26 de agosto de 2010
COLUNA DAS QUINTAS
O CREPÚSCULO
DO
NEOLIBERALISMO
Por Enéas de Souza
O CAMINHO DA ECONOMIA MUNDIAL
1) O LAÇO QUE SE DESMANCHA
Olha só como está o mundo: Estados Unidos em paralisia, obviamente que a digestão dos títulos podres ainda não terminou. Vai longe. E o desemprego também. Portanto, caldo de revolta junto com corrosão do desemprego. Não se vê retorno à vista. E a mídia a dar notícias que esta empresa aumentou os lucros, que aquele banco ganhou horrores neste semestre. O que é verdade, mas não é tendência da economia, é tendência de uma ou outra corporação. O fato é que o crédito não flui, não irriga a economia, nem à especulação, nem à produção. E hoje chegou a notícia que o setor imobiliário não deslancha, vendeu-se menos novas casas que o previsto. De qualquer modo, é preciso desarmar definitivamente as finanças e dar ênfase na produção. Mas vai levar tempo. Mesmo porque o FED (o Banco Central) está ameaçando em comprar mais títulos podres para ver se alguns bancos conseguem escapar.
Pode-se ver a turbulência social americana, internamente, com o lento desmanchar da economia de hegemonia financeira até chegar uma nova, com as devidas renovações tecnológicas decisivas e a reacomodação imprescindível das finanças. Fala-se, cada vez com mais insistência, numa necessária regulação dos bancos e num controle do sistema bancário separado do sistema não-bancário. Mas, até agora os bancos querem reaver a sua lucratividade sem consegui-la. Os atores continuam em cena, mas a platéia cansou do espetáculo. Falta o encerramento da peça.
Na geopolítica, continua o desastre americano no Iraque – trocando tropas oficiais pelas empresas de guerra privada – e no Afeganistão – onde Karzai rejeita estas últimas, por serem inclusive “terroristas”, segundo seu discurso de ontem. E o Irã continua sendo uma guerra em potencial, o que significa dizer que as confusões do Oriente Médio continuam a mostrar a dificuldade de Obama impor sua visão geopolítica de paz. No entanto, o que se sabe é que estamos em plena transição neoliberal, e o bafo conservador e militar ainda está fungando forte na presidência Obama. A unipolaridade americana, apesar do seu imenso poderio econômico, militar, político, diplomático já era. O problema é como ele vai se posicionar, agir, interagir com a Europa, a China, o Oriente Médio e o resto do mundo.
2) O LAÇO QUE SE SOLTA
Já a Europa vai de mal a pior. E lá, o incesto “Estado/Bancos” está levando a uma grande busca de contração fiscal. E sabem o que é contração fiscal? É Estado sem capacidade de gasto, é economia lomba abaixo, é deflação, é desemprego, são enormes fraturas sociais. O curioso é que a invenção da Comunidade Européia acabou sendo um bom negócio para a Alemanha, que está jogando de mão, exigindo controle fiscal, definindo as linhas gerais da Europa. E ainda pode decidir se fica ou não na Comunidade. Já a França, com o Sarkozy, saudado como o gênio europeu pela direita politicamente inculta do Brasil, está entrando numa zona de alta turbulência. Ameaças por toda parte, desde cortes fiscais de direitos sociais até perseguição aos ciganos. A palavra de ordem da população francesa é RESISTIR. Grande sucesso está fazendo um juiz chamado Portelli que levanta a resistência em nome da Revolução Francesa e dos franceses contra Vichy. A Comunidade Européia pode se desmanchar – talvez fique, apenas, um núcleo duro. E em toda a Europa existem muitos perdedores, sobretudo a Europa do Leste e a Grécia. Na evolução geopolítica e econômica já se prevê uma aliança Alemanha/Rússia, que poderia ser um subeixo econômico ao grande eixo futuro, Estados Unidos/China, na nova configuração econômica mundial. A cadeia neoliberal unipolar americana com os enlaces, em primeiro lugar, com a Inglaterra (God, please, save the Queen) e em segundo, com a Comunidade Européia, dá cores mais nítidas de uma degradação cujo fim ainda não se pode prever. Pode ir ou pode ficar euro, pode ir ou pode ficar a Comunidade. Enfim, tudo está incerto.
3) OS DOIS CENTROS
A retomada da economia mundial virá de uma relação entre a economia americana e a economia chinesa. Teremos dois centros daquilo que Braudel chamava de “economia mundo”. Só que, num primeiro momento, os Estados Unidos estão se reformulando. E obviamente no longo do tempo vão puxar tanto a economia das novas tecnologias de comunicação e informação como outras tecnologias inovadoras como aquelas ligadas às ciências médicas. Virá de lá também um dos pólos da renovação energética do mundo. E só neste momento é que a relação com a China vai se fazer plenamente. Embora não seja equivocado dizer que a China está em forte reconversão de sua economia, centrando mais na realidade interior, bem como na importação de mercadorias, só não se pode dizer que ela puxará sozinha o mundo. Seja como for, a China está sólida e com dinheiro na mão e com capacidade de decisão mais centralizada por causa do papel do Estado e do seu planejamento. Por isso, sua negociação com os Estados Unidos está sendo interessante e vai continuar interessante, porque eles têm 2 tri e 300 bi de dólares de reservas. Há interesse em articular os dois grandes centros. E por fim, é importante afirmar que o dinamismo do mercado mundial, neste momento, vem dela, que não só fertiliza a Ásia como enlaça a América Latina e a África. Naturalmente que inúmeras questões estão e vão surgir nesta parte da dinâmica da economia mundial que vem da China. Tudo está se fazendo e tudo está para ser negociado.
4) AS ESTRUTURAS QUE ESTÃO SE CONSTRUINDO
Do ponto de vista econômico, dois aspectos é preciso mencionar.
De um lado, a revolução da forma do capital financeiro. Uma retomada da superioridade da órbita produtiva com as transformações tecnológicas tanto da infra-estrutura energética como do encadeamento da nova dinâmica da produção. E a conseqüência mais vital, o recondicionamento das finanças, provavelmente dividida em duas partes, uma fornecendo crédito para a produção e outra, deixando espaço para a especulação, mas com controle para evitar a contaminação da esfera produtiva. A vantagem será que as eventuais crises financeiras serão circunscritas ao próprio espaço financeiro.
De outro lado, vai se articular um novo espaço internacional, onde a nova dinâmica ligará estes dois grandes centros: Estados Unidos/China, com os americanos hegemonizando a economia com as novas tecnologias de informação e comunicação, enlaçando outras tecnologias com a bioeletrônica, a nanotecnologia, etc. A China entrará em campo com uma larga produção de produtos mais tradicionais, Desta forma, em torno do eixo Estados Unidos/China os demais eixos, zonas ou países vão se compor. Estamos vivendo o crepúsculo do neoliberalismo. Um novo período histórico está surgindo. (Cabe ao Brasil, nesta eleição, decidir se vai se encolher como no tempo de FHC ou vai continuar a grande reformulação do governo Lula. Esta eleição é decisiva para o nosso destino).
5) E A CIVILIZAÇÃO?
Mas, a indagação mais profunda vai atravessar essa nova construção: que valores de civilização estarão se gestando nesse novo período histórico? Ou, dito de outra forma: teremos o prosseguimento desta civilização selvagem onde a traição, a truculência, o dinheiro, a subjetividade construída por mercadorias continuarão dominando? Se não houver uma política pública para a cultura é certo que os valores selvagens poderão continuar a dirigir as mentes dos habitantes do planeta. Nesse sentido, a pergunta é: teremos um novo período econômico e um novo período de civilização com os mesmos descabelados valores? Ou o novo período econômico estará produzindo o ocaso – quem sabe? – da civilização do capitalismo selvagem?
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