quinta-feira, novembro 04, 2010

04 11 2010
COLUNA DAS QUINTAS

PORQUE O PSDB PERDEU?
Por Enéas de Souza


ACHANDO RESULTADOS

O PSDB não quer na sua presunção intelectual reconhecer a sua fragorosa derrota eleitoral. E estão tentando achar resultados para dizer que não foram batidos. Daqui mais uns dias, pode ser que eles tentem nos convencer pela mídia, pelo sujeito comunicacional, pela indústria ideológica, de que ganharam ou que foram os vencedores morais da eleição. E poderiam continuar, dizendo que a votação foi equivocada e que o povo não sabe votar. Mas que São Paulo deu a vitória a Serra; que Porto Alegre deu a vitória a Serra; que Curitiba deu a vitória a Serra; que Florianópolis deu a vitória a Serra. E veja-se inclusive a fragilidade do argumento: o PSDB tenta fazer pensar que ter a vitória numa cidade ou numa região é não ter nenhum voto contra. E, por outro lado, dizem no seu silêncio que o Nordeste não interessa; que Brasília não interessa; que o Rio não interessa. É dar mais peso a uns votos que a outros. É o mesmo preconceito dos que um dia votaram contra Lula porque ele era metalúrgico e não falava inglês. Certos eleitores são mais qualificados que outros. No fundo, no fundo, os conservadores se acham os donos do Brasil e não querem que haja uma nova realidade no país. Não querem desenvolvimento com distribuição de renda, porque a distribuição de renda diminui a diferença entre as classes. Não querem a tendência a uma maior igualdade. Parte do PSDB não quer aceitar essa transformação profunda na economia. Resolveram bater chapa – e foram derrotados três vezes! Três vezes: duas com Lula e uma com Dilma. Sempre tratando de dizer, mesmo que no sussurro, mesmo que disfarçadamente, que a financeirização do Brasil foi um sucesso. E esta é a diferença fundamental da política econômica do PSDB e do PT, baseadas ambas na estabilidade da economia. Um, desenvolve a atividade econômica apenas para as finanças e o outro, não só para os capitais; mas também para uma boa parte da população.

PORQUE NÃO LER DESCARTES?

O PSDB paulista está absolutamente equivocado nesta pretensão de se eternizar. E Serra já se lançou candidato à próxima eleição, sendo o seu discurso de derrota, a tentativa de ser um discurso imaginário de vitória. E isto diante da mão estendida de Dilma. O PSDB tem que se convencer que perdeu. E, portanto, fazer uma reflexão, lá consigo, mas uma reflexão honesta, forte, intensa, sempre como fazia Descartes, duvidando das coisas. Aliás, é um bom conselho para Serra. Descartes dizia que se deve duvidar pelo menos uma vez na vida. E parece que Serra não duvida, nem duvidou nunca. Ele é o melhor. O PSDB – porque o PSDB não é Serra; é Aécio, é Alkmin, é Beto Richa, é ainda FHC – deve pensar porque perdeu. Deve fazer mais perguntas do que ter desde logo explicações. Serra não faz perguntas, já tem respostas. E tudo começa com ele nesta derrota eleitoral e pessoal.

MODERNIDADE É FALAR DA HERANÇA?

O PSDB tem que discutir qual é a sua modernidade diante da derrota para o Lula e para a Dilma. Qual é a sua modernidade – obviamente de direita – diante do projeto “desenvolvimento com distribuição da renda”. Os paulistas não querem ceder, mas é indiscutível que Aécio tem, no momento, melhor proposta do que eles. Primeiro, politicamente, uma oposição moderada. Segundo, na economia, uma revalorização do governo do FHC. É verdade que aqui Aécio está equivocado, mas ao menos tenta achar as suas raízes neoliberais. O próprio Serra não procura e também não tem resposta; pois busca ocultar a trajetória do PSDB e de seu único presidente, Fernando Henrique. E por quê? Independente do desastre que foi FHC, que obviamente Aécio não acha, o povo brasileiro discorda soberana e imperiosamente do projeto neoliberal, é a terceira derrota do PSDB na década. O neoliberalismo passou a ser uma árvore frutífera que não dá mais frutos - e nem presidentes. Igualmente, sem indagações hamletianas, Serra também acredita nisso lá no seu íntimo. Pois, nas duas eleições que participou, quase sem nenhuma hesitação, teve imensas dificuldades em reivindicar a herança de FHC. E quando Alckmin trouxe para si as idéias do neoliberalismo, não houve jeito, fracassou sumariamente. E aí está o fulcro da questão. O neoliberalismo é uma posição que acabou. É preciso que a direita tenha uma visão de capitalismo adequado aos novos tempos. Serra deu uma lembradinha na privatização...e derrapou feio na pista, se esborrachou...

NÃO É A HORA?

Aí está o grande tema para o PSDB: repensar a sua posição. Porque a questão do neoliberalismo tem um fundo histórico importante. O PSDB foi fundado por gente que, nos anos 60 e 70, era de esquerda. Assim como a Dilma também era. O problema é que o PSDB inclinou-se para a direita. Mario Covas é que o sustentou numa posição de centro-esquerda/centro-direita, uma lição aprendida com o velho pêndulo de Ulysses Guimarães, sempre de centro. A social-democracia poderia ser isto, mas o social liberalismo, jamais. E os antigos políticos de esquerda foram deslizando para a direita, na direção do neoliberalismo. O FHC fica irritado quando dizem que ele é neoliberal. Fernando, não te irrita! Tua posição é esta mesma! Tu defendes a privatização e o livre mercado. Agora é possível evoluir. Então, está na hora do PSDB refazer as suas fraturas e as suas feridas e repensar uma direita moderna. Não bastaram três derrotas? Não é hora de achar um novo caminho?

CONSERVADORES DO ATRASO OU DO AVANÇO?

O grande equívoco desta posição, desta impertinência de continuar sendo oposição sem ter discurso, sem ter proposta, é terminar como Serra no domingo. Freqüentando uma linha de fronteira perigosa, uma linha de fronteira que envolve um misto de oportunismo, de retardo do processo econômico, de defesa de um atraso político. E logo quando o momento histórico está pendendo para uma nova modernidade no Brasil. Lula chegou à margem do futuro; e Dilma tem a chance de trazer o futuro ao presente. O PSDB, no entanto, está perdendo o seu espaço. Não quer entender que Serra representou os conservadores do atraso. E a direita sempre avançou quando foi conservadora modernizante. Agora vejam onde está a nova modernidade. De fato, um partido que cresceu muito foi o PSB, que é um partido de esquerda, com uma vocação democrática e que traz, pelo menos, uma nova estrela do cenário político: Eduardo Campos. Assim, em termos de jovens, o PSDB não tem ninguém, salvo Aécio. Mesmo Alkmin já não é mais novo. Então, estão no cenário Eduardo Campos, Jacques Wagner, Sérgio Cabral e Tarso Genro, que formam com Aécio, o quinteto dos novos mais expressivos. Ou seja, eles estão a indicar que algo de diferente está nascendo na sociedade brasileira, em termos de política; diga-se, a bem da verdade, de prática política. Só Aécio é do PSDB - e à direita. Os demais, são do campo do centro para a esquerda. E devem incitar ao PSDB uma reflexão que passa tanto pelo projeto econômico, político e social, como pelo recrutamento de seus quadros. E não se trata de idade, a cabeça do PSDB, no momento, está velha. E nada melhor para começar a mudar do que fazer perguntas. E a primeira é a seguinte: porque esta é a terceira derrota para o projeto lulista? Porque perderam? Meu caro Serra, o PSDB perdeu. A derrota pode fazer bem, se o PSDB se reinventar. Caso contrário, a falência múltipla dos órgãos é o seu destino. Ou tornar-se um partido paulista.

A GRANDE VERDADE

Mas a grande verdade é que o PSDB perdeu porque o PT e o Lula tinham um projeto e uma proposta de Brasil mais ampla e mais brasileira. Uma proposta de desenvolvimento, uma proposta econômica e uma proposta social que atingia largas faixas da população. É preciso pensar isso, com carinho, com seriedade, com audácia e com vontade política. Uma proposta de benefício a qualquer classe social deve beneficiar as outras também. E Lula teve êxito porque o Brasil se colocou frontalmente contra o neoliberalismo. Mesmo no período inicial de suas gestões, ele organizou uma canalização coerente de políticas públicas sociais. Com o PAC, com a crise financeira e com a atuação do governo brasileiro no período da dita crise, isentando impostos e retomando a produção e o emprego, Lula e Dilma botaram o governo de FHC ladeira abaixo. Ficou evidente que o neoliberalismo é o governo que distribui renda para cima. Como poderiam Serra e o PSDB combater um governo que deu aumento real de salário mínimo, bolsa família, crédito consignado, Luz para Todos, ProUni e apoiou a agricultura familiar, inclusive com assistência técnica e crédito? Enfim, teria muito mais a dizer, sobretudo sobre este projeto de futuro que se baseia no Estado, no Pré-Sal e na Petrobrás e num ambicionado Fundo Social resultante deste Pré-Sal. O PSDB perdeu porque Lula, Dilma, o PT e os demais partidos apoiadores tinham e têm um projeto claro de continuidade e de ampliação do governo Lula, do Brasil e de inserção do Brasil no mundo. Qual era o projeto do PSDB e de Serra? Fica tanto mais claro quanto mais se fala que o PSDB precisa se reiventar, se modernizar e sintonizar com uma nova modernidade política e econômica que está vivendo o Brasil. E, se isso acontecer, será importante para a sociedade e a democracia brasileira. Acabará a raiva e o ressentimento, começarão as propostas e os projetos políticos de nação. Este é o desafio para o PSDB. E para tal, terá que entender e saber por que perdeu.

CONTRASTE EM FORMA DE PARÊNTESE

(Vejam o contraste com a Dilma. Bateram nela adoidado. Chamaram-na de tudo. Deu o lado, estendeu a mão. E ela tem tudo para vencer, tem qualidades que seus adversários se negam a considerar: inteligência, quando pensam que ela é apenas cria do Lula; fidelidade, quando acham que ela é submissa e sem imaginação; firmeza, quando lhe atribuem um vigoroso autoritarismo; talento, quando não vêem o brilho estratégico do PAC; e serenidade, quando não olham a sua força flexível. Há, todavia, uma qualidade a mais, aqueles que a conhecem sabem que ela tem, uma larga generosidade. E é com esta generosidade que ela vai tentar ampliar a construção de um novo Brasil para a população brasileira. Só resta desejar: boa sorte, Dilma!)

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