CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
19 de agosto de 2010
COLUNA DAS QUINTAS
PERGUNTAS
PARA O SERRA
RESPONDER
E GANHAR
A ELEIÇÃO
Por Enéas de Souza
1) Começou o horário eleitoral. Dilma está disparada na frente e Serra segue seu calvário e sua errância, tentando achar uma ruptura na estratégia da candidata de Lula. Indaga-se porque Dilma está na frente? Um clarão devastador. E para tal saber, vamos tentar observar o que lateja e o que grita como o efeito dos movimentos da sociedade, movimentos, é indispensável observar, nem sempre são tão claros e singularmente visíveis para a população e os votantes .
2) O primeiro passo da resposta parece fácil. Todo mundo diz: porque Dilma é a candidata de Lula. Mas, só isto não decifra a questão, que vibratória nos leva à tentativa de explicação desta facilidade. Vamos mais longe então. Aqui nós nos encontramos no meio da correnteza, o nosso barco se aproxima da clareira explicativa. O porto onde começa a nossa viagem se esclarece: porque Lula superou o neoliberalismo de Fernando Henrique e José Serra. Mas, é tão simples assim a resposta? A jogada de Lula deu certo? Vamos analisar o tema fora do quadro do imediato, do jogo político de divergências, de diferenças, de gozações e, às vezes, até de mágoas e atrevimentos, quase de ofensas como de picardia. Vamos seguir o roteiro que a história teceu, bem como este que vai se fazendo, um tapete explicativo, um painel de pelo menos de 16 anos, de 1994 para cá. É preciso olhar o período histórico FHC (e Serra). Cardoso, como é conhecido fora do Brasil, fez um governo dominado por um processo de acumulação financeira do capital, sem nenhuma distribuição de renda, a não ser na conversão do cruzeiro para real. No longo do período, um desastre para os baixos salários e os indigentes. No final, um expressivo desemprego avultava. A rosa negra do liberalismo. Ela toda colocada no vaso de uma imensa dívida externa.
3) O governo de FHC estabeleceu o Brasil como um dos paraísos das finanças. Sua base coletiva de apoio era liderada pelos banqueiros internacionais e nacionais. Fez uma política externa medíocre, aceitava a ALCA, não tinha presença mundial nenhuma salvo no MERCOSUL e suas decisões estavam sempre no alinhamento automático aos Estados Unidos. Uma das raras divergências era a posição pela paz no Afegasnistão. Fora disso, era a busca de condecorações e títulos honoríficos universitários, os chamados “Doctor Honoris Causa”. No plano da economia, construiu uma política econômica desfavorável aos setores produtivos (que ganhavam bastante, mas só no jogo financeiro) e aos trabalhadores, desligando-os de qualquer influência política. Acabou reiteradamente incrementando a alegria às finanças, como se o Tesouro brasileiro fosse um baú da felicidade. O resultado geral foi um caminho liberal econômico aguçado: desestatização (o que significou a construção de um Estado financeiro), desindustrialização (conseqüência fatal da prioridade da valorização dos juros e ausência de uma política industrial) e privatização em larga escala principalmente da Vale do Rio Doce (verdadeira calamidade estratégica para o Estado brasileiro). A doação do patrimônio nacional foi tão intensa que FHC só não conseguiu privatizar a PETROBRÁS (embora a tentativa da PETROBRAX), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. A estratégia nacional de FHC era não ter estratégia nacional. A sua retórica pregava que a dinâmica econômica fosse puxada pelo capital estrangeiro. E as suas decisões passavam pelo privilégio da abdicação macro do seu governo, ou seja, quem comandava eram as estratégias microeconômicas dos grandes atores internacionais e nacionais.
(Como é que o Serra, participante e herdeiro desta postura, vai querer votos do setor produtivo e dos trabalhadores e dos pobres e dos miseráveis? O povo terá ouvidos para quem jogou desta forma? Claro, sua carta foram os trabalhos na saúde. Afora, como depôs Itamar, a apropriação indevida sobre a paternidade do combate a AIDS e os genéricos, Serra desempenhou um papel acentuado. Mas para quem foi um oculto Ministro de Planejamento, esta atuação setorial específica, pergunta-se, é suficiente para esperar o reconhecimento em votos da população? E eu pergunto, para aqueles que estão criticando este escrito, poderia ser diferente para o Serra, que como FHC, Malan, Armínio Fraga, e tantos outros que estiveram no governo de FHC, facilitaram e fizeram a montagem de um sistema de acumulação financeira? É politicamente razoável pensar que a população levaria o Serra a uma vitória retumbante? É racional compreender que a sociedade brasileira tinha que pensar de outra forma e rejeitar Lula e Dilma, diante desse processo social empreendido pelo governo henriquino? E não se pode esquecer que o próprio FHC declarou à revista Época, que foi Serra quem lhe convenceu a privatizar a Vale. Pergunta: é aceitável que a nação se rejubile com a candidatura de Serra?)
4) O arco político que sustentou o governo de Lula baseou-se num pacto tácito, na práxis social e econômica dos banqueiros, dos industriais, dos agricultores, dos trabalhadores, dos desempregados, dos empobrecidos, dos deserdados. Lula soube escutar os desejos diversos das camadas sociais. E montou um governo cujo objetivo foi, no médio prazo, desmontar política e ideologicamente ( e se possível economicamente) a hegemonia do financeiro no processo de acumulação capital do Brasil. É obvio que as finanças não perderam o comando, mas o seu poder na política econômica foi sendo progressivamente contrabalançado. Os alvos que se construíram não estiveram somente entre os objetivos exclusivamente financeiros. Estão visíveis, nas suas proposições e limitações próprias, os vastos e coerentes programas sociais e o reposicionamento do setor produtivo no campo dos negócios. Houve um segundo ponto extraordinário. Ocorreu uma vasta operação para inserir o país na geopolítica internacional. Viu-se então o Brasil organizando, dialogando, mediando, combatendo, interferindo, divergindo e propondo medidas e idéias e valores, como um player global - de porte médio, naturalmente. E o que se pode concluir é que o Brasil de Lula teve estratégia e projeto nacional.
(Pode Serra esperar que os múltiplos beneficiários deste programa possam rejeitar Lula e Dilma, por mais que tenham discordado de algumas opções do governo Lula, em prol da sua candidatura? É razoável pensar que Lula, tendo feito um governo aprovado espetacularmente pela população, seja repudiado na sua indicação de Dilma? Ou seja, do ponto de vista do movimento das classes, dos grupos e das frações sociais seria racional e razoável pensar que estas classes e estes grupos e estas frações vão rejeitar a candidatura de Dilma Roussef? )
5) De outro lado, é importante ver que o movimento político ao nível das classes é expresso politicamente por figuras determinadas. Ou seja, as personalidades têm importância no jogo político. Lula sai do governo mostrando uma genialidade política que nem de longe FHC pôde e pode aspirar, embora tivesse a vã pretensão de superar dois gênios da política brasileira, Vargas e Juscelino. Primeiro ponto de Lula foi a capacidade de organizar a sua estratégia em torno do arco político e social dos banqueiros, dos industriais, do setor agrícola, dos trabalhadores, dos desempregados, dos excluídos e enfrentar da melhor maneira possível, Prometeu acorrentado, a grande operação do “mensalão”. Debaixo de enchentes e desmoronamentos e soterramentos, ameaçado de impeachment, conseguiu atravessar o Rubicão nas eleições do segundo mandato. E daí, partir para alterar definitivamente a forma de agir do Estado e incidir sobre a hegemonia financeira. Tivemos, então, no decorrer desta fase, o começo da reconstrução do Estado, um esboço de recuperação do Planejamento (o PAC), a visibilidade do êxito do Bolsa Família, do Luz Para Todos, o ProUni, o crédito consignado, o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, etc., etc. Ou seja, o Estado financeiro passou a se dirigir para um Estado capaz de projetar programas, intervenções e ter ambições estratégicas maiores, como entrar no campo energético, atuar no fornecimento de alimentos, exportar minérios, etc. Ou seja, esboçar um avanço na nova divisão internacional do trabalho.
6) Lula combinou uma estratégia de atender as necessidades de lucratividade dos setores capitalistas e uma estratégia de, com recursos escassos deixados pelo processo financeiro de acumulação, fabricar uma política consistente de apoio às classes empobrecidas. Os resultados são visíveis nas cidades do interior brasileiro, na periferia das grandes cidades, nas feiras, nos supermercados e nos shoppings. E, principalmente, a resposta política do Brasil na hora da crise mundial. Foi, dentro possível, um keynesianismo por dentro, abdicando de impostos, produziu uma bela sustentação de indústrias chaves, ao mesmo tempo que acrescentava poder de compra à população, inclusive da classe média.
7) Sutilmente, sem tirar a renda financeira, Lula foi desfazendo a política liberal e financeira de FHC e, lentamente, mostrou que o Estado é fundamental no capitalismo, seja para defender o capital, seja para distribuir renda. FHC era um subordinado do capital. Já Lula procurou favorecer a população, equilibrando as vantagens deste. FHC dava politicamente esmola com os seus programas sociais; Lula, ao contrário, valorizou os recursos para as classes desfavorecidas dando coerência à aplicação destes. FHC foi um fiel defensor da financeirização; Lula abriu perspectivas sociais para outras classes crescerem, mesmo que modestamente em contraposição. Nesse sentido, Lula foi um varguista. Ou seja, para contrabalançar o império político, social e ideológico do capital, é necessário fazer com que o Estado ponha o seu peso na contra-mão dos interesses dominantes. Mas, o varguismo de Lula foi também inovador, porque tanto usou os contatos diretos com sindicatos, organizações populares, etc., como usou a televisão, introduzindo um populismo mediático. E foi pelo conjunto da obra, desde o bloqueio da exclusividade de benefícios monetários para o capital financeiro até a possibilidade de dar bolsa família, educação, moradia e passagem de classe a grandes contingentes da população, que Lula encaminhou os votos para Dilma.
(Pergunta: Serra tem mesmo a pretensão de que toda a gente, que participou dessa transformação, vá votar na sua candidatura? Ele que sempre apareceu como nacionalista e, até como centro-esquerda, tem condições de disputar a presidência, indo para a direita, tentando recuperar o neoliberalismo esfacelado? É possível fazer uma manobra profunda e querer ir mais à esquerda, com as suas convicções e com o partido que tem? A política zigue-zagueante de ir para a direita e ir para o populismo, dará algum resultado?)
8) Precisamos, no entanto, salientar que um grupo social vai ser profundamente afetado na atual conjuntura: a mídia. Dado que as modificações do próximo padrão de acumulação de capital passa, entre outros aspectos, pelas novas tecnologias de comunicação e informação, pode-se esperar que estas empresas, que clamam tanto pela liberdade de imprensa/empresa, terão condições de continuar o seu papel de indústria ideológica, como atualmente se apresentam, ao contrário de indústria de informação? Assim, a sua radicalização tem sido notória, embora, nada esteja decidido. Pode-se notar que o desespero destas indústrias é expresso em ações ideológicas e estratégicas visivelmente contra a sua própria posição de empresas de informação, que um dia pretenderam ser. Este setor sim, está tentando derrubar a candidatura da Dilma, aliando-se ao Serra, que está embalado nelas. As últimas pesquisas têm mostrado que tem sido diáfanos e escassos os seus resultados. Embora tentem com disfarces indisfarçáveis apoiar o Serra, são responsáveis por seu caminho cada vez mais errático, e significativamente, à direita contra o arco prático da aliança social que aqui salientamos. Sempre lhes resta a armação, mas é preciso que pegue.
(Talvez a grande pergunta para Serra seja a seguinte: tem ele estratégia para avançar ou alterar este modelo financeiro (contrabalançado pelo produtivo e pelo social), que foi desenvolvido no período do governo Lula? Mas, temos ainda uma segunda pergunta. Pode um candidato, seja lá qual for, desmanchar uma aliança prática de classes - que mesmo tendo interesses profundamente divergentes e se combatendo mutuamente - que ainda pode dar passos juntos para avançar nacional e internacionalmente, seja política, seja econômica ou seja socialmente?
Sim - se a resposta for sim - a eleição será ganha por Serra!)
19 de agosto de 2010
COLUNA DAS QUINTAS
PERGUNTAS
PARA O SERRA
RESPONDER
E GANHAR
A ELEIÇÃO
Por Enéas de Souza
1) Começou o horário eleitoral. Dilma está disparada na frente e Serra segue seu calvário e sua errância, tentando achar uma ruptura na estratégia da candidata de Lula. Indaga-se porque Dilma está na frente? Um clarão devastador. E para tal saber, vamos tentar observar o que lateja e o que grita como o efeito dos movimentos da sociedade, movimentos, é indispensável observar, nem sempre são tão claros e singularmente visíveis para a população e os votantes .
2) O primeiro passo da resposta parece fácil. Todo mundo diz: porque Dilma é a candidata de Lula. Mas, só isto não decifra a questão, que vibratória nos leva à tentativa de explicação desta facilidade. Vamos mais longe então. Aqui nós nos encontramos no meio da correnteza, o nosso barco se aproxima da clareira explicativa. O porto onde começa a nossa viagem se esclarece: porque Lula superou o neoliberalismo de Fernando Henrique e José Serra. Mas, é tão simples assim a resposta? A jogada de Lula deu certo? Vamos analisar o tema fora do quadro do imediato, do jogo político de divergências, de diferenças, de gozações e, às vezes, até de mágoas e atrevimentos, quase de ofensas como de picardia. Vamos seguir o roteiro que a história teceu, bem como este que vai se fazendo, um tapete explicativo, um painel de pelo menos de 16 anos, de 1994 para cá. É preciso olhar o período histórico FHC (e Serra). Cardoso, como é conhecido fora do Brasil, fez um governo dominado por um processo de acumulação financeira do capital, sem nenhuma distribuição de renda, a não ser na conversão do cruzeiro para real. No longo do período, um desastre para os baixos salários e os indigentes. No final, um expressivo desemprego avultava. A rosa negra do liberalismo. Ela toda colocada no vaso de uma imensa dívida externa.
3) O governo de FHC estabeleceu o Brasil como um dos paraísos das finanças. Sua base coletiva de apoio era liderada pelos banqueiros internacionais e nacionais. Fez uma política externa medíocre, aceitava a ALCA, não tinha presença mundial nenhuma salvo no MERCOSUL e suas decisões estavam sempre no alinhamento automático aos Estados Unidos. Uma das raras divergências era a posição pela paz no Afegasnistão. Fora disso, era a busca de condecorações e títulos honoríficos universitários, os chamados “Doctor Honoris Causa”. No plano da economia, construiu uma política econômica desfavorável aos setores produtivos (que ganhavam bastante, mas só no jogo financeiro) e aos trabalhadores, desligando-os de qualquer influência política. Acabou reiteradamente incrementando a alegria às finanças, como se o Tesouro brasileiro fosse um baú da felicidade. O resultado geral foi um caminho liberal econômico aguçado: desestatização (o que significou a construção de um Estado financeiro), desindustrialização (conseqüência fatal da prioridade da valorização dos juros e ausência de uma política industrial) e privatização em larga escala principalmente da Vale do Rio Doce (verdadeira calamidade estratégica para o Estado brasileiro). A doação do patrimônio nacional foi tão intensa que FHC só não conseguiu privatizar a PETROBRÁS (embora a tentativa da PETROBRAX), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. A estratégia nacional de FHC era não ter estratégia nacional. A sua retórica pregava que a dinâmica econômica fosse puxada pelo capital estrangeiro. E as suas decisões passavam pelo privilégio da abdicação macro do seu governo, ou seja, quem comandava eram as estratégias microeconômicas dos grandes atores internacionais e nacionais.
(Como é que o Serra, participante e herdeiro desta postura, vai querer votos do setor produtivo e dos trabalhadores e dos pobres e dos miseráveis? O povo terá ouvidos para quem jogou desta forma? Claro, sua carta foram os trabalhos na saúde. Afora, como depôs Itamar, a apropriação indevida sobre a paternidade do combate a AIDS e os genéricos, Serra desempenhou um papel acentuado. Mas para quem foi um oculto Ministro de Planejamento, esta atuação setorial específica, pergunta-se, é suficiente para esperar o reconhecimento em votos da população? E eu pergunto, para aqueles que estão criticando este escrito, poderia ser diferente para o Serra, que como FHC, Malan, Armínio Fraga, e tantos outros que estiveram no governo de FHC, facilitaram e fizeram a montagem de um sistema de acumulação financeira? É politicamente razoável pensar que a população levaria o Serra a uma vitória retumbante? É racional compreender que a sociedade brasileira tinha que pensar de outra forma e rejeitar Lula e Dilma, diante desse processo social empreendido pelo governo henriquino? E não se pode esquecer que o próprio FHC declarou à revista Época, que foi Serra quem lhe convenceu a privatizar a Vale. Pergunta: é aceitável que a nação se rejubile com a candidatura de Serra?)
4) O arco político que sustentou o governo de Lula baseou-se num pacto tácito, na práxis social e econômica dos banqueiros, dos industriais, dos agricultores, dos trabalhadores, dos desempregados, dos empobrecidos, dos deserdados. Lula soube escutar os desejos diversos das camadas sociais. E montou um governo cujo objetivo foi, no médio prazo, desmontar política e ideologicamente ( e se possível economicamente) a hegemonia do financeiro no processo de acumulação capital do Brasil. É obvio que as finanças não perderam o comando, mas o seu poder na política econômica foi sendo progressivamente contrabalançado. Os alvos que se construíram não estiveram somente entre os objetivos exclusivamente financeiros. Estão visíveis, nas suas proposições e limitações próprias, os vastos e coerentes programas sociais e o reposicionamento do setor produtivo no campo dos negócios. Houve um segundo ponto extraordinário. Ocorreu uma vasta operação para inserir o país na geopolítica internacional. Viu-se então o Brasil organizando, dialogando, mediando, combatendo, interferindo, divergindo e propondo medidas e idéias e valores, como um player global - de porte médio, naturalmente. E o que se pode concluir é que o Brasil de Lula teve estratégia e projeto nacional.
(Pode Serra esperar que os múltiplos beneficiários deste programa possam rejeitar Lula e Dilma, por mais que tenham discordado de algumas opções do governo Lula, em prol da sua candidatura? É razoável pensar que Lula, tendo feito um governo aprovado espetacularmente pela população, seja repudiado na sua indicação de Dilma? Ou seja, do ponto de vista do movimento das classes, dos grupos e das frações sociais seria racional e razoável pensar que estas classes e estes grupos e estas frações vão rejeitar a candidatura de Dilma Roussef? )
5) De outro lado, é importante ver que o movimento político ao nível das classes é expresso politicamente por figuras determinadas. Ou seja, as personalidades têm importância no jogo político. Lula sai do governo mostrando uma genialidade política que nem de longe FHC pôde e pode aspirar, embora tivesse a vã pretensão de superar dois gênios da política brasileira, Vargas e Juscelino. Primeiro ponto de Lula foi a capacidade de organizar a sua estratégia em torno do arco político e social dos banqueiros, dos industriais, do setor agrícola, dos trabalhadores, dos desempregados, dos excluídos e enfrentar da melhor maneira possível, Prometeu acorrentado, a grande operação do “mensalão”. Debaixo de enchentes e desmoronamentos e soterramentos, ameaçado de impeachment, conseguiu atravessar o Rubicão nas eleições do segundo mandato. E daí, partir para alterar definitivamente a forma de agir do Estado e incidir sobre a hegemonia financeira. Tivemos, então, no decorrer desta fase, o começo da reconstrução do Estado, um esboço de recuperação do Planejamento (o PAC), a visibilidade do êxito do Bolsa Família, do Luz Para Todos, o ProUni, o crédito consignado, o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, etc., etc. Ou seja, o Estado financeiro passou a se dirigir para um Estado capaz de projetar programas, intervenções e ter ambições estratégicas maiores, como entrar no campo energético, atuar no fornecimento de alimentos, exportar minérios, etc. Ou seja, esboçar um avanço na nova divisão internacional do trabalho.
6) Lula combinou uma estratégia de atender as necessidades de lucratividade dos setores capitalistas e uma estratégia de, com recursos escassos deixados pelo processo financeiro de acumulação, fabricar uma política consistente de apoio às classes empobrecidas. Os resultados são visíveis nas cidades do interior brasileiro, na periferia das grandes cidades, nas feiras, nos supermercados e nos shoppings. E, principalmente, a resposta política do Brasil na hora da crise mundial. Foi, dentro possível, um keynesianismo por dentro, abdicando de impostos, produziu uma bela sustentação de indústrias chaves, ao mesmo tempo que acrescentava poder de compra à população, inclusive da classe média.
7) Sutilmente, sem tirar a renda financeira, Lula foi desfazendo a política liberal e financeira de FHC e, lentamente, mostrou que o Estado é fundamental no capitalismo, seja para defender o capital, seja para distribuir renda. FHC era um subordinado do capital. Já Lula procurou favorecer a população, equilibrando as vantagens deste. FHC dava politicamente esmola com os seus programas sociais; Lula, ao contrário, valorizou os recursos para as classes desfavorecidas dando coerência à aplicação destes. FHC foi um fiel defensor da financeirização; Lula abriu perspectivas sociais para outras classes crescerem, mesmo que modestamente em contraposição. Nesse sentido, Lula foi um varguista. Ou seja, para contrabalançar o império político, social e ideológico do capital, é necessário fazer com que o Estado ponha o seu peso na contra-mão dos interesses dominantes. Mas, o varguismo de Lula foi também inovador, porque tanto usou os contatos diretos com sindicatos, organizações populares, etc., como usou a televisão, introduzindo um populismo mediático. E foi pelo conjunto da obra, desde o bloqueio da exclusividade de benefícios monetários para o capital financeiro até a possibilidade de dar bolsa família, educação, moradia e passagem de classe a grandes contingentes da população, que Lula encaminhou os votos para Dilma.
(Pergunta: Serra tem mesmo a pretensão de que toda a gente, que participou dessa transformação, vá votar na sua candidatura? Ele que sempre apareceu como nacionalista e, até como centro-esquerda, tem condições de disputar a presidência, indo para a direita, tentando recuperar o neoliberalismo esfacelado? É possível fazer uma manobra profunda e querer ir mais à esquerda, com as suas convicções e com o partido que tem? A política zigue-zagueante de ir para a direita e ir para o populismo, dará algum resultado?)
8) Precisamos, no entanto, salientar que um grupo social vai ser profundamente afetado na atual conjuntura: a mídia. Dado que as modificações do próximo padrão de acumulação de capital passa, entre outros aspectos, pelas novas tecnologias de comunicação e informação, pode-se esperar que estas empresas, que clamam tanto pela liberdade de imprensa/empresa, terão condições de continuar o seu papel de indústria ideológica, como atualmente se apresentam, ao contrário de indústria de informação? Assim, a sua radicalização tem sido notória, embora, nada esteja decidido. Pode-se notar que o desespero destas indústrias é expresso em ações ideológicas e estratégicas visivelmente contra a sua própria posição de empresas de informação, que um dia pretenderam ser. Este setor sim, está tentando derrubar a candidatura da Dilma, aliando-se ao Serra, que está embalado nelas. As últimas pesquisas têm mostrado que tem sido diáfanos e escassos os seus resultados. Embora tentem com disfarces indisfarçáveis apoiar o Serra, são responsáveis por seu caminho cada vez mais errático, e significativamente, à direita contra o arco prático da aliança social que aqui salientamos. Sempre lhes resta a armação, mas é preciso que pegue.
(Talvez a grande pergunta para Serra seja a seguinte: tem ele estratégia para avançar ou alterar este modelo financeiro (contrabalançado pelo produtivo e pelo social), que foi desenvolvido no período do governo Lula? Mas, temos ainda uma segunda pergunta. Pode um candidato, seja lá qual for, desmanchar uma aliança prática de classes - que mesmo tendo interesses profundamente divergentes e se combatendo mutuamente - que ainda pode dar passos juntos para avançar nacional e internacionalmente, seja política, seja econômica ou seja socialmente?
Sim - se a resposta for sim - a eleição será ganha por Serra!)
Nenhum comentário:
Postar um comentário