogado na lixeira com a crise, com a baixa dos juros americanos, com as importações sendo maiores que as exportações, etc. O dólar hoje é uma moeda que saiu do rock da especulação desagradavelmente bêbada. Significa imperiosamente a necessidade não só de resolver a economia globalizada (daí a necessidade de uma moeda padrão), como de fornecer condições para uma trajetória da economia que não atente contra as demais nações.

O JOGO DE CINTURA É UMA QUESTÃO DE DEFESA

Certamente, Dilma, por ser economista, já tem um horizonte de solução país, mesmo dentro do governo Lula. Mantega tem sido hábil na condução da política econômica. E o que importa ver é que a crise da globalização e da economia americana tem que ser solucionada sem que o futuro do Brasil seja abalroado. E na economia, sobretudo na crise, as soluções surgem dos conflitos políticos. E é inequívoco e solar, que as finanças, se puderem, devastam o mundo, mas se salvam. E hoje, se nos Estados Unidos elas comandam, com a queda do neoliberalismo, a concertação de instituições financeiras não tem mais o mesmo domínio sobre o mundo – e sobre nós – como teve no governo de FHC ou mesmo durante parte do governo Lula. A luta dos capitais por espaço se tornou mais impetuosa. Já os nossos banqueiros e empresários não farão mais tanta pressão como fizeram nos anos 90 para o avanço do livre mercado. Um pouco de Estado acham que fará bem, para eles inclusive. É uma questão de defesa. Enfim, o mundo mudou, e é isso que Dilma já sabia e está vendo. Pela primeira vez nas histórias das crises mundiais, nós, o Brasil, estamos com razoável jogo de cintura.

PROTEÇÃO CONTRA A CRISE DA MOEDA

Mas temos que estar de olho na fúria tonta dos capitais das finanças. Por isso, a nossa proteção passa por conter os fluxos volumosos de recursos ávidos de grana fácil. E com isso proteger nossa moeda nesse momento selvagem do câmbio que pode virar uma vasta tempestade. E trabalhar com os demais países para a recomposição estrutural do capital financeiro. Um esforço de Estado e de mercado, do setor público e do setor privado para mudar a hegemonia de financeira para produtiva. E, ao mesmo tempo, saber que a “economia mundo”, como chama Braudel, se polarizará no futuro entre Estados Unidos e China. De qualquer forma, Dilma estará vendo o deslizar deste navio globalizado para encontrar um porto monetário razoavelmente seguro, fora da novidade esperta americana, que hoje diz do dólar para o mundo “toma que o filho é teu”. Trata-se então de conseguir que a moeda transite da fraqueza do dólar para um sistema misto (dólar, euro, yuan, libra, etc.) ou mesmo o Direito Especial de Saque, ou... O Zoellig, o sub do sub do sub, assim apelidado pelo Lula, hoje no Banco Mundial, está até propondo, de uma forma ou de outra, incorporar “a relíquia bárbara”, o ouro. É preciso, pode ver o leitor, é necessário encontrar uma referência monetária. Seja como for, a guerra das moedas já está exibindo o seu filme, que pode até receber o título poético de “O Mundo da Vênus Platinada”. A moeda tem sedução e é uma construção social, faz estrondos na geoeconomia e cala fundo na geopolítica. Por essa razão, enquanto as feras rugem e não se acertam, cabe ao Brasil assumir uma posição não-liberal. O objetivo está claro: controle do fluxo de capitais para evitar que a tempestade caia sobre o nosso câmbio. A favor da nossa economia produtiva e contra a especulação financeira internacional.


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