terça-feira, setembro 25, 2012

quarta-feira, abril 25, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

A FRANÇA NA HORA
DO LANCE DE DADOS

Enéas de Souza
26 04 2012



DA EUROPA DOS CAPITAIS A EUROPA DOS CIDADÃOS

Não é cara ou coroa, mas é um momento decisivo para a França. E um momento importante para a Europa. E um momento importante para a mundialização. Não que François Hollande seja um esquerdista furioso. Não. François Hollande não é o candidato dos sonhos de alguém que é de esquerda. Mas, é um político que tem sensibilidade em relação ao destino da França no mundo, que tem sensibilidade em relação à situação do Estado de Bem-Estar, que tem sensibilidade quanto ao papel do próprio Estado no mundo presente. Ele é um cara que percebe que a França está cercada à direita, por todos os conservadores, da Alemanha a Itália, da Inglaterra a Espanha. E, sobretudo, sabe que a França foi envolvida pela Alemanha no jogo geopolítico mundial e europeu. Nenhum desses governos quis receber Hollande antes das eleições. Merkel fez campanha aberta para Sarkozy. A Europa dos capitais não quer nada com Hollande. Não é o demônio, mas será a resistência. A Europa dos cidadãos está se movendo.

SARKOZY, O ESPALHA ÁGUA

Sarkozy é o candidato dos ricos. Um tipo esperto, midiático, o logro – tanto no sentido de engano como de êxito – é o seu permanente objetivo. Está há muito acostumado ao poder. E o tem usado muito. Sua força é o denodo, a resposta imediata, o lance sempre oportuno. Um homem para os tempos das finanças. O problema apareceu, ele agiu. Não importa se bem, importa que responde. Tenta fazer do esquecimento a sua arma. Por exemplo: domingo houve uma ligeira rejeição de sua figura. É o primeiro presidente da quinta república francesa que na re-eleição perde o primeiro turno. É uma pequena rejeição. Só que Sarkozy, no dia seguinte, já saiu falando mal dos socialistas de Hollande e que ele estava disposto a abrigar os socialistas que eram favoráveis a Strauss-Kahn, aquele que foi defenestrado do FMI. E que foi indicado ao posto por ele, Sarkozy. Já perceberam? Não importa o problema, o negócio é sair do inferno a qualquer custo. É o espalha água.

MARINE NA COLA DE SARKOZY

1) Os estilos de política são diferentes, portanto. Hollande parecia inerte, agora a população acha que ele é calmo e ponderado. Sarkozy está sempre em atividade, nervoso, elétrico, tentando mostrar uma face americana que gosta tanto, o pistoleiro que sai atirando para todos os lados. Agora, está parecendo um pouco desgovernado. E não é por acaso: tem na sua cola, além da derrota no primeiro turno, a voluntariosa Marine Le Pen. E essa talvez seja a questão mais importante para ele. Marine Le Pen é o espinho da ultradireita, que acompanha a rosa socialista.

2) Na França, embora haja cada vez menos separação entre a direita e a ultradireita, ela ainda está presente. Sarkô é a direita internacionalista, representante das grandes empresas e das grandes fortunas, cujo objetivo é ocupar o espaço da mundialização. Por isso, Sarkozy quer fazer um Estado francês para essa fração social. Só que tem que desmontá-lo em todos os campos, sobretudo na previdência, na proteção social, na cultura. E sua política é uma política em direção aos capitais europeus. Faz, contudo, o discurso para um lado e age para outro. Exemplo: apoia a Alemanha na política da austeridade: controle do orçamento, controle dos gastos públicos, controle da dívida. Mas, joga no limite com o déficit e a dívida do país. E a França foi reprovada por uma agência de rating. Sarkozy é um trapezista audacioso, está sempre num equilíbrio instável. E para não perder a ultradireita, ataca os imigrantes ilegais, é duro com os operários, embora sempre tente aparecer como defensor dessa classe social e de todos os franceses.

MARINE CONTRA A TRAIÇÃO

Já Marine é o contrário. É a ultradireita nacionalista, xenófoba, moralista, vigorosa. Sua mensagem é a retirada da França da Comunidade Européia, a saída do euro, o controle da imigração, etc. Portanto, uma direita nacionalista. E daí que, aos olhos dos integrantes da Frente Nacional, Sarkozy é “a traição”, como disse, no domingo, um militante da Frente Nacional. É preciso notar que a FN tem avançado socialmente muito, sobretudo à medida que a França vem caindo. E Marine introduziu uma novidade na imagem pública da candidatura da ultradireita. Seu pai era um velho rançoso, mal humorado, com respostas contundentes e muito limitadas. Marine, não. Não chega a ser uma mulher bonita; se não é simpática, esbanja vitalidade e força. E suas mensagens são as mesmas, porém com melhor papel para embrulhá-las. Papel mais colorido, deixando de lado a poeira do seu pai. Os resultados de domingo evidenciaram que a FN conseguiu atrair os jovens, que vieram porque a França mudou. Marine tenta ultrapassar a antiga oposição direita-esquerda do acordo capital-trabalho do pós-guerra. Marine é o novo da direita. Melhor, da ultradireita. É a festa de um nacionalismo anti-mundialização.

TEM DIFERENÇA, SIM, ENTRE A DIREITA E A ULTRADIREITA

E o leitor já viu. Há dois caminhos para a direita largo senso: o internacionalismo e o nacionalismo. São caminhos divergentes e são ainda e claramente duas direitas. Mas, agora, Sarkozy vai ter um sério problema. Domingo, com o grande crescimento social da FN, a loira candidata de sorriso fácil percebeu que Sarkozy está num mau momento. E ela está se lançando como o futuro da oposição na França, porque junto com a queda do presidente, há também uma certa recuperação da esquerda. Hollande, ao contrário de Segolène Royal na eleição de 2007, conseguiu aglutinar não só os socialistas como também negociou bem com os demais partidos de “gauche”. As sondagens dão a vitória a Hollande. Pois Marine já começa a radicalizar a oposição direita-esquerda, forçando as suas mensagens, não apoiando – ao menos, até agora – a Sarkozy. E sua meta são as eleições parlamentares de junho. Na sua visão, o seu objetivo é se colocar como a verdadeira oposição ao possível triunfo socialista. Com isso, não só ela não vai fazer campanha por Sarkô, como também não vai apoiá-lo por baixo dos panos. Objetivamente, ela está ajudando François Hollande. A questão é: a ultradireita tem os votos que o presidente – ex-presidente? – precisa? Como que Sarkozy vai vencer essa barreira política? Conseguirá passar por cima de Marine?

HOLLANDE FECHOU COM TODA A ESQUERDA

O caminho de Hollande parece mais fácil. Mélenchon, que fez bela campanha e aglutinou muita gente em torno de si, já deu apoio total ao candidato do PS. Seus comícios empolgaram, embora não se traduzissem em votos porque a França também tem voto útil. E só por isso Mélenchon não chegou ao nível de Marine. E os verdes, que fizeram dois e alguma coisa, também anunciaram o seu apoio. Ou seja, Hollande já fechou com a esquerda da sua esquerda. E agora vai fortemente em direção ao centro, ao centro de Bayrou, que, como todo centro, tem votante que pende para a esquerda e tem votante que puxa para a direita. As análises dos que trabalham em sondagem afirmam que o partido de Bayrou se dividirá em 1/3 para Hollande e 1/3 para Sarkozy, e 1/3 não irá votar ou se absterá de escolher candidato. No quesito centro, o jogo está empate.

O QUE VEM COM A VITÓRIA DE HOLLANDE

Assim, as sondagens indicam uma leve superioridade de Hollande (54 a 46), mas, na verdade, a coisa está apertada, a disputa vai ser intensa. E as consequências serão muito fortes. Então, o que representa a vitória de Hollande? Em primeiro lugar, a interrupção do triunfo neoliberal conservador de Sarkozy. Em segundo lugar, uma transformação da política econômica na busca de um Estado novamente com preocupações sociais, na recuperação do controle fiscal, e na tentativa de retorno do crescimento econômico. Em terceiro lugar, a recuperação de um projeto francês de uma Europa dos cidadãos, com uma política externa europeia independente tentando ligar-se aos BRICS. O projeto é transformar a França, transformando a Europa, caminhando para os BRICS, e trabalhando para uma governança pós-crise. Em quarto, uma mudança estratégica para a França, para a Europa e para o mundo. Essa mudança vai passar pelas organizações paranacionais, como a OTAN (para bloquear a influência americana), como a ONU (mudança no Conselho de Segurança), como o FMI (alteração no estatuto do Fundo), etc. Cabe esclarecer que muitos desses aspectos não estão sendo discutidos na campanha, mas são parte do projeto global de François Hollande.

HOLLANDE/OBAMA VERSUS SARKOZY/MITT ROMNEY

Nesse sentido, visto dento do eixo americano como falamos acima, a vitória de Hollande – se for seguida de uma vitória de Obama nos Estados Unidos – pode preparar um itinerário para a recuperação econômica, social e política do referido eixo. Se ganharem, ao contrário, Sarkozy e Mitt Romney, a trajetória será mais contracionista, mais protecionista, aguçando poderosamente os problemas de distribuição da renda, trazendo mais problemas sociais, e uma mais lenta senão uma postergação indefinida da recuperação econômica e social desse eixo americano. Como se vê, a eleição da França está, no domingo, dia 6 de maio, como o título de um poema de Mallarmé: por “Um lance de dados”.



PS – Leitores desta coluna: entro em férias em maio, volto em junho.



quinta-feira, abril 19, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL


DILMA E LULA.
ESTRATÉGIA DO BRASIL
E A QUEDA DOS JUROS

Enéas de Souza
19 04 2012




1) Dilma tem a qualidade mineira e a qualidade gaúcha para a política. Como mineira, ela joga em silêncio, trazendo a arte de esculpir o ouro, porque de ouro, já se sabe, é o silêncio. Essa era a grande arte do PSD de Minas. E com uma longa vida no Rio Grande, tem a arte gaúcha de deixar o tempo passar e colher, no momento efetivo, o crescimento do rebanho e da terra. A grande arte que veio do velho Getúlio Vargas. E de ambas as heranças, Dilma recebeu a qualidade do lance exato, a audácia da hora do corte. Ela tem o senso daquilo que os gregos chamavam de kairós, o momento oportuno, que o PSD e o Getúlio tinham nos seus mais ambiciosos gestos. Mas Dilma traz também o pensamento treinado para compreender a sociedade e a economia na sua totalidade, uma totalidade que está em movimento, que muda com o processo dos atores e das estruturas.

2) E se você, leitor, que é um apaixonado de política, tem notado, tem discutido, tem apreciado, tem conjeturado o que está acontecendo no nosso país, você pode ver que há sempre na presidente a articulação da grande e da pequena política, dos lances fundamentais da estratégia aos pequenos problemas do dia a dia. A Dilma parece durona – e é; ela tem uma irritação bíblica ou divina. Tem. Mas, atrás da dureza, tem também o refinamento da elegância e o humor secreto da cortesia. Vide como ela tratou certos proprietários da mídia e o adversário FHC. Sim, porque a política não é guerra todos os minutos, nem fúria santa sem descanso; as pessoas têm também encontros de saber fazer e de viver em sociedade. O mau humor da Dilma se dá no operacional e quando há o mal feito ou a traição ou a falta de inteligência, mas a generosidade emerge quando brilha a confiança ou a realidade requer civilização.

O LANCE DA TOTALIDADE E O PRINCÍPIO DE NELSON RODRIGUES

1) O refinamento político de Dilma começa por definir que o líder político do Brasil é Lula, e que ela, Dilma, é a líder do governo, a chefe de Estado. E foi aí onde ela encontrou a sua ferida, porque o imprevisto, o acaso, o passa pé da vida, derrubou Lula, jogando-o, sem piedade, no canto do corner da luta política. E logo no começo de tudo. Ou seja, não apenas a liderança, mas o jogo político foi desfeito pelo assédio da doença. Dilma ficou sozinha. Sozinha, não nos conselhos, mas no trato dos negócios do governo. E foi aí que ela concentrou mais as suas forças para definir a energia, a aptidão, a capacidade de responder aos desafios da política mundial e brasileira.

2) Dilma olhou a totalidade em movimento, uma totalidade que, a cada momento, tem outro desenho e outra figura. E verificou que o país avançou muito. Lula colocou o Brasil prá cima, como um dos participantes do jogo político mundial, como um jogador médio, como um coadjuvante. Contudo insistente, ligeiramente insinuante e claramente vivo. Uma nação audaciosa – desde que deixou o princípio de Nelson Rodrigues de lado: o complexo de vira-lata, que Lula sempre tinha em mente. Dilma compreendeu que, no lance da totalidade, era possível organizar o Brasil, dar mais sentido ao projeto nacional.

DE ONDE SAI A CARTA DO FUTURO

1) Então, Dilma percebeu – já tinha percebido, fazia tempo – onde está o rastro da bruxa. E tira a carta do futuro. Há uma nova economia que está se fazendo no subterrâneo visível da presença das novas tecnologias. Elas vão constituir os pilares da arquitetura de um novo padrão, ou, como pensa a economista Carlota Pérez, de Sussex, uma mudança de paradigma, uma revolução tecnológica em andamento. Está se armando um novo padrão de acumulação. Na ponta dinâmica dele estão as altas tecnologias. Temos, então, uma nova organização que vem com as adventícias lideranças tecnológica e produtiva. E revolucionariamente, podemos salientar, farão a função de puxar o conjunto, numa nova ordem que reformula e reposiciona as antigas tecnologias líderes. Pois, foi isso que Dilma viu. E percebeu. E logo se deu conta que o setor energético é uma das joias raras do novo jardim. E ele está também conosco. A mineração e os produtos agrícolas batem estrada por nós. E, para a felicidade da ocasião, temos a Petrobrás, que é a multinacional do Estado brasileiro, que vai cumprir função na economia mundial e que pode encadear uma renovação da economia industrial do país.

2) Veja o leitor, falo em parêntese. Não se pode pensar numa economia industrial brasileira por setores, quando o que comanda o espaço econômico produtivo é a economia mundializada. O que é prioritário é a dinâmica planetária do capital. E dela provém os encadeamentos que os capitais exibem na sua cadeia produtiva. A renovação industrial vem daí. Portanto, não basta dar apoio simplesmente às empresas setoriais. O que não exclui a posição correta: um país só será soberano se tiver uma indústria forte. Mas, indústria forte não é apenas indústria apoiada pelo governo, mas também indústria que introduz tecnologia, inovação, competitividade, política adequada de salários, manejo adequado da sua tesouraria para competir no arco completo do capitalismo financeiro, etc., etc.

Então, a partir dessa visão do novo padrão de acumulação mundializado, Dilma e o Brasil equacionaram o bilhete de entrada do teatro econômico do século XXI. E por isso, o Brasil é tão respeitado. E foi Dilma, junto com Lula, que estabeleceram essa estratégia. E a eleição dela foi uma expressão dessa configuração

MUDA O CENÁRIO, MAS CONTINUA A LIDERANÇA

1) Lula tinha posto o Brasil no colégio dos líderes. Um político inventivo, alegre, sério, colorido na imaginação, ousado no gesto, deu a linha para os políticos do mundo. O estágio atual é, no nível mais profundo, fazer uma combinação política e econômica da classe financeira com operários, trabalhadores e miseráveis, passando pela atração, mesmo que momentânea, dos integrantes da área produtiva. Lula nunca teve a ilusão que os bancos iam salvar o mundo. Um pouco o que Obama acreditava, o que a Merkel praticava e que Sarkozy adorava. Só Jinbao sabia que mandava nos bancos. Mas, a China é outro papo. E Lula, na crise financeira, soube responder keynesianamente – o que eu chamei keynesianismo por dentro – para conter o grande impacto do desabar das finanças. Aliou-se à produção.

2) Quando Dilma chegou à presidência, o mundo estava em decomposição. Crise financeira americana se estendendo feito a Restinga da Marambaia, e a Europa na sua crise hamletiana: ser ou não ser. Primeira medida: não sair mais, como o Lula, pelo mundo afora. A cena tinha mudado. Lula tinha aproveitado sua hora, mas para Dilma esse momento tinha terminado. Dilma não poderia jogar pesado, porque o Brasil não tem bala para mandar no mundo. Mas, ela foi firme: falou dos problemas dos desenvolvidos face aos emergentes na China, na Alemanha e, agora, nos Estados Unidos – e ontem na visita da Hillary Clinton. Ou seja, o Brasil continua tendo liderança; no mínimo, voz.

DE ONDE SAIU O LANCE DO SEGUNDO PÓLO

Mas, houve um lance de Lula ainda pouco compreendido. O da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Há o lado esportivo, há o lado político. Os eventos da bola e dos esportes vão dar projeção ao Brasil, seja no acontecimento dos jogos, seja na promoção política do país. No entanto, tem o lado das fraudes, dos orçamentos, das vigarices que estão todo o tempo na mídia. Mas há também o lado macroeconômico. E é desse que quero escrever. Só que chamo a atenção para ser olhado pela lente da dinâmica industrial. Nesse quesito, Dilma vai consolidar um outro pólo no movimento do capital. Esse segundo pólo vai se dar em torno da construção civil, desde a infraestrutura logística à produção até a infraestrutura urbana. Coloca-se assim, junto com aquele que se organiza em torno da Petrobrás, um pólo que já estava em andamento com “Minha Casa, Minha Vida” e com obras do PAC. E, unindo todo esse conjunto de obras, temos a marca de uma segunda frente dinâmica da economia brasileira. Daí que o Brasil do futuro é este que começa aqui com energia e construção civil.

O QUE FALTA?

Falta todo um esforço para resolver os dois pontos da indústria, o mais avançado, as novas tecnologias de ponta, e o mais tradicional: calçados, móveis, têxteis. Aí temos, no primeiro aspecto, os mais variados incentivos: envio em massa de estudantes brasileiros ao exterior, pesquisa em conjunto com China e Estados Unidos, etc. E no segundo, a necessidade de fazer uma programação de medidas cambiais, fiscais, aduaneiras, tecnológicas, financeiras, etc., que venham a sustentar os ditos setores. O que a gente percebe aqui é uma questão de hierarquia. Primeiro, é aportar ou aterrissar no novo padrão; segundo, é reconstruir a infra-estrutura do país. E, seguindo nessa ordem, há que preparar e fazer o indispensável terceiro: desenvolver uma indústria forte nos mais diversos setores. Questão de estratégia e de recursos.

NADA ALÉM DE UMA ILUSÃO

O título do samba de Custódio Mesquita permite perceber que o que está em jogo é a reunificação do Estado. E Dilma está com muita dificuldade para trabalhar nessa operação. De um lado, o seu primeiro ponto foi exitoso: organizar, a partir da Presidência da República, tanto a unificação do Estado, quanto o planejamento da Economia.

A unificação do Estado é um processo longo. Porque, antes de mais nada, Dilma teve que partir da ideia de que tudo começa na Presidência da República. Ali se faz a concepção da estratégia nacional, ali se faz a reunificação do Estado, ali se faz a concepção e a unidade da política econômica. Uma espécie de 3 em 1. Isso significa a consciência de algo fundamental: o Estado brasileiro estava tão deteriorado pelo neoliberalismo anterior a Lula, que era preciso concentrar na Presidência da República, com a força das urnas e do poder político e econômico, a unidade do Estado Nacional, colocando ali não apenas o centro político como o centro econômico do país. E foi isso que permitiu que Dilma conservasse junto da Presidência, o Ministério da Fazenda, e incorporasse na sua atividade, o Banco Central, formando o núcleo desse poder político e econômico do governo.

COMO SUSTENTAR O ESTADO COM A GELÉIA POLÍTICA

1) Então Dilma, como qualquer artista, tenta construir o mundo. Fez, como falamos acima, a base do comando. Mas, para fazer o resto, vai precisar um monstruoso esforço. Tem que reconstruir a burocracia, tem que redefinir o Estado. O liberalismo trocou a velha postura – que era nacionalista – por uma alegre visão financeira. O que significou a dominância do Estado pelas finanças e, ao mesmo tempo, um movimento político agudo de esquartejamento do Estado, que acabou fragmentado e feito em pedaços. E aí o incrível: para recompor o que está destruído, impossível, porque os tempos são outros. Tem que refazer sim, mas construindo outra arquitetura. Há que fazer uma química entre o Estado e a formação de capital e as classes populares.

2) Mas, o que acontece é que o Brasil é um pais organizado para a política cotidiana, para a política do varejo. Um presidente para ser eleito tem que fazer uma concertação política. E na hora da vitória, todos querem, com justa razão, o seu naco de poder, a sua fatia de ação, o seu quintal de domínio. E vejam o que acontece: o Estado fragmentado é ocupado pela política de conciliação, onde cada um fica com o seu pedaço, com o seu terreiro. E tenta fazer, em muitos casos, a sua pequena política.

3) E como o Estado é fragmentado, ele não flui internamente, nem se aglutina de modo orgânico. A cabeça vai para um lado, o braço para outro, o tórax para um terceiro lugar e o corpo fica desconjuntado. Assim, os partidos ganham, de fato, territórios, que tratam de articular os grupos sociais a seu redor. A verdade é que o Estado fica, então, dividido, sem conexões profundas entre os ministérios, atuando isolada e atomicamente. E aí vem a ideologia neoliberal e os seus pequenos demiurgos, com suas ideias medíocres de concepções de gestão, eficiência, etc. Há que ter gestão sim, há que ter eficiência, também. Mas, dentro de uma visão estratégica, pronto para unificar e dinamizar e energizar e potencializar o Estado. A fragmentação retira a dinâmica da unidade, fratura o poder, abre o espaço estatal para a ocupação particular, e favorece a corrupção e a ausência de controle.

4) Pois, o fantástico de Dilma é isso: une o Estado no seu núcleo econômico e político, tenta esvaziar as ocupações sorrateiras, joga uma organização por fora da ordenação trivial, tenta desativar esse jogo de compensação de apoios políticos, com ministérios que sejam territórios que têm donos. É uma tentativa de sair de uma prática comum, jogando o jogo “o peixe morre pela boca”, para ver se o vaso do Ministério ou do órgão fechado quebra por si mesmo. E aí endurece a negociação. Há uma revolta de frações partidárias com a formulação e a prática dessa nova política, mas a população gosta, adere, apoia: mais de 70% de aceitação. Alguns baluartes caem. Mas a questão continua candente: a corrupção está acabando?

AGORA O LANCE DO MOMENTO

Desde os anos 90 que os bancos vêm, gostosamente, dominando ou balizando o comportamento, não só do Estado, mas sobretudo daquilo que os interessa: a política econômica. E, na política econômica, chegaram a fazer da política monetária, cambial, financeira e fiscal, o quarteto do apocalipse. Pois, exatamente, neste ponto se mostra a fina política da presidente. Ao mesmo tempo que começou o processo de reconstrução da unidade do Estado, esperou tempos e tempos até que o momento de ataque aos juros fosse propício. Num ambiente de crise econômica mundial e num momento estratégico de colher frutos, a Dilma junto com Mantega atacam de frente o setor bancário.

Primeira medida: tornar mais caro as alavancagens externas dos bancos. Segunda: trazer o Banco Central para a ação de desmontar as falsas teorias inflacionárias e diminuir os juros, além de fazer controles monetários convencionais. Terceira: combater de frente a ideologia, a teoria, e a prática dos bancos nos juros, trabalhando por taxas mais baixas. (“Por que os juros no Brasil são tão altos?”). Quarta: tomar a decisão de política econômica de intervenção dos bancos públicos no mercado financeiro para baixar, fortemente, as taxas dos diversos segmentos. Quinta, ter clareza que esse conjunto de atos faz parte do processo de desmontagem do modelo financeiro de acumulação de capital na direção da passagem para um modelo de acumulação produtiva. Sexta: atacar de frente, como presidente da República, o setor bancário, reclamando publicamente das altas taxas praticadas pelos bancos.

Dilma está avisando que o ponto de política econômica decisivo é o investimento e não a especulação financeira. Não é por nada que o FMI diz que o Brasil não precisa mais baixar a taxa de juros. Mas, o curioso que os bancos são como bêbados, diria Machado de Assis. Vão caindo para a direita; se sacodem à esquerda; vacilam na diagonal, para um e para outro lado; fazem curvas no espaço; tropeçam e quase caem quando avançam; e quando recuam, quase desmaiam de costas. Mas, continuam de pé. Gritam contra a inadimplência, contra os impostos e não sei o que mais. E continuam a dar 100% de lucro – que reaparece a cada novo ano e se distribui aos seus acionistas e gestores a todo ano velho.

Um banqueiro me disse há muito tempo atrás: você sabe qual é o melhor negócio do mundo? É um banco bem administrado. E qual é o segundo melhor negócio do mundo? Um banco mais ou menos bem administrado. E qual é o terceiro melhor negócio do mundo? É um banco mal administrado.

Como ri a juventude: eh eh eh eh...

Claro, a ação de Dilma está apoiada numa estratégia, na confiança da população e, na sua outra face, no seu capital político. Mas, não pensem que os bancos estão mortos. Vão reagir no combate do mercado, e, quem sabe, nas manobras silenciosas. Eles, como Dilma, também jogam em silêncio. Todavia, a estrutura do capitalismo se desloca, o investimento e a produção caminham para um protagonismo. Contudo, a economia não é uma reta, os caminhos são desnivelados e provocam solavancos.

Resta a pergunta essencial: continuará Dilma com intimidade do kairós, ou seja, agindo no momento oportuno?

Porque estratégia ela tem.



quarta-feira, abril 11, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

A SALADA DE FRUTAS:
FINANÇAS E OBAMA,
DEMÓSTENES E MÉLENCHON

Enéas de Souza
12 04 2012


Não se pode fazer nenhuma análise redutora, mas há que tentar relacionar a com b, finanças com política. E cada caso tem a sua singularidade, mas toma nuance no contexto global. Digo bem se falo de um clima, de um tom, de uma atmosfera. A ascensão das finanças trouxe a liberalização do regramento ético no campo privado e no campo público. Não que todos se pautassem por essa “norma”, mas ela passou a ser um dos modos de navegar no mar dos homens. Paulson, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, no momento anterior da crise financeira, ele que era da Goldman Sachs, quis tirar da concorrência o Lehman Brothers. Tocou fogo no concorrente, acabou botando fogo no sistema. E o mais irônico é que as finanças usam sempre a idéia de “risco sistêmico” para salvar os próprios bancos. E Paulson, que era do time de inventores da ideia, pensou primeiro em derrubar o concorrente, antes de pensar no sistema. Acabou vendo, certamente espantado, olho brotando das órbitas: é, o “risco sistêmico” existe!

Então, temos dois fatos do sistema hegemonizado pelas finanças: de um lado, a criação de um clima ideológico convulso e atroz – no caso, vingança e crise financeira; de outro, o fato que uma etapa do capitalismo não cai assim no mais. E é pela política que ela vai se deteriorando, vai se arranhando, encontrando as suas mazelas até se transformar e desaparecer.

COM QUEM ANDAM AS FINANÇAS

Pois, no Brasil, temos a figura exemplar de Demóstenes Torres. Organizou-se como o campeão da moralidade, usava o linguajar do direito com uma retórica ímpar, jurídica, geralmente como promotor de acusação. Ganhou público, audiência, tornou-se uma figura nacional. Muitos viam nele uma espécie de tribuno romano dos trópicos, sempre preciso nas palavras, sempre contundente. Um Catão! E a escuta das pessoas, sobretudo de classe média, estava sempre envolta na glória dos estádios da moral cívica. De repente, o balão se tornou cativo, percebeu-se que Demóstenes estava grudado com “a contravenção” como muitas vezes se chama no Rio, a zona onde opera Carlinhos Cachoeira. Pois, há que reconhecer com essa ligação que o lado obscuro do dinheiro está no coração do sistema das finanças.

Pensam que não? Caro leitor, lembre-se de 11 de setembro das Torres Gêmeas. Houve uma revolta imensa nos Estados Unidos. E o Congresso Americano sabedor da fortuna de Bin Laden quis fazer uma investigação, rastrear o dinheiro ilegal, chegar até os paraísos fiscais. Chegaram? Claro que não. O Congresso Americano rejeitou a busca, simplesmente porque haveria o olho público sobre todo o sistema. Seriam descobertos todas as falcatruas, todos os movimentos honrosos do dinheiro das finanças, do crime organizado e do terrorismo. E claro da própria política. O leitor já adivinhou ou já sabia: o Congresso não aprovou a medida. E houve votos dos republicanos e houve votos dos democratas. E para se ter uma ideia do alcance, a Enron, uma empresa de energia que capotou na crise americana de 2001, tinha centenas de empresas fantasmas aplicando dinheiro na terra da multiplicação fácil dos ditos paraísos fiscais. É o fenômeno casto da multiplicação dos pães. Como dizia um velho sábio da economia, o capitalismo é sempre dinheiro gerando mais dinheiro. Daí o caráter especulativo das finanças. Para ela, tudo é chance para potencializar infinitamente o seu capital. Legal ou ilegalmente.

QUANDO O CINEMA CONTA A VERDADE DO SISTEMA

Se vocês viram um filme de Martin Scorsese, “Os infiltrados”, as coisas estão mostradas ali. O personagem de Jack Nicholson, chefe mafioso de um grupo ilegal, habita a farsa, a riqueza, o crime, a vingança, o domínio de tudo, jogando nos dois lados: é o terceiro do sistema. Mas, o terceiro corrupto. Domina o crime e domina a polícia. Tenta, como um bicho esperto e traidor, aprisionar o outro de todas as maneiras. O outro como servo de si. E essa atitude atravessa toda a sociedade, todos estão vestidos do manto da mentira, do cinismo, do duplo jogo. Duas cenas são marcantes: Jack Nicholson diz quando desconfia da traição de Leonardo Di Caprio: “esta é uma sociedade de ratos”. E no final do filme, emerge na janela do apartamento de Matt Damon, após ter sido assassinado, um rato atravessando o espaço claro da vidraça. E lá no fundo se vê o Congresso Americano. Mais não pode ser dito. E temos presenciado nesses últimos anos a crise do governo Obama, imobilizado pela Câmara dos Deputados. Bloqueio no orçamento, comissão bipartidária controlando o déficit do governo americano, e fixação de um teto para a dívida pública. Tudo em nome da moralidade. Tudo gerido pelos lobistas do sistema. É possível achar que a metáfora da cena final de “Os Infiltrados” esteja certa.

O ESTADO DO BEM-ESTAR ESTÁ EM CHAMAS?

Na encruzilhada do eixo hegemônico americano (Estados Unidos, Inglaterra e Europa) o movimento das finanças provocou uma crise europeia imensa. E, nessa crise, houve o progressivo tombo, ladeira abaixo, da França. A direita assumiu o poder imperialmente, Sarkozy fez o governo dos ricos e procurou desmanchar o Estado de Bem Estar em todos os pontos. Mas, a França é uma sociedade relativamente politizada. Desde os tempos de Mitterand – e isso aparecia nitidamente nos governos de Chirac – ela sofria com uma queda econômica, com uma queda política, com uma queda cultural visível. Disse-me um professor francês, lá pelos anos 90: “Ah! meu amigo, a cultura na França está decadente”. Tinham morrido Sartre, Lacan, Foucault, Deleuze. E Lévi-Strauss estava na hora da partida. Tinham aparecido Baudrillard e Houellebecq, entre outros, mas nada comparável à influência daquelas estrelas. Mas, gênio, gênio mesmo, a França só reconheceu, nos últimos tempos, apenas Jean-Luc Godard, o atrevido cineasta de “Acossado” e o esplendoroso diretor da grande síntese “História(s) do cinema”. Mas, na verdade, Godard é suíço.

Olhando a política francesa, a gente percebe que ela foi se estiolando, Le Pen chegou para o segundo turno em 2002; o PCF não alcançou o coeficiente mínimo para o financiamento público de suas atividades – teve que alugar a sua sede projetada por Oscar Niemayer; o Partido Socialista ficou reduzido a um partido centrista, embora se dizendo de esquerda, mesmo quando Jospins estava no governo. As pedras que rolam pela estrada são pedras de uma decomposição da sociedade. Maio de 68 estava apenas na memória de alguns “gauchistas”. Contudo, a França tem uma memória sempre rebelde, sempre revolucionária, sempre pronta para a metamorfose. Vejam-se as diferenças. Nos Estados Unidos se diz: “It´s the law” (É a lei). Na França: “C`est mon droit” (É meu direito). Um país fala a realidade coletiva em terceira pessoa, e o outro em primeira, a universalidade no concreto da subjetividade.

Um pouco disso está neste movimento de Mélenchon. Jogou a política de esquerda contra a mesmice destruidora de Sarkozy e a resistência lenta quase parando de François Hollande. Mas é preciso ver bem este fenômeno. Como me escreve um amigo, o movimento de Mélenchon é fortemente de esquerda, mas inspirado na revolução francesa de 1789, que é uma revolução capitalista. Isto quer dizer que a sua voz pode incendiar os corações e as mentes dentro da ordem. E tem feito com sucesso: a Bastilha tinha uma multidão enorme. E Mélenchon está trabalhando com símbolo. Jacques, um amigo de Paris, que vota pelos socialistas, me disse que foi ao comício da Bastille. Ficou impressionado, mas não deixará de votar em Hollande. Contudo, não deixou de dizer que muita gente estava siderada por Mélenchon. A grande resistência a ele é que sua candidatura está dominada pelo PCF. E, como sabem, há sempre uma crítica à democracia praticada pelo “Partidão francês”.

De qualquer forma, ao contrário da eleição de 2002, nesta, a sociedade francesa se moveu mais para a esquerda forçando o cenário para Hollande. Uma militante de esquerda disse: “Eu sempre voto por um partido minoritário no primeiro turno. Mas neste ano, estou em dúvida, sou capaz de votar direto no Hollande.” E dado o sucesso de Mélenchon, ela acrescenta, com olhar esperto: “Talvez ele seja ministro do Hollande”.

DE ONDE SE PASSA DOS CASOS SINGULARES PARA O UNIVERSAL

Por que escrevo essas situações particulares? Primeiro, porque o capitalismo financeiro destruiu os resquícios de moralidade nas lideranças do sistema, pois transformou tudo em ativo financeiro. Inclusive a honra. Algo que Marx não escreveu em “O Capital”. Segundo, porque o capitalismo está mudando na direção de uma economia produtiva, com novas tecnologias e relativa subordinação das finanças. A gente já viu: localizam-se profundas resistências políticas deste lado, por exemplo, na Câmara de Deputados dos Estados Unidos. Terceiro, porque os emergentes estão avançando. E começam uma substituição de um modelo de acumulação financeira por um de acumulação produtiva (O Brasil está entre eles. E a questão ética começa a balançar em muitos níveis: Pallocci, Lupi, Orlando Silva, Demóstenes. As rasuras vão acabar? Não. Mas a corrupção vai se tornar outra.). Quarto, porque no eixo geoeconômico e geopolítico dos americanos – que já se desdobrou em dois: o eixo americano e o eixo chinês – temos a irrupção da resistência a essa destruição do bem estar social, que grassa na Grécia, em Portugal, na Espanha, etc., via a campanha presidencial francesa. Quinto, porque o fator antropológico-histórico da França, se conseguir ser ativado, vai reagir à sua decadência política, engolido que foi Sarkozy pela Frau Merkel. E esta linha de fuga socialista vai rebalancear a Europa. Embora Jacques diga que Mélenchon não é o seu candidato dos sonhos, Hollande também não é. Mas há um cheiro de resistência: Mélenchon propõe renda máxima, desmantelamento da OTAN, controle dos Bancos pelo Estado, direito dos trabalhadores de tomarem as fábricas que vão fechar, etc. O que disso vai ser assumido pelos socialistas se ganharem não se sabe, mas a atmosfera ideológica e política poderá entrar em ebulição na França e depois, como espalha chumbo, pelos ruas da Europa. Sexto, porque a China que não entrou nessa história, apesar de diminuir a expressão do seu PIB, está reconvertendo a sua economia e está jogando de mão contra todos, dos Estados Unidos ao Brasil, sem buscar ser inimigo de ninguém. Apenas os Estados Unidos estão cercando militarmente o espaço chinês. Ou seja, não há geoeconomia sem geopolítica.

QUANDO CHEGA A PERGUNTA FATAL

O que está dito aqui serve para provocar os leitores a discutirem como a crise objetiva do capitalismo financeiro leva a transformações subjetivas, criando o círculo da crise econômica encadeando facetas de uma crise política e o encaminhamento de soluções políticas avançando sobre definições econômicas. Nossa viagem começou na constatação da imensa crise ética e moral produzida pelas finanças com o seu admirável princípio: tudo é ativo financeiro. (Tudo quer dizer: mercadorias, moeda, serviços, princípios morais, ideias, etc.) Isto não quer dizer que todos se submetem a esse princípio. Mas, que ele está aí, está. Então, a pergunta fatal: qual é o caminho da mudança?

quinta-feira, abril 05, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

A RESPIRAÇÃO
DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

Enéas de Souza
05 04 2012




A interpretação do momento é muito complexa. Existem as medidas que o governo federal tomou no contexto do plano “Brasil Maior”. Mas esse plano existe no meio de uma realidade mais ampla, que é a transformação da mundialização e da inserção do Brasil nesse cenário. Assim, temos que ter um olho no nível das empresas, das corporações e do setor industrial – dentro do que se chama economia brasileira – e outro, no que ocorre no mundo. E esse olhar não pode deixar de perceber o papel que o Estado brasileiro quer cumprir na atual competição geoeconômica planetária.

Então, como um jardineiro que vê suas flores no jardim da economia, podemos ordenar e nomear os marcos que balizam essas medidas. Elas tornam-se claras ou passam a ser entendidas se consideramos que elas fazem parte:

1- Do modo como se dá a nova ordem geoeconômica do mundo, onde se tece a mudança das relações entre as finanças e a produção, no caminho para a construção de um novo padrão de acumulação capitalista mundial;

2- Do modo como essas transformações estruturais têm efeito no Brasil e a resposta do país e das empresas localizadas aqui no quadro dessas amplas mudanças;

3- Do modo como os Estados nacionais, no caso o Brasil, respondem política, estratégica e operacionalmente através da formulação e da execução de uma política econômica nacional;

4- Do modo como essa política econômica brasileira se configura em face tanto do que acontece na dimensão interna quanto da face externa da economia nacional, sabendo-se que o Estado é um operador essencial na tensão da concorrência interestatal, da concorrência intercapitalista nacional e mundial, na relação econômica e política entre o capital e o trabalho;

5- Do modo como as empresas brasileiras participam nesse conjunto amplo da geoeconomia e da geopolítica mundial. O ponto básico dessa inserção se dá por intermédio da produção e da circulação de seus produtos na singularidade e no entrelaçamento do mercado nacional e do mercado mundializado. Estão envolvidos níveis de tributos, créditos à produção, créditos à exportação e medidas específicas para um ou outro setor, por exemplo, para o novo regime automotivo;

6- Do modo como os Estados, em função da competição dos capitais e da concorrência entre os próprios Estados, respondem com projetos – ou não – de política econômica de desenvolvimento. Mas sobretudo como operam na conjuntura seja com medidas de liquidez (como os Estados Unidos e Europa), seja com planos nacionais (China), seja com medidas atentas no dia a dia, envolvendo as Fazendas, os Bancos Centrais, seu sistema bancário-financeiro, seus órgãos no comércio exterior, etc.

7- Do movimento das estruturas profundas da economia capitalista mas que se fazem presentes na conjuntura e que emergem no dia a dia, e em todos os níveis, e que visam mudanças nas empresas, setores e Estados, para a construção desse novo longo prazo. É preciso ficar atento ao novo no desbancamento do velho. E ver o que do novo veio para ficar e o que do velho se transforma para mudar.

QUE MUNDO ESTÁ VINDO?

Então, o que está em jogo no momento é uma nova etapa do desenvolvimento capitalista do mundo. E o Brasil de Dilma mostra a sua posição e a sua potência. É um guerreiro novo, coruscante, que tenta melhor posição do que já teve. E trabalha para entrar nesse clube que está se formando. E o que está se encenando é um reposicionamento dos capitais na construção de uma nova ordem. Isso quer dizer que a necessidade de uma nova economia centrada num dinamismo tecnológico outro – do mundo digital, do mundo dos novos materiais, da nanotecnologia, da biotecnologia, etc. – vai impor à economia uma nova estrutura. E nela, a trajetória especulativa das instituições financeiras terá nova situação, certamente viva, mas subordinada à expansão produtiva. O fato contundente e determinante de tudo foi a crise financeira mundial, a crise da liderança das finanças, mas que trouxe consigo também a crise da velha economia. Foi a camélia que caiu do galho, como dizia a velha música de carnaval. Tecnicamente, esse fenômeno chama-se de superacumulação de capital: superacumulação financeira e superacumulação produtiva. Assim quando a noite chega, os homens esperam a manhã, ou seja, o mundo se encaminha para uma reestruturação da economia mundial. Mas, atenção isso se faz com muita luta, uns ganham outros perdem, e toda luta leva tempo, tem a sua duração. Mas, o combate está solto.

O ENLACE DO MUNDO E DAS NAÇÕES

Agora, olhemos mais um pouco para o cenário atual: o leitor chegará à conclusão que o espaço econômico nacional, na verdade, é atravessado, em muitos lugares, pelo espaço mundializado. Ou seja, os mercados não são nacionais somente, mas também são mundiais, porque eles estão interconectados de uma forma ou de outra. Vem daí a questão tão discutida da desindustrialização, da proteção às indústrias, do fechamento das economias nacionais, das possibilidades de intervenção e das limitações do Estado nacional.

O NOVO AMBIENTE DOS NEGÓCIOS

1) Napoleão todo dia, depois de acordar, perguntava sempre: onde estão as minhas tropas? Pois é isso que a Dilma, o Mantega e o Tombini tem que fazer; e estão fazendo. Por essa razão – e salientaram muito bem vários empresários – o que mais agradou no pacote de terça foi a atitude do Governo brasileiro. Os discursos de Dilma e Mantega. Dilma falando contra a alta dos juros praticada pelos bancos. Ela estava dando o sinal de que os tempos da especulação do cassino financeiro começam a terminar. O jogo é botar as finanças no seu lugar. Por isso, Dilma vai mover a pedra dos bancos estatais para forçar a taxa de juros para baixo, terminar com a festa improdutiva, mas insana, dos juros elevados. Já Mantega no seu discurso disse que estará permanentemente atento ao câmbio, pronto para atuar quando for necessário, porque, no momento, está influenciando fortemente na economia, seja na competitividade da indústria nacional, seja nas contas externas do país. Essa posição de vigilância agradou. E mostrou que o Brasil parece atento e responde às múltiplas medidas dos outros países, como as medidas de liquidez, as medidas protecionistas, etc. Mas, vejam, é o momento de reforçar a produção. E nada melhor do que criar um ambiente favorável ao investimento, à produção sobretudo, mostrando uma posição contra os dois lugares onde as finanças fizeram e faziam a sua festa: o câmbio e os juros. Claro, a guerra está mal começando.

2) Para uma análise da realidade dessas medidas do pacote (desoneração da folha de pagamento, crédito à exportação, aumento no volume dos recursos para o Programa de Sustentação dos investimentos, redução de tributos da infraestrutura portuária e ferroviária, incentivos ao setor de telecomunicações, apoio ao novo regime automotivo, etc.) é preciso tanto ir aos detalhes e aos diversos setores (coisa que não temos condições de fazer aqui) como vê-las sob a luz de um projeto nacional, que se afigura a cada instante mais claro. E cada vez fica também mais saliente, como um objeto numa imagem em 3D, a posição da Dilma: trata-se de jogar o país na concorrência mundializada sem deixar de “regular” e proteger a economia brasileira. Essa coisa não tem volta. Estamos numa época de nacionalismo distinto, trata-se do nacional dentro do mundial. E não do nacionalismo face apenas a outros nacionalismos. E nunca esqueçamos, esse nacionalismo vive dentro do projeto dos capitais de reformulação da antiga ordem mundial. No caso brasileiro, a mudança da economia se faz junto com uma proposta social de erradicação da miséria. O que é o possível no confronto dos grupos sociais do momento.

(Entre parênteses, temos duas perguntas: como é que a classe trabalhadora vai responder a desoneração da folha de pagamento? Essa desoneração é um avanço e uma antecipação sobre o tema do confronto entre o capital e o trabalho nas economias do mundo? Quem tiver hipóteses ou souber a resposta que fale!)

3) Finalizando, o que importa ver é que o Brasil tem um projeto de integração do país no novo padrão de acumulação, através da Petrobrás, da Vale e do agrobusiness. Em torno da Petrobrás se organiza, de forma fundamental, um eixo no qual se enlaçam na sua cadeia produtiva empresas nacionais. A Petrobrás é, na economia brasileira, um polo dinâmico capaz de reorganizar, em parte, o Brasil. Aliás, a nossa meia cancha econômica é a Petrobrás, a Vale e o agrobusiness, esses dois últimos com dinamismos menores. No outro lado da economia brasileira, temos outro polo dinâmico ao redor de obras públicas, de tal modo que as empresas da construção civil funcionarão para desemperrar estradas, transportes, armazenagem, portos, aeroportos, etc., mas também para atuar, como já está ocorrendo, no setor imobiliário, inclusive na habitação popular.

Pois se vale essa visão do projeto de política econômica para a economia brasileira, o analista deve ressaltar que as medidas tomadas pelo governo Dilma visam apoiar setores específicos como os automóveis, mas também às empresas que atuam competitivamente na concorrência capitalista mundializada e nacional. Deu para ver que o Brasil está concebendo uma política econômica centrada na Presidência da República, que sabe o que faz. É por isso que, no final da cerimônia, alguns empresários chorões como os antigos agricultores, comentando as medidas, disseram que o governo tinha boa intenção. Mas faltava isso, faltava aquilo. E mais aquilo lá e mais aquilo outro. E um deles presidente de uma entidade empresarial falou: “É pode até dar certo! Como dizia um professor de economia amigo meu: “quando você chega à mesma opinião que os empresários e eles te elogiam, você está certo”. Será que a Dilma com a sua estratégia e a sua política, calibrada passo a passo segundo as necessidades e as possibilidades, está acertando a respiração que precisa a economia brasileira?





quinta-feira, março 29, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

O QUE FAZ ENTÃO A DILMA? 

Enéas de Souza
29 03 2012


1) Ora, Dilma está nadando num oceano inóspito, tentando articular vários níveis de ação. E percebe uma paisagem internacional complexa e ameaçadora. O que Dilma enfrenta é um capitalismo em processo de mutação, de contornos absolutamente indefinidos. Para onde ele vai ninguém sabe, só se advinha, só se intui. Tudo existe em esboço, tudo existe nas tendências, que, muitas vezes, mal se enxergam. Claro, o mundo se move, mas é como aquele filme de Hitchcock, “Um barco e nove destinos”, onde um bote de náufragos tenta encontrar um navio que os salve ou uma improvável costa para aportar. E os participantes desse barco, no mar contemporâneo, são variados e estruturais: uma crise das finanças, uma crise da produção, uma crise de Estados, uma crise social importante em muitos lugares, uma ameaça no comércio mundial das nações. Num certo sentido, o Brasil está bem. E está bem porque Dilma tem uma política, um norte, que se faz com dificuldades, e, no entanto, está se fazendo e está se construindo. E essa política é a busca de colocar o Brasil em vantagem, superando os soluços e as convulsões da crise.

2) Dilma tem procurado fazer até agora uma transformação estratégica no Estado brasileiro. Manobra na direção de dar-lhe uma unidade, para que tenha condições de encarar o leão da crise que saiu da jaula e está, há bastante tempo, nas ruas. Assim, toda a luta, no pós-tucanato neoliberal, visa à construção de uma nova política econômica, que deve ser a mais consistente possível num ambiente de antagonismos inquietantes. Significa, então, a imperiosidade de renovação das estruturas financeiras, produtivas e mesmo estatais da economia mundial. É o barco de náufragos que começa a enxergar o continente.

3) Qual é o jogo da Dilma? Pela primeira vez na história do Estado brasileiro dos últimos tempos, o presidente – no caso, a presidente – centraliza tanto a concepção da estratégia nacional como a definição de uma política econômica. Com essa postura, dá sinais evidentes da importância do momento. Ou seja, neste instante da ópera, a ária da questão da política econômica é tão decisiva que a presidente avoca a si a centralidade da concepção. E mesmo parte da execução. Uma dos maiores obstáculos é exatamente dar unidade a essa política, pois ela está se fazendo a quente, no calor da hora – a ebulição se exibindo – com contradições evidentes entre integrantes inclusive do mesmo lado. Ninguém sabe qual a trilha por onde vai se encaminhar o desmanche do que já era e os canteiros de obras da construção do mundo presente-futuro.

4) A Dilma, em minha opinião, percebe que a oportunidade para o Brasil está na ancoragem no porto do novo padrão de acumulação que vai se desenrolar, se estender e se ampliar nos próximos anos. Padrão baseado nas novas tecnologias de comunicação e informação, nos novos materiais, na biotecnologia, mas que tem outros pontos, outras camadas, como as da infraestrutura energética e alimentar, por exemplo, que também estão em processo de se materializar. Faz parte da visão brasileira a ordenação e a organização das atividades produtivas do Brasil para que o país possa, de fato, andar com certo destaque na nova carruagem.

5) O que é que faz, então, a Dilma? Primeiramente, o que disse acima, concebe e passa a executar uma política econômica de preparação para integrar esse novo padrão. Então, essa unidade da política econômica tem um ponto novo, peculiar, que se centra na presidência, mas que está apoiada pela Fazenda e pelo Banco Central. E aí está a grande conquista da presidente. Foi conseguir somar ao triunfo do governo Lula, de trazer a Fazenda para o lado da presidência, o alinhamento do Banco Central a uma política de Estado. Porque como falamos sempre, na hegemonia do capitalismo financeiro, o Estado nacional foi cindido numa parte econômica (geralmente, Fazenda e Banco Central) e num agregado dos demais Ministérios. Essa forma definia o modo de dominação das Finanças internacionais e dos bancos nativos. Detendo o controle do Estado, eles reduziam a política econômica global a uma política econômica restrita. Ou seja, abandonavam a política industrial, a política agrícola, a política trabalhista, as política sociais, etc., se dedicando apenas ao quarteto adorado das Finanças: política monetária, política cambial, política financeira e política fiscal. O Brasil começou lentamente a resgatar uma política econômica coerente e unitária que tende a ser tornar novamente global.

6) O jogo da Dilma, após conseguir uma unidade nuclear do governo em torno da Presidência, canalizou e conduziu a sua política e a sua estratégia econômica para a sustentação de três setores fundamentais. Energia, mineração e produtos agrícolas. Dito de outra maneira: Petrobrás, Vale e agrobusiness. É isso que constitui a base fundamental da política econômica do Brasil, porque é quem vai dar a integração nacional no contexto desse novo padrão de acumulação. É sobre a trindade em pauta que se fará a rede econômica do futuro do país.

7) Pois, o jogo da Dilma passa por essa integração. E ao trazer, em 2006, a Petrobrás para o centro estratégico do governo, a presidente – na época, chefe da Casa Civil – já tinha a ideia de fazer uma remodelação da estrutura industrial brasileira. Com isso, dava dois sinais: estender a inserção da petroleira nacional no espaço da mundialização e usar a Petrobrás, através de sua da cadeia produtiva, como motor da estrutura da produção do país. Porque ela movimenta fortemente a indústria, mas afeta também a agricultura. A concepção parte da ideia de inscrever a Petrobrás (veja-se a abundância que vai ser o pré-sal) no padrão de acumulação novo, mas, ao mesmo tempo, formar com ela um bloco de capital que organizaria uma grande parte da dinâmica da economia brasileira. Claro que essa articulação vai adiante, enlaça o encadeamento de indústrias de sondas, navios, plataformas, etc. Mas, não pára aí, não. Requer a renovação da infra-estrutura brasileira de transportes, estradas, portos, armazenagens, etc. Ora, com isso movimenta também o setor da construção civil. E funde essas demandas com outras demandas que surgem da realização da Copa do Mundo e das Olimpiadas, onde também se incluiria a questão dos aeroportos. O conjunto avulta, cresce, evidencia uma metamorfose na economia brasileira.

8) Está se reorganizando, com toda a precariedade, com toda a disputa, com toda crítica, etc., uma tentativa de formar um segundo polo dinâmico de acumulação do país. Claro que nesse itinerário da construção civil, estaria incluída uma outra área que não poderia deixar de estar, a construção habitacional, com o “Minha Casa, Minha Vida”. Naturalmente, um alargamento da moradia para a população brasileira. E nisso tudo temos um pouco da herança do Juscelino Kubitschek, o processo de acumulação em torno de dois polos: energia e construção civil.

9) Cabe entender que, para apoiar esse conjunto, o governo armaria o funcionamento de uma estrutura de financiamento partindo do orçamento público e dos bancos estatais (BNDES, Caixa e Banco do Brasil), que estaria forçando o crédito à produção, e financiando o longo prazo. Voltaríamos a um projeto de desenvolvimento, onde o investimento estaria sendo sublinhado como o elo entre o presente e o futuro. E o emprego iria, e já está indo, no bojo dessa caravana, dessa expansão.

PARÊNTESE CAMBIAL

O maior problema para o Brasil, ao menos no plano imediato, é exatamente a questão da taxa livre de câmbio e da taxa de juros. Num certo sentido, a política econômica do Brasil está caminhando para um câmbio sim, valorizado, mas se adaptando tanto a exigência de entrada de capital, como as necessidades de investimentos externos e de movimentos competitivos da indústria nacional. É uma sintonia fina. Claro que temos o efeito chamado de “desindustrialização”, clamado por algumas empresas de todo os setores, sejam de bens de consumo não-durável, sejam de bens de cosumo durável, seja de bens de capital da indústria. E aqui o jogo é complexo também, pois há que ver que temos duas vertentes, uma que precisa do câmbio para se ajustar às novas condições de competição financeira e produtiva mundial, e outra, que precisa do câmbio para se proteger da concorrência internacional. Isto sem contar as exigências do setor financeiro nacional. A saída tem sido, em grande parte, ir lentamente mudando a taxa de câmbio e realizar uma série de medidas fiscais, aduaneiras e mesmo legislativas, que possibilitem uma melhoria da concorrência das empresas nacionais. Não tem sido suficiente até agora, principalmente porque o nível de competição das indústrias brasileiras não é de ponta.

A TECNOLOGIA DO PADRÃO

Ora, isso nos encaminha para a questão tecnológica. O Brasil não é um país de vanguarda nas inovações nem na introdução da tecnologia na estrutura produtiva. Claro que temos empresas em boas condições, veja-se a própria Petrobrás. Temos nas universidades alguns nichos de bom e até grande nível. Mas não somos protagonistas, atores de envergadura nesses episódios. Ou seja, a liderança do processo tecnológico não está ao nosso alcance. O que não quer dizer que ela deve ser abandona. Há algumas boas fichas para se apostar nela.

TEMA FINAL

Então, queria colocar um tema final. Hoje, a política econômica brasileira tem que estar pensando nas mudanças do padrão da economia mundial para organizar as suas próprias mudanças. E embora a defesa do nacional é importante e decisiva, não basta ser somente nacionalista para se posicionar no quadro atual da economia. Há que pensar o dentro e o fora do país, a economia mundializada em itinerário, em alterações, e os possíveis reflexos disto na parte interna da nossa atividade econômica.

Resumindo, o que Dilma está falando à nação, aos empresários, aos trabalhadores é o seguinte: 1) precisamos, cada vez mais, de um Estado coeso e unitário, depois de termos tido um Estado esquartejado; 2) precisamos nos juntar à construção do novo padrão, que passará por uma mudança na relação das órbitas produtivas e financeiras; 3) precisamos dessa situação para desenhar uma estratégia nacional; inclusive a de defesa da nossa industrialização; 4) precisamos reorganizar a economia brasileira com base na Petrobrás e sua cadeia produtiva, mas inscrevendo no país numa transformação da infraestrutura pública, construindo um segundo pólo dinâmico, que será a indústria da construção civil; 5) precisamos perceber que o processo que tem que estar em pauta constantemente e que não há um rumo preciso, as coisas estão indeterminadas; 6) precisamos estar preparados no conflito dos capitais e dos Estados dentro de um quadro de uma economia chamada de “livre mercado”, mas que pode passar rapidamente para um protecionismo intenso (liquidez que fazem os Estados Unidos, a Europa ou a China, com o seu câmbio atrelado ao dólar, empurram o mundo nessa direção); 7) precisamos notar que o novo padrão de acumulação exige além de empresas para a base da economia, como energia, mineração, produtos agrícolas, requer corporações que liderarão o padrão por causa de negociarem com alta tecnologia. Neste ponto, estamos fora; 8) precisamos, a despeito da nossa fraqueza estrutural, de uma política de ciência e tecnologia.

Dilma, então, está nos dizendo que o capitalismo mudou, que ele está em andamento, que o Brasil tem política econômica para tal, mas que apesar do horizonte aparecer claro, nuvens podem toldar o clima. No entanto, há uma ideia de que está em marcha um processo de grande transformação do mundo e do Brasil. O tempo dessa mudança não tem definição, mas tudo isso vai se desenvolver intensamente nesta década, quem sabe se completando nos dez anos posteriores. O filme, que continua trepidante e cheio de dramas e percalços e adversidades, pode ser perigoso e doloroso, mas não será sem emoções. Estamos num processo de alta concorrência, num processo de concentração e centralização de capital. No meio dessas nuvens de pó, muitos capitais e muitos setores vão sofrer baixas, isso é inevitável. Mas, como diz meu amigo André Scherer, os capitais podem mudar de ramo e o trabalho também. O que significa isso? Que o dinamismo da economia brasileira pode ser mais contundente do que as quedas, embora as fricções possam causar escoriações e complicações temporárias, seja aos capitais, seja ao emprego.

Como nos antigos melodramas históricos, o filme que estamos vivendo, também poderia se chamar: Dilma na cova da energia, dos chips e dos leões.

quinta-feira, março 22, 2012


CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

QUEM TEM
POLÍTICA,
TEM PROJETO

Enéas de Souza
22 03 2012



A grande revolução dos últimos tempos do capital financeiro na economia mundial é a sua distância e a sua apropriação do Estado. Com a emergência da crise financeira de 2007/08, deu-se o início da construção de uma nova realidade financeira e política que só agora toma corpo e se faz nítida. Trata-se de um organismo geneticamente modificado. Aquela antiga divisão entre Executivo e Banco Central passou para uma nova relação de força.

O SUCESSO DA OPERAÇÃO

1) Mesmo arrasada economicamente pela crise, as finanças transformaram o Estado numa marionete dócil e aplicada. Quem diria que o Leviatã de Hobbes tomaria a figura de um teatro de bonecos da Goldman Sachs e seus congêneres? E foi nesse caminhar que, vencedoras apesar de combalidas, as finanças precisavam dominar integralmente a máquina de fazer dinheiro do Banco Central. E a partir daí inventaram uma política econômica.

2) E este é um ponto chave para entender o momento transitório atual. Trata-se de um Keynes perverso. Um Keynes que usa o Estado, mas não em nome da sociedade, do capital e do trabalho. E sim em nome do capital financeiro. E na passagem fica esculpindo um Estado minimalista, um Estado reduzido, um Estado onde o Banco Central seja o formulador da política econômica. Como?

3) Assim como na política clássica de desenvolvimento o Estado gasta para aumentar o investimento privado e público, e incentiva a atividade econômica também para dar emprego, etc., agora é o Banco Central que empanturra os bancos de dinheiro (através das quantitatives easings) na base de uma taxa de juros reduzida.

4) Façamos um zoom nessa política. E vemos que essa liquidez produz quatro efeitos: um, salva os bancos; dois, aumenta a inflação; três, permite, por isso, o bloqueio do aumento da recessão produtiva, fazendo o PIB crescer um pouco quando cairia muito mais se não houvesse essa liquidez; quarto, permite que, pela desvalorização monetária e pela competição das moedas dólar-euro, as economias avançadas tenham maiores possibilidades exportadoras.

5) Como perguntaria meu amigo Cosme: É ou não é uma política financeira de desenvolvimento?

6) E a estratégia pondo o chapéu desta política, ao mesmo tempo, assegura uma retomada das economias avançadas no processo de desenvolvimento econômico, buscando manter a liderança desse processo. Ou seja, o verdadeiro Estado, aquele que faz uma política econômica, é o Banco Central, que produz crescimento botando as finanças no comando do processo. Só que esse processo é pensado ortodoxamente, e faz recair o ônus da crise sobre funcionários públicos, trabalhadores, operários e desempregados. De um lado, o desemprego público e privado coloca uma densa massa de gente demandando trabalho, o que faz diminuir o salário nominal e real. E de outro, há também o caso da Alemanha, onde o controle da remuneração dos assalariados se deu, por intermédio de acordos entre patrões e empregados, sob a condução do governo. E todos se deram bem, pois os resultados capitalistas foram evidentes para a Alemanha. Ela é hoje o Estado mais completamente parceiro das finanças.

MAS VAI DAR CERTO?

1) Parece que do ponto de vista da recuperação, sim. Muito pálida, mas sim. Embora um cara como Martin Wolff, do Finantial Times, tenha dúvidas. Contudo, vamos admitir que as finanças estivessem certas. Cabe precisar que o que vai entrar em campo são efeitos dinâmicos de curto prazo. E que não levam a economia para um novo estágio de desenvolvimento. Fica no cresce e pára, toma uma crise e recupera de novo. O chamado voo da galinha. O pula-pula. E não resolve a questão da nova economia, que tem como alvo a recuperação e a metamorfose do padrão de desenvolvimento.

2) Então, o verdadeiro tema é a articulação das finanças com as empresas que operam com tecnologias novas. Esse me parece ser o desejo secreto das finanças, o segundo estágio do seu projeto, um desenvolvimento sustentado. Porque, ao se construir um novo padrão de acumulação com essa constelação de tecnologias, a lucratividade se derramará sobre todo o sistema. E aparece a oculta ambição: o sonho que o desenvolvimento da tecnologia dê tanto lucro, tanta grana, que uma parte dessa lucratividade possa ser bombeada para o mercado financeiro. E assim criar um círculo virtuoso: finanças-produção-finanças-produção... Um delírio de infinito circuito do desenvolvimento do capital.

3) Todavia, um urubu acaba sempre por pousar na economia, porque um círculo virtuoso desemboca em circulo vicioso. Qual a razão? Ela começa com a forma do capital financeiro, que é aquela que dirige os destinos da economia atual. Essa forma tem dois circuitos, duas esferas que encaminham os capitais para a valorização. A órbita financeira e a órbita produtiva. Cada uma é regida por uma categoria econômica: a financeira, pela taxa de juros, e a produtiva, pela taxa de lucro esperada. Obviamente, que os capitais, quando estão livres, são atraídos pela taxa que dá mais rentabilidade. Por isso é que, nos últimos tempos, todos queriam navegar na esfera financeira. Mesmo aqueles capitais que atuavam na esfera produtiva, quando podiam se lançavam nas atividades especulativas próprias da outra órbita.

4) O fino leitor já percebeu tudo: a economia é atravessada por essa tensão, entre a valorização de uma esfera contra a da outra. Mas, cada uma é como um teatro; apresenta novidades que atraem os espectadores. E então, os teatros têm que oferecer melhores peças, melhores personagens, melhores sessões, etc. O povo vai num e vai noutro. De repente, a peça de um teatro é mais sensacional que a do outro. Como disse, desde os anos 70, o teatro financeiro veio apresentando os melhores rendimentos. Sua órbita ficou abarrotada e os ativos inventados foram um êxito. E quando a temporada de 2007/08 terminou, a crise, no entanto, se abateu sobre os dois teatros. E a sociedade percebeu que havia que construir um novo teatro produtivo. Pois, em verdade, é ele quem dá sustentação ao mundo no qual vivemos. É pela produção que todos almoçam, jantam, se vestem, viajam, usam computadores, compram I-Pods, etc. Por consequência, o desafio agora é como construir essa arquitetura que leva o nome de Novo Padrão de Acumulação, e que é, na verdade, resultado de uma nova divisão social e internacional do trabalho.

5) Esse é o segundo ponto de um projeto de futuro das finanças. A construção de uma nova economia, de um novo padrão de desenvolvimento. No entanto, há uma contradição visível, as finanças jogam no curto prazo, e este é um projeto de longo. Então, a questão é como fazer essa união. E aí só as novas tecnologias podem tecer esta costura. E de maneira tal que a tensão entre as órbitas não afete a rentabilidade da esfera financeira e propicie um aumento insofismável da lucratividade da área produtiva. E isso só pode acontecer quando houver uma mutação estrutural. Quando a diversidade das tecnologias funcionarem em conjunto e derem partida ao tão falado padrão de acumulação, elevando nesse navio a lucratividade do capital, prestigiando tanto as finanças quanto a produção. Embora, no momento, as órbitas estão desequilibradas em favor das finanças, há que inverter esse fenômeno.

6) Então, a pergunta fatal: será possível haver uma ligação entre as finanças e a produção, de tal modo que aumente o lucro e a rentabilidade de todo o sistema?

7) Ou será preciso que as finanças – comandando não apenas o Banco Central, mas todo o Estado – usem esse mesmo Estado para reorganizar as relações de financiamento, de investimento, de inovação, de pesquisa e desenvolvimento, de absorção de novas tecnologias, para que finalmente o novo padrão cresça e apareça?

E DESDOBRAM-SE A PERGUNTAS FINAIS

1)Sabendo que a economia capitalista contemporânea vai organizar um novo padrão de acumulação, questiona-se: como ficará a luta entre o capitalismo ocidental, com liderança financeira, e o capitalismo chinês, com dominância estatal?

(E essa indagação feita assim a quente, mais quente fica, quando se sabe que a partir de agora aguarda-se uma mudança na política e na economia da China.)

2) Depois desta primeira, temos mais três indagações.

Como virá o rosto do novo capitalismo mundial?

Quanto tempo levará todo esse processo?

Com que padrão de economia, de política, de sociedade, de ideologia, de utopia, de civilização se vestirá este capitalismo vindouro?

UMA CENA INTERATIVA PARA TERMINAR

Lá no fundo do teatro estão sentados Wallerstein, Arrighi, Harvey, Zïzek e István Meszáros. Continuam, apesar de variadas interpretações, com ar interrogativo: este capitalismo tem condições de superar mais esta? Ou estamos indo além do capitalismo? Já estamos navegando no anticapitalismo? Sim? Não? Como?

E Harvey levanta-se, vem até a frente do palco e diz: “Uma alternativa terá que ser encontrada. E é aqui que o surgimento de um movimento global de correvolucionários se torna crítico, não só para deter a maré de comportamentos autodestrutivos do capitalismo (que em si seria um feito significativo), mas também para nossa reorganização e para começarmos a construir novas formas organizacionais coletivas, bancos de conhecimento e concepções mentais, novas tecnologias e sistemas de produção e consumo, ao mesmo tempo em que experimentaremos novos arranjos institucionais, novas formas de relações sociais e naturais, com o redesenho de cada vez mais urbanizada vida diária” (“O Enigma do capital e as crises do capitalismo”, pág. 224, Boitempo, 2011).

Se você, interativo leitor, tivesse na plateia, faria o que?

1) aplaudiria;

2) vaiaria;

3) ficaria indiferente.