CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
02 de dezembro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS
O DOMINÓ EUROPEU
Por Enéas de Souza
Incerteza é uma palavra usada muito pelos economistas. E tudo porque a economia capitalista financeira tem, no seu bojo, um verme que se chama especulação, que atende em certos momentos pelo título de bolha financeira. Ou seja, a bolha é um elemento do sistema que tem uma peculiaridade contundente: a certa altura do panorama, explode. E o pior é que quando ela faz uma lambança, a economia não se conserta assim no mais. É preciso um Estado forte para dar um jeito nesta história. Mas, os Estados não são iguais, uns são robustos, outros nem tanto, e terceiros, sempre levam a pior, porque miúdos e frágeis. E quando se trata de Europa, a diferença entre eles é notável, afetando, sobretudo, os menores, os mais atiçados. Acertou quem apontou Grécia e Irlanda. Mas podem estar certos também aqueles que falaram em Portugal, Espanha e Itália. E até quem indicou a poderosa Inglaterra. Tudo por quê? Porque, as finanças desabaram em crise sistêmica. No caso dos Estados Unidos, não o salvou, como se dizia antigamente, o Rhum Creosotado, salvou-o o FED, o Banco Central americano. Mas, assim mesmo, elas estão convalescentes. E a convalescença é um estado que requer cuidados.
Ora, este estado só ocorreu depois de bons e admiráveis resultados. Era um sistema, centrado em títulos securitizados, uns garantindo outros, ativos podres que ninguém sabia, assegurando bons. Até que puxaram o tapete deles e o vulcão começou a expelir títulos tóxicos, verdadeiras bombas caindo no bolso dos aplicadores, dos investidores e de bancos e instituições financeiras não-bancárias. História conhecida, falada desde 2007. Também é história contada, catalogada e dolorosa, aquela do Estado americano que botou uma grana fabulosa para salvar os bancos. Tudo isso é conhecido. Ou seja, aqui o tempo de perder já deu o seu primeiro e profundo passo. Mas, o perder não foi só para os bancos, raspou também as contas correntes da população. Os trabalhadores formais e informais perderam rendimentos, perderam créditos, perderam casas, perderam empregos. E o Obama, que foi eleito nessa onda, acabou ficando totalmente cercado pelas finanças, pelos republicanos, pelo Congresso, pelos lobbies. Por toda uma fauna da direita, todos liberais, agora profundamente conservadores. Isto que Obama tinha a estratégia certa: salvar os bancos, investir na produção, tratar de resolver as questões energéticas, bloquear as guerras, saindo da mais dura, o Iraque, e chegar para uma mais leve, o Afeganistão. Mas, Obama tem levado uma surra do Tea Party, dos políticos de ambos os partidos e de grande parte da população. Veremos se ele consegue a solução do estilo Lula: “I love this guy!”. E por quê? Porque Lula deu tanto o pulo do gato no primeiro mandato, como o pulo da terceira eleição. Obama tem que ganhar o segundo salto. Será que depois deste cerco, ele vai conseguir o tempo de ganhar?
E os bancos, que receberam grana do Bush e do Obama, querem voltar a ganhar mais grana, só que tanto do governo como do mercado. E jogam difamando Obama. Mas, quem está perdendo são os americanos. Vejam como, geopoliticamente, têm que fazer acordo com Moscou, ensaiam avanços na Otan, tentam atuar no Atlântico Sul, não conseguem convencer o mundo de que a China é a culpada pela crise exportadora americana e pelo fracasso da sua indústria. Mas, o pior, a sua aliada, que Bush desprezava, a Europa, entrou em pane. Tudo porque – e o André Scherer lembrou, outro dia, muito bem – estamos no “Merkel Crash”. A Europa é uma febre. Os Estados da região, de um modo geral, estão endividados e não há possibilidades de salva-los, nem via o Fundo de Estabilidade Européia nem com o FMI. Ontem, conjeturávamos André e eu, a possibilidade da China poder salvar parte da Europa, seja via FMI, seja por outro tipo de solução. O que está se tornando patente é uma corrida de ladeira abaixo dos europeus. A razão é a incapacidade de resolver a insolvência (!) dos Estados, a incapacidade de fazer uma unidade fiscal e uma unidade política (!). Isso que era uma esperança em outros tempos, agora fica cada vez mais impensável. Parece que, claro, os capitais financeiros alemães e franceses ganharam com o processo, à custa dos Estados, da população, à custa dos funcionários públicos, à custa da queda de arrecadação dos países, à custa de acréscimo de endividamentos, que não resultarão em nenhuma melhora para as nações endividadas. Por isso, muitos falam da solução Argentina: não pagar a dívida, romper com o financiamento dos capitais privados estrangeiros. Só que aí tem um problema: a moeda. Enfim, o furúnculo está estourando.
Bela questão, esta, a monetária. O dólar vai se derretendo e o euro, às vésperas da derrapagem. E a China, grande vencedora neste momento, não tem moeda de curso internacional – porque o yuan é uma moeda administrada. Portanto, não é capaz de ser a moeda de troca, capaz de ser medida de valores e, sobretudo, impossível neste momento, de ser moeda de reserva de valor do mundo. Se do ponto de vista produtivo e do ponto vista geopolítico, este é um tempo de ganhos para a China, o mesmo não acontece com a sua moeda. Então, o sol não está a aparecer na crise mundial, a manhã e a aurora não estão à vista, temos dinamites espalhados pelos Estados Unidos e pela Europa. O que não quer dizer que estes artefatos não vão chegar à China, à Índia e ao Brasil. Tudo é uma questão de encadeamento e dos Estados usarem suas portas corta-fogos. O Brasil está tentando como a China valorizar o mercado interno, mas está pensando também em controle de capitais, está pensando em fazer políticas contra-cíclicas – agora que o ciclo no país reaqueceu e a que a inflação pode estar ali na esquina. Então, em 2011, o tempo vai se acelerar.
Olho, em primeiro lugar, no dominó europeu. As finanças estão especulando contra os Estados e querem o seu sangue; elas parecem vampiros açulados, tudo parente do Drácula. Os Estados estão fazendo a coisa mais burra possível, programas de austeridade. Mas é preciso entender: isto é burrice do ponto de vista da nação, das camadas sociais, de uma economia política dos paises, porque uma economia política não se gere como uma economia doméstica. A questão é apenas apetitosa do ponto de vista exclusivo das finanças. Elas estão pensando só no seu ganho, no seu tempo de ganhar. E elas agora já querem agir como queriam fazer com a Argentina – que a política econômica dos Estados europeus em crise seja gerida por comitês de credores, o que significa transformar as receitas estatais em pagamentos de juros. E a população que se vire; quem mandou os seus Estados se endividarem com os bancos e caírem nas notações das agências de ratings? Como se fosse a população que tivessem feito as dívidas e os déficits correntes! É óbvio que foram os políticos gananciosos, corruptos – e muitos pró-finanças – que tomaram essas decisões. Então, o grande perigo do momento é que os investidores queiram antecipar os resultados de suas aplicações, saindo e abandonando os títulos desses países. Ou seja, como resultado dessa feijoada e dessas caipirinhas e das azeitonas malditas, não fica em perigo apenas a Grécia, a Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, Bélgica e a Inglaterra; mas também o euro, e, quem sabe, a Europa, e não apenas a Comunidade Européia. O diabo pode inventar todos os cenários desastrosos possíveis. Trichet, o presidente do Banco Central Europeu, garante que a Irlanda e a Grécia estão solventes, mas o mercado, em dúvida – satanazim astuto, como diria Guimarães Rosa – não acredita. Esperemos, lembrando ainda o romancista brasileiro, que Deus venha ao sertão europeu, armado. Armado de políticas econômicas inventivas, de concepções financeiras saudáveis para todos e, sobretudo, de bom senso, coisa que não é, certamente, a mercadoria mais disponível no mundo.
(p.s. – Entro em férias, volto em 2011. O artigo pode ter um tom de esperança pessimista, mas, para os amigos e leitores, ele se envolve com uma energia ambicionando felicidades. Até lá).
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