quinta-feira, dezembro 15, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL:

DILMA NA TENSÃO
DO CURTO E DO LONGO PRAZO

Enéas de Souza



Um ano de Dilma. Há muita coisa a falar sobre a sua presença no cenário nacional e internacional. Vir depois de Lula não é fácil, porque Lula fez um trabalho sensacional e empolgante. O que é surpreendente para os adversários é que ela está se saindo bem, está fazendo as suas tarefas. Como se dizia antigamente, a Dilma é quadro. Mas, agora, ela ultrapassou essa etapa, ela é a comandante do país. Só que pegou uma conjuntura movediça, voluptuosa e errática. Numa palavra: ameaçadora.

Olhem, leitores controversos, qual é a situação em que se encontra a presidenta. Em primeiro lugar, há dois problemas imediatos. Um de curto prazo: como armar a defesa brasileira em torno da ameaça constante do vendaval da crise. E nele a pergunta chave é: qual o momento exato em que a conjuntura internacional será irreversível? Dilma vai precisar de sintonia fina e de uma sensibilidade antenada, como a de um escritor como Borges. Ou, como Pamouk. Mas, há um segundo ponto, um problema de transição: como desenvolver um projeto nacional no meio da constância dos ventos e dos aguaceiros? Aqui já é o longo prazo que está chegando à porta e perguntando à Dilma: o que tens para me agradar?

(A essa última pergunta, nos seus devidos momentos, Collor não tinha resposta e Itamar só tinha suspeitas. Já Fernando Henrique, foi indolente: deram-lhe o neoliberalismo e ele aceitou. Talvez tenha sido que nem Riobaldo, só que sem Diadorim. E Lula, por sua vez, chegou para descortinar um horizonte ao Brasil na política externa e para desenvolver, igualmente, uma luta contra a miséria, uma política de sustentação coerente para os que fizeram e fazem as verdadeiras raízes do Brasil).

Assim, a questão do curto e do longo prazo é uma realidade terrível, porque, como a economia capitalista está em transformação, as crises americanas, europeia (incluindo Inglaterra) e a tendência da China, a diminuir seu crescimento, mostram que o mundo do capital vai mudar profundamente. É o que sempre vínhamos dizendo: a busca de um novo padrão de acumulação. Ou seja, algo de adventício vem chegando. Como diria Carlota Perez: estamos na zona do “turning point”, só que este momento leva tempo para se encaixar. Enquanto ele não chega, vivemos a turbulência do curto prazo. E os estragos do capitalismo neoliberal obrigam aos países a cuidar das devastações do imediato (vide agora o novo problema da re-hipotecarização, como faz notar o meu amigo André Scherer).

Bem, no meu modo de ver, a grande jogada de Dilma é exatamente colocar uma atenção muito forte sobre o curto prazo, sem descuidar de olhar, pelo menos de quando em vez, para o longo. Como assim? Explicite melhor! O que penso ser a estratégia da Dilma para o termo imediato já começou desde os primeiros dias de seu governo. Claro, tudo se inaugura com um princípio, que é uma estratégia: a reunificação do Estado. Ela é um grande lance para o Brasil se desvincular deste neoliberalismo financeiro, cujo objetivo foi sempre desarmar a entidade estatal de sua capacidade de efetuar política econômica, de pensar e articular o curto com o longo prazo, de proteger a sociedade de eventuais desastres dos mercados financeiros que afetam o investimento produtivo e o emprego, a inanidade pública diante da crescente miséria e fome do mundo. O resultado desse processo de financeirização da economia e da sociedade foi um Estado fragmentado, no mínimo dividido entre Governo de um lado e Fazenda e Banco Central de outro.

Foi essa cissiparidade econômica que Dilma conseguiu obstaculizar e dar um passo gigantesco para a reunificação do Estado. Se Lula já tinha conseguido colocar a Fazenda no bom caminho, Dilma alcançou um feito memorável. Sem impedir a autonomia do Banco Central, articulou para o órgão uma presidência que tem uma visão de economia semelhante a do próprio Governo. Faz muitos anos que não existia essa identidade na área econômica. No limite, o Banco Central de Meirelles, pelo menos, era sempre as Finanças governando o país. Agora, o Banco Central pensa também no crescimento econômico da nação. Olhem, para confirmação, no movimento da taxa de juros.

O que significa isso? Significa que para que um país possa vencer sem grandes rombos no seu casco de navegação esta brutal crise internacional ele tem que ter minimamente uma unidade. E Tombini, pelo menos até agora, tornou-se um presidente alinhado com o Estado Nacional. E daí vem a visão de Dilma. É preciso preparar fortemente o Brasil para defender-se da furiosa disputa econômica do momento atual, efeito da queda da produção dos países líderes ocidentais, da queda do comércio internacional, da devastação alucinada das finanças, da procura invasiva de especulações vigorosas, da débâcle do eixo americano (USA-Inglaterra e Europa) e dum avanço menor do eixo chinês como rebote desse eixo americano sobre ele.

Esmiuçando um pouco, Dilma tem então duas preocupações no curto prazo: a primeira é defender-se dos efeitos negativos da recessão mundial a caminho de uma depressão. E a segunda: recuar, fechar-se se for necessário, para uma certa proteção da economia brasileira, voltando-se, atingido um ponto crítico, para o mercado interno. Essa manobra visa reaver um capitalismo estatal, como o da Petrobrás, incentivando o capitalismo privado produtivo, até para uma expansão internacional, e procurando medidas, controles, ações na área financeira que protejam o próprio setor bancário. Isto quer dizer que Dilma trabalha numa dupla dimensão: manter as relações com o que está vivo do capitalismo internacional e uma reativação das estruturas internas do nosso capitalismo para que se mantenha o investimento e o consumo e se mude a situação de áreas industriais prejudicadas nessa mundialização, sobretudo aquelas afetadas pelos chineses. Tudo é uma questão de momento, de oportunidade, de ter o olfato para o que vai ocorrer. E, sem nenhuma dúvida, puxar o gatilho no momento agudo.

O ponto mais complexo, no entanto, é o do longo prazo. Por quê? Exatamente porque o Brasil não é um país líder do capitalismo, não tem nem um setor industrial nem tecnologia de ponta. E aqui talvez esteja uma das grandes dificuldades para Dilma. Por um lado, o Brasil está encaminhado para o novo padrão internacional de acumulação, pois a sua inserção está praticamente garantida através do petróleo, da mineração e da produção de alimento. Só que se ficarmos nisso será cometer o equívoco da Argentina no século XIX e XX. Seria paralisarmos nossas pretensões na trajetória da produção primária. E, portanto, ficarmos dançando um excessivo e prolongado tango. O problema, então, é como conseguir envolver o país numa estratégia de longo prazo, englobando um itinerário industrial onde as novas tecnologias de comunicação e informação, da biotecnologia, dos novos materiais, etc., façam a sua parte. Isso vai exigir, além de planejamento, investimentos estatais e investimentos privados, locais e estrangeiros, e uma estratégia que envolva além de um projeto nacional, econômico e político, um desdobramento para as áreas da educação, da ciência e tecnologia, e da cultura. Mas não, é claro, como um projeto adicional, e sim como um projeto essencial do país.






















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