quinta-feira, maio 07, 2009

Coluna das quintas
7 de maio de 2009

DIZEM QUE A CRISE TERMINOU
Por Enéas de Souza

(Entro em férias e deixo 3 questões.)

Será que a crise terminou?

Vários jornais tentam passar a idéia de que a crise deu a sua volta na praça, recolheu os seus trapos e se mandou para casa. Indicações: a bolsa voltou com toda força; os bancos deram resultados lucrativos; o presidente do FED consegue ver sinais de recuperação; a libor baixou; as questões do hedge não avançaram, etc. etc..Mas, há indicações no sentido contrário: os bancos precisam cada vez mais de capital e capital; a contabilidade não chegou a ser aberta, tornou-se mais flexível para esconder os verdadeiros resultados do setor bancário; o setor imobiliário continua crítico e com um horizonte de recuperação indeterminado; os Credits Default Swaps (CDS) não estouraram ainda, continuam um mistério; e a bolsa, apesar de eventuais bons movimentos, não é o centro da questão financeira, etc. etc. Das duas uma: ou o capitalismo financeiro conseguiu alguma fórmula que escapa aos observadores atentos ou estamos diante de um grande movimento de simulação. Se for este o caso, a indagação se precisa: será que a mídia, como ponta de lança das finanças, não está fazendo um belo trabalho ao produzir uma cortina de fumaça para ocultar e prolongar um tempo para que o setor financeiro tente encontrar alguma solução? Será viável esta estratégia? Qual o resultado desta postergação?

O conflito da governança corporativa vai terminar?

A forma da empresa capitalista, financeira ou produtiva, de um capitalismo avançado como o americano, traz no seu bojo, uma disparidade frontal. De um lado temos os proprietários das ações, os “shareholders”, cujo interesse está expresso no princípio de valorização máxima das ações. (O “Return on equity – ROE). Eles estão fora da empresa, mas a controlam acionariamente. De outro lado temos, os dirigentes, os banqueiros, que são empregados de luxo, que ganham salários avultados, que tem ações da companhia e que auferem bônus, mesmo quando a empresa entra em bancarrota. Portanto, logo se vê, ambos podem ter alguns objetivos que coincidem, mas também podem ter outros alvos distintos. Assim, quando a economia entra em crise, quando as empresas vão mal e quando a bolsa de valores sofrem adversidades, dá para perceber que os acionistas e os dirigentes ficam em lado opostos. E a coisa se complica mais ainda, quando Obama condiciona o auxílio à salvação dos bancos a limitação dos bônus para os executivos. Ou mesmo, quando o Congresso busca taxar em 90% os bônus dos executivos da AIG, uma empresa de seguros que deu um prejuízo de 240 bilhões de dólares aos contribuintes, e que os dirigentes queriam sair com os seus volumosos prêmios. Obama e o Congresso podem ser uma pedra em qualquer acordo dos acionistas e dos banqueiros. As divergências se exacerbam e a contradição aumenta o seu movimento.

Como disse um empresário: esta forma de fazer negócio - leia-se esta forma de organizar a empresa contemporânea – precisa ser mudada. Então as perguntas se exibem notórias: pode esta crise se resolver sem que uma nova forma empresarial se estabeleça? Esta fórmula está à vista? Pode-se manter, por um retrocesso histórico, a governança corporativa, após uma nova salvação dos grandes bancos pelo Estado? Pode ser a governança corporativa conservada, se o caminho for a nacionalização?

Quantas salvações dos bancos serão necessárias?

O leitor percebe que se falta capital em grande escala para os bancos é possível que novos “bailouts” sejam necessários e que novas salvações possam ser buscadas. Mas, o leitor percebe também que se torna eminente uma escassez de tolerância política não só do Obama e do Congresso, como da população em geral, sobretudo quando emerge uma taxa de desemprego crescente. A luta social e econômica pode trazer alguns revezes aos bancos e pode retornar, com força, a questão da nacionalização. Contudo, mesmo que isso não aconteça, de qualquer forma, o tempo que serve para os bancos encontrarem uma solução, funciona também no sentido adverso, já que significará que a crise não foi parada e que os bancos não têm a bala que pensam ter. Ou seja, lembramos, sempre e mais uma vez, que esta crise tem uma estrutura de escada. Num determinado momento, há um temor imenso, ocorrem pensamentos e declarações sombrias, porque ela está descendo de um patamar para outro. Mas, quando alcança o novo patamar, os problemas parecem se deter e as coisas parecem se endireitar. E então, como um jogador de pôquer e um ilusionista, as finanças fazem algumas manobras - seja por meio dos seus representantes no corpo do Estado, seja através do desenvolvimento de negócios ardilosos, seja por meio de movimentos especulativos ascendentes nas bolsas - para que tudo se mostre como tudo está bem. E a mídia, esta publicitária do sucesso, começa a colocar nas pessoas o pão da esperança, a vigorosa idéia de que a crise já passou. Mas, a crise é como a Pandora, que tem um saco de ativos podres, bancarrotas, retração econômica, desemprego, etc. E tem, igualmente, o maior dos males - como diz Machado de Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” – que é a esperança. Deste modo, amigo leitor, esteja Machado certo ou não, e seja o mundo regido por Pandora ou não, uma questão se faz indispensável: as atuais esperanças de que a crise já passou, não podem ser uma desesperada cartada da mídia e das finanças na busca de um consenso enganador e de uma queda maior na tendência declinante da economia?

Voltamos à velha disjuntiva: ou as finanças descobriram a fórmula milagrosa da regeneração ou a trajetória para a depressão fez mais uma parada. E ela, a questão candente da crise, terminará por se colocar no colo de Obama. Terá ele a capacidade de concertar, para usar o título de um belo livro de Chico Buarque, “o leite derramado”?

(Volto a escrever na última semana de maio.)

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