quinta-feira, abril 22, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
22 de abril de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

O FUTURO
DA
INCERTEZA
Por Enéas de Souza



ESTAMOS NO CAMINHO DA QUEDA?

1) Novos lances da economia em desagregação. O primeiro foi a Grécia trazendo as aventuras da crise explícita para o campo dos Estados. Neste sentido a Europa aparece como um mirante para a contemplação do abismo. Só que uma radiografia mais geral da globalização, recentemente feita pelo FMI, mostra que vários Estados estão em posição adversa e crítica - e não apenas no continente europeu. O segundo lance foi a ação da SEC (Securities Exchange Commission) contra a Goldman Sachs, acusando esta instituição financeira de fraude, por ocasião do início da crise financeira. (Não esqueçamos que a Goldman também esteve envolvida, recentemente, no caso dos títulos da Grécia). Esta acusação cria, apesar da exuberância desta corporação que teve lucros expressivos no primeiro trimestre de 2010, uma sombra de desconfiança sobre o seu comportamento e o do próprio mercado financeiro.

2) De um lado, a pólvora visitou a Grécia, e ainda está rondando por ali, fumegando, prometendo seguir em direção a Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, etc. Logo, logo, a gente vê, olhando com cuidado, no fundo da foto, o panorama de uma Europa ameaçando se desintegrar. A solução dada ao caso grego não aliviou muito as dores.. O FMI e a Comunidade, dando cobertura, não conseguiram desbastar as nuvens do perigo, o mercado continua achando que nada está resolvido. A indicação está nas taxas dos bônus de 10 anos da Grécia, que não caíram, os olhos dos especuladores estão atentos. As coisas estão mais claras que a cor branca: se não estancarem a hemorragia helênica, o Minotauro pegará a Europa. De outro lado, a crise financeira, que parecia estagnada, controlada, volta ao campo das finanças com uma imponderável força. E depois da acusação contra a Goldman Sachs, começou-se a enxergar uma lista de instituições na mesma condição dela. O que significa, amice lectore, uma reboldosa no pedaço. Certamente é por isso que Obama fala hoje, dia 22, sobre a reforma financeira, para dizer "(Esta reforma) É essencial para que aprendamos as lições desta crise, para que nós não sejamos condenados a repetí-la". Será que as finanças e o seus lobbies têm bons nervos acústicos e têm orelhas bem limpas?

3) A crise está passando então para uma nova etapa, enrolando dois eixos: finanças e Estados. Setor privado e setor público. Existe uma forte possibilidade de que a crise continuada do mercado financeiro possa marcar um passo para o seu futuro controle. Antes, contudo, prosseguirá fazendo estragos como fez na Grécia. Mas, diz a lei da dialética, que o desastre leva ao seu contrário. Podemos, por isso, pensar que começamos a chegar ao portal da via da regulamentação do sistema. E junho/julho será o momento da decisão do Congresso americano sobre a questão do controle dos bancos e das finanças. Porém, o que agora está balançando forte no trapézio da crise é a consciência da emergência do problema fiscal dos Estados, sobretudo na Europa. E uma crise desta ordem é o sinônimo de um desdobramento direto numa crise política. É preciso ficar dando uma olhada neste quesito.

4) O que pode nos levar a conclusão de que a questão viaja nas bordas da contaminação financeira. Alguns vislumbram uma trajetória: do mercado às instituições financeiras, destas aos Estados, e dos Estados às regiões do mundo. Assim, a crise grega e européia aparece como um detonador do movimento geral de transformações contemporânea, tanto da geopolítica como da geoeconomia mundiais. Com isso, cresce o grau de incerteza da realidade econômica. Temos um sopro de abalo tanto nas atividades produtivas e financeiras quanto nas disputas da competição política, como dizem certos politólogos. Portanto, com a incerteza, o que cai para o segundo e esquecido plano, em função da crise dos capitais aplicados nas finanças e da crise no Estado, é sem dúvida o investimento. E o pior, o problema monetário ainda está longe de emergir, mas lá no labirinto do cenário, lá na esquina da crise terminal (se houver) está pronta uma crise monetária, uma crise da moeda reserva de valor, uma crise do dólar. Estamos longe sim, mas a gente tem visto que a crise, até agora, teve um compasso lento, mas persistente. Será inexorável a fogueira sobre a moeda fiduciária principal?

A METAMORFOSE E A POSTERGAÇÃO

1) Há um verso de Tennyson, que Borges cita: ‘Time flowing in the middle of the night” (Tempo fluindo no meio da noite) que pode nos dar o sentido atual da crise. Há uma energia deslizando que impele a economia e a política para uma outra confluência hidrográfica. O verso força a mão no tempo e no meio da noite. Pois é exatamente, onde estamos, no meio da noite. E com isso se evidencia um dos aspectos fundamentais da atual questão. Estamos no escuro, estamos na escuridão, estamos sem luz. Estamos sem saber do nosso destino na voragem da corrente do rio. Diante desta noite, o que o economista pode fazer é especular teoricamente. Ou como nos diz Keynes, num momento como este, as probabilidades não caem do lado matemático. O que nós temos são juízos; na verdade, opiniões. E a nossa opinião vem sustentada no entanto por uma suposição.

2) Todavia, antes de falarmos da suposição, cabe tentar explicitar, num nível mais abstrato, o que está em jogo. É muito simples. O essencial é que existe uma lógica que conduz uma forma econômica, a atual forma do capital financeiro, a sua transformação. É bem sobre ela que estamos considerando. Estamos escutando a sua transição e a sua metamorfose. O som e a fúria. Só que em economia, as ações e os frutos são humanos. E são estes mesmos que, fazendo os seus gestos iluminados por estruturas e no seu grau de independência, têm a possibilidade de invenção, que pode surpreender. As surpresas devem fazer parte das previsões. E desta forma, se estas atuações forem criativas, elas terminam por acelerar a forma social onde se desenvolvem. Se o engenho por qualquer razão não florescer, temos, na melhor das hipóteses, o vírus da estagnação, que causa uma petrificação da dinâmica da sociedade. Mas, os homens não agem todos no mesmo sentido E as ações na sociedade são conflitos, batalhas, discórdias, em todas as dimensões humanas, políticas, econômicas, ideológicas, culturais, judiciais, legislativas. Como sintoma deste sistema, a incerteza é a parceira do meio da noite.

3) Porém, como falava Corneille, adaptando-o para a situação atual: é lógico que a crise tenha uma lógica. E esta lógica é a que tentamos compreender. No caso da sociedade contemporânea a lógica é a lógica do capital, uma lógica dinâmica e desequilibrada, que não se deixa aprisionar por equações e modelos econométricos ou modelos estocásticos. A lógica do capital tem seus fundamentos originados nas relações sociais de produção, que atualmente estão hegemonizadas pelas finanças. Só que as relações estão se transformando. E cabe ao economista apontar o(s) eixo (s) desta crise e de uma possível nova revolução do capital. Podemos dizer que eles, os eixos, e elas, a crise e a revolução, passam pelas finanças, pela produção (investimento, tecnologia e o trabalho), pelo Estado e pela ordem mundial. Falamos hoje, neste texto, de vibrações estranhas que estão ocorrendo em dois eixos, na crise e no caminho desta revolução (?). Mas, antes que os apressados compreendam mal: revolução aqui está empregada no sentido astronômico, assim como quem diz revolução solar. Pois a metamorfose social profunda não é uma revolução deste porte. Para usar uma metáfora de um artigo da mestra Maria da Conceição Tavares: a metamorfose social profunda é “a explosão do sol”. Contudo, esta é um acontecimento que navega no meio da noite como Hamlet: na postergação. Resta sem dúvida detectar a lógica que impera atualmente, sustentada por um vasto processo de concentração e centralização de capital. E lutar para que a barbárie não faça da civilização um puro mercado, onde tudo se compra, da honra aos automóveis, do computador ao voto, sobretudo quando são os financistas que dão o tom da ética, da política e da cultura. Se reafirma então a questão: para onde vai a lógica do capital?

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