CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
30 de junho de 2011
Coluna das quintas
O PACTO POLÍTICO-SOCIAL
SOB O GOVERNO DILMA
Por Enéas de Souza
O ATAQUE DAS FINANÇAS AO LONGO PRAZO BRASILEIRO
1) A primeira coisa que gostaríamos de salientar é que se esboça um projeto de longo prazo no Brasil, baseado no tripé petróleo, matérias primas e produtos alimentares. Parece que se constata uma força pujante nessa direção, mas também se observa uma contra tendência, uma tentativa de bloquear e furtar a sua realização. O contramovimento vem das finanças, tanto de instituições internacionais como de bancos brasileiros. Tudo porque o campo financeiro quer continuar vigorosamente o modelo de acumulação financeira, instalado desde 1994 no Brasil. De que modo? Antes de mais nada, fazendo uma forte e robusta pressão para manter o teto da taxa de juros elevado e buscando a sustentação de uma taxa de câmbio do real valorizada. Essa manobra se desenrola com um apoio, hoje um tanto mais moderado, do próprio Banco Central. Vejam então o retrato e a perfídia do que está acontecendo: a atual liquidez alcançada pelos bancos americanos, em voluptuosa procura de aplicação no exterior, reforça a relação com os bancos brasileiros.
2) Surge dessa colagem entre os dois setores, sempre sonhos de altiva e voraz especulação, um desempenho contra as janelas do longo prazo da economia brasileira. Altos juros para impedir maiores investimentos; taxa de câmbio desvalorizada para invadir o país de produtos importados, sobretudo bens de capital. Esse é o resultado principal da procura de valorização de uma densa massa de capital, geralmente americana, que viaja para ser aplicada por aqui. Faz esse volume um efeito coruscante na política monetária do Banco Central, cuja visão vem junto com a ideologia econômica das finanças internacionais e dos bancos brasileiros.
3) E destaca-se nessa pressão, antes de tudo, no mercado financeiro, o lucro fácil dos títulos públicos. Claro, emergem outros papéis privados. No quesito ações, um caso engraçado: os investidores compram Petrobrás e Vale do Rio Doce, mas se mostram contra elas, porque essas, agora integrantes do núcleo estratégico do governo, tomam decisões que muitas vezes vão contra o princípio da governança corporativa, que é o princípio do valor acionário. Isso quer dizer que, como as duas empresas fazem parte da estratégia de longo alcance do Brasil, a política de preços da Petrobrás, por exemplo, de combustíveis, impede a distribuição de maiores lucros para os inversores, estrangeiros entre eles. Então, bota ataque contra a companhia de petróleo nacional. Mas é só pra chatear, porque mesmo no discurso, ouve-se que, fazendo uma comparação com as ações das companhias estrangeiras, as da Petrobrás constituem uma grande aplicação. Com essa pequena história, podemos ver que, além de controlar os elementos que fazem funcionar o modelo de acumulação financeira, as ditas finanças tentam por todos os modos impedir, denegrir, diminuir, bloquear se possível, tanto a imagem da Petrobrás e da Vale como a estratégia do longo prazo brasileiro.
4) Esse capital que fustiga, sem nenhuma dúvida, tem uma visão predadora e imediatista da economia. Seu objetivo é mais que evidente: desgastar o poder estratégico dos Estados. O que ele pretende no Brasil, como já disse, se baseia na manutenção da política de elevação da taxa de juros e do forçamento da valorização da moeda brasileira. Pois, é óbvio, é desse espaço que tira e extrai a sua lucratividade. E, assim, a perfídia tem um outro componente: a venda ideológica de que “a poupança” estrangeira é decisiva para o desenvolvimento brasileiro. Essa é sempre a velha balela das finanças. Por quê? Porque um capital que entra no Brasil não necessariamente é um capital que se achega ao setor produtivo, não é um capital que vai florir na produção, normalmente se atira nas facilidades financeiras. Ou seja, na pele de cordeiro esconde-se o javali, aquele bicho que arrasa quarteirões. A chamada “poupança externa” só é valiosa quando se destina ao investimento produtivo. Fora disso, ela é potencialmente destruidora, perigosa, descuidista. E dizer que o capital externo é importante para a economia brasileira só é válido quando aporta recursos para a produção. Fora disso, é capital-gafanhoto, devora o que pode. Olhem a época de FHC, quando essa conversa fiada encheu as páginas dos jornais e de textos de vários economistas. A prova do pudim: a taxa média de crescimento do PIB naquela época foi de 2,2%. Compare, leitor, com os 7,1% do ano passado ou dos 4,5% previstos para 2011.
5) Pois esses cavaleiros andantes do lucro fácil, querem atacar sabe quem? O que eles maldosamente chamam de o “Estado de Bem Estar Brasileiro”, ou seja, desde a política de salário mínimo até a previdência social. E o argumento que sussurram pode se traduzir nessa disjuntiva: ou o Brasil aceita a desindustrialização e mantém o Estado Bem Estar Social, ou o contrário: desenvolve a indústria com a “poupança externa” e desmancha o segundo. Quá, quá, quá, quá! Que disjuntiva mais idiota essa! Basta só lembrar que um capital que entra não necessariamente vai para a produção. Essa gente cria a ilusão de uma economia fantasma, de uma economia delirante, para tentar ludibriar os incautos e se apropriar da dívida brasileira e de propriedades do Estado nacional. Como no tempo de FHC, onde a privatização abiscoitou alguns bens do Estado/povo brasileiro. É, não resta dúvida, o retorno da mesma estratégia dos anos 1990, que hoje estão tentando reaplicar aqui, e que parece que, infelizmente, está se impondo na Grécia. A Grécia precisava dar uma de Argentina!
O BRASIL NO CAMINHO DO LONGO PRAZO
1) Pois, diante disso, existe, por um lado, um esboço de estratégia de longo prazo do Brasil. E se baseia na tríade petróleo, alimentos e matérias primas. Mas cabe, neste ponto, dizer algo importante: o Brasil já está ancorado no longo prazo. Sim, no longo prazo do novo padrão de acumulação da economia mundial. Aquele que vai se instaurar na dinâmica da superação da crise planetária. E por isso, esse ponto futuro já palmilha inclusive as visões de médio termo, que é a fase de transição do atual modelo que está em desmanche para chegar a um outro em processo de construção. Isto quer dizer que o norte do governo Dilma já está dado, já está em andamento, já está em trajetória. O desejável é que o Brasil não fique somente no desenvolvimento da tríade acima falada. Tem que ir além, tem que avançar para um processo de integração nesse novo padrão com um conjunto de indústrias de grande porte, com indústrias participantes das novas tecnologias que estarão vigorando na nova era. Ou seja, há que ter uma política industrial. E uma política de ciência e tecnologia, altamente preocupada com as tecnologias de comunicação e informação, com a nanotecnologia, com as tecnologias da ciência médica, com a biotecnologia, etc. E para isso, tem que enriquecer a sua visão de longo prazo, planejar e estabelecer metas para lá entrar em campo. Urge, portanto, a expansão do planejamento.
2) Para lá chegar e bloquear as doiduras das finanças há que ter estratégia, só que estratégia que permita e parta de um novo pacto social. Claro que tem que ir à mesma direção do governo Lula: impedir que o setor produtivo, por falta de opções, atravesse a estrada tendo como companheiras as instituições financeiras especulativas, como no governo de Fernando Henrique. O que Lula conseguiu foi atrair, via José de Alencar, o setor produtivo para que se afastasse das finanças e se unisse ao setor trabalho, dando força ao PAC, às propostas do Bolsa Família, etc. Pois é esse pacto social de longo prazo que agora está sendo renovado. Dilma está organizando em torno do seu governo, além do setor petróleo, do setor de matérias primas e do agrobusiness, a indústria de construção civil – com programas do “Minha Casa, Minha Vida II” e com os projetos de obras ligadas à Copa e às Olimpíadas, com o projeto de ampliação do mercado interno e de exportação para diversas indústrias, etc.
3) Para que esse pacto se efetive tem que haver a adesão do capital produtivo. E o que precisa esse capital? Está carente de apoio de programas públicos, de financiamentos do BNDES, de incentivos à produtividade, de incentivos à inovação tecnológica, de planejamento de uma política industrial, de uma política de exportação e importação, etc. Mas tem que haver algo imperioso: um pacto social sob o manto do governo que se traduza num acordo amplo entre capital produtivo e trabalho. E um dos pontos chaves está na construção de uma reforma tributária que seja minimamente adequada à competitividade e à lucratividade da produção. Mas é preciso que se inclua nesse pacto social um outro pacto, um pacto federativo que atenda várias questões do capital e do Estado: a repactuação das dívidas dos Estados brasileiros, a eliminação da guerra fiscal, uma solução conveniente para o ICMS, uma boa reforma na questão do fundo de participação dos Estados e Municípios, etc. Ou seja, o governo Dilma, que já estava posicionado para o longo prazo com o triângulo de suas indústrias para base produtiva mundial, agora deve dirigir suas aeronaves para a expansão da economia brasileira com dois pontos: o apoio a empresas que tentem a mundialização, como a Petrobrás e a Vale, e uma política industrial que proporcione empresas competitivas no nosso território com chineses e americanos, e que sejam capazes de atuar no comércio externo com presença significativa.
4) Um dos pontos fundamentais desse modelo é certamente a necessidade de manter a coerência da política pública para os trabalhadores e na erradicação da miséria. Nesse sentido, as políticas de salário mínimo, de crédito popular, do ProUni, do Bolsa Família, etc., acrescidas dos novos programas como Pronatec, do Minha Casa, Minha Vida II, do programa de erradicação da miséria total são indispensáveis para o pacto examinado. Pois vejam os leitores, aqui está um ponto decisivo da luta política. De um lado, ocorre a adesão da classe trabalhadora, mas de outro, permite que o governo Lula-Dilma-PT mantenha a liderança da sociedade, pois nesse ponto estará o potencial eleitoral que poderá assegurar uma continuação de um projeto de poder.
AS FINANÇAS NÃO VÃO MORRER
1) Esses temas assinalam, em termos de prospectiva, dois pontos chaves. Primeiro: uma união do setor produtivo privado (industrial e agrícola), do setor produtivo estatal e do setor financeiro estatal com os trabalhadores, com os deserdados, o que dará força política, econômica e ideológica para manter um pacto razoável, no momento, contra as finanças, sem que as finanças percam, pela força internacional-nacional, rentabilidade. E segundo: a construção de um modelo econômico produtivo para que esse possa bater, em resultados sociais, econômicos, políticos e ideológicos, um modelo de acumulação financeira, onde só as finanças ganham e podem ganhar.
2) Por isso, cabe compreender que todas as futricas e confusões do curto prazo, sejam políticas, econômicas, ideológicas, diplomáticas, etc., etc., do Palocci ao Temer, das variações de posições do PMDB à relação com a mídia, terão que ser resolvidas e avaliadas em função dessa estratégia de longo prazo, que é tudo o que as finanças tentam derrubar. Estamos na trajetória da renovação da sociedade brasileira onde o importante é ganhar a História e não a crônica dos eventos diários.
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