quinta-feira, abril 29, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
29 de abril de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


DA CRISE GREGA
ÀS FINANÇAS:
PERGUNTAS,
SEMPRE PERGUNTAS


Por Enéas de Souza



A QUESTÃO GREGA

1)
A Grécia está numa enrascada violenta. Uma dívida colossal, com muita pressão de curto prazo, em função do vencimento de parcelas. Esta pressão tem uma companhia de coloração negra, já que nos mercados existe um movimento especulativo contra os títulos helênicos. Está no horizonte, muito enrolada, uma ajuda dos países da Comunidade Européia. Só que esta ação tem um correlato, uma imensa pressão para que sejam definidas as condições dos empréstimos. E a campeã destas exigências é a loira Alemanha (cujos bancos estão atolados em ativos originados da dívida impagável). E, como um personagem que parece um corvo, está presente o FMI, o que assegura uma turbulência grande nos palcos políticos da Grécia, uma mobilização interna da população grega contra o governo, contra o FMI, contra os alemães, etc..

2) De um lado, para a Europa o problema é sério. Vejamos com mais detalhes. / Primeiro, se a Grécia não honrar suas dívidas, os bancos, a Europa, o euro, etc., além da própria Grécia, vão ficar abalados criticamente. Fala-se que a Alemanha tem 28 bilhões de euros em títulos gregos, a França, surpreendentemente tem uma cota maior, 50 bilhões e a Itália, 20 bi. A fotografia parece clara: o cachorro vai sim, morder o seu próprio rabo. / Segundo, se a Grécia aceitar as condições da Comunidade européia, ela e sua população vão atravessar um longo período de sofrimento, pois além de queda no PIB e da baixa do padrão de vida, pode ocorrer o aumento de impostos como já houve uma baixa de salários. E perdendo, através das condicionalidades, o controle fiscal, nada poderá ser feito pelos gregos, porque não podendo desvalorizar a moeda, que é européia, para exportar mais, acabaria com qualquer resquício de política econômica. Seria uma longa guerra de Tróia, só que com os antigos invasores, hoje, sitiados de dentro da fortaleza. / Terceiro, se ocorrer o fracasso da solução da dívida grega, todo mundo verá a continuação de um processo de especulação contra os países com altos déficits públicos. Isso seria feito através de uma progressiva e candente alta dos juros contra os títulos nacionais, até torná-los inegociáveis. Nessa direção, Portugal já está na borda do abismo, sabendo-se que depois de Portugal, são candidatos a Espanha (que teve a sua nota, ontem, quarta-feira, rebaixada pela Standard & Poor´s), a Irlanda, a Itália.,etc. Este processo poderia ser nomeado de o itinerário da pólvora e se constituiria numa espiral explosiva devastadora. / E quarto, se ouvirmos os mais catastrofistas, o observador consegue enxergar o rastilho destas dívidas, fulgurante, cujo elo final da cadeia seria a Inglaterra e os Estados Unidos.

3) A melodia da crise está esboçada: os seus compassos financeiros atingiriam o tom de uma profunda crise fiscal. E, por sua vez, esta devolveria às finanças o impulso para uma crise mais vasta, que culminaria numa falência do Estado, envolvendo um climax dramático de crise monetária. Na ordem das coisas, o euro tombaria primeiro. E, num segundo momento, numa etapa mais distante, viria o crepúsculo, o dólar desabaria. Parece, contudo, que estamos longe disso, mas certamente decidir bem a questão da Grécia, será um passo para deter este movimento. Teria se trabalhado para a interrupção desta cadeia de incêndio, desta força imperativa cujo termino seria, inevitávelmente, a depressão. No entanto, as perguntas são: serão atendidas as reivindicações da Grécia? E, por conseqüência, se encaminharão bem as soluções para as demais nações ameaçadas? Por outro lado, querem os europeus mesmo defender o euro? Não estará se formando um movimento de destruição econômica e política da Comunidade Européia? Se a Europa se for, os Estados Unidos terão, sem sombras de dúvidas, o dólar ameaçado? Serão os financistas e os políticos suscetíveis a uma ameaça sistêmica à economia? Será o Estado americano capaz de bloquear este escorregador do desastre que vai dar na areia do dólar?

O SISTEMA FINANCEIRO ESTÁ EM CHAMAS?

1) Obama conseguiu reunir energias para fazer uma ação contra o sistema financeiro. Foi a Nova Iorque, na semana passada, para dar um recado. “Join us”. Ou seja, está clamando por uma resposta positiva às suas propostas de reforma do sistema. Diga-se de passagem, reformas tímidas, mas que cheiram como um começo. Porém, a raça inflexível dos financistas está de ouvido fechado. Ouvem, mas não escutam. Os seus auriculares não captam estas vozes e esta ópera. O contra-ataque de Obama já está ocorrendo desde o verão americano do ano passado, de modo ritmado. Destacam-se dois pontos evidentes: o “Regulatory Finantial Reform”, com uma proposta de negociação dessas reformas e a “Volker rule”, tentando conter o desbragamento financeiro.

2) Só que no desdobramento de muitas escaramuças, apareceu, recentemente, uma cena dramática: a ação independente da SEC (apesar dos desmentidos de que tenha havido interferência do Obama) contra os bancos. O alvo inicial foi o Goldman Sacks, esta pantera financeira. Mas, claro estava na mira um certo Blankfein, turbulento, arrogante e ganancioso chefe desta instituição. E o problema se proclamou em cor berrante, a Goldman Sachs teria dado um passo em falso, agindo fraudulentamente no começo da crise financeira de 2007. Ora, os financistas não estão apenas lutando na concorrência dos mercados. Usam, como quem lava as mãos no banheiro, as armas que possuem: a mídia e os lobbies. E a publicidade é obvia: tudo contra a regulação! O que é que esse cara (o Obama) está querendo, fazer o seu nome às nossas custas?

3) Pois, como se viu, a desregulação é um incentivo à turbulência anunciada, à facilidade de ganhos financeiros ilícitos. Dando uma recuada no panorama, a pergunta fica nítida e exuberante: as finanças que se recuperaram - ao menos no curto prazo dos impactos da crise, através dos “bailouts” do Estado - tem disposição agora para negociar, justamente quando voltaram a jogar de mão? Ou ainda dito numa forma diferente: será necessário um outro Lehman Brothers - a metáfora básica da crise financeira - para que então sim, as finanças aceitem sentar à mesa de negociações com intuito de buscar uma nova realidade, uma nova arquitetura do sistema, uma nova função? Somando tudo isso, Grécia, Europa, impasse na regulação dos bancos, outras indagações surgem. O sistema financeiro está indo para o espaço? Será que Obama não tinha razão, quando disse no começo de sua gestão aos banqueiros: “Eu sou a salvação de vocês”? Esta frase seria lenda ou “bene trovato”?

quinta-feira, abril 22, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
22 de abril de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

O FUTURO
DA
INCERTEZA
Por Enéas de Souza



ESTAMOS NO CAMINHO DA QUEDA?

1) Novos lances da economia em desagregação. O primeiro foi a Grécia trazendo as aventuras da crise explícita para o campo dos Estados. Neste sentido a Europa aparece como um mirante para a contemplação do abismo. Só que uma radiografia mais geral da globalização, recentemente feita pelo FMI, mostra que vários Estados estão em posição adversa e crítica - e não apenas no continente europeu. O segundo lance foi a ação da SEC (Securities Exchange Commission) contra a Goldman Sachs, acusando esta instituição financeira de fraude, por ocasião do início da crise financeira. (Não esqueçamos que a Goldman também esteve envolvida, recentemente, no caso dos títulos da Grécia). Esta acusação cria, apesar da exuberância desta corporação que teve lucros expressivos no primeiro trimestre de 2010, uma sombra de desconfiança sobre o seu comportamento e o do próprio mercado financeiro.

2) De um lado, a pólvora visitou a Grécia, e ainda está rondando por ali, fumegando, prometendo seguir em direção a Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, etc. Logo, logo, a gente vê, olhando com cuidado, no fundo da foto, o panorama de uma Europa ameaçando se desintegrar. A solução dada ao caso grego não aliviou muito as dores.. O FMI e a Comunidade, dando cobertura, não conseguiram desbastar as nuvens do perigo, o mercado continua achando que nada está resolvido. A indicação está nas taxas dos bônus de 10 anos da Grécia, que não caíram, os olhos dos especuladores estão atentos. As coisas estão mais claras que a cor branca: se não estancarem a hemorragia helênica, o Minotauro pegará a Europa. De outro lado, a crise financeira, que parecia estagnada, controlada, volta ao campo das finanças com uma imponderável força. E depois da acusação contra a Goldman Sachs, começou-se a enxergar uma lista de instituições na mesma condição dela. O que significa, amice lectore, uma reboldosa no pedaço. Certamente é por isso que Obama fala hoje, dia 22, sobre a reforma financeira, para dizer "(Esta reforma) É essencial para que aprendamos as lições desta crise, para que nós não sejamos condenados a repetí-la". Será que as finanças e o seus lobbies têm bons nervos acústicos e têm orelhas bem limpas?

3) A crise está passando então para uma nova etapa, enrolando dois eixos: finanças e Estados. Setor privado e setor público. Existe uma forte possibilidade de que a crise continuada do mercado financeiro possa marcar um passo para o seu futuro controle. Antes, contudo, prosseguirá fazendo estragos como fez na Grécia. Mas, diz a lei da dialética, que o desastre leva ao seu contrário. Podemos, por isso, pensar que começamos a chegar ao portal da via da regulamentação do sistema. E junho/julho será o momento da decisão do Congresso americano sobre a questão do controle dos bancos e das finanças. Porém, o que agora está balançando forte no trapézio da crise é a consciência da emergência do problema fiscal dos Estados, sobretudo na Europa. E uma crise desta ordem é o sinônimo de um desdobramento direto numa crise política. É preciso ficar dando uma olhada neste quesito.

4) O que pode nos levar a conclusão de que a questão viaja nas bordas da contaminação financeira. Alguns vislumbram uma trajetória: do mercado às instituições financeiras, destas aos Estados, e dos Estados às regiões do mundo. Assim, a crise grega e européia aparece como um detonador do movimento geral de transformações contemporânea, tanto da geopolítica como da geoeconomia mundiais. Com isso, cresce o grau de incerteza da realidade econômica. Temos um sopro de abalo tanto nas atividades produtivas e financeiras quanto nas disputas da competição política, como dizem certos politólogos. Portanto, com a incerteza, o que cai para o segundo e esquecido plano, em função da crise dos capitais aplicados nas finanças e da crise no Estado, é sem dúvida o investimento. E o pior, o problema monetário ainda está longe de emergir, mas lá no labirinto do cenário, lá na esquina da crise terminal (se houver) está pronta uma crise monetária, uma crise da moeda reserva de valor, uma crise do dólar. Estamos longe sim, mas a gente tem visto que a crise, até agora, teve um compasso lento, mas persistente. Será inexorável a fogueira sobre a moeda fiduciária principal?

A METAMORFOSE E A POSTERGAÇÃO

1) Há um verso de Tennyson, que Borges cita: ‘Time flowing in the middle of the night” (Tempo fluindo no meio da noite) que pode nos dar o sentido atual da crise. Há uma energia deslizando que impele a economia e a política para uma outra confluência hidrográfica. O verso força a mão no tempo e no meio da noite. Pois é exatamente, onde estamos, no meio da noite. E com isso se evidencia um dos aspectos fundamentais da atual questão. Estamos no escuro, estamos na escuridão, estamos sem luz. Estamos sem saber do nosso destino na voragem da corrente do rio. Diante desta noite, o que o economista pode fazer é especular teoricamente. Ou como nos diz Keynes, num momento como este, as probabilidades não caem do lado matemático. O que nós temos são juízos; na verdade, opiniões. E a nossa opinião vem sustentada no entanto por uma suposição.

2) Todavia, antes de falarmos da suposição, cabe tentar explicitar, num nível mais abstrato, o que está em jogo. É muito simples. O essencial é que existe uma lógica que conduz uma forma econômica, a atual forma do capital financeiro, a sua transformação. É bem sobre ela que estamos considerando. Estamos escutando a sua transição e a sua metamorfose. O som e a fúria. Só que em economia, as ações e os frutos são humanos. E são estes mesmos que, fazendo os seus gestos iluminados por estruturas e no seu grau de independência, têm a possibilidade de invenção, que pode surpreender. As surpresas devem fazer parte das previsões. E desta forma, se estas atuações forem criativas, elas terminam por acelerar a forma social onde se desenvolvem. Se o engenho por qualquer razão não florescer, temos, na melhor das hipóteses, o vírus da estagnação, que causa uma petrificação da dinâmica da sociedade. Mas, os homens não agem todos no mesmo sentido E as ações na sociedade são conflitos, batalhas, discórdias, em todas as dimensões humanas, políticas, econômicas, ideológicas, culturais, judiciais, legislativas. Como sintoma deste sistema, a incerteza é a parceira do meio da noite.

3) Porém, como falava Corneille, adaptando-o para a situação atual: é lógico que a crise tenha uma lógica. E esta lógica é a que tentamos compreender. No caso da sociedade contemporânea a lógica é a lógica do capital, uma lógica dinâmica e desequilibrada, que não se deixa aprisionar por equações e modelos econométricos ou modelos estocásticos. A lógica do capital tem seus fundamentos originados nas relações sociais de produção, que atualmente estão hegemonizadas pelas finanças. Só que as relações estão se transformando. E cabe ao economista apontar o(s) eixo (s) desta crise e de uma possível nova revolução do capital. Podemos dizer que eles, os eixos, e elas, a crise e a revolução, passam pelas finanças, pela produção (investimento, tecnologia e o trabalho), pelo Estado e pela ordem mundial. Falamos hoje, neste texto, de vibrações estranhas que estão ocorrendo em dois eixos, na crise e no caminho desta revolução (?). Mas, antes que os apressados compreendam mal: revolução aqui está empregada no sentido astronômico, assim como quem diz revolução solar. Pois a metamorfose social profunda não é uma revolução deste porte. Para usar uma metáfora de um artigo da mestra Maria da Conceição Tavares: a metamorfose social profunda é “a explosão do sol”. Contudo, esta é um acontecimento que navega no meio da noite como Hamlet: na postergação. Resta sem dúvida detectar a lógica que impera atualmente, sustentada por um vasto processo de concentração e centralização de capital. E lutar para que a barbárie não faça da civilização um puro mercado, onde tudo se compra, da honra aos automóveis, do computador ao voto, sobretudo quando são os financistas que dão o tom da ética, da política e da cultura. Se reafirma então a questão: para onde vai a lógica do capital?

quinta-feira, abril 15, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
15 de abril de 2009
Coluna das quintas

RIO DE JANEIRO,
CIDADE QUE ME SEDUZ
Por Enéas de Souza

Disse que voltava em duas semanas, voltei em três. Tive uma contusão no braço e no ombro direito que me impediu inclusive de escrever. Não parei, no entanto, de andar pelo espaço da economia e da política, ao contrário, deu até para perceber o circo que anda o mundo. Na verdade, a política tem o seu lado de comédia, de sarcasmo, e a economia, a sua sombra de felinos tentando nos vender seus interesses como se esses fossem nossos. Lembro da Maria da Conceição Tavares (salve seus oitenta anos!), dizendo com ênfase e sabedoria: “A gente tem que aprender economia inclusive para não ser enganado pelos próprios economistas”. Outro dia, conversando com André Scherer e Pedro Fernando Almeida, falávamos com ironia sobre os economistas. Raça terrível escrevendo uma profusão de textos sobre nada de importante e mentindo com volúpia. E Pedrinho acrescentava com contundência. “E desde a metade do século XX”. Estou de acordo, só vemos equações e modelagem e interpretações ineptas. E o que isto gera de idéia absurda. Salvam-se raros, aqui e no exterior. Mas, olhem esta pérola: “Acredito mesmo que uma das lições dessa experiência dos povos é que é fundamental investir na educação financeira das pessoas”. Quá, quá, quá, quá. Que idéia supimpa! (Vocês se lembram desta expressão!). Que flor mais exótica! Imaginem que esta crise foi por causa da falta de educação financeira das pessoas! Vejam só e meditem: fal-ta-de-e-du-ca-ção-fi-nan-cei-ra-das-pe-sso-as! Parece que a economia não tem capital, que não existem aplicações e especulações financeiras, que não existem busca de maximização de lucros e oportunidades anti-sociais de grana, que não existem oligopólios, que os cartéis são atualmente inexistentes, etc. É fatal a doce e inocente pergunta: a especulação com ativos financeiros ou commodities ou terrenos faz parte da educação financeira?

Este escritor econômico citado, em outros tempos, foi uma alta autoridade econômica no Brasil. Pode?

A CATÁSTROFE NATURAL É IRMÃ DA CATÁSTROFE ECONÔMICA

Temos tido recentemente – este é um trabalho político e ambíguo da TV – uma série de catástrofes naturais, em toda parte, sendo as mais recentes Haiti, Chile, São Paulo – e agora, o desmoronamento quase que permanente do Rio de Janeiro, desde a noite da passagem do ano até “as águas de março”, este ano também em abril. E todas as catástrofes têm a mesma explicação: o problema veio dos governos anteriores, o país e a cidade não tem recursos, a população não queria sair das áreas de risco; todavia os governos já estão agindo prontamente, já tem planos que definir a solução para 2% dos necessitados, insinuando que estes planos são o início de uma série desbravadora e gloriosa de salvação dos pobres e de redenção da política. Ou seja, estamos vendo a reformulação dos erros anteriores dos governantes e uma nova aplicação dos dirigentes para a salvação da lavoura e da nossa gente. Deus salve a nova luz que surge!

I – E verdadeira explicação?

1) Como sempre o arroz com guisadinho das explicações é o imponderável da vida. E lá no fundo, os culpados verdadeiros são os pobres que resistem a não sair das áreas calamitosas, irreversíveis passaportes para a morte. Mas, porque ocorre isso? O que estas precárias e enganosas razões tentam impedir é que se discuta a vida das cidades e do país do ponto de vista macroeconômico e social. Impera o domínio do micro. E no caso, o subjetivo (“Não quero sair”) estendido para o grupo social (“A resistência dos moradores”). E muitas vezes para a condição social (“A região pobre do Estado”). É óbvio, até as crianças sabem que esta é a famosa conversa para a população dormir. A canção de ninar que florece nos lixões de cada catástrofe.

2) Há que pensar sobre tudo isso, como uma cadeia de estruturação social, advinda do nosso atual modelo econômico e social, onde as hegemonias das finanças e da especulação de terras e terrenos e da construção civil predominam – e são exaltadas. Por isso é preciso ver como esses fatos se enlaçam. Sem pretendermos ser exaustivos na explicação, damos alguns elos da questão.

II – A ausência do Estado

1) O leitor já está farto de saber que a economia atual se gere pelo capital financeiro. Só que o velho Hilferding nos diz que o capital financeiro é uma forma de capital que se valoriza através de duas órbitas: a esfera produtiva e a esfera financeira propriamente dita, com hegemonia dessa última. E que o capital financeiro gera um processo de desenvolvimento econômico, sobretudo na fase neoliberal, com a diminuição e suspensão da presença do Estado. A busca do famoso Estado Zero (que nem Coca Zero). E sempre, na opinião dos espoliadores, de que o Estado é um ente que cresce e que é injusto e se alimenta de recursos apenas em seu benefício. Pois bem, uma das formas de ausência é esta, deixar o setor urbano totalmente livre para ser submetido a duas forças fundamentais das cidades modernas: a urbanização automobilística (resultado da venda fantástica de automóveis, ônibus e caminhões) e a especulação imobiliária, cujo objetivo é retirar do Estado qualquer restrição – pois aumenta o custo da construção – de zoneamento, de medidas protetoras, de obrigações indispensáveis, de requerimentos fundamentais para a acessibilidade, etc. Ou seja, deixar a urbe à disposição do lucro vigoroso e da devastação das construções viárias e habitacionais.

2) Estes construtores inventam os mais diversos nomes para venderem os seus produtos cariados, a preços cada vez mais dominados por taxas especulativas. Só basta ver a crise do subprime da economia americana, para verificar que os preços do setor não são dominados pelos preços concorrenciais, mesmo que oligopolísticos, mas pela elevação permanente de preços em função da valorização das casas. Ou seja, são regidos pela especulação.

3) Conclusão: é o capital financeiro que na sua volúpia de expansão é dominado por preços cada vez mais especulativos. E para que tal aconteça, procura e consegue afastar o Estado de qualquer regulamentação. Como desdobramento deste afastamento, o Estado não consegue fazer nenhum planejamento urbano. Seus planos diretores, quando existem, são cada vez mais “disciplinados” pelos especuladores e construtores civis (imobiliários, de infra-estrutura urbana ou logísticos). Ou seja, o Estado desaparece para só reaparecer como elemento “humano” na hora da catástrofe. Isso se chama luta de classe e hegemonia do capital financeiro sobre o Estado. Portanto, poder. E poder, inclusive, para não regulamentar, não vigiar, não controlar, etc. E só surgir diante do desastre, tirando o seu da reta ("isto está aí há muitos anos") e desviando a culpa final para os moradores (“eles não querem sair”), quando não silenciando sobre qualquer explicação.

4) Em tempo: vocês se recordam daquele candidato a presidente da República que foi prefeito de uma grande cidade, que realizou uma obra para uma estação de metrô que desabou? Lembro bem do vasto buraco de escombros que ficou em frente de um edifício luxuoso, daqueles imensos, com piscina em cada andar. O luxo no meio do lixão. Pois, não recordo, no entanto, nenhuma explicação do ágil político que se colocava como uma alternativa inovadora diante dos demais candidatos. Queria vender a Petrobrás e o Banco do Brasil. Dar curso às reformas neoliberais.

5) É isso que dá querer tirar o Estado das suas tarefas de controle da economia, da redistribuição da renda, das reformas urbanas e das reformas rurais. E o pior: eles, economistas e ideólogos da barbárie, continuam. Não andou por aqui um filhote do Friedman; sim, sim, do neo-clássico, Milton Friedman, falando na retirada total do Estado da sociedade? Falando e propugnando o tal de “anarcoliberalismo”, nas palavras do próprio?

terça-feira, abril 13, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Lucros financeiros de novo perto do record com juros baixos; por André Scherer

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Para a Grécia, o melhor caminho é o default; por André Scherer

Satyajit Das, o especialista em risco e derivativos financeiros, coloca muito bem as coisas. Em primeiro lugar, lembra que "problema pequeno" e "está contido" foram expressões ouvidas quando eclodiu o problema do subprime em 2007. O fim nós ainda nem conhecemos... Essas expressões voltam à tona nesse momento com a crise fiscal grega e podem postergar ainda mais que se conheça o fim dessa história. Em segundo lugar, o autor raciocina, com propriedade, que o caminho menos custoso para o povo grego é o default em sua dívida e o abandono ao euro. Manter-se no euro e aceitar os termos do resgate proposto pela Europa e pelo FMI significará aumentar em mais de 50% o endividamento do país, situação já insustentável. E, mantendo-se no euro, a competitividade internacional da economia grega não será recuperada, pois apenas uma grande desvalorização de sua moeda pode ajudar nesse caminho. Mas o mais interessante é que esse custoso resgate em realidade beneficia principalmente credores estrangeiros... Ora, confrontados à realidade da ameaça de não-pagamento estes terão de aceitar substanciais reduções no valor de face da dívida em questão. A Grécia, falida, só tem a ganhar se declarar ao mundo essa condição. Já para a Europa, pode ser o início da dissolução...

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segunda-feira, abril 05, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Os riscos infinitos do Plano Ômega

O sistema financeiro mundial continua em crise. Os grande bancos norte-americanos foram salvos graças aos aportes financeiros do Estado e, atualmente, dedicam-se ao business as usual, envolvidos em apostas tão ou mais arriscadas do que as que faziam até 2007. Por que acreditar que desta vez os resultados serão diferentes, se o sentimento de impunidade com que os grandes bancos tocam habitualmente seus negócios está agora respaldado pela certeza do salvamento estatal? Os bancos menores lutam desesperadamente pela sobrevivência em um ambiente cada vez mais hostil, pois sua base de clientes (pequenos negócios, imobiliário local e pessoas físicas) também está em crise. Na Europa, o salvamento dos bancos colocou o continente à beira da crise fiscal e o processo de "socialização" dos prejuízos prossegue, como mostra a discussão essa semana da necessidade de absorção de mais prejuízos privados em um país na mira dos "investidores" internacionais. A solução dada para a Grécia – uma garantia mista entre Europa e FMI em caso de agravamento da solvência do país - já suscita a desconfiança do "mercado". A venda de títulos da dívida grega nessa semana ocorreu a um custo muito alto, mostrando que as iniciativas de solução do problema ainda não surtiram o efeito desejado.

Essa situação de incerteza radical, da qual anedoticamente me utilizo de fatos da conjuntura para mostrar sua validade, tem levado, em um plano estrutural, à busca incessante de novas fontes de lucratividade e de novos modos de funcionamento do sistema de hegemonia financeira. E think- tanks, universidades, consultores não faltam para isso, não apenas nos países desenvolvidos, em especial os EUA. Seus epígonos estão por aí, espalhados pelo mundo, sempre prontos a apoiar as idéias dos "mestres" e elevá-las em seu discurso ao mais alto interesse público local. É a fome e a vontade de comer... dólares, of course.

É nesse contexto que tem de ser entendido o chamado Plano Ômega. Dada a fragilização dos mercados financeiros tradicionais, busca-se descentralizar as operações financeiras para locais com maior potencial de crescimento econômico nas próximas décadas. Obviamente, isso tem de ser entendido como um movimento de extensão geográfica do centro pensante da globalização financeira e não como uma disputa "vencida" pelos mercados emergentes. O Brasil, e mais apropriadamente a cidade de São Paulo, tem sido lembrada nessas discussões sobre os rumos do capitalismo global. O Plano Ômega seria um conjunto de mudanças institucionais que, em conjunto com a movimentação dos bancos de investimento globais, colocaria a cidade como centro de fornecimento de serviços financeiros para a região latino-americana. O financiamento das empresas da América Latina como um todo, seja por emissão de ações ou por emissão de títulos no mercado internacional, seria realizado a partir de empresas localizadas em São Paulo. No jargão do mercado, São Paulo seria um hub, uma conexão, entre as empresas da América Latina e os aplicadores globais.

Mas, para isso, seriam necessárias reformas com apenas um sentido: promover uma ainda maior abertura financeira da economia brasileira de modo a integrá-la ainda mais ao resto do mundo. A legislação tributária para aplicadores estrangeiros teria de ser simplificada e nenhuma restrição a entrada e a saída de divisas é o ideal a ser perseguido. Assim, o recentemente criado imposto de 2% de IOF para aplicações estrangeiras especulativas teria de ser revogado. No âmbito cambial, buscar-se-ia um aumento na conversibilidade do real, provavelmente com a admissibilidade da criação de contas em moeda estrangeira no sistema financeiro brasileiro. No âmbito contábil, está em curso uma adequação das normas brasileiras às internacionais, de modo a facilitar a avaliação internacional das empresas locais (e, daquelas que vierem aqui buscar financiamento, em caso de avanço do Plano).

Pode parecer pouco, mas o impacto dessas medidas sobre a economia brasileira pode ser decisivo para os rumos do capitalismo local nas próximas décadas. Na prática, teríamos o aprofundamento do processo de desnacionalização da economia brasileira, maiores dificuldades em conter a volatilidade cambial (e, portanto, da lucratividade relativa entre os setores integrados comercialmente ao mercado mundial e aqueles que não o são, prejudicando a alocação setorial dos investimentos) e uma maior integração do sistema financeiro local com o internacional. Esse imbricamento aumentaria a vulnerabilidade do sistema financeiro brasileiro aos choque internacionais, acabando com o relativo isolamento dos bancos nacionais que se mostrou decisivo para a rápida recuperação do Brasil quando da crise de 2007-08 (não por acaso o banco brasileiro que estava mais relacionado ao capital internacional, o Unibanco, sucumbiu à crise financeira mundial). O Brasil se tornaria ainda mais dependente do fluxo de capitais estrangeiros e cada vez menos teria possibilidade de implementar uma política econômica autônoma. Ora, os ciclos financeiros variam entre momentos de euforia (capital abundante e juros baixos) e de crise (onde o capital migra para os países do centro, em especial os EUA). Na euforia, teríamos um real excessivamente valorizado, crédito abundante e crescimento econômico acelerado, a partir do endividamento de famílias e de empresas. Na crise, o movimento oposto.

Isso já ocorre hoje, alguém poderia contestar. Mas o que se propõe é enorme e, quando se trata de finanças, o volume é determinante. Criar-se-ia um armadilha que condicionaria completamente a política econômica às possibilidades de entrada de capitais, sob pena de uma crise enorme. Tome-se o exemplo próximo do Uruguay e veja-se como é difícil desmontar o mecanismo de contas em dólar sigilosas existente nos bancos locais sem criar uma enorme crise financeira, com uma desvalorização desastrosa do peso. Os mecanismos seriam outros (aparentemente, não se trata de tornar o Brasil um paraíso fiscal, embora as reformas o aproximem destes), mas as conseqüências, dado o volume de capital envolvido, seriam de ainda mais difícil reversão. Trata-se de um caminho que, se adotado, somente poderá ser modificado com uma enorme crise, provavelmente vinda do próprio funcionamento do sistema em nível global, pois ninguém terá condições políticas de se contrapor à liberalização financeira (estaria criando uma crise econômica, qual governo teria força para agüentar as conseqüências disso?).

Por fim, cabe salientar que a totalidade das medidas que promovem tal mudança podem ser adotadas no âmbito administrativo do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Ou seja, trata-se de um verdadeiro "golpe branco", decidido entre "eles" (o principal articulador do Plano Ômega é o Sr. Armínio Fraga, presidente do Conselho da BM&F Bovespa, acho que não é necessário dizer mais nada) exclusivamente, mas com repercussão permanente para "nós". É claro que serão agitadas as bandeiras da "modernização" e, até mesmo, da "criação de empregos" no setor financeiro como justificativas para essa ousadia, como mostra nota na Revista IstoÉ Dinheiro do início de março. Historicamente, o déficit democrático no que tange a finança é sempre determinante de seus movimentos de aprofundamento, provavelmente por que se fôssemos discutir as claras as intenções e repercussões de propostas como essas, elas nunca seriam adotadas. Mas, normalmente, denúncias públicas forçam uma discussão mais aberta de temas que eles querem (e necessitam) manter à sombra.


Artigo publicado no blog Diario Gauche (www.diariogauche.blogspot.com).