quinta-feira, janeiro 26, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

VAI DAR OBAMA DUAS VEZES?
Enéas de Souza
28 02 2012




Anteontem à meia-noite, eram nove horas – nove horas nos Estados Unidos – e apareceu na tela, sorridente, “keep smiling”, Barak Obama, para discursar diante do Congresso Americano, na fala ao país chamada de “state of nation”, o estado da nação. Sim, Obama sorria plenamente, um modo cálido de entrar em contato com políticos, militares e convidados, beijando mulheres e cumprimentando homens. Estava plenamente no seu papel, no seu papel de centro do encontro. Um papel a ser representado diante da televisão. E aqui está a primeira chave de sua entrada esfuziante. Sim, Obama fez uma presidência medíocre, devorado pela sua ingenuidade e pela força impiedosa das finanças. Anteontem, no entanto, parecia ao contrário, parecia que tinha cumprido extremamente bem o seu mandato e que havia reconhecimento geral disso. Um político carrega, como um intérprete de uma peça, um personagem. Age, sobretudo, com a pele de um ator antigo, veste uma máscara que é a figura e a expressão do seu papel como autoridade. Na sociedade do espetáculo, a política culmina na construção de uma imagem. E foi em cima dela que Obama desenvolveu a sua apresentação. Talvez fosse melhor dizer, o seu espetáculo.

Anteontem, Obama sorria, demonstrando confiança, força, dando a impressão que a sua missão não tinha terminado, mas que tinha feito, no período atual da presidência, um desempenho se não excepcional, ao menos extremamente bom. Sua imagem queria dizer algo a mais; olhem para mim e vejam o que eu vou fazer no segundo mandato. Vocês podem acreditar no que digo. E, tudo porque Obama sabe que o seu melhor, ou pelo menos, um dos aspectos mais significantes de sua atuação, é a retórica, a capacidade que ele tem como orador de encantar as pessoas quer pela ênfase certa, quer pelo tom preciso, quer pelo adequado gesto.

E numa época da comunicação via TV, Obama tem certeza que o que importa neste jogo é a ficção dos planos médios e do grande plano. O principal é o rosto, os olhos, a voz, o movimento do braço, das mãos, no jogo mágico do visível e do sonoro. A composição de um personagem. E nisso convenhamos ele é mestre. Desenvolveu todo o seu arsenal de arte dramática tentando não se embrenhar em Shakespeare, mas quem sabe compondo um misto de personagens de Paul Auster, de Phillip Roth e de Don Melillo. Talvez até se achasse traços de uma ou outra figura dramática de Gore Vidal. Naturalmente, para fazer um discurso sublinhando os seus pequenos grandes êxitos. Um grande orador trabalha assim. E põe sutilmente uma emoção fascinante no discurso que está fazendo.

Disse ele, Obama, que estava vendo e enxergando o “american people” capturado pelos bancos e pela injustiça fiscal. Introduziu e projetou a recuperação da indústria americana e obviamente dos empregos. Insistiu, querendo dar um brilho de humanidade, no projeto de regularizar a questão da imigração. E, depois, desenhando o que já tinha desenhado logo início da sua presidência, tratou de espichar a esperança na construção de um futuro pleno de grandeza, de energia, de renovação tecnológica e de saída definitiva da crise. O frêmito começou com a ideia de retorno dos soldados do Afeganistão e do Iraque à América. Obama disse: eu trouxe a paz. E dilatou a sua palavra na hora de falar da volta dos empregos pelo retorno das indústrias aos Estados Unidos. Assim, no teatro da política ou na política da televisão, Obama apostou na construção de um personagem, de um homem, de um presidente, firme no desempenho de todo o seu mandato até agora. Postura que não transitou em julgado, transitou em imagem.

Conseguirá Obama, com essa oratória midiática, convencer os americanos a votarem nele - e não nos republicanos?

AS BASES DO ENRÊDO DE OBAMA II

A intriga da novela Obama II faz com que o personagem-título encare, com olhos estudiosos, a crise geopolítica e geoeconômica dos últimos tempos. São duas problemáticas distintas - pássaros de plumagens diferenciadas - mas, ao mesmo tempo unidas. Vejam só: para Obama, de um lado, é preciso sair da geopolítica do terrorismo, implantada por Bush e seu escudeiro Cheney, de caça da energia petrolífera sob o pretexto de combater o terror no Oriente Médio. E de outro, há que transformar o campo geoeconômico, superando o modelo instalado pelas finanças, que montou mercados financeiros especulativos em paralelo com uma produção de bens de capital, bens de consumo duráveis e não duráveis, e que se derramou para o exterior e atingiu a Ásia. A jogada financeira tinha como objetivo agregar a China na função de exportadora para o mercado americano, com a finalidade de baixar o custo de reprodução de mão de obra dos Estados Unidos. E claro fazer dos saldos comerciais resultantes - as reservas, enfim - recursos para amparar, via a aplicações em títulos do Tesouro, a dívida fiscal de Tio Sam. Contudo no desenvolvimento e no fim desse processo, a China, com estratégia lúcida e clara, acabou por se constituir numa grande potência produtiva. A questão que pairava sobre o discurso de terça-feira, 23 de janeiro, era: e agora, Estados Unidos? E agora, Obama?

Ora, a queda do modelo das finanças americanas, em 2007/08, desmanchou aquilo que foi o centro da geopolítica dos anos 90 e do início do século XXI, a hegemonia absoluta dos Estados Unidos. E desfez a trama desta unipolaridade indisfarçável, que levou ao insuperável Fukuyama dizer que a História tinha acabado. Só que o eixo americano que era único, tornou-se frágil e se partiu. De um lado ficou o que chamo de o eixo americano e do outro, o eixo chinês. Traduzindo: entramos numa nova fase da geopolítica e da geoconomia. Estados Unidos e China passarão a serem os polos antagônicos da nova tensão política e econômica. Vem na correnteza, como um barco em desalinho, a necessidade de reformular a economia mundial. Mudanças produtivas e financeiras que sejam capazes de recuperar e expandir inclusive o comércio planetário. Emerge no fundo do cenário a forma ainda difusa da dinâmica de um novo padrão de acumulação, que por enquanto é apenas uma ideia-norte. Ela coloca, como uma alavanca imaginária, no horizonte do longo prazo a transformação da sociedade capitalista. O que Obama encarou foi exatamente esse futuro. Um futuro para ele ainda não totalmente claro. Porém, foi certamente com um olhar pousado no porvir que discursou. E botou no coração da nação a indagação: o que é que nós americanos queremos?

COM QUEM VAI O ELEITORADO AMERICANO?

Conversando um desses dias com uma amiga que mora nos Estados Unidos, ela me disse: “Olha, Enéas, ninguém está gostando muito do Obama. Mas, acho que vai ganhar, porque ele é o menos ruim dos candidatos.” Fico, então, pensando sobre o discurso de anteontem do Obama. Sem dúvida, ao lançar pontos chamejantes para diversos campos da população, verdadeiras iscas de votos, contrastando suas posições com as dos republicanos, ele mostra que apesar do grande cerco que as finanças fizeram ao seu governo, ele continua ter clareza sobre a situação e sobre o futuro. E mais, falou enfático, cumpri pelo menos dois pontos decisivos para os Estados Unidos: a questão da paz e a questão da indústria. Neste último ponto pelo menos foi um primeiro passo, um bom recomeço, com a retomada da indústria automobilística e a recuperação de Detroit. Nas postulações que fez para a mudança das condições econômicas tratou dos impostos dos ricos, da justiça tributária, do incentivo aos pequenos empresários, da inovação tecnológica, da energia - e do grande lance feminista: a igualdade de salários para homens e mulheres pelo mesmo trabalho. Tudo isso tem o seu emblema visionário, tudo isso está ainda em estado de promessa.

Mas, recordando a imagem construída, a imagem produzida pela performance de Obama, fiquei pensando que a minha amiga talvez possa ter razão. O voto no menos pior, no menos ruim, num ambiente de descrença da política e do político, pode dar, pela produção da imagem de um presidente persistente e trabalhando para o Bem Comum, a vitória a Obama. Mesmo porque ele tem um discurso coerente e uma retórica perturbante. E diante da confusão e do lado tosco dos candidatos republicanos, o brilho de terça-feira permite o surgimento de uma pergunta que estala: vai dar Obama duas vezes?

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