CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
12 de maio de 2011
Coluna das quintas
NOVAMENTE NO CAIS
O NAVIO NEOLIBERAL
Por Enéas de Souza
1) Já temos escrito aqui neste blog sobre o ‘revival’ neoliberal. E alguns comentaristas, falam e lembram especificamente das terapias oferecidas à Grécia, a Portugal, à Irlanda e, inclusive, à Espanha. Mas esse queijo tem muito mais furos e as primeiras fatias não são essas. A construção do monstro, o monstro do fundo dos oceanos econômicos, na verdade, começa nos Estados Unidos, na corda musical da nação e do Estado americano. Percebam bem e sigam a linha melódica deste pensamento. O desastre de 2007 foi dominado por uma política neoliberal com a finalidade de evitar o risco sistêmico. O lance foi comovente: pôr à disposição dos bancos e das instituições financeiras uma montanha de dinheiro. A pergunta estalou logo na época. Tamanha generosidade, dar recursos públicos, aos bandoleiros das finanças, era um boa? Tinha outra solução? Claro que tinha, sim! Simplesmente se poderia nacionalizar ou estatizar as instituições financeiras em pedaços. E, depois de saneadas, se poderia até devolvê-las a outros capitalistas menos bandidos. Mas isso não era neoliberal, cheirava a um perfume negativo. E os banqueiros ameaçados gritaram como numa peça de Brecht: “isso é socialismo!”.
2) Na crise de 2007, deu-se a derrota das finanças, mas na queda, apesar de tudo, houve o triunfo dos neoliberais, e por ação do executivo e do legislativo conjugada. Sempre o mesmo enredo desta escola de samba. A comissão de frente traz a seguinte inspiração: antes da crise, o Estado não pode entrar no jogo econômico, deve apenas favorecer a roleta e o cassino dos títulos. Sempre na mesma direção, desregulamentando os mercados. E sempre para assegurar o vôo das rendas financeiras. Até que, no meio do desfile, as finanças tomaram um tombo e precisaram da intervenção e dos recursos estatais. Também o capital produtivo entrou em colapso. E então, na mitologia do capital, era hora do tão mal falado Estado vestir a fantasia de Midas. Dinheiro, dinheiro. Mas ele não rolou para todos. O concreto é que muitas indústrias, mesmo enormes, não tiveram ajudas ou tiveram apoios muito limitados e com a exigência de planos precisos e grandes sacrifícios. O que quer dizer que, mesmo entre os capitais, uns são mais preferidos que outros. Mas o que interessa de qualquer modo é que a semente do ‘revival’ neoliberal começava ali, na hora dos salvamentos, o carro das finanças era o mais competitivo.
3) Ou seja, o ‘revival’ nasceu com problemas, foi para o berçário logo de saída na tentativa de solução da crise. O Estado procurou manter a iniciativa do capital, mas através da esfera financeira. Era preciso, indisfarçavelmente, recuperar as finanças privadas! O leitor sabe, o doente ficou muito tempo na UTI. E o dr. Bernanke e seu hospital, o Banco Central dos Estados Unidos, junto com o estagiário em política econômica do Tesouro, Paulson, fizeram a cirurgia dos ‘ativos bichados’ das empresas financeiras. Eles conduziram essas instituições ao setor de branqueamento dos balanços. Só que essa escovação dos títulos impuros – não se tem uma notícia precisa – não se sabe se os balanços estão ou não realmente zerados. Mesmo porque a contabilidade é uma zona escura e triste. E o doce e melancólico dr. Bernanke, caridoso, continua dando os seus soros milagrosos, jogando liquidez no sistema financeiro. O que fez o presidente do FED? Carregou as bazucas do sistema, tudo para dar às finanças um novo poder de fogo. E elas, como gafanhotos, estão caindo sobre os emergentes, trazendo uma alegre e furiosa especulação, instabilizando esses mercados (O Brasil, incluído, já que uma parte da atual inflação, não há dúvida, vem daí!).
4) Essas operações de sustentação dessas instituições, desde o princípio da crise até agora, foram realmente pesadas e sintomaticamente fortes. A medicina adotada reanimou o paciente que, alquebrado e combalido, sobreviveu, levantou-se – e voltou rapineiro, com mais vigor e mais ação, para os mercados disponíveis. E se os mercados financeiros americanos se encontram sem júbilo e sem festa, os navios do sistema zarpam para portos mais apetitosos no resto do mundo. E, sobretudo, saúdam a sua liquidez lançando suas fichas noutra parte do cassino, na mesa das ‘commodities’ – vale dizer: petróleo, matérias primas e alimentos. E o resultado, por fim, incrementa uma perturbação internacional inflacionária; pressiona a valorização de moedas como o real, por exemplo; e incentiva uma disputa monetária forte, dividindo a moeda mundial entre o dólar, o euro e o yuan, apesar do dólar continuar, em última instância, com a função de reserva de valor. E isso que não estamos falando dos reflexos nas economias de vastos e ponderáveis problemas fiscais que arrasam salários, previdência, idade e remuneração de aposentadorias, aumentos de impostos e enfraquecimento do poder de vários Estados.
5) Então, meus angustiados leitores, o nenezinho ‘revival’ saiu do hospital. E começou dando um duro em Obama (que teve que matar Osama para ter chances eleitorais), descortinando mercados novos fora dos Estados Unidos, provocando politicamente o reforço e a retomada da antiga aliança capital financeiro internacional e sistemas bancários locais. E através de seus aliados, com os canhões de Navarone da mídia comprometida, pressionar mais uma vez o mundo, as populações e os Estados com as idéias e as políticas neoliberais. Apesar de estarmos razoavelmente bem, o Brasil é também palco de um ‘revival’, que procura assustar o governo e as classes médias e pobres. Só que a desmoralização americana e européia e japonesa, oriunda da incompetência da política da desregulação financeira foi tão grande, que as vozes empresariais, mesmo das instituições das finanças, não clamam, aqui, com as suas trombetas dos infernos, para a saída do Estado da economia. É bom que se veja bem e eles sabem disso: foi pelo Estado que eles se salvaram. Lá e aqui. Mas agora, como cachorros magros e mal agradecidos, já estão virando – aqui no Brasil é muito audível – suas vozes para a mídia tradicional, tratando de buzinar novamente contra o Estado e seus órgãos. “Não controlam a taxa de juros!” (Embora desejem o contrário!). “Não atuam sobre o câmbio!” (O que de fato prejudica os calçadistas e a indústria têxtil, faz-se notar). Mas os banqueiros gostam disso: livre entrada de capitais, juros altos e cambio solto. E fazem o duplo jogo da perfídia. Da perfídia neoliberal em tempos de crise. Como se dizia na minha infância: escondem a mão e dão o tapa!
6) Todavia, a fotografia do ‘revival’ brasileiro tem colorações políticas especiais. Primeiro: um retorno da pressão dos bancos, tonificados pelos recursos americanos que aportam por aqui. Sob esse som, voltam a querer pôr o Estado para dançar. E segundo, essa pressão se eleva, sobretudo, quando segmentos da esfera produtiva se aliam a eles, para reivindicar uma política mais severa que os favoreça. Mas o prato principal desse restaurante é novamente a força imperiosa dos bancos. Um amigo do mercado financeiro me disse: “Enéas, não te espantes se daqui algum tempo não retornar um bandido para dirigir o Banco Central”. Êpa!, me espantei. Mas o meu interlocutor foi firme: "é verdade, não te espantes!" Pode ser isso mesmo. O retorno de um homem de mercado para comandar as sinuosidades do sistema financeiro e influir na política monetária e financeira do país, ‘porque a inflação está aí’. Ela é ruim para os aplicadores, é péssima para o povo. Essa música cola.
7) Por outro lado, os cronistas econômicos que salientam o retorno da visão neoliberal, chamam a atenção para a Europa. Lá, todavia, o fenômeno tem um rosto muito intenso, rosto de George Clooney ou de Juliette Binoche. Dá para se ter um olhar muito nítido, diria Fernando Pessoa, um olhar de girassol. O que houve nas terras européias foi o triunfo inigualável da Alemanha, tanto econômica como geopoliticamente. Lá os bancos estão triunfantes. Foram os primeiros a serem salvos e impuseram uma política fiscal saudável, aquela que vem comandada pelo coração de Ângela Merkel. E a Alemanha está cada vez mais forte geopoliticamente, domina o Leste europeu e faz uma aliança expressiva com a Rússia. E, por sua influência, o Banco Central Europeu tem uma alma ortodoxa. E sua política é fortemente financeira. E procura sustentar os grandes bancos contra os Estados mais fracos, casos que vão da Grécia a Portugal. E sempre a velha chave: bota o retrato das finanças outra vez, bota no mesmo lugar. Há que ter clareza, o salvamento escorchante tem uma faca que funciona com uma lâmina bem afiada. Por exemplo, Portugal vai tomar um empréstimo, com juros de cinco e pouco por cento, quando o próprio FMI lhe está cedendo recursos a 3,25. E agora, digam rapidamente, quem é que vai pagar socialmente a conta, para salvar esses Estados e inclusive os bancos desses países, emparedados por outros Estados e por banco de outros países? Digam com rapidez, digam!
8) Salve o neoliberalismo!
- “De volta, compadre?”
- “Sim, de volta. Mas, não alertes nem espalhes muito. Tenho sim ainda a mídia a meu favor, tenho a ‘tuba canora’, como diria Camões. Mas não divulgues, não tenho mais a liderança da dinâmica econômica. E mais, confesso aqui, que não se domina mais, sem discussões, o Estado como antigamente. E te digo no ouvido: a dinâmica não vai tão bem, porque não há uma expansão da economia produtiva com taxas de lucros extremamente altas como na época da economia ponto com. Sim, a economia até cresce, mas é tudo indústria velha, lucros grandes, mas nada explosivo e vigoroso. A nova indústria, aquela que vai mudar o mundo e vai dar a nós novas oportunidades de amplos negócios, ainda não está em expansão, não está permitindo novos vôos especulativos. Aliás, temos um pouco de culpa! Nossas próprias especulações atuais com petróleo, matérias primas e produtos agrícolas, estão emperrando as transformações. E os déficits espantosos dos Estados são bons e são ruins. Bons porque ganhamos dinheiro; ruins porque o Estado não pode financiar as indústrias novas, sobretudo aquelas de comunicação e informação. Enquanto não acharmos uma fórmula para ligar finanças-Estado-novas indústrias tecnológicas, temos que continuar, na corda bamba, traçando esse ‘revival’ neoliberal. Mas, que ele vai acabar, vai. A hora é das indústrias novas. E aí o Estado precisa ajudar a produção. O que não se sabe é o tempo da mudança! Talvez a concorrência entre os Estados nacionais, incluindo o Estado e a economia da China, ajude. Mas, por enquanto, é sitiar e cercar com o ‘revival’ neoliberal o que for possível.”
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