CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
15 de setembro de 2011
Coluna das quintas
O TEATRO POLÍTICO
DE BARACK OBAMA
Por Enéas de Souza
O CERCO DE OBAMA
Ontem falava com um amigo: Obama está mais para Carter do que para Clinton, Isto quer dizer que está perigando o seu segundo mandato. Como um principiante, cometeu tantos erros desde que chegou ao poder. Dois deles são exemplares. Logo nos primeiros momentos de sua posse, fez um segundo pacote de salvamento dos bancos (o primeiro foi no governo do Bush Jr) e não exigiu quase nada em troca. E depois de ter os banqueiros na mão, deixou de obter no Congresso uma regulamentação financeira forte. Foi derrotado por um lobby dos financistas, de modo absolutamente extraordinário. Obama viu quem é que de fato tem a hegemonia e quem tem o poder. Logo de saída já se tinha observado,ele estava cercado por todos os lados. Era gente das finanças, ou ligado a elas, desde o seu secretário do Tesouro até o conselheiro econômico da Casa Branca. Portanto, o primeiro erro foi não ter posto o sistema financeiro no seu lugar. E com isso, respeitou a ordem neoliberal, ele que era um liberal nato. E tal ordem contém tem um ponto muito severo: a retirada do Estado do controle da economia – o que significa manter à solta a desregulamentação das finanças. Primeira derrota de Obama.
A PRISÃO DE OBAMA
O segundo erro exemplar começou quando não conseguiu manter o controle do Congresso, sobretudo pela sua atuação tíbia em relação aos financistas, pela inexistente ação do Estado na reativação da economia produtiva - o que os economistas americanos chamam de estímulos fiscais - e que culminou na aceitação de uma taxa de desemprego muito alta, taxa que ainda não baixou de 9%. Enfim, Obama ficou enredado na ideologia e no poder neoliberal. Porém, a primeira perda do controle do Congresso, que já era dramático na questão das finanças, levou-o a uma segunda derrota. Se Obama estava cercado nos primeiros momentos de seu mandato – um cerco econômico - agora ele não está mais cercado, ele está prisioneiro. E sua prisão se deve a uma derrota política de grande efeito, foi batido pela direita extrema, pelo grupo do “Tea Party”.
Só que de uma forma quase humilhante. O Congresso, atiçado pelo referido Tea Party, impôs dois limites contundentes. De um lado, avocou a si o controle estrito do limite do endividamento do Estado, e de outro, através de uma comissão paritária assumiu o poder de definir quais os gastos que o Estado deve cortar. Assim Obama perdeu o controle da dívida e da despesa pública, Ora, a prisão de Obama se deu, na verdade, por uma quase paralisia do Estado. O domínio da dívida impede que ele possa pensar em fazer programas de investimento público e que venha a criar empregos. Já a perda do manejo do gasto detém ações que possam dar mínimos movimentos na flexibilização do dispêndio público, uma liberdade que lhe poderia trazer benefícios sociais de algum valor e lhe proporcionar uma queda menor de seu prestígio político.
(Então, veja o leitor a camisa de força que Obama está metido. Pelo lado econômico, amarrado pelos financistas; pelo lado, político pela extrema direita. Seu projeto é tentar a saída pelo centro, pelo centro direita, o que vai lhe trazer o possível afastamento do centro-esquerda e da própria esquerda.)
O CONTRA-ATAQUE DO EMPREGO
Obama não se deu por vencido. Cercado e prisioneiro, procura resistir, tentando “vender” a sociedade americana, que a sua derrota política foi uma traição nacional dos republicanos. E se esses não são traidores, eles devem aprovar o plano do governo de gastar 440 bilhões de dólares na criação de novos empregos. Ora, a oposição já acusa Obama de usar este plano como um plano eleitoral. Mas, é claro que é eleitoral. Numa disputa política democrática, há muito pouca coisa, se é que existe, que não seja eleitoral. O contra-ataque de Obama tenta desesperadamente reconquistar a posição que tinha antes da sua eleição. Um estadista capaz de aglutinar as figuras de Lincoln, de Roosevelt e de Kennedy. Estamos longe disso, Obama, apesar de sua simpatia, foi um desastre neste primeiro mandato.
O RETORNO DA DIREITA
Um dos temores maiores dos democratas do Ocidente é que Obama não seja re-eleito. Para entender estes temores, devemos pensar alguns pontos. Vou simplificar. Em primeiro lugar, os Estados Unidos são divididos antropológica e politicamente entre os liberais e os totalitários, estes que por baixo da defesa da liberdade jogam a carta da guerra. Essa foi uma idéia que pude constatar num filme do americano George Cukor chamado “O fogo sagrado” (Keeper the flame), filme de 1942, em plena guerra contra o nazismo. Cukor não se enganou. Basta ver Bush e seu combatente Dick Cheney, o defensor das torturas, promulgavam democracia e livre comércio.
E de outro lado, um ex- embaixador brasileiro, dizia outro dia que a alma americana era dividida em duas partes: uma parte de nacionalismo guerreiro e outra de religiosidade fundamentalista. Então, leitor arguto, faça uma mistura dessa química explosiva, e teremos uma eleição extremamente intensa, com muita dinamite na mesa. E não é a troco de nada, que se fala muito hoje no retorno do orgulho americano, não aquele que Obama trouxe com “Yes, we can”, que era um orgulho liberal. O que pode vir, vem do velho oeste para emplacar a próxima eleição, trata-se do orgulho da força, do povo eleito, do povo com missão histórica. Seguramente, a direita bélica vai ter um ponto a batalhar nesta eleição, porque ela tem um projeto: a reorganização geopolítica do mundo do ponto de vista militar. E para tal pode fazer novamente aliança com o sistema financeiro, como ocorreu nos tempos da guerra do Afeganistão e do Iraque . Pode até ser um pacto tácito, um pacto de confluência dos seus interesses próprios associados numa luta pela retomada do que chamei uma vez de “neoliberalismo de guerra”. Só que num novo patamar. Invertendo a frase de Marx, poderia dizer que a história, que nesse caso se fez como farsa, se faria agora como tragédia - se isso acontecesse.
O RECURSO DO ESTADISTA
Há um episódio dramático nesse momento. Veja-se o quadro. Vamos somar e combinar: 1) a recusa das nações européias de um projeto político constituindo os Estados Unidos da Europa; 2) a falta de um Tesouro Europeu para resolver os problemas fiscais e monetários da região; 3) a presença de um Banco Central muito limitado para a amplitude da crise; 4) a crise vigorosa de diversos Estados (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália); 5) a incompetente direção da França e da Alemanha na condução do processo político e econômico do continente; 6) a continuada e persistente batalha das finanças e das agências de ratings aos Estados e aos bancos europeus.
O que é que dá este torpedo? Este conjunto faz da Europa a bola da vez. Ou como se diz noutra linguagem, o elo mais fraco da geopolítica e geoeconomia mundial. Neste sentido, pode existir aí um momento Obama. De um lado ele diz que a Europa é “a preocupação mais imediata” e de outro envia Geithner para discutir na reunião dos ministros da Fazenda europeus, nesta sexta-feira na Polônia, uma tentativa de tratar de um plano de reativação da economia mundial. Junto com essa preocupação esta outra mais americana e mais fácil: evitar um risco de contágio dos Estados Unidos. Por isso a tentativa é válida: trazer de fora um apoio para resolver a incapacidade da Europa de solucionar a sua própria questão.
Mas, este é também um projeto desesperado de Obama para assumir a ponta das questões candentes na posição de estadista. Só que para realizar um caminho deste porte, as dificuldades dele são grandes. A paralisia do Estado americano e o aprisionamente do seu presidente, como já foi dito noutra parte do artigo, revelam possibilidades muito limitadas da ação dos Estados Unidos, cuja melhor contribuição ainda é a liquidez que o FED proporciona aos bancos e aos Estados da Europa, à beira da iliquidez e da insolvência..Mas de outro lado, se Obama conseguir evitar o contágio dos Estados Unidos já será um grande êxito. Portanto, tudo depende de política, de negociação, de imaginação e de mídia. É um caminho muito estreito, se não inexistente, mas ele precisa tentar. Tudo será bem vindo se evitar que a farsa do neoliberalismo termine em tragédia.
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