CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
A FRANÇA NA HORA
DO LANCE DE DADOS
Enéas de Souza
26 04 2012
DA EUROPA DOS CAPITAIS A EUROPA DOS CIDADÃOS
Não é cara ou coroa, mas é um momento decisivo para a França. E um momento importante para a Europa. E um momento importante para a mundialização. Não que François Hollande seja um esquerdista furioso. Não. François Hollande não é o candidato dos sonhos de alguém que é de esquerda. Mas, é um político que tem sensibilidade em relação ao destino da França no mundo, que tem sensibilidade em relação à situação do Estado de Bem-Estar, que tem sensibilidade quanto ao papel do próprio Estado no mundo presente. Ele é um cara que percebe que a França está cercada à direita, por todos os conservadores, da Alemanha a Itália, da Inglaterra a Espanha. E, sobretudo, sabe que a França foi envolvida pela Alemanha no jogo geopolítico mundial e europeu. Nenhum desses governos quis receber Hollande antes das eleições. Merkel fez campanha aberta para Sarkozy. A Europa dos capitais não quer nada com Hollande. Não é o demônio, mas será a resistência. A Europa dos cidadãos está se movendo.
SARKOZY, O ESPALHA ÁGUA
Sarkozy é o candidato dos ricos. Um tipo esperto, midiático, o logro – tanto no sentido de engano como de êxito – é o seu permanente objetivo. Está há muito acostumado ao poder. E o tem usado muito. Sua força é o denodo, a resposta imediata, o lance sempre oportuno. Um homem para os tempos das finanças. O problema apareceu, ele agiu. Não importa se bem, importa que responde. Tenta fazer do esquecimento a sua arma. Por exemplo: domingo houve uma ligeira rejeição de sua figura. É o primeiro presidente da quinta república francesa que na re-eleição perde o primeiro turno. É uma pequena rejeição. Só que Sarkozy, no dia seguinte, já saiu falando mal dos socialistas de Hollande e que ele estava disposto a abrigar os socialistas que eram favoráveis a Strauss-Kahn, aquele que foi defenestrado do FMI. E que foi indicado ao posto por ele, Sarkozy. Já perceberam? Não importa o problema, o negócio é sair do inferno a qualquer custo. É o espalha água.
MARINE NA COLA DE SARKOZY
1) Os estilos de política são diferentes, portanto. Hollande parecia inerte, agora a população acha que ele é calmo e ponderado. Sarkozy está sempre em atividade, nervoso, elétrico, tentando mostrar uma face americana que gosta tanto, o pistoleiro que sai atirando para todos os lados. Agora, está parecendo um pouco desgovernado. E não é por acaso: tem na sua cola, além da derrota no primeiro turno, a voluntariosa Marine Le Pen. E essa talvez seja a questão mais importante para ele. Marine Le Pen é o espinho da ultradireita, que acompanha a rosa socialista.
2) Na França, embora haja cada vez menos separação entre a direita e a ultradireita, ela ainda está presente. Sarkô é a direita internacionalista, representante das grandes empresas e das grandes fortunas, cujo objetivo é ocupar o espaço da mundialização. Por isso, Sarkozy quer fazer um Estado francês para essa fração social. Só que tem que desmontá-lo em todos os campos, sobretudo na previdência, na proteção social, na cultura. E sua política é uma política em direção aos capitais europeus. Faz, contudo, o discurso para um lado e age para outro. Exemplo: apoia a Alemanha na política da austeridade: controle do orçamento, controle dos gastos públicos, controle da dívida. Mas, joga no limite com o déficit e a dívida do país. E a França foi reprovada por uma agência de rating. Sarkozy é um trapezista audacioso, está sempre num equilíbrio instável. E para não perder a ultradireita, ataca os imigrantes ilegais, é duro com os operários, embora sempre tente aparecer como defensor dessa classe social e de todos os franceses.
MARINE CONTRA A TRAIÇÃO
Já Marine é o contrário. É a ultradireita nacionalista, xenófoba, moralista, vigorosa. Sua mensagem é a retirada da França da Comunidade Européia, a saída do euro, o controle da imigração, etc. Portanto, uma direita nacionalista. E daí que, aos olhos dos integrantes da Frente Nacional, Sarkozy é “a traição”, como disse, no domingo, um militante da Frente Nacional. É preciso notar que a FN tem avançado socialmente muito, sobretudo à medida que a França vem caindo. E Marine introduziu uma novidade na imagem pública da candidatura da ultradireita. Seu pai era um velho rançoso, mal humorado, com respostas contundentes e muito limitadas. Marine, não. Não chega a ser uma mulher bonita; se não é simpática, esbanja vitalidade e força. E suas mensagens são as mesmas, porém com melhor papel para embrulhá-las. Papel mais colorido, deixando de lado a poeira do seu pai. Os resultados de domingo evidenciaram que a FN conseguiu atrair os jovens, que vieram porque a França mudou. Marine tenta ultrapassar a antiga oposição direita-esquerda do acordo capital-trabalho do pós-guerra. Marine é o novo da direita. Melhor, da ultradireita. É a festa de um nacionalismo anti-mundialização.
TEM DIFERENÇA, SIM, ENTRE A DIREITA E A ULTRADIREITA
E o leitor já viu. Há dois caminhos para a direita largo senso: o internacionalismo e o nacionalismo. São caminhos divergentes e são ainda e claramente duas direitas. Mas, agora, Sarkozy vai ter um sério problema. Domingo, com o grande crescimento social da FN, a loira candidata de sorriso fácil percebeu que Sarkozy está num mau momento. E ela está se lançando como o futuro da oposição na França, porque junto com a queda do presidente, há também uma certa recuperação da esquerda. Hollande, ao contrário de Segolène Royal na eleição de 2007, conseguiu aglutinar não só os socialistas como também negociou bem com os demais partidos de “gauche”. As sondagens dão a vitória a Hollande. Pois Marine já começa a radicalizar a oposição direita-esquerda, forçando as suas mensagens, não apoiando – ao menos, até agora – a Sarkozy. E sua meta são as eleições parlamentares de junho. Na sua visão, o seu objetivo é se colocar como a verdadeira oposição ao possível triunfo socialista. Com isso, não só ela não vai fazer campanha por Sarkô, como também não vai apoiá-lo por baixo dos panos. Objetivamente, ela está ajudando François Hollande. A questão é: a ultradireita tem os votos que o presidente – ex-presidente? – precisa? Como que Sarkozy vai vencer essa barreira política? Conseguirá passar por cima de Marine?
HOLLANDE FECHOU COM TODA A ESQUERDA
O caminho de Hollande parece mais fácil. Mélenchon, que fez bela campanha e aglutinou muita gente em torno de si, já deu apoio total ao candidato do PS. Seus comícios empolgaram, embora não se traduzissem em votos porque a França também tem voto útil. E só por isso Mélenchon não chegou ao nível de Marine. E os verdes, que fizeram dois e alguma coisa, também anunciaram o seu apoio. Ou seja, Hollande já fechou com a esquerda da sua esquerda. E agora vai fortemente em direção ao centro, ao centro de Bayrou, que, como todo centro, tem votante que pende para a esquerda e tem votante que puxa para a direita. As análises dos que trabalham em sondagem afirmam que o partido de Bayrou se dividirá em 1/3 para Hollande e 1/3 para Sarkozy, e 1/3 não irá votar ou se absterá de escolher candidato. No quesito centro, o jogo está empate.
O QUE VEM COM A VITÓRIA DE HOLLANDE
Assim, as sondagens indicam uma leve superioridade de Hollande (54 a 46), mas, na verdade, a coisa está apertada, a disputa vai ser intensa. E as consequências serão muito fortes. Então, o que representa a vitória de Hollande? Em primeiro lugar, a interrupção do triunfo neoliberal conservador de Sarkozy. Em segundo lugar, uma transformação da política econômica na busca de um Estado novamente com preocupações sociais, na recuperação do controle fiscal, e na tentativa de retorno do crescimento econômico. Em terceiro lugar, a recuperação de um projeto francês de uma Europa dos cidadãos, com uma política externa europeia independente tentando ligar-se aos BRICS. O projeto é transformar a França, transformando a Europa, caminhando para os BRICS, e trabalhando para uma governança pós-crise. Em quarto, uma mudança estratégica para a França, para a Europa e para o mundo. Essa mudança vai passar pelas organizações paranacionais, como a OTAN (para bloquear a influência americana), como a ONU (mudança no Conselho de Segurança), como o FMI (alteração no estatuto do Fundo), etc. Cabe esclarecer que muitos desses aspectos não estão sendo discutidos na campanha, mas são parte do projeto global de François Hollande.
HOLLANDE/OBAMA VERSUS SARKOZY/MITT ROMNEY
Nesse sentido, visto dento do eixo americano como falamos acima, a vitória de Hollande – se for seguida de uma vitória de Obama nos Estados Unidos – pode preparar um itinerário para a recuperação econômica, social e política do referido eixo. Se ganharem, ao contrário, Sarkozy e Mitt Romney, a trajetória será mais contracionista, mais protecionista, aguçando poderosamente os problemas de distribuição da renda, trazendo mais problemas sociais, e uma mais lenta senão uma postergação indefinida da recuperação econômica e social desse eixo americano. Como se vê, a eleição da França está, no domingo, dia 6 de maio, como o título de um poema de Mallarmé: por “Um lance de dados”.
PS – Leitores desta coluna: entro em férias em maio, volto em junho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário