quinta-feira, março 01, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

A ECONOMIA ESTÁ MUDANDO.
VOCÊ ESTÁ VENDO?
Enéas de Souza
01 03 2012


1) A partir dos últimos acontecimentos na Europa, você pode entender que a economia está mudando. Vamos pensar um pouco. Vamos começar a olhar o momento atual do continente europeu. E ver que ele não chegou a esta situação por acaso. Ele tem, em primeiro lugar, passado. Ou seja, veio no fluxo do desenvolvimento do capitalismo, num período que se alargou de 1979 a 2007. E que, vejam só, culminou, rocambolescamente, numa crise financeira mundial. E foi assim, dos Estados Unidos, ela se desdobrou, como uma flor secundária, mas complexa, numa crise europeia. Agora maturando, está pedindo solução. Cabe acrescentar que a crise europeia na crise global tem, no entanto, uma duração autônoma. E requer como um botequim em convulsão, uma saída local. O bar precisa ser reorganizado: mesas, cadeiras, copos, bebidas, atendimento. Olhando para a paisagem toda, a gente percebe que o que se passa no mundo todo afeta a Europa. De uma maneira reversa, só que girassol diferente, a influência vai de volta. Porque hoje tudo está ligado em tudo. Logo, o espaço de realização do capital é mundializado, o de cá bate lá e o longe chega aqui.

2) O economista que analisa a situação do continente europeu pode cogitar que o processo vai mudar, e que ele, então, tem futuro. É verdade. Porém de onde se pode perceber esse futuro? O olhar fica mais aguçado se a gente o insere na dinâmica econômica do Ocidente e do mundo. E quero assegurar que, se o enxergarmos com a vista posta no longo prazo da mundialização e na longa duração da História, podemos vislumbrar, com traços mais nítidos, os seus contornos de hoje. E óbvio, é indispensável dizer que nada está decidido. Embora as condições da economia, da política e da cultura, na maioria dos países, estejam dadas. Nada garante, isso também é visível, a economia que vai sair desse conjunto. Ela pode sair para uma nova economia capitalista totalmente inovadora. Ou pode sair para uma economia estagnada, anêmica por longo tempo, uma economia global do tipo japonesa. Ou pode sair para uma economia em redemoinho, exalando um desarranjo furioso e até mesmo guerreiro. Dito de outra maneira, estamos navegando, como gostam de dizer certos economistas, na mais plena incerteza. Mas, agora está se vendo que aquilo que estava totalmente desequilibrado, agora está chegando a um patamar mais favorável às finanças. E é sobre isso que devemos falar.

O TEMPO DO CONSERTO

Na tentativa de entender a mundialização, cabe perceber que estamos na segunda fase da falência da construção financeira da economia mundial. Falência não quer dizer que a hegemonia das finanças vai desaparecer. Significa que ela vai mudar. Ela perdeu a direção e tenta encontrar um novo rumo. Na verdade, depois de um tombo, ela deu um jeito e começa a parar a queda. Ou melhor, a controlar sua queda. Então, já está em vias de metamorfose. Isso porque existem muitas conotações num processo econômico como o que estamos vivendo. Ele é um processo longo e lento. A expansão tem um percurso demorado, mas, quando a crise estoura, a caída é rápida. Rápido, todavia, não é o seu conserto, o seu rearranjo.

AS FINANÇAS TOMARAM A INICIATIVA.

1) O que está acontecendo agora? As finanças, neste momento, voltaram, não digo a jogar de mão, mas, pelo menos, a tomar a iniciativa. O que significa dizer que elas têm um plano não só para os mercados como também para a organização política das nações. E esse plano, que segue uma estratégia, tem um ritmo que já se identifica. Antes de tudo, o alvo principal: salvar e dar novamente a liderança do processo econômico e político aos bancos. E, em seguida, como um quadro construtivista de Malevitch, passar da economia à política, isto é, salvar os Estados. Esse é um plano para todos os lugares, ao menos no Ocidente. E como o que está em pauta neste artigo é examinar, para onde o processo atual da Europa indica o seu dedo, a gente tem que ver como as finanças querem, no mesmo movimento, colocá-la dentro da nova mundialização. Pois o que está em jogo é essa construção.

2) O que é essa nova mundialização? É uma etapa que se desenvolve a partir de dois eixos: do eixo americano – hegemonizado pelas finanças americanas, com as europeias acompanhando-as no cordão financeiro – e o eixo chinês, hegemonizado pela produção e finanças do Estado da China. E essa dinâmica permite uma certa oscilação do Brasil, da Rússia e da índia, se inclinando tanto para um como para outro eixo. Só que esse atrito de eixos desemboca também numa nova economia de características tecnológicas novas.

O FUNCIONAMENTO DA NOVA MÁQUINA

1) A crise europeia é uma coisa que veio se arrastando como tartaruga veloz, passinho atrás de passinho. Depois que as finanças conseguiram sobreviver ao naufrágio americano, a Europa continuava nadando, na eminência de um afogamento. E se encontrava numa desorganização endoidecida, num desvario terrível. As finanças montaram, então, um plano para a Europa. E é isso que é a grande novidade desse fim de 2011, começo de 2012.

2) As finanças europeias apoiada pelos Estados Unidos, pelo FED, pela tróica (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu) desenvolveram um plano e uma operação de grande envergadura, que foi se esclarecendo ao longo do processo. Primeiro ponto, ponto de honra, ponto fundamental para o resto das tarefas: salvar, antes de tudo, os bancos. Em segundo lugar, salvar os Estados europeus, que entraram alguns deles em decomposição compulsiva, como a Grécia. E em terceiro lugar, esboçar uma reorganização interna da Europa, base para um reposicionamento dela no contexto da mundialização. Como se vê um processo amplo, só que marcado por decisões orientadas pela visão das finanças, que é uma visão que estica o curto prazo como definição do longo.

3) O giro que fez toda a diferença, que deu origem à manobra ampla, foi um movimento institucional. Começou com a retirada de Trichet do Banco Central Europeu. Em seu lugar, entrou um pássaro esperto, de raça nobre financeira, chamado Mario Fraghi, financista vindo do Goldman Sachs. O efeito imediato se expressou na alteração da política monetário-financeira do BCE. Draghi foi baixando a taxa de juros até atingir o nível de 1%, rompendo com a política ortodoxa extremamente rígida de Trichet. Passou-se para uma política ao estilo americano do FED, causando uma inundação de liquidez aos bancos. Ou seja, dinheiro abundante. E ao mesmo tempo, houve uma absorção dos títulos podres das instituições bancárias. Dois objetivos: dinheiro para aplicações e limpeza dos balanços bancários. E nesse processo, o BCE tratou de funcionar como o banco dos bancos. E como ele está proibido, por estatuto, de emprestar para os Estados, o resultado imediato foi que os bancos viraram de posição. Ou seja, começaram a ganhar dinheiro fácil, tomar a 1% e emprestar a taxas variáveis e altas para os Estados. Humoristicamente, se poderia dizer, que agora o emprestador dos Estados, em última instância, eram os bancos. E com isso, eles começaram a espremê-los, como a laranja do suco de ouro.

4) A tentativa de salvar os bancos, no entanto, teria que se fazer acompanhada simultaneamente pela reorganização dos Estados. Pelo menos, três deles estavam em péssimas condições: Irlanda, Portugal e Grécia; dois, em profunda crise, mas com capacidade de superação: Espanha e Itália; e um, em decadência econômica e política, a França. Os demais em relativa e boa situação, com um, em boas condições e comandando o processo político: a Alemanha. Então, apareceu o segundo ponto da manobra das finanças, uma aliança tácita entre bancos e o governo alemão. E daí surgiu, um grande movimento na reorganização europeia. Uma nítida inclinação conservadora, onde brilhavam economistas ou banqueiros ou políticos de direita, que tivessem todos a mesma visão da solução econômica. Claramente, um conservador para Portugal, um banqueiro para a Grécia, um economista do MIT, Monti, para a Itália, e os conservadores de Rajoy para a Espanha. No entanto, a operação mais sutil se deu na costura do desmantelamento da posição da França. O reabaixamento da sua nota por uma agência de ratigns, trouxe um deslocamento da posição da França da co-liderança da União Européia. Pois é desse país enfraquecido que vem o único perigo, e a única e ainda assim tímida ameaça a essa ordem. Está se falando de François Hollande, do PS, candidato à presidente da França. Contudo, a audácia das finanças parece de volta. Começa-se a falar de um processo de expulsão na União Européia. E isso começaria com a Grécia. Veja o que um ministro alemão falou ontem. E depois da Grécia pode vir Portugal. A Irlanda estará na mira? Ou seja, a solidariedade sumiria na audácia bandida. De fato, as finanças têm, efetivamente, o projeto de um revival, de uma restauração.

5) Olhe bem o jogo das finanças, combatente leitor. Primeiro, uma mudança no tope do sistema financeiro europeu, a mudança do comportamento do BCE. Segundo, uma harmonização na direção dos países com a liderança da Alemanha e um desnucamento da França, e quem sabe, uma forçada de barra para cima de Grécia e Portugal. E aqui é que se pode ver a frente renovada das finanças, a conexão Estados Unidos, Inglaterra e Europa. Primeiro, uma estabilidade americana, agora uma europeia. As finanças tem o pensamento claro para uma nova mundialização: salvar os bancos e reorganizar os Estados. E com o adubo preferido do jardim financeiro: sem que o problema da regulamentação das finanças seja tocado na sua essência. E qual é a sua essência? Manter a concepção do Estado como um auxiliar e um defensor da acumulação de capital por meio de títulos privados e públicos. Ou seja, ele deve atender, acima de tudo, ao sistema financeiro. Para tal deve reorganizar as suas próprias finanças com orçamentos e déficits programados e controlados rigidamente e com as suas dívidas solucionadas num tempo razoável, de forma controlada pela Alemanha e pela tróica (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu).

6) Ora, vocês já perceberam tudo, não é? A Europa social não é levada em consideração. Nenhuma atenção ao emprego. Para canalizar a resolução dos Estados, os cortes caem em cima das despesas (servidores públicos, direitos sociais, programas econômicos) e mesmo sobre patrimônios rentáveis (as chamadas privatizações). O que significa ausência de investimentos públicos e diminuição do consumo do Estado e do consumo dos funcionários. Por derivação, teremos tanto a queda do investimento público e privado como do consumo do governo e do setor privado. Qual são os ganhos, então? Os ganhos são a recuperação das instituições financeiras e a busca, no tempo, da solução do setor estatal. Vimos, nos últimos anos, um processo de concentração e centralização de capital, e agora estamos vendo se completar na Europa um processo de concentração e centralização de Estados. China, Índia, Rússia e Brasil cresceram, os Estados Unidos estacionou e a Europa encurtou, mas está se reorganizando. Lá adiante, mas bem lá adiante, o projeto das finanças prevê a recuperação e a retomada do crescimento das empresas, depois do investimento privado e por fim do emprego e do consumo privado, além da reorganização financeira do Estado. Mas, só depois da limpeza de capital e dos Estados.

O slogan desse processo é quase soviético, mas com sinal trocado. Em vez de “todo poder aos soviets” é “todo poder às finanças”. E novamente – só que num patamar de transição e de menor altitude. Ironia, sim; pura ironia da História.

ALGUMAS PERGUNTAS QUE INCOMODAM

1) No nível econômico, a confecção da carruagem é extremamente complicada, seja porque a recuperação das finanças, por mais importante que seja, não indica que a economia irá bem. Pois, o crédito à produção continuará escasso. E aqui a pergunta serve para todo o eixo americano e, claramente, para a Europa: como vai se dar a recuperação econômica? Como vão se integrar as regiões econômicas na mundialização produtiva?

2) De qualquer forma, a gente vê o que está acontecendo, uma nova combinação de finanças e Estado. E em função do plano que falo acima, a economia está freando o seu desgoverno, o que melhora para os capitais, mas não para população, ela está desempregada e empobrecendo. Contudo, a economia capitalista não se preocupa com as pessoas; ela se preocupa com o capital. E uma economia com dominância financeira tem sempre uma contradição básica: mesmo quando se estabiliza, ela é instável, porque as finanças, já que especulativas, se instabilizam continuadamente. Minsky tem razão; não é por outro motivo que tem um livro excelente que se chama “Estabilizando uma economia instável”. Temos, no caso atual do processo econômico contemporâneo, uma dialética entre a busca de controle e a instabilidade da natureza desse capitalismo financeiro. A economia está mudando, você está vendo? Claro que sim, só que você não tirava as conclusões indispensáveis, não se dava conta do plano das finanças. Então, o mundo está salvo! Não, não exagere. Porque essa parada na ladeira pode ser apenas um patamar para uma nova descida. O que tudo está a indicar é que as finanças tomaram as rédeas dos indóceis cavalos econômicos para os seus objetivos. E as outras forças sociais aceitarão? Veja bem, um ciclo econômico para reverter a sua tendência, no caso, tendência declinante, só reverte quando as condições de lucratividade da economia como um todo voltam a crescer. Estamos nessa fase? Ou, a ave de mau agouro, que nos espreita, está certa: o que está vindo, logo depois desse “stop”, é uma nova ladeira?


Nenhum comentário: