15 de abril de 2009
Coluna das quintas
RIO DE JANEIRO,
CIDADE QUE ME SEDUZ
Por Enéas de Souza
Disse que voltava em duas semanas, voltei em três. Tive uma contusão no braço e no ombro direito que me impediu inclusive de escrever. Não parei, no entanto, de andar pelo espaço da economia e da política, ao contrário, deu até para perceber o circo que anda o mundo. Na verdade, a política tem o seu lado de comédia, de sarcasmo, e a economia, a sua sombra de felinos tentando nos vender seus interesses como se esses fossem nossos. Lembro da Maria da Conceição Tavares (salve seus oitenta anos!), dizendo com ênfase e sabedoria: “A gente tem que aprender economia inclusive para não ser enganado pelos próprios economistas”. Outro dia, conversando com André Scherer e Pedro Fernando Almeida, falávamos com ironia sobre os economistas. Raça terrível escrevendo uma profusão de textos sobre nada de importante e mentindo com volúpia. E Pedrinho acrescentava com contundência. “E desde a metade do século XX”. Estou de acordo, só vemos equações e modelagem e interpretações ineptas. E o que isto gera de idéia absurda. Salvam-se raros, aqui e no exterior. Mas, olhem esta pérola: “Acredito mesmo que uma das lições dessa experiência dos povos é que é fundamental investir na educação financeira das pessoas”. Quá, quá, quá, quá. Que idéia supimpa! (Vocês se lembram desta expressão!). Que flor mais exótica! Imaginem que esta crise foi por causa da falta de educação financeira das pessoas! Vejam só e meditem: fal-ta-de-e-du-ca-ção-fi-nan-cei-ra-das-pe-sso-as! Parece que a economia não tem capital, que não existem aplicações e especulações financeiras, que não existem busca de maximização de lucros e oportunidades anti-sociais de grana, que não existem oligopólios, que os cartéis são atualmente inexistentes, etc. É fatal a doce e inocente pergunta: a especulação com ativos financeiros ou commodities ou terrenos faz parte da educação financeira?
Este escritor econômico citado, em outros tempos, foi uma alta autoridade econômica no Brasil. Pode?
A CATÁSTROFE NATURAL É IRMÃ DA CATÁSTROFE ECONÔMICA
Temos tido recentemente – este é um trabalho político e ambíguo da TV – uma série de catástrofes naturais, em toda parte, sendo as mais recentes Haiti, Chile, São Paulo – e agora, o desmoronamento quase que permanente do Rio de Janeiro, desde a noite da passagem do ano até “as águas de março”, este ano também em abril. E todas as catástrofes têm a mesma explicação: o problema veio dos governos anteriores, o país e a cidade não tem recursos, a população não queria sair das áreas de risco; todavia os governos já estão agindo prontamente, já tem planos que definir a solução para 2% dos necessitados, insinuando que estes planos são o início de uma série desbravadora e gloriosa de salvação dos pobres e de redenção da política. Ou seja, estamos vendo a reformulação dos erros anteriores dos governantes e uma nova aplicação dos dirigentes para a salvação da lavoura e da nossa gente. Deus salve a nova luz que surge!
I – E verdadeira explicação?
1) Como sempre o arroz com guisadinho das explicações é o imponderável da vida. E lá no fundo, os culpados verdadeiros são os pobres que resistem a não sair das áreas calamitosas, irreversíveis passaportes para a morte. Mas, porque ocorre isso? O que estas precárias e enganosas razões tentam impedir é que se discuta a vida das cidades e do país do ponto de vista macroeconômico e social. Impera o domínio do micro. E no caso, o subjetivo (“Não quero sair”) estendido para o grupo social (“A resistência dos moradores”). E muitas vezes para a condição social (“A região pobre do Estado”). É óbvio, até as crianças sabem que esta é a famosa conversa para a população dormir. A canção de ninar que florece nos lixões de cada catástrofe.
2) Há que pensar sobre tudo isso, como uma cadeia de estruturação social, advinda do nosso atual modelo econômico e social, onde as hegemonias das finanças e da especulação de terras e terrenos e da construção civil predominam – e são exaltadas. Por isso é preciso ver como esses fatos se enlaçam. Sem pretendermos ser exaustivos na explicação, damos alguns elos da questão.
II – A ausência do Estado
1) O leitor já está farto de saber que a economia atual se gere pelo capital financeiro. Só que o velho Hilferding nos diz que o capital financeiro é uma forma de capital que se valoriza através de duas órbitas: a esfera produtiva e a esfera financeira propriamente dita, com hegemonia dessa última. E que o capital financeiro gera um processo de desenvolvimento econômico, sobretudo na fase neoliberal, com a diminuição e suspensão da presença do Estado. A busca do famoso Estado Zero (que nem Coca Zero). E sempre, na opinião dos espoliadores, de que o Estado é um ente que cresce e que é injusto e se alimenta de recursos apenas em seu benefício. Pois bem, uma das formas de ausência é esta, deixar o setor urbano totalmente livre para ser submetido a duas forças fundamentais das cidades modernas: a urbanização automobilística (resultado da venda fantástica de automóveis, ônibus e caminhões) e a especulação imobiliária, cujo objetivo é retirar do Estado qualquer restrição – pois aumenta o custo da construção – de zoneamento, de medidas protetoras, de obrigações indispensáveis, de requerimentos fundamentais para a acessibilidade, etc. Ou seja, deixar a urbe à disposição do lucro vigoroso e da devastação das construções viárias e habitacionais.
2) Estes construtores inventam os mais diversos nomes para venderem os seus produtos cariados, a preços cada vez mais dominados por taxas especulativas. Só basta ver a crise do subprime da economia americana, para verificar que os preços do setor não são dominados pelos preços concorrenciais, mesmo que oligopolísticos, mas pela elevação permanente de preços em função da valorização das casas. Ou seja, são regidos pela especulação.
3) Conclusão: é o capital financeiro que na sua volúpia de expansão é dominado por preços cada vez mais especulativos. E para que tal aconteça, procura e consegue afastar o Estado de qualquer regulamentação. Como desdobramento deste afastamento, o Estado não consegue fazer nenhum planejamento urbano. Seus planos diretores, quando existem, são cada vez mais “disciplinados” pelos especuladores e construtores civis (imobiliários, de infra-estrutura urbana ou logísticos). Ou seja, o Estado desaparece para só reaparecer como elemento “humano” na hora da catástrofe. Isso se chama luta de classe e hegemonia do capital financeiro sobre o Estado. Portanto, poder. E poder, inclusive, para não regulamentar, não vigiar, não controlar, etc. E só surgir diante do desastre, tirando o seu da reta ("isto está aí há muitos anos") e desviando a culpa final para os moradores (“eles não querem sair”), quando não silenciando sobre qualquer explicação.
4) Em tempo: vocês se recordam daquele candidato a presidente da República que foi prefeito de uma grande cidade, que realizou uma obra para uma estação de metrô que desabou? Lembro bem do vasto buraco de escombros que ficou em frente de um edifício luxuoso, daqueles imensos, com piscina em cada andar. O luxo no meio do lixão. Pois, não recordo, no entanto, nenhuma explicação do ágil político que se colocava como uma alternativa inovadora diante dos demais candidatos. Queria vender a Petrobrás e o Banco do Brasil. Dar curso às reformas neoliberais.
5) É isso que dá querer tirar o Estado das suas tarefas de controle da economia, da redistribuição da renda, das reformas urbanas e das reformas rurais. E o pior: eles, economistas e ideólogos da barbárie, continuam. Não andou por aqui um filhote do Friedman; sim, sim, do neo-clássico, Milton Friedman, falando na retirada total do Estado da sociedade? Falando e propugnando o tal de “anarcoliberalismo”, nas palavras do próprio?
Por Enéas de Souza
Disse que voltava em duas semanas, voltei em três. Tive uma contusão no braço e no ombro direito que me impediu inclusive de escrever. Não parei, no entanto, de andar pelo espaço da economia e da política, ao contrário, deu até para perceber o circo que anda o mundo. Na verdade, a política tem o seu lado de comédia, de sarcasmo, e a economia, a sua sombra de felinos tentando nos vender seus interesses como se esses fossem nossos. Lembro da Maria da Conceição Tavares (salve seus oitenta anos!), dizendo com ênfase e sabedoria: “A gente tem que aprender economia inclusive para não ser enganado pelos próprios economistas”. Outro dia, conversando com André Scherer e Pedro Fernando Almeida, falávamos com ironia sobre os economistas. Raça terrível escrevendo uma profusão de textos sobre nada de importante e mentindo com volúpia. E Pedrinho acrescentava com contundência. “E desde a metade do século XX”. Estou de acordo, só vemos equações e modelagem e interpretações ineptas. E o que isto gera de idéia absurda. Salvam-se raros, aqui e no exterior. Mas, olhem esta pérola: “Acredito mesmo que uma das lições dessa experiência dos povos é que é fundamental investir na educação financeira das pessoas”. Quá, quá, quá, quá. Que idéia supimpa! (Vocês se lembram desta expressão!). Que flor mais exótica! Imaginem que esta crise foi por causa da falta de educação financeira das pessoas! Vejam só e meditem: fal-ta-de-e-du-ca-ção-fi-nan-cei-ra-das-pe-sso-as! Parece que a economia não tem capital, que não existem aplicações e especulações financeiras, que não existem busca de maximização de lucros e oportunidades anti-sociais de grana, que não existem oligopólios, que os cartéis são atualmente inexistentes, etc. É fatal a doce e inocente pergunta: a especulação com ativos financeiros ou commodities ou terrenos faz parte da educação financeira?
Este escritor econômico citado, em outros tempos, foi uma alta autoridade econômica no Brasil. Pode?
A CATÁSTROFE NATURAL É IRMÃ DA CATÁSTROFE ECONÔMICA
Temos tido recentemente – este é um trabalho político e ambíguo da TV – uma série de catástrofes naturais, em toda parte, sendo as mais recentes Haiti, Chile, São Paulo – e agora, o desmoronamento quase que permanente do Rio de Janeiro, desde a noite da passagem do ano até “as águas de março”, este ano também em abril. E todas as catástrofes têm a mesma explicação: o problema veio dos governos anteriores, o país e a cidade não tem recursos, a população não queria sair das áreas de risco; todavia os governos já estão agindo prontamente, já tem planos que definir a solução para 2% dos necessitados, insinuando que estes planos são o início de uma série desbravadora e gloriosa de salvação dos pobres e de redenção da política. Ou seja, estamos vendo a reformulação dos erros anteriores dos governantes e uma nova aplicação dos dirigentes para a salvação da lavoura e da nossa gente. Deus salve a nova luz que surge!
I – E verdadeira explicação?
1) Como sempre o arroz com guisadinho das explicações é o imponderável da vida. E lá no fundo, os culpados verdadeiros são os pobres que resistem a não sair das áreas calamitosas, irreversíveis passaportes para a morte. Mas, porque ocorre isso? O que estas precárias e enganosas razões tentam impedir é que se discuta a vida das cidades e do país do ponto de vista macroeconômico e social. Impera o domínio do micro. E no caso, o subjetivo (“Não quero sair”) estendido para o grupo social (“A resistência dos moradores”). E muitas vezes para a condição social (“A região pobre do Estado”). É óbvio, até as crianças sabem que esta é a famosa conversa para a população dormir. A canção de ninar que florece nos lixões de cada catástrofe.
2) Há que pensar sobre tudo isso, como uma cadeia de estruturação social, advinda do nosso atual modelo econômico e social, onde as hegemonias das finanças e da especulação de terras e terrenos e da construção civil predominam – e são exaltadas. Por isso é preciso ver como esses fatos se enlaçam. Sem pretendermos ser exaustivos na explicação, damos alguns elos da questão.
II – A ausência do Estado
1) O leitor já está farto de saber que a economia atual se gere pelo capital financeiro. Só que o velho Hilferding nos diz que o capital financeiro é uma forma de capital que se valoriza através de duas órbitas: a esfera produtiva e a esfera financeira propriamente dita, com hegemonia dessa última. E que o capital financeiro gera um processo de desenvolvimento econômico, sobretudo na fase neoliberal, com a diminuição e suspensão da presença do Estado. A busca do famoso Estado Zero (que nem Coca Zero). E sempre, na opinião dos espoliadores, de que o Estado é um ente que cresce e que é injusto e se alimenta de recursos apenas em seu benefício. Pois bem, uma das formas de ausência é esta, deixar o setor urbano totalmente livre para ser submetido a duas forças fundamentais das cidades modernas: a urbanização automobilística (resultado da venda fantástica de automóveis, ônibus e caminhões) e a especulação imobiliária, cujo objetivo é retirar do Estado qualquer restrição – pois aumenta o custo da construção – de zoneamento, de medidas protetoras, de obrigações indispensáveis, de requerimentos fundamentais para a acessibilidade, etc. Ou seja, deixar a urbe à disposição do lucro vigoroso e da devastação das construções viárias e habitacionais.
2) Estes construtores inventam os mais diversos nomes para venderem os seus produtos cariados, a preços cada vez mais dominados por taxas especulativas. Só basta ver a crise do subprime da economia americana, para verificar que os preços do setor não são dominados pelos preços concorrenciais, mesmo que oligopolísticos, mas pela elevação permanente de preços em função da valorização das casas. Ou seja, são regidos pela especulação.
3) Conclusão: é o capital financeiro que na sua volúpia de expansão é dominado por preços cada vez mais especulativos. E para que tal aconteça, procura e consegue afastar o Estado de qualquer regulamentação. Como desdobramento deste afastamento, o Estado não consegue fazer nenhum planejamento urbano. Seus planos diretores, quando existem, são cada vez mais “disciplinados” pelos especuladores e construtores civis (imobiliários, de infra-estrutura urbana ou logísticos). Ou seja, o Estado desaparece para só reaparecer como elemento “humano” na hora da catástrofe. Isso se chama luta de classe e hegemonia do capital financeiro sobre o Estado. Portanto, poder. E poder, inclusive, para não regulamentar, não vigiar, não controlar, etc. E só surgir diante do desastre, tirando o seu da reta ("isto está aí há muitos anos") e desviando a culpa final para os moradores (“eles não querem sair”), quando não silenciando sobre qualquer explicação.
4) Em tempo: vocês se recordam daquele candidato a presidente da República que foi prefeito de uma grande cidade, que realizou uma obra para uma estação de metrô que desabou? Lembro bem do vasto buraco de escombros que ficou em frente de um edifício luxuoso, daqueles imensos, com piscina em cada andar. O luxo no meio do lixão. Pois, não recordo, no entanto, nenhuma explicação do ágil político que se colocava como uma alternativa inovadora diante dos demais candidatos. Queria vender a Petrobrás e o Banco do Brasil. Dar curso às reformas neoliberais.
5) É isso que dá querer tirar o Estado das suas tarefas de controle da economia, da redistribuição da renda, das reformas urbanas e das reformas rurais. E o pior: eles, economistas e ideólogos da barbárie, continuam. Não andou por aqui um filhote do Friedman; sim, sim, do neo-clássico, Milton Friedman, falando na retirada total do Estado da sociedade? Falando e propugnando o tal de “anarcoliberalismo”, nas palavras do próprio?
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