CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
POR QUEM ESTOURAM
OS FOGUETES NESTE NATAL?
Enéas de Souza
Estamos num processo longo de reformulação da economia capitalista, desde a crise de 2007/2008. Neste Natal, a gente pode fazer um balanço para onde ela vai. E examinar, busca de lucidez, que tendências estão inscritas no seu movimento e na sua dinâmica, uma vez que o mundo se mexe apesar das aparências. Daí a pergunta: para onde está indo o capitalismo? Nada mais próximo do que falava o nosso Fellini: “E la nave va”.
A DINÂMICA DO CAPITAL ESTÁ NO IMPASSE
Quando se olha a realidade atual, o que é que nós vemos? Olhamos uma economia que chegou a um auge nos fatídicos anos de 2007/2008 e desabou. Chegar a um auge quer dizer que esta economia criou capital demais, superacumulou e, portanto, quando se chega a um excesso, a um transbordar, o capital – que sobra e que não dá lucro – precisa ser queimado, destruído, eliminado. Isto significa que a acumulação não vai adiante, não há mais espaço para crescer. Ao mesmo tempo, toda a lucratividade do sistema cai e é preciso recuperá-la; mas sabe-se que os mesmos procedimentos não podem ser repetidos. No caso das finanças, toda aquela enxurrada de papéis que se tornaram apodrecidos não conseguem mais serem utilizados, são papéis ilíquidos, são mecanismos emperrados. Ari Barroso tinha razão: são “Folhas Mortas”. E as instituições que as possuem se tornaram insolventes. Foi aí que entrou o Estado e o Banco Central dando força às instituições financeiras, fazendo operações de salvações gigantescas ou pondo liquidez na caixa e nos ativos dos bancos.
Então, os bancos ficaram se equilibrando e se salvaram, mas o problema é que a superacumulação indica claramente que o processo não vai adiante, que cada vez mais há empecilhos. O espaço de acumulação se reduziu, os mercados encolheram e a lucratividade também. Ora, foi assim na securitização com a grande história da crise imobiliária, está sendo assim na crise dos títulos soberanos, e continua assim na questão da re-hipotecarização. Logo, a arena de valorização do capital ficou pequena para tanta fome de lucros e de valorização. E quando o espaço encurta, os capitais tem que lutar entre si, com todas as armas, com todos os machados, com todas as facas, com todas as navalhas. Este é um processo de luta à morte dos capitais. Ele já destruiu várias instituições financeiras. Entre elas, a Lehman Brothers, a Fannie Mae e, recentemente, a MF Global. Isto quer dizer que alguns capitais já morreram (por exemplo, o Unibanco no Brasil) e outros vão morrer. Não há expansão da lucratividade para todo mundo; o que há é concentração e centralização de capital. Os mercados – tão celebrados – sumiram para alguns capitais. O capital vive um impasse: vai levar muito tempo para que essa autofagia traga uma abundância de lucros para todas as suas frações, da financeira à produtiva, sem que a economia altere profundamente o seu padrão de acumulação.
DE ONDE VEM A REVERSÃO DA FASE ATUAL?
É possível recompor a possibilidade de acumulação de capital, de modo substancial, através de uma vasta metamorfose tecnológica. E como pode ser? Ela se dará por meio de uma passagem, de uma transição. Vemos, de um lado, uma economia produtiva que está se desmanchando, que está apanhando e que vai estacionar e regredir nos próximos anos. Nela, a tecnologia já chegou ao seu limite, há várias coisas que podem ser acrescidas, mas a sua liderança atingiu uma zona de saturação. De setor líder vai passar a ser um setor em processo de envelhecimento e comandado por outro(s). Seus incrementos serão sempre de produtividade e jamais de invenções revolucionárias, como é o caso da indústria automobilística. Todavia, algumas outras indústrias, como a eletrônica, têm saltado para transformações decisivas, tanto na questão da produção, como na questão da distribuição – ou, como se chama de outra maneira, na esfera da circulação do capital. Isto quer dizer que uma parte do novo padrão de acumulação – as novas tecnologias de comunicação e informação – vai progressivamente ocupar o seu lugar, a posição de liderança dinâmica. É exatamente pela tecnologia que o capitalismo pode sair do seu impasse de aumento da valorização do capital.
A BARCAROLA DO ESTADO AVANÇA NO MAR DOS CAPITAIS.
Contudo, o ponto chave para a transformação da economia é o Estado. E aqui temos que salientar duas coisas. A primeira é que o Estado tem que se livrar do aprisionamento das finanças, que levaram a quebra de alguns Estados nacionais, através do entupimento das dívidas soberanas. Ou seja, os Estados têm que abandonar essa ligação cariada. Eles não podem se recuperar para salvar e apoiar novamente as instituições financeiras falidas. Se isto acontecer, tudo será como no Japão, nada se mexerá, nem as finanças, nem a produção, nem a sociedade e nem o Estado.
(Os americanos estão singrando nesse caminho e nessa rota, só as eleições podem alterá-los. E a Europa? Bem, a Europa está pior. Veja o BCE: não empresta para os Estados, mas empresta para os bancos, sob o suposto inverossímil de que esses comprarão as dívidas daqueles. Ah! essa idéia só pode ser de um homem das finanças: Mario Draghi, aquele que comandava a Goldman Sachs, quando essa auxiliou a Grécia a falsificar as contas para entrar na Comunidade do Euro... Porque o concreto é o seguinte: o banco especula e não compra dívidas para salvar os Estados. Só por essa razão é que o BCE faz a festa das finanças e encaminha o desastre europeu para mais uma falsa esperança.)
Para que o capitalismo se resolva, o Estado precisa desatar a crise fiscal, escapando da longa mão especulativa e anti-social das finanças. A segunda coisa é que é preciso deslocar a fonte de atenção da estratégia dos Estados, ela deve deixar de se ater às finanças e passar a se preocupar com o investimento e com o emprego. As finanças jamais financiarão um Estado em profunda crise e jamais passarão recursos da especulação para a aplicação produtiva espontaneamente. Por isso, o Estado é o ator principal. Portanto, a questão é uma questão política. E as indagações são as seguintes: como é que politicamente o Estado vai passar à liderança do processo econômico e resolver seus problemas de financiamento? A ênfase do novo financiamento será através de novos endividamentos? E eles serão de que origem? Ou o financiamento virá através de aumentos de impostos? E como? Ou será através de uma situação mista, endividamento e tributos? Ou o Estado, num caso extremo, financiará a si próprio porque nacionalizará ou socializará os bancos? De qualquer forma, a pergunta subsequente é imperiosa: o Estado vai se financiar para quê? A única resposta válida: o financiamento deve ser para um projeto de longo prazo da economia, que é a construção desse novo padrão de acumulação já citado.
A questão toda que aparece neste Natal é a incerteza da definição e o tempo para essa mudança, já que ela depende da capacidade de resistência das finanças, da amplitude política dos capitalistas e dos trabalhadores para instalarem um Estado com um projeto de longo prazo, e das negociações políticas e econômicas capaz de dirigir o Estado para a arquitetura de um novo padrão de acumulação. Se o impasse triunfar, a mundialização pode desembocar, quem sabe, na instauração do bélico, de um escuro neoliberalismo financeiro de guerra.
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