quinta-feira, junho 09, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
09 de junho 2011
Coluna das quintas


UM FRIO NA ESPINHA:
A GRANDE DEPRESSÃO
Por Enéas de Souza
GRANDE DEPRESSÃO À VISTA?


Vários economistas americanos falam disso. Já tratávamos dela, meu amigo André e eu, desde 2007. Na verdade, a história se passa assim: a crise financeira e a crise produtiva vieram ao mundo juntas; depois, tivemos a salvação das finanças que encaminharam o Estado para um déficit fiscal vigoroso. E, simultaneamente, houve a negação da aplicação de uma política keynesiana de gastos ou programas governamentais para salvar igualmente as indústrias. Como um lutador de peso pesado, o referido Estado deu um “knock down” na produção. Desse processo, uma dívida pública crescente pôs o nariz de fora, tanto nos Estados Unidos como na Europa. Só que alguns Estados atingiram o que se chama de insolvência. O que está levando a economia à uma forte depressão. Assim de uma chuva miúda que molha, entramos num temporal que inunda. E, estamos ouvindo, há alerta de tsunami. Naturalmente que a crise se prolonga porque a economia líder dos Estados Unidos diminuiu a sua dinâmica financeira, já que a crise represou a elasticidade da lucratividade das finanças. E também porque, simplesmente, já não funcionam mais os seus produtos, a sinergia de suas aplicações, a confiança nos seus mercados, etc. Os investidores financeiros em Nova Iorque, Londres e na Europa estão em ritmo mais lento. Então, o caminho das finanças é tentar a saída pelos mercados emergentes, visando sempre o objetivo especulativo e predatório, como fazem nas commodities, do petróleo aos alimentos, e igualmente nas especulações com títulos financeiros e públicos.


Portanto, a tão famosa e falada idéia de que salvando os bancos – dando crédito a eles, permitindo que tomem dinheiro no FED, como acontece nos Estados Unidos – eles iriam fornecer crédito à economia produtiva, isto é, uma concepção ideológica, falsamente real, impossível de ocorrer. Tem o sabor de pensamento mágico, em todo caso. E as finanças, isso é sabido desde sempre, correm atrás de especulação e não de tomadores de empréstimos para a produção. Portanto, os mercados financeiros estão dando resultados medíocres e a indústria não consegue funcionar na direção de um novo padrão produtivo, com investimento e emprego. O que temos é uma indústria velha, que desenvolve a produtividade, mas não traz novos postos de trabalho. De concreto, a liderança das finanças está paralisada, a produção até cresce, mas não se reinventa, ao mesmo tempo que o desemprego é a tônica no universo dos trabalhadores.


POLITICA ECONÔMICA DESORDENADA

As coisas começam nos Estados Unidos. Lá, o Estado já principia como maçã cortada ao meio por uma faca. De um lado, o Executivo e, de outro, o FED. Ou seja, o Banco Central é colocado fora do Executivo. É um órgão do Estado, mas fora da política do Governo. E essa decisão da história do capitalismo no Ocidente é chamada elegantemente de independência do órgão monetário e financeiro público diante do Executivo, com a desculpa de que as coisas são assim para não prejudicar o funcionamento da economia. Então, o princípio de tudo está aí, a fidelidade do FED, que não é ao governo, ao Estado, mas também não é à população. Ela é, sim, às finanças. O que significa um poderoso bloqueio na ação política de qualquer administração estatal.


E agora essa regra está nas vísceras do governo Obama. E com intensa robutez, pois mostra que a política do Estado fica cindida entre uma política para o setor financeiro e uma política para o resto da sociedade. Por essa razão, a salvação dos bancos não levou as instituições bancárias a terem praticamente nenhum compromisso com o Estado – muito menos com os desempregados e com a população. Seus únicos compromissos, altamente beneficiados e favorecidos, foram os financeiros com o FED e o Tesouro. Claro, foi uma ajuda estatal, com dinheiro da sociedade, dos contribuintes. E por absurdo que seja, em troca, não houve maior modificação dos seus hábitos. Ou seja, nenhum acréscimo substantivo da regulação, alguns pequenos requerimentos a mais de capital, nenhuma alteração ou restrição aos produtos (sobretudo os CDS), nenhuma restrição ou punição ou regulamento para as terroristas agências de ratings, etc. E tudo apenas com cláusula de pagamento do crédito privilegiado. Ou seja, nenhum compromisso com a nação.


(Enquanto isso, o desemprego continua com taxa de 9%!)


Se olharmos bem, não existe política econômica nos Estados Unidos. O que existe é uma política econômica reduzida, uma política econômica centrada nas finanças. Isto quer dizer uma política econômica parcial, forçada a ser apenas uma política monetário-financeira–fiscal. E com o pulo do gato explícito. Ela já é política cambial, porque o dólar, além de ser moeda de uma nação, se efetivou como moeda de reserva de valor para o mundo. Nesse sentido, para constituí-lo como moeda financeira, as finanças e o Estado, possuem os dois elementos necessários para essa existência. O Banco Central, que emite o dinheiro e define a taxa de juros básica do mercado e o Tesouro, que garante, via títulos do próprio Estado, a sustentação do valor dessa reserva. O resto da política macroeconômica, como a política industrial, a política agrícola, a política salarial, a política científica e tecnológica, etc. são produzidas no nível micro, pois são as empresas que a realizam. Fica claro então, que o Estado abdica, por imposição das finanças, de uma política macroeconômica global.


OS ÍNDIOS CERCAM A CARAVANA


Assim, a macroeconomia é simplesmente política monetária, financeira e fiscal. Então, o sol ilumina. O FED e o Treasury, sobretudo ficando em mãos de gente do sistema financeiro ou de seus aliados, tornam-se dois órgãos que controlam o Estado e, por tabela, a sociedade. O embrulho tem destino e benefício: as finanças. Dando mais um passo e olhando agora para o horizonte próximo, algo se faz realidade no momento, o Estado americano só avança com as decisões do Legislativo, que fica pressionado pela volumosa presença dos lobbies entre os democratas e republicanos. Deus, então, que abençoe os consumidores, os desempregados e a população, porque as finanças não precisam de Deus, já tem o Tesouro, o Banco Central e os lobbies. E, com efeito, vê-se um presidente que, além de estar cercado pelo setor financeiro, tem seu aperto agrandado pelo parlamento.


E isso se amplia no caso de Obama pelas limitações do primeiro mandato. Dizendo cruamente, hoje a sua preocupação imediata como político é reeleger-se. E para reforçar a idéia de que o atual perigo de queda da economia e do governo Obama é uma ameaça real, os republicanos optaram por uma proposta de limitação da dívida nacional ao redor de 14 trilhões de dólares. O Estado vai parar. Ah! É verdade, com essa manobra uma corrente de ferro amarra o presidente dos Estados Unidos, cujo corpo já está todo varado de flechas. Os índios republicanos, machadinha na mão, já estão enxergando a perspectiva de uma vitória na terra da Disneylândia. O que nos permite indagar: os americanos vão se posicionar ainda mais à direita?


A VOLTA DA ESPECULAÇÃO BANDIDA


Então, veja o enredo do filme que está em cartaz: a dinâmica econômica ficou paralisada por causa da estrutura do Estado e as decisões de política monetária, financeira e fiscal só favorecem aos financistas, enquanto uma nova estrutura econômica está barrada para um novo caminho. Pois o centro de uma economia expansiva é o investimento. E numa economia que precisa mudar o seu padrão produtivo, as inversões em indústrias com novos paradigmas tecnológicos funcionam como a mais nova alavanca de Arquimedes. E, por resíduo, ainda ajudam a puxar inúmeras inovações em todo o sistema produtivo. Como vimos, o Estado americano só tem política macro apenas para a moeda, para as finanças privadas e para as finanças públicas. O centro institucional para as duas primeiras é o FED. E o FED resolveu nos últimos tempos aumentar a liquidez dos bancos, visando com ela que o crédito seja aplicado e redistribuído à produção. Isso favoreceria as instituições financeiras e fertilizaria as indústrias. Agora, pensem um pouco. Onde é que os bancos vão botar esse dinheiro ganho à custa de taxas negativas de juros? Quem disser crédito à produção leva um esculacho, um croque na cabeça. É claro que eles vão tocar esse dinheiro na especulação, vão mandar para o Brasil, vão mandar para a Índia, vão mandar para outros mercados emergentes. E aqui, no país tropical, com as atuais e apetitosas taxas Selic, os capitais financeiros arriscam acrescentar de maneira fabulosa números positivos nas suas rendas. Pode até essa chegada de recursos estrangeiros, no primeiro momento, ajudar a “bombar” as atividades econômicas. É certo, no entanto, que numa próxima crise, num caso de déficit nas transações correntes, por exemplo, esses capitais vão afetar e intimidar e ameaçar tanto a economia como as contas do país.


BLOQUEIO À TRANSIÇÃO PRODUTIVA


Bom, e se não há crédito para a produção, é lógico que o investimento não vai se expandir. E, se botar na roda o Estado americano, a gente vê que ele está amarrado, bloqueado, sem condições econômicas e ideológicas para intervir na economia. Planos de mudança da estrutura da produção, nem pensar. Está quieto, amordaçado, fruta apodrecida, mas é preciso ver bem: a produção também entrou em crise em 2007, o paradigma modelado pelo petróleo e os automóveis entrou em falência. Obama tinha um plano bem jeitoso. Regular as finanças; desenvolver novas energias, nuclear e biocombustível, principalmente; buscar a metamorfose industrial através das novas tecnologias de comunicação e informação. E com isso, passar a liderança do capital novamente ao setor produtivo e colocar as finanças a serviço da produção e da sociedade. Mas as finanças se insurgiram, bateram pé e não concordaram. Embolsaram a grana dos pacotes de salvação (os bailouts) e pegaram a liquidez que está passando atualmente, liberada pelo FED. Primeiro, para se equilibrarem economicamente; depois, para buscar novos resultados na exportação de capital especulativo. Portanto, gesto regressivo, bloquearam a reformulação produtiva de todos os jeitos. Ou seja, não perderam nem o capital, nem o comando político. Dessa forma, a economia americana teve freada a dinâmica da transição. É preciso considerar que estamos falando da passagem de uma dinâmica de um padrão para outro. E não de alteração de taxa de crescimento. O importante neste momento não é que a economia cresça por crescer. O importante é que o crescimento esteja dentro de um movimento econômico que se dirija à construção de um novo paradigma. Arquitetura base para o estabelecimento de uma nova relação entre setor financeiro e setor produtivo, bem como uma nova relação entre o capital e o Estado.


O RESUMO DA ÓPERA


Pois vejam aonde foi dar o movimento atual do capital financeiro. Crise das finanças deu origem à salvação desses capitais com a presença do Estado, que entrou firme numa crise fiscal. E aí foi toda uma estrutura institucional que enferrujou, que explodiu e se tornou perigosamente adversa à sociedade. Trata-se de ver que isso envolve USA e Europa. E na Europa, já se viu, o osso está exposto nos braços e nas pernas da Grécia, da Irlanda, da Islândia, de Portugal. O desastre se alastra e está na veia da Espanha, ameaça o corpo da Itália. E se esse trânsito, gasolina chamando fogo, não for contido, a flama se aproxima da Inglaterra e, se chega na Inglaterra, atinge de volta os Estados Unidos.


A crise produtiva, sem uma política própria e sem novos apoios do Estado, se amplia. Mas agora com dois aspectos. Um já vimos: o aprisionamento do Estado pelas finanças; o outro, é a paralisia da indústria, sem espaço para avançar tecnologicamente e sem capacidade de concorrência com a China. E a China vai afetando a economia ocidental fortemente. E reparem como a China está bem. Pois com a ameaça de diminuição do crescimento chinês, esse dado reverte sobre os todos os países, mas principalmente sobre os Estados Unidos. Com isso, se mostra o labirinto que está a saída da economia americana e européia do buraco da crise de 2007.


SÓ A POLÍTICA SALVA


Falta falar da inflação resultante da recente política monetária do FED. Dela, Krugman diz: não me interessam os outros paises, eles que se virem, o que importa é aumentar o nível inflacionário americano de 2 para 4%. Aí teremos o financiamento da economia produtiva, aumentando o PIB industrial e fazendo crescer o emprego. Mas o que está ocorrendo é que a indústria cresce e o emprego não. Esse keynesianismo de liquidez bancária não pode dar certo. Dá especulação, dá diminuição de poder monetário da moeda americana, dá fuga do dólar, dá queda do investimento, dá queda do consumo, dá desordem internacional. Então, se começa a temer por um desdobramento da crise econômica. O blog “Naked Capitalism” realimenta a idéia de que a Grande Depressão já está inscrita no horizonte econômico desde o fim do ano passado. É claro que é preciso pensar que o capitalismo tem sido capaz de gerir essa crise, mesmo que alquebradamente, já que os contrapesos inventados por ele são diversos. Só que, desde 2007, a economia está pendurada no trapézio, cai não cai. E a hegemonia política das finanças sobre o Estado não levou a nenhuma reformulação da economia. Porque as finanças só pensam no curto prazo, para não dizer no curtíssimo, os lucros de hoje. Amanhã, já é longo prazo. E o mais interessante é que as finanças, na sua hegemonia social, têm um domínio absoluto também sobre os demais capitais, sejam produtivos, comerciais ou de serviço. E singularmente não os levam em conta, salvo como aplicadores no seu sistema. E aqui o decisivo: as finanças não têm projeto para a economia. Esperam manter tudo como está. Talvez fiquem um pouco preocupadas quando a atividade dos negócios diminui, mas nada capaz de esquentar muito a cabeça. Já foram longe demais. Retornamos, para encerrar o assunto, ao princípio do artigo: crise financeira, crise produtiva, crise fiscal. E a espantosa verdade: os países estão profundamente endividados. E essa dívida do Estado é com os próprios bancos, por isso, se os Estados caírem, caem os capitais. É aqui que começa o frio na espinha. Esperamos que o filme não seja o “The river of no return”. Dito de outra maneira: tudo navega na incerteza ou no fio da faca amolada. Só a política salva, mas só aquela que favorece a mudança do padrão produtivo e regula o setor financeiro.

2 comentários:

Anônimo disse...

muito bom o artigo.
deu errado uma vez e continuará dando. A politica financeira dos Estados Unidos é falha.

Anônimo disse...

O proplema é que a polítiva dos USA por estar pautada no liberialismo econômico, não adota um sistema regulados e seu sistema financeiro. É o chamado sem freio! sem freio! sem freio!