domingo, outubro 30, 2011
quinta-feira, outubro 27, 2011
domingo, outubro 23, 2011
sexta-feira, outubro 21, 2011
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: "Crise ampliará a presença do Estado"; por André Scherer
Segue a entrevista concedida à coluna que o CORECON-RS tem no Jornal do Comércio de Porto Alegre e que é publicada toda sexta-feira:
Crise ampliará presença do Estado
Crise ampliará presença do Estado
Nos recentes debates sobre a crise mundial, a pressão é grande para que os europeus resolvam rapidamente a crise e os problemas de seus bancos fragilizados. Para o economista André Scherer (CORECON/RS - 4888), a crise europeia tem potencial para impactar fortemente a economia mundial. Confira abaixo.
CORECON/RS – Quais as razões que levaram a crise
internacional, que envolve países da Zona do Euro?
André Scherer - A crise financeira mundial iniciou-se ainda em 2007, com o fim da bolha especulativa imobiliária nos EUA. Essa crise mudou de fase em 2008, quando, após o episódio da falência do banco de investimentos Lehman Brothers, o crédito parou de irrigar a economia, os mercados financeiros perderam liquidez e a economia “produtiva” foi fortemente afetada, também em caráter mundial, com quedas expressivas no volume do comércio internacional. Nesta fase da crise, a situação é mais grave na Europa, uma vez que a moeda por lá foi constituída sem o suporte de um tesouro e de uma União fiscal. É isso que leva a intermináveis discussões sobre como, quando e quem paga pelo resgate dos sistemas financeiros e dos países atingidos pela crise.
CORECON/RS - A crise ameaça a economia mundial?
Scherer -É importante ter em mente que o sistema financeiro mundial é, hoje, constituído por uma ‘teia’ de relações que ‘enozam’ os diversos produtos financeiros em escala mundial. A globalização produtiva, embora em ritmo mais lento, também propaga o impacto de uma queda da atividade econômica na Europa para os demais continentes. Para o Brasil, o melhor cenário possível é uma intervenção governamental na Europa que, embora não solucione, ao menos evite um agravamento maior da crise.
Nesse cenário, as economias do centro (Europa, EUA e Japão) continuam estagnadas, mas permitem ao eixo ora dinâmico da economia mundial, capitaneado pela China, a continuidade de seu crescimento, ainda que em ritmo menor. Isso reduz, a médio prazo, as disparidades entre os países desenvolvidos e as economias emergentes. Para a economia brasileira, a grande questão é se a economia da China (e, consequentemente, o preço das commodities) será impactada negativamente pela crise européia.
CORECON/RS - O Estado injetará recursos?
Scherer - A intervenção do Estado na salvação do sistema financeiro é uma imposição da realidade concreta. Do contrário, levaria a enorme depressão mundial, com consequências político-sociais graves. A questão é que a intervenção em grande escala, se necessária, não pode repetir erros de 2008, quando deixou praticamente intocado o modus operandi das finanças que haviam levado à crise.
CORECON/RS - Quais as principais consequências?
Scherer - Nós, aqui na FEE, desde 2007, já alertávamos que a crise que se iniciava seria de longa duração, levando à desintegração do neoliberalismo que prevaleceu desde os anos 80. É o que vem ocorrendo em um processo que agora começa a se acelerar. O debate público sobre as causas da crise e os beneficiários do sistema, que se intensifica com a ampliação da pressão popular nos países desenvolvidos, levará a uma reorganização institucional a partir de mudanças políticas. Acredito em maior presença do Estado na economia, preocupação com a economia produtiva e com a inovação e políticas ativas, visando à redução das desigualdades de renda. Isso somente será possível com um controle estrito sobre os fluxos internacionais de comércio e de capitais, que permita uma nova divisão internacional do trabalho. Ou seja, o oposto do que marcou a economia mundial nos últimos 30 anos.
quinta-feira, outubro 20, 2011
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: O ESTADO E A HEGEMONIA DAS FINANÇAS. Por Enéas de Souza
Coluna das quintas
1) Embora o leitor Felipe X ache que coloco a China como a grande novidade dos Estados no atual capitalismo financeiro porque ela está por cima, a realidade não é esta, é outra. A China está por cima porque na dinâmica da economia mundial, com a crise financeira americana, o eixo único que unia todos os países, inclusive a China, desarticulou-se e se transformou em dois eixos, o americano e o chinês com grande crescimento deste último. E no processo, os dois Estados participam de maneira distinta, por causa da sua estrutura política. Dito de outra maneira, a relação das finanças com o Estado americano – e com o Estado inglês, e com os Estados da Europa, e com os Estados da América Latina, etc. – é totalmente diferente da relação com o Estado chinês. Como se a mesma árvore frutífera desse muitas peras e uma singular maçã. Cada Estado tem uma relação peculiar, específica com o capital hegemônico. São todas peras diferentes, mas são todas peras. Só que a China se relaciona de modo totalmente diferente, é maçã. Vejamos.
2) A grande diferença é que, no caso americano, as finanças de origem nativa, absolutamente mundializadas, impõem uma determinada forma estrutural ao Estado, que marca, mesmo no auge do triunfo dos Estados Unidos, um modo de desenvolver a sua estratégia econômica e política de país, de nação, definida pelo setor privado financeiro. Já na China, mesmo antes dos anos 2000, a estrutura do Estado estava acima tanto do setor bancário como do setor produtivo, porque as grandes empresas de ambos os ramos são fundamentalmente estatais. Ou seja, quem define a política econômica, a estratégia geopolítica e geoeconômica dos chineses é o Estado. Então lá, ele sempre esteve por cima, mesmo quando houve a crise asiática dos anos 1990. E agora, o Estado chinês continua por cima, só que, neste momento, ocupa uma posição de destaque mundial. Por ocasião da expansão do eixo único americano, no dobrar do século, a China assumiu, por duas razões, um lugar impar na mundialização. A primeira, porque na busca de produtos que barateassem o custo da mão de obra, sobretudo americana, as multinacionais, principalmente dessa origem, se deslocaram para produzir na China. A segunda, porque o Estado chinês, ao decidir transformar a sua economia numa grande economia exportadora, com base multinacional, optou igualmente por uma política de saldos comerciais, o que permitiu que ela fosse a grande financiadora estrangeira do Tesouro americano. Foi, como no tênis, o saque do set.
3) Então, leitor atento, vamos seguir os passos. Continuo aqui a desenvolver, nesta passagem, também uma pergunta que o amigo Marino Boeira fez lá atrás, sobre o sucesso da China. Foi o Estado que decidiu que a China se tornaria uma economia exportadora e que financiaria uma parte da dívida americana. Foi o Estado quem organizou a entrada das multinacionais na China, as formas delas se instalarem lá, a negociação da transferência de tecnologia, os possíveis níveis de associações entre empresas estrangeiras e chinesas. E tudo isso dentro de uma visão estratégica de nação, onde a política econômica global era definida pelo Estado, onde as empresas (bancos, indústrias, companhias comerciais exportadoras, fundos soberanos) agiam e agem dentro da liderança do Estado. E num dos elementos fundamentais da política econômica, a questão monetária, o controle do Estado é total, pois tem o poder de manejar a taxa de câmbio segundo os seus interesses. Aliás, essa é uma das reclamações dos neoliberais americanos, como se o dólar fosse só fruto das decisões de mercado e os Estados Unidos não se valessem dele por ser americano e moeda mundial. Mas o fato é que o Estado chinês tem o comando da economia chinesa e da sua relação com exterior. Trata-se de ver que essa é a posição original da China na dinâmica econômica financeira e produtiva da mundialização.
4) A diferença está, portanto, na unidade do Estado, que proporciona a capacidade de definir e articular, tanto a sua estratégia geopolítica como a sua estratégia econômica, gerando a China o seu lugar na confraria/contenda das nações do planeta. Trata-se de uma postura de união de uma política nacional com uma política econômica. E cabe dizer, nesta passagem, que esta política econômica, no caso da China, é global. O que quer dizer isto? Quer afirmar que a gestão chinesa abarca todas as políticas de Estado, ou seja, a política monetária, a política cambial, a política fiscal, a política financeira, a política industrial, a política agrícola, a política tecnológica, a política de salários, a política social, etc., etc. E é por isso que, quando o leitor fala na questão da crise dos quatro bancos chineses, a aparência é de que a solução do tema passou pela mesma forma dos Estados Unidos. Num sentido sim, noutro não. Sim, porque o Estado teve que entrar em campo para salvar os bancos. Não, porque o Executivo salva as instituições financeiras sem precisar pedir autorização para o Legislativo, como no lado americano. O que faz com que as absorções dos prejuízos sejam socializadas através de decisões internas ao próprio Executivo, embora com repercussões nas bolsas e no sistema financeiro.
5) Agora, queridos amigos, vejam a diferença com o Estado Americano. Em primeiro lugar, esse Estado não tem unidade. A sua estrutura está separada politicamente, desde logo, por causa da independência constitucional do Banco Central americano, o FED, fato que marca, na prática, a vinculação do banco com as finanças. Ou seja, configura-se uma independência estrutural. E faz com que esse Banco reja a política monetária fora da unidade do Estado, pois é este que tem que se adequar à política daquele. Em segundo lugar, a escolha do secretário do Tesouro é um cargo fundamental, pois se um secretário, como Timothy Geithner, for relacionado com as finanças, toda a estrutura econômico- financeira (Banco Central e Tesouro) veste as cores do setor dominante. Olhe-se a flor do jardim: ela chama-se hegemonia das finanças. Somam-se a isso, mais dois fatos decisivos. Um deles é que as decisões de alterações de leis como a do sistema financeiro (New Finantial Regulatory Law), como a Lei dos Empregos Americanos (American Jobs Act), etc., passam pelo Congresso, onde os bancos e as indústrias têm lobbies expressivos. E o Congresso pode paralisar o Executivo, como paralisou no caso do teto da dívida e do corte dos gastos. E o segundo fato é que a política econômica do Estado americano é parcial; macroeconomicamente, ele só define a política monetária – que, no caso americano, já é cambial – e mais as políticas financeira e fiscal. O resto é definido de forma microeconômica pelos mercados. Por tudo o que expus, a conclusão é que o Estado americano é um Estado fragmentado. E, por conseqüência, a estratégia nacional americana para as ordens da política e da economia mundial passa por dificuldades inúmeras em função desse múltiplo fatiamento. E isto que nós não estamos analisando a segmentação, que pode se ampliar, quando se pensa o poder militar do Pentágono, em função de seus objetivos bélicos e, até mesmo, políticos próprios, quando antagônicos a outros objetivos estatais.
6) Nós, os leitores e eu, não estamos discutindo aqui a questão política da democracia ou da ditadura do Estado. O que estamos apontando, na atual geopolítica e geoeconomia, é a capacidade de agir unitariamente diante das questões postas pelas citadas ordem econômica e ordem política mundial. O que disse em outro artigo foi que a China era a grande novidade nesta hegemonia do capital financeiro, porque ela não estava submetida ao império das finanças. Ao contrário, era ela quem, através do Estado, comandava o desenvolvimento centrado na produção com presença das finanças. O que tenho expressado aqui é que se abriu uma fenda, um corte, na unidade do antigo eixo americano. De um lado, temos um eixo americano dominado pelas finanças que, subordinando o Estado, o leva de arrasto no seu declínio, o conduz, meio desastradamente, à decomposição do neoliberalismo. E, do outro lado, outro eixo que é um capitalismo de Estado, onde o setor produtivo, o setor financeiro, o setor externo funcionam para o desenvolvimento do capital (e no limite, para o da sociedade), porém com liderança estatal. E claro que, neste eixo, apenas o Estado unitário é o chinês, mas é.
7) E nos comentários que tenho feito, o objetivo é de mostrar que o novo na dinâmica do capitalismo financeiro mundial é esta presença do Estado para contrarrestar a imposição das finanças. O espinho encravado no mundo neoliberal. E como o Estado na China organiza unitariamente a sua ação, construindo este capitalismo de Estado (o que não exclui contradições e lutas nas esferas burocráticas, na hierarquia do Estado, e no conflito Estado e Partido, etc.), a crise da economia mundial desloca o polo dinâmico para a China, sobretudo porque ela pode puxar a realimentação da produção. Está instalada na China a possibilidade da reversão da hegemonia financeira para uma nova hegemonia produtiva, reenquadrando os Estados Unidos para outro tipo de liderança, na direção de um novo padrão de acumulação com profundas transformações tecnológicas. Isto não quer dizer que, se o aprofundamento da recessão do eixo americano (Estados Unidos–Inglaterra–Europa) chegar a uma recessão, a China e o seu eixo não serão afetados. Claro que serão! Mas as decisões que deverão ser tomadas são mais fáceis de serem tomadas num Estado que seja unitário do que num Estado fragmentado. Assim, tudo é uma questão de tempo, de ritmo, de rupturas e de metamorfoses. Esta é a hora, assim poetizaria Fernando Pessoa.
8) E o que tenho dito também é que o êxito, mesmo que relativo, da China – seja consigo mesma, seja com os demais países – certamente é um incentivo as outras nações a pensarem em aumentar o poder do Estado na economia. E mais, digo agora, os grupos sociais hegemônicos podem até clamar pela intervenção estatal. Aqui no Brasil não temos visto, as forças econômicas, mesmo disfarçando críticas, endossarem as ações do Estado? E a idéia do Estado europeu não tem sido algo que tem aparecido, aceita ou não, no horizonte da solução da crise na Europa?
9) Uns falam da ditadura do capital nos Estados Unidos, outros da ditadura do Partido e do Estado na China. Por isso, não podemos escapar – olhando a crise e perscrutando o futuro dos dois eixos aqui falados – da pergunta fatal: como é que fica a democracia no mundo? Aqui, neste meu artigo, tenho apenas uma intenção: instrumentar os leitores para a percepção de alguns signos que estão presentes e que vem surgindo à nossa vista, como os filmes de Martin Scorcese, candentes. E então, como no cinema, o meu texto muda de enquadramento e põe um plano aberto em cada leitor: como é que você responderia esta questão? (Não deixar de observar, no fundo do cenário, os movimentos sociais estourando nas cidades, praças, ruas e bairros do mundo inteiro: do Egito a Londres, de Nova York a Barcelona! Falam em “revoluções”. Mas este fenômeno é mesmo o quê? Qual é o seu efeito sobre a financeirização?).
Bom dia, Felipe X! – obrigado pelo comentário.
quinta-feira, outubro 13, 2011
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: PARA ONDE VAI A CRISE FINANCEIRA? Por Enéas de Souza
Coluna das quintas
A crise capitalista continua forte, intensa e assustadora, ao mesmo tempo, que se agrava e maltrata a sociedade. A ruptura passa por eminente, como uma ponte pênsil sobre o abismo. A gente se preocupa e teme, mas ela é ainda transferida para amanhã, como tem ocorrido nos últimos meses. Existem até agora medidas que servem para ganhar tempo. O problema se centra na queima de capital e na reorganização da economia e da política como um todo. Digo queima de capital porque, quando ele constrói um aumento excessivo de produção e de acumulação financeira, há a necessidade profunda do sistema se despojar do que está a mais. Um sintoma de que o capital precisa se renovar e encontrar um novo formato. Quer dizer que o negativo está apontando para um possível positivo: uma nova economia. Todavia, não sem problemas, não sem barulhos. Por essa razão, o capital faz uma sangria no próprio corpo. E isso só ocorre porque a mudança é como se fosse uma passagem de um dia para outro, com uma noite de permeio, garantindo o trânsito. Só que a noite da Europa está com uma voz cada vez mais escura de tempestade.
CRISE: ABUNDÂNCIA E CARÊNCIA
A primeira coisa que ocorreu na crise capitalista foi, sem dúvida, a ruptura do único eixo que dominava a economia mundial, “a exuberância irracional” da economia americana. A crise de 2007/08 permitiu ver que tínhamos passado de um eixo singular para um duplo. O eixo único tinha se quebrado em dois. E a economia mundial, com essa ruptura, revelou que tem agora duas partes: uma dinâmica, a economia chinesa, e outra em decomposição, que é a economia americana-européia. E como um relâmpago, ficou muito claro a emergência do eixo chinês-asiático – insistente, se reformando em velocidade inimitável, de um modo geral em grande movimento, invejadamente ativa, mas incapaz de reanimar a economia mundial como um todo. E o outro eixo da economia americana-européia, coitado, tem que queimar capital de forma lenta e dolorosa. Ignácio Rangel, o fantástico economista brasileiro, dizia que o grande problema das economias seria como reorganizá-las, como reenlaçar o que ficou separado durante a crise. Porque essa deixa, de um lado, abundância de recursos, e do outro, carência deles. Não é o que está acontecendo com a China, com grandes saldos de reservas, e os Estados Unidos-Europa, numa crise de liquidez e, em alguns casos, de insolvência? Por que não se faz um laço entre os dois eixos? É que aqui, o problema está além do quintal, ele é geoeconômico e geopolítico. Pois os Estados Unidos temem a invasão chinesa, temem o domínio de empresas e bancos nacionais pela China. Seria dar vantagem no jogo estratégico. Vejam o caso da SUNOCO que o Congresso americano vetou a venda.
A primeira coisa que ocorreu na crise capitalista foi, sem dúvida, a ruptura do único eixo que dominava a economia mundial, “a exuberância irracional” da economia americana. A crise de 2007/08 permitiu ver que tínhamos passado de um eixo singular para um duplo. O eixo único tinha se quebrado em dois. E a economia mundial, com essa ruptura, revelou que tem agora duas partes: uma dinâmica, a economia chinesa, e outra em decomposição, que é a economia americana-européia. E como um relâmpago, ficou muito claro a emergência do eixo chinês-asiático – insistente, se reformando em velocidade inimitável, de um modo geral em grande movimento, invejadamente ativa, mas incapaz de reanimar a economia mundial como um todo. E o outro eixo da economia americana-européia, coitado, tem que queimar capital de forma lenta e dolorosa. Ignácio Rangel, o fantástico economista brasileiro, dizia que o grande problema das economias seria como reorganizá-las, como reenlaçar o que ficou separado durante a crise. Porque essa deixa, de um lado, abundância de recursos, e do outro, carência deles. Não é o que está acontecendo com a China, com grandes saldos de reservas, e os Estados Unidos-Europa, numa crise de liquidez e, em alguns casos, de insolvência? Por que não se faz um laço entre os dois eixos? É que aqui, o problema está além do quintal, ele é geoeconômico e geopolítico. Pois os Estados Unidos temem a invasão chinesa, temem o domínio de empresas e bancos nacionais pela China. Seria dar vantagem no jogo estratégico. Vejam o caso da SUNOCO que o Congresso americano vetou a venda.
O QUE É QUE A CHINA TEM DE DIFERENTE?
Há que registrar, nesta crise, a profunda novidade da China dentro do capitalismo financeiro. Inúmeros economistas e políticos de diversos países não entendem porque o pólo chinês resistiu à crise neoliberal. Acusam a China de manipulação do câmbio, etc. etc. Os Estados Unidos estão até aprovando uma lei que permite sanções contra países que não praticam o livre mercado. Quá, quá, quá. Claro que isso vai perturbar as relações sino-americanas, mas a questão é outra. A questão é que China não sofreu os problemas dos ocidentais, porque ela tem um Estado atento à sua segurança, à sua capacidade de desenvolvimento, à sua constante expansão. Um Estado desenvolvimentista. E um Estado desenvolvimentista é um Estado que planeja a atividade econômica, que comanda o câmbio, que dirige o comércio exterior e que trabalha para recompor a estrutura produtiva e financeira quando uma crise ocorre. E, nas crises, o Estado tem, como um moto no trânsito, uma capacidade e uma rapidez de resposta que é muito maior que a instabilidade desordenadora da economia de livre mercado.
A RAPIDEZ DO ESTADO, A RAPIDEZ DOS CAPITAIS
Isso quer dizer que o processo de acumulação de capital tem como regulador intrínseco o próprio capital. E entra em atividade disparando seu lado corretivo quando há superacumulação, seja produtiva, seja financeira. Emerge, assim, no cenário, a necessidade de repor as coisas em ordem. Fazer uma faxina na casa. E uma crise se resolve através de duas forças maiores: pelo mercado e pelo Estado. De um modo geral, conjugadamente, só que dirigidos por uma delas. Quando a direção vem pelo Estado, o planejamento global e a rapidez das iniciativas ocorrem com mais eficiência (para usar a palavra neoliberal) do que quando são feitos sob direção e inspiração exclusiva dos capitais. Por que? Porque o Estado pensa sempre em termos do capital em geral, sendo ele, Estado, o árbitro das disputas e das discórdias das frações empresariais. E pode sempre sair pelo incentivo ao investimento – público, privado ou misto – que acaba por disparar a lucratividade privada e amparar o crescimento do emprego. Com isso, acaba também, por causa dos seus instrumentos e sua amplitude de atuação, resolvendo, com menos dores, os problemas de toda a sociedade. O que não quer dizer que alguns grupos sociais não possam ser afetados fortemente. Mas quando são os próprios capitais que decidem, os mercados levam tempo para reativar os lucros das empresas, a demanda só reaparece quando a eficiência marginal do capital sobe. Na crise, o capital é muito lento para escolher o que é melhor para si. Depende da fricção entre a concorrência capitalista. E a coisa piora muito para a sociedade. O leitor pode ver o tempo que demora para que o emprego retorne a níveis aceitáveis. Nos Estados Unidos, a taxa de desemprego, nos melhores momentos, ficou todo o tempo ao redor de 9%.
PARA ROMPER COM A CONTAMINAÇÃO
Então, partiu-se o eixo único, ficaram dois eixos, o americano e o chinês. O eixo americano vive o momento fundamental de inflamação completa. E mais, ocorre um circuito vicioso. Os Estados Unidos contaminam a Europa, agora a Europa está na eminência de contaminar os Estados Unidos. Tudo isso faz parte do processo de queima de capital. Pois, quando se fala em recapitalização nada mais se busca do que novos sócios, novos aportes de capital, de tal maneira que o capital se conjugue, se concentre, se centralize e possa enfrentar, com galhardia, a nova etapa do processo de acumulação capitalista. Porém, a crise se estendeu por todo o Ocidente. E estamos num processo de renovação do capitalismo em todo o planeta. Então, há que destruir o que se embaraçou, o que se complicou. Por exemplo, há que impedir que o capital especule do jeito que especulou. Nos Estados Unidos temos a chamada “emenda Volker”, para que os bancos sejam, grosseiramente dito, divididos em bancos de depósitos e bancos de investimentos financeiros, ou seja, bancos dedicados à especulação. Embora a questão chave para mim esteja na idéia das finanças como crédito. O que hoje se precisa é crédito para a produção, para a produção que possa dar emprego. E também que haja crédito para a tecnologia, seja para pesquisa, seja para inovação, seja para apoio à instalação de indústrias em setores avançados. É essencial impedir que o crédito vá sempre para a especulação. E nesse sentido, o Estado tem uma capacidade maior de fazer direcionar o elemento creditício para os setores fundamentais. Uma vez que pode absorver o rendimento de juros baixos ou juros negativos ou conceder juros privilegiados. O crédito é um dos pontos decisivos de uma política econômica. E o mercado não tem política econômica.
A ASFIXIA DO ESTADO PELA DÍVIDA
Então vejamos o que aconteceu com a relação Estado/capital financeiro no capitalismo neoliberal. A mudança foi substituir, em grande parte, o financiamento do Estado através do imposto pelo financiamento através da dívida pública. Ou seja, para fazer transformações profundas, ele tem que se endividar. Ora, é por intermédio da dívida, principalmente pública, que as rendas dos capitais financeiros se substancializam. Mas essa idéia de dívida também foi inoculada na sociedade como um todo. Ou seja, todo mundo faz dívidas para comprar seja carros, apartamentos e residências, seja para adquirir meios de produção, matérias primas, ou vender produtos. É a dívida que potencializa a valorização do capital. Portanto, nos dias de hoje, não se pode retornar aos impostos, porque todo mundo está endividado. Dessa forma, quando um Estado entra numa crise fiscal, a economia balança, e quando temos um conjunto de Estados endividados, acrescidos de uma crise bancária, chegamos à crise sistêmica. Não é um pouco o que Trichet dizia da Europa?
O único setor que não está endividado é o dos mais ricos – a classe alta e a classe média alta – e que ganharam como nunca. No entanto, dado o poder político destas classes, aparece o impedimento de encaminhar uma taxação expressiva sobre eles. Acabar com o neo-liberalismo é sim acabar com a especulação financeira; é sim acabar com a diminuição do Estado; mas, fundamentalmente, acabar com o financiamento estatal através da predominância da dívida sobre os impostos. Só nessa linha estratégica pode-se conduzir o Estado a ser o orientador e o líder de um planejamento social que se sustente no investimento e que, por conseqüência, traga empregos. Sem isso, ficamos nesta ronda incendiária da crise dos bancos, da crise dos Estados (chamada apenas de dívida soberana) e de nova crise dos bancos, como está ocorrendo na Europa e se avizinhando nos Estados Unidos. O mundo só mudará quando os financistas, quando a sociedade, perceber que tem que alterar este modelo de acumulação financeira. A solução para os diversos países e os diversos capitalismos não é necessariamente uma incondicional presença do Estado, mas as finanças não podem fazer do poder do Estado, do poder coercitivo dele, um benefício exclusivo para si. É o conjunto de forças da sociedade, sem a ditadura de qualquer classe – a financeira, principalmente – que poderá levar o atual capitalismo a um novo estágio econômico, com uma política econômica que encaminhe e desenhe um novo padrão de acumulação. É importante levantar a asfixia do Estado.
A realidade é profundamente política. É na política que vai se resolver a mudança do modelo que falamos acima. Para isso, os financistas têm que se dar conta de que o seu modelo chegou ao fim. E eles estão com esta consciência? Sim, e não. Quando o Morgan Chase diz que, para as recapitalizações dos bancos na Europa, são necessários 148 bilhões de euros, ele está dizendo que houve uma queima enorme de capital. Quando se fala que os bancos estão “perdoando” as dívidas, também estamos falando de queima de capital. Quer dizer que todos esses planos de resgate de países e de bancos são a busca de quem vai pagar por essa queima de capital, de quem vai perder a corrida capitalista. E o que torna ainda mais violento e contundente a situação é que essa derrapada não se dá somente com empresas financeiras. Tal acontece igualmente com o setor produtivo, alcança o setor estatal (diminuição de funcionários e conseqüente diminuição da qualidade dos serviços, decréscimo do consumo do governo, inexistência de investimento público) e chega ao paroxismo com a população (diminuição de empregos, de salários, de aposentadorias, de assistência social). Meu caro amigo Franklin Cunha, é isso que está acontecendo com a Grécia, ela é o elo mais fraco do Ocidente: Estado bichado, receita caindo, impostos aumentados mas sonegados, queda de salários, desemprego público e privado, bancos em desgraça, indústrias quebrando. E é tão desastroso que o desastre grego se torna um desastre europeu e, talvez, americano, pois está contaminando bancos de outros países, e vai criar problemas para outros Estados. A chuvarada na Grécia vai levar tudo numa enxurrada. Parece a hora de todos os segmentos do planeta pensarem e negociarem um outro caminho. Já existe um, que é o da China. Mas o Ocidente ainda não demonstrou ter chegado a uma estratégia, a um itinerário.
E...
E tem solução para o Ocidente? Tem. Duas! Uma: a profunda anarquia: deixar o barco correr para ver o que sobra, que é a chamada solução de mercado. Uma solução prolongada e desastrosa. E a outra: a solução política que começa por negociar a recomposição do Estado, a impossibilidade de salvar todos os capitais, a necessidade de promover um bem-estar social de melhor qualidade, a visão da necessidade de fazer investimentos e proporcionar empregos, visando começar a reativar as economias, pois, isso também contamina. Para tal é preciso derrotar politicamente os que insistem em ganhar financeiramente à custa dos Estados, da especulação e em detrimento dos benefícios sociais, etc. E isso é uma luta profunda, uma batalha permanente e um desforço social imenso. Nesse objetivo, é preciso ter bem claro que o que importa são alguns aspectos decisivos. E quais são eles?
PARA ONDE PODEMOS IR?
Destaco agora aspectos decisivos para a mudança da economia. Cabe considerar os seguintes pontos:
1) os Estados tem que se proteger construindo barreiras – fiscais, financeiras e monetárias – ao furacão da crise. Devem estar sempre abertos para se encaminhar na direção do desenvolvimento produtivo e social. E não necessariamente financeiro;
2) a idéia política tem que ter um alvo seguro: transformar o modelo de acumulação, saindo do financeiro para o produtivo. E, nesse caminho, alterar o padrão produtivo de produção em massa – baseado na industria automobilística e regida pelo petróleo - para um novo padrão de acumulação, baseado na microeletrônica, na internet, nos novos materiais, etc. Está na hora de construir o padrão de acumulação sustentado pelas indústrias da informação e da comunicação;
3) a busca de tornar dinâmica a competição dos dois eixos, o americano e o chinês. Para tal, é preciso estabilizar a profunda instabilidade e desordem do eixo americano, principalmente, detendo a crise européia, impedindo-a de fazer um rebote sobre os Estados Unidos;
4) a consciência de que o processo continuará sendo capitalista, com profundas mudanças no produtivo, que, obviamente, alcançará a necessidade de transformação da finanças, passando para a geração de crédito à produção e confinando a especulação ao próprio setor financeiro. Com isso, impedindo que ele avance sobre a produção e sobre o Estado;
5) a necessidade de uma transformação profunda do Estado: controle democrático e Estado unitário (comandando o Ministério das Finanças e o Banco Central). Essas alterações seguem na construção de uma economia desenvolvimentista, com investimento indo à frente e com o emprego sendo fundamental. E, como conseqüência imperiosa dessa metamorfose, a nacionalização e estatização daquilo que o neoliberalismo capitalizou: educação, assistência social, saúde, e cultura. Essas políticas públicas deverão estar à serviço do país e da sociedade e não do lucro ou da imagem das empresas;
6) a necessidade de construir ou reconstruir instituições políticas que acompanhem e regulem a dinâmica de expansão do capital na ordem financeira e multinacional. Portanto, reformas do FMI, OMC, do Banco Mundial, etc., etc., para que estejam a serviço da coletividade. Essa tensão entre capital multinacional e Estado nacional requer ser projetada para pensar e executar soluções criativas, lógicas e dinâmicas. Considere-se o caso da Europa: há que ter um Estado político, um Tesouro Europeu, um Banco de Desenvolvimento Europeu, um Banco de Resgate Financeiro Europeu, acompanhando esse já criado Banco Central Europeu, que está só ligado às finanças.
O desafio é claro: ou o capitalismo avança – e os capitais mais frágeis serão destruídos ou aglutinados – ou ele atravanca o seu próprio desenvolvimento. E, com isso, poderá ficar à deriva por muito tempo. Isso se não fizerem besteiras, como as aventuras de guerra. Os pretextos estão aí, pululando, se oferecendo para os pensamentos mal cheirosos. E hoje, o panorama ainda é confuso. As finanças não têm projeto, a não ser quebrar Estados e bancos mais frágeis (os gregos, por exemplo) e fazer a população pagar. O seu projeto de futuro é não ter futuro. Por isso, que “Occupy Wall Street” avança. Essas manifestações populares com presença eletrônica ainda são muito tímidas, sem perfil político definido. Mas, estão aí. Já o capital produtivo está cindido entre o capital velho, que está mais para as finanças do que para um futuro; e um capital Steve Jobs, um capital Google, um novo capital para a área de comunicações que pensa, sim, numa outra sociedade. Será melhor? Ninguém sabe. As ameaças podem ser muitas. Mas, se o capitalismo sair, ele vai sair por esse canto. E o Estado pode ter futuro se se der conta de seu lado desenvolvimentista, mas também de seu lado social. E isso vai se decidir na luta política e social que está em curso. Como sempre digo a amigos: o mundo vai para o caos, mas para os cientistas sociais (economistas, sociólogos, politólogos, etc.), a realidade atual é sempre assustadora e inquietante, porém excitante e novidadeira. E o que se sente: o rio do futuro está forçando a ruptura das barragens do passado e do presente. Mas, por enquanto, só se vê esse passado indigesto da financeirização em ruínas.
terça-feira, outubro 11, 2011
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Palestras e repercussões do evento "A América Latina frente ao Pós-Neoliberalismo"
Os slides das palestras proferidas na FEE e algumas entrevistas realizadas com os pesquisadores latino-americanos podem ser obtidas nos links acima. Destaque para a entrevista com Gabriel Pichardo sobre o neoliberalismo e o narcotráfico no México e também sobre a situação e o significado das revoltas estudantis no Chile, com Cláudio Cortés.
Os vídeos dos debates estarão disponíveis no site da FEE em breve.
quarta-feira, outubro 05, 2011
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
06 de outubro de 2011
Coluna das quintas
EUROPA: A ALEMANHA
ESTÁ JOGANDO DE MÃO
Por Enéas de Souza
A Europa está em chamas, mas os bombeiros neoliberais estão ali presentes, jogando água para amainar o fogo. E a coisa continua sendo política. Primeiro, não se acertam sobre a forma de solucionar a liderança política; segundo, não se acertam sobre o caminho a seguir; terceiro, não se acertam sobre as instituições a construir; quarto, não se acertam no modo de se relacionar com os demais países fora da comunidade; quinto, não se acertam para desenhar um papel geoeconômico e geopolítico na ordem mundial.
A questão européia continua um problema político, a começar pela liderança. De um modo geral, se pensa que há uma condução dividida entre a França e a Alemanha. E embora isso tenha sido uma realidade, penso que, neste momento, o tema se complica porque os resultados obtidos economicamente mostram um avanço da Alemanha sobre a França, situação bem visível na taxa de juros básica de empréstimos europeus, onde a taxa padrão é a cobrada para os empréstimos da Alemanha. Essa diferença se baseia num Estado altamente controlado em termos de déficit fiscal e dívida pública, numa indústria mais desenvolvida do que a francesa, numa situação privilegiada do comércio exterior, que é superavitário, numa situação bancária inquietante, mas muito menos vulnerável que a da França.
Isso permite pensar que a Alemanha tem um projeto de organização da Europa diferente daquele da França. E todo o seu lento movimento na questão européia serve de indicador para conjeturar como que ela pensa o destino do velho continente. Trata-se de uma tentativa de organização dos Estados da região a partir da sua concepção de nações disciplinadas fiscalmente e com controle rígido de gastos, com cortes de despesas estatais, se necessário, e com comando político para deter salários, buscando aumentar a produtividade empresarial. E a Alemanha tem jogado muito bem, no apoio às suas multinacionais e, principalmente, aos seus bancos, na expansão sobre o espaço da Comunidade, com inserção também no espaço americano. Na Europa, a Alemanha marca uma influência financeira em vários países e tem uma presença forte na orientação do Banco Central Europeu.
A Alemanha não pensa numa solidariedade política. Pensa numa Europa dos capitais, numa Europa onde a liberdade das finanças seja apoiada e organizada pelos Estados nacionais e pelo Banco Central Europeu. Ela não projeta, a meu ver, no momento, qualquer Estado da Comunidade Européia. Continua a pensar a Europa como um espaço de expansão dos capitais (alemães, em primeiro lugar, obviamente), sem controle supranacional. Por isso, reorganizar o equilíbrio fiscal dos países é decisivo. E o seu objetivo é, portanto, assumir claramente a liderança dessa Europa e, de maneira nenhuma, ficar voltada para a organização de uma Europa política. E nesse jogo, ela pensa, sem dúvida, no apoio francês, mas não num grau de paridade. Ou, pelo menos, não no projeto político e estratégico da França, seja da França direitista, seja da França de esquerda. De qualquer modo, os passos para a Europa que estamos falando, segundo a Alemanha, seguem firmes, barco velejando na direção de uma disciplina fiscal dos Estados e não na constituição de um Tesouro Europeu. E muito menos, no momento, num Estado único. A Alemanha vislumbra, não resta dúvida, um projeto de uma ordem econômica e política de Estados nacionais.
Claro, o fortalecimento do Banco Central Europeu é muito importante, por causa da necessidade de garantir a liquidez e, até mesmo, a solvabilidade dos bancos da região, como aconteceu na crise de 2007/2008. Os bancos alemães, aliás, foram os primeiros a serem salvos pelo BCE. E temos também o Fundo de Resgate, que se caracteriza pelo objetivo de amparar e salvar os bancos, sendo possível ser usado para solucionar alguma coisa ligada à dívida soberana dos países. Com isso pode, dado a modéstia de seus recursos – 440 bilhões de Euros – ainda em processo de aprovação, ser, quando muito, um aliviador quase efêmero das tensões do mercado financeiro. Mas, é óbvio, que ele não está apto para resolver as próprias dívidas soberanas, já que o Fundo não é um Banco de Resgate Europeu. Dentro do processo atual, admitindo uma crise intensa, a saída será sempre o Banco Central Europeu, que pode, por diversos mecanismos financeiros e, sobretudo, com sua articulação com os demais bancos europeus do mundo, alcançar uma espécie de japonização da Europa, amorcegando os títulos podres e tornando os bancos verdadeiros zumbis. É claro que ninguém quer essa solução, mas ela poderá ser empregada como uma tentativa de impedir a ruptura total, o que não quer dizer que, com isso, a economia escaparia facilmente da depressão. Escaparia, apenas, da quebradeira.
Já a estratégia dos capitais e do Estado francês é outra. O objetivo imediato é envolver a Alemanha numa parceria de poder, pois, para a França, é vital o domínio do Estado europeu; só através dele é que ela poderá conquistar um espaço que vem perdendo aceleradamente. Até mesmo o lançar-se na aventura guerreira da Líbia foi um reforço para sublinhar à Alemanha uma superioridade geopolítica particular, que a França tem e a Alemanha não tem. Mas, na França, a relação Estado/bancos é muito mais umbelical e a situação dos bancos franceses é desesperadoramente pior. É só ver a relação dos bancos a perigo. E só ver o que está acontecendo agora com o Dexia. Tudo isso afeta a força do próprio Estado. E existe, inclusive, o constante rumor da baixa de nota da França pelas agências de ratings. Portanto, a saída da França é desenvolver mais nitidamente o caráter estatal da União Européia. A própria esquerda, é o caso de Martine Aubry, tem procurado pensar num Banco Europeu, ao estilo do FMI, para resolver a questão dos Estados Nacionais. Portanto, a França busca uma saída, via Europa, via uma liderança da Europa política. Outro dia, Laurent Fabius, ex-ministro da Fazenda de Jospin, na TV-5, dizia que o grande problema da Europa é que não existe uma direção nítida para a sua construção. Claro, se referia, a meu ver, no fundo, à hesitação aparente da Alemanha em seguir o caminho do Estado europeu.
E então? Temos dois projetos antagônicos. A Alemanha procurando uma hegemonia via soluções nacionais no campo político e um ou mais órgãos de controle para ajudar a expansão dos capitais. Um projeto de Europa unida só lá diante, quando a Alemanha tiver um controle político e econômico mais claro, mais definitivo, quando ela liderar este conjunto de nações aferrado à austeridade, sem maiores aventuras. Por isso, seu projeto de poder é miúdo e pequeno, nacional, e, de mais longo prazo, quem sabe, europeu. A sua estratégia envolve um conserto da situação fiscal dos países e nenhum keynesianismo de prontidão. Gastar o mínimo possível. Mas traz embutido um projeto para o euro, o velho sonho de transformar o euro num marco ampliado, uma fortaleza, e, se possível, se transformar numa das moedas de reserva do mundo, na mesma proporção que o dólar e, quem sabe, o yuan. E de outro lado, temos a França com uma economia combalida, que constrói um projeto para reativar o seu poder via soluções européias. Ou seja, uma Europa para a França avançar. Ora, esses dois itinerários são antagônicos. E é dentro dessa rivalidade de estratégias que a questão vai seguir e, quem sabe, se solucionar.
Laurent Fabius dizia que, para ele, a Europa tinha que começar a se resolver com a Alemanha e a França se entendendo. E ele propunha principiar pela questão energética, na qual ambas estão com problemas. Depois, seria preciso fazer um processo de integração que agregasse, no primeiro momento, países mais ou menos no mesmo ritmo, para formar um núcleo consolidado diretivo, com a Holanda, por exemplo. E, numa segunda etapa, com a integração do resto dos países mais fragilizados. E num terceiro momento, e no futuro mais distante, incorporar outros países do tipo Turquia. O que importa dessas idéias de Fabius é perceber que o projeto da Alemanha é muito distante do que pensa a França e a França já está percebendo, e está tentando se adaptar. Tudo parece, no entretanto, que o sonho da Europa dos capitais é que terá a possibilidade de progredir e se expandir. Claro, claro, se a crise econômica permitir.
E agora, qual é a situação? Antes, de mais nada, é preciso que os Estados Unidos mantenham a crise no fogo lento. E parece possível, pois eles esperam o resultado da eleição de 2012. Há uma parada para acumular forças. Claro, que se os republicanos ganharem, o software neoliberal pode ser substituído por outro piorado. Mas, até lá, a Europa pode ganhar tempo. O problema será sempre o de assegurar, por mecanismos financeiros e/ou econômicos e/ou políticos, que o carro não caia no despenhadeiro, que não desabe ribanceira abaixo, que consiga dar uma estabilizada. As tarefas são claras. A Alemanha está jogando de mão. E então, o mais grave problema é a decisão sobre a Grécia. E aí a questão tem que ser iluminada. A Grécia não vai ter condição de pagar; será, no mínimo, forçoso reescalonar a dívida, salvar os bancos e, principalmente, se tiverem peito, dar a solução mais adequada: o perdão dessas dívidas envolvendo bancos e Estados.
Mas isso seria um formidável passo. Só que as finanças são um bando de investidores, de abutres, loucos para tirar o máximo de uns ou passar o mico para outros. Então, talvez seja preciso inventar um megaprocesso de incorporação dos títulos podres em alguma ou várias instituições estatais, para-estatais, européias e/ou internacionais. Mas a coisa também pode se conservar no interior do Banco Central Europeu, que irá congelando, por um tempo, os títulos podres, privados e públicos. Ou, quem sabe ainda, uma ampliação notória do Fundo de Resgate. Mas, seja como for, a Alemanha vai preparando o seu salto político, para absorver a liderança européia, deixando de lado o sonho de uma Europa grandiosa, poderosa política e economicamente, rival dos Estados Unidos e da China, mas consolidada em termos de orçamento, de déficit, de dívidas. E, portanto, uma Europa dos países e dos capitais, capaz de ter uma moeda forte, para dar uma expansão às empresas produtivas e financeiras alemãs e européias com segurança. Nada de audácias keynesianas. E, enquanto isso, prepara alianças internacionais fortes com os Estados Unidos, com a China e com a Rússia, para trabalhar uma Comunidade dos 27 à sua feição. Muito na lenta, muito na retranca, muito na austeridade, muito numa tentativa, em menor escala, de fazer de sua indústria e de seus bancos uma determinada liderança no continente e, se possível, no mundo. E, para isso, a Alemanha está disposta a pagar o que a França vale e não o que ela pede e diz que vale. Ângela Merkel não está dando moleza para o Sarkozy. E se tudo isso der no riscado, no longo prazo, quem sabe a Alemanha pense na construção da Europa do Estado Único, à sua moda?
terça-feira, outubro 04, 2011
Debate sobre a América Latina frente ao Pós-Neoliberalismo terá transmissão online
O site da FEE estará transmitindo ao vivo e online as palestras do evento "A América Latina frente ao Pós-Neoliberalismo", que ocorre amanhã e quinta-feira no auditório da FEE a partir da 9:30 hs da manhã.
Assim, quem não tiver condições de comparecer poderá acompanhar de casa ou do trabalho esse importante evento.
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