CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL
19 de maio de 2011
Coluna das quintas
A MORTE POLÍTICA
DE
DOMINIQUE STRAUSS-KAHN
Por Enéas de Souza
A HIERAQUIA DOS FATOS
O complô é uma forma política de agir, talvez não seja uma forma adequada para pensar o político. De qualquer maneira, a política é conflito, é disputa, é discórdia. E no limite pode ser a guerra de todos contra todos, o “homo hominis lupus” da idéia de Hobbes, que Freud gostava, e inseriu e trabalhou no “Mal-Estar da Cultura”. Pois, o caso de Dominique Strauss-Kahn vem colocar inúmeras questões sobre essa realidade, desde os temas judiciais até os problemas do sistema financeiro internacional, não sendo a questão política da França a menor delas. Areia movediça e incêndio de vastas proporções, Naturalmente, que o processo judicial do assédio sexual, do cárcere privado e da tentativa de estupro, também tem o seu curso. E é de fundamental importância para as pessoas envolvidas. Mas na hierarquia dos problemas expostos pela anatomia do caso há algo mais profundo, há outra dimensão social e política. E é nessa que estamos interessados.
A IMPORTÂNCIA DO LUGAR DO DELITO
A pergunta fundamental é a seguinte: a quem interessa a prisão de Dominique Strauss-Kahn? Essa pergunta levanta uma série de sendas e de veredas, de caminhos e de linhas que envolvem dramaticamente o caso. Mas é preciso ver que, se houve complô, a armadilha foi bem feita. Não estou afirmando que houve armação, estou apenas me detendo no exercício do especular. Portanto, se houve cilada, eis o que teria de se considerar. Em primeiro lugar, Strauss-Kahn tinha um problema vulnerável, a questão da atração sexual pelas mulheres. DSK era o que na linguagem mais familiar se chama de mulherengo ou como se diz na França: DSK é um “coureur”. Pois, se houve armadilha, ela foi concebida em cima desse motivo. Mas coloquemos um segundo ponto. Para que a história tivesse um caráter eliminatório, definitivo, cortante, pleno de vexame, ela tinha que se dar num lugar onde as coisas do sexo fossem escandalosas, inquietantes e problemáticas. Onde o caso fosse amplificado, onde a moral derrubasse a figura atacada. E que o conhecimento do enredo, do segredo da jóia, permitisse uma chantagem sentimental em alta escala (ele atacou uma mulher negra, migrante, mãe de uma filha de 15 anos). Claro, o lugar só poderia ser os Estados Unidos. Porque, como complemento, nesse país a prisão pode ser feita com notável modo agressivo, cheia de humilhação, preponderantemente aviltante, e nenhuma importância com a questão jurídica da presunção da inocência (esse é um tema de grande repercussão, no entanto, na França, daí a revolta de inúmeros franceses). E foi nessa atmosfera que o laço cruel se aproximou do pescoço de Strauss-Kahn.
QUANDO A IMAGEM MATA
Mas, como disse, não quero discutir a questão judicial. O que me interessa é o local do delito como política. Antes de mais nada, é nos Estados Unidos, o lugar onde a política se mostra, desde logo, como espetáculo, onde, como um espelho especial, a comunidade se arma numa sociedade de imagens múltiplas. E a imagem é a forma como as relações sociais se dão entre os homens nos dias que correm. É exatamente nesse ponto que elas, as imagens, descem sua lâmina afiada sobre a integridade moral DSK. E como uma guilhotina moderna e um raio irreversível, a morte política de Strauss-Kahn se iluminou. No momento da foto, no momento da notícia, na presença das câmeras de televisão, na divulgação da rede dos blogs e na circulação da internet. Não importa se DSK é culpado ou não, politicamente ele está morto. Como falava Machado de Assis, a política tem medo da opinião pública, e a opinião pública de domingo até agora se alimentou, famélica e devoradoramente, das novidades da queda de DSK. A forma agressiva e humilhante desenhou no rosto abatido, nos olhos cheios de incredulidade, de desespero e de raiva de Dominique, a certeza de que fora, como um animal que se surpreende, fulminado numa grande cidade, a figura explosiva desta semana. Atingido por uma bala midiática numa tarde de sábado em Nova York – a imagem mata, efetivamente – Strauss-Kahn encontrou o muro de onde não passará. Aquela viagem para a França foi a impossibilidade de continuar tanto como presidente do FMI como candidato a presidente da República da França. Aquele avião não levará nunca DSK. A interrogação salta a todos: a quem interessava que ele não estivesse bordo, interrompendo qualquer chance de continuar a sua carreira institucional e política?
A QUALIFICAÇÃO COM FATOS
DSK era um político qualificado que tinha uma carreira exitosa. Foi ministro da Indústria e do Comércio, ministro das Finanças e foi sempre um economista acima da média. Até sábado, fez um trabalho muito bom no FMI, o que significa dizer que recuperou uma instituição totalmente desacreditada até a crise financeira de 2007 e conseguiu novos aportes de capital para o Fundo – compatível minimamente com as necessidades da época contemporânea. Com uma liderança decisiva, lançou, apesar do descrédito da entidade, a presença dela na solução dos desastres econômicos de diversos países e obteve uma participação significativa do FMI na gerência da atual crise da mundialização, seguindo os ditames do G-20. Tornou-se, por causa disso, um economista muito respeitado no meio das finanças, e, como consequência desse desempenho, ocorreu o seu crescimento no Partido Socialista da França. Obviamente, estrela em ascensão, emerge, avassaladoramente, como um sério candidato à presidência da nação francesa. Desde março, após o evidente fracasso de Sarkozy no seu mandato, Dominique Strauss-Kahn passou a liderar todas as pesquisas feitas desde então, algumas com margens de 16 pontos sobre o próprio Sarkozy. Nada mais conveniente para que passasse a ser um alvo a ser fulminado.
OS INTERESSADOS NO COMPLÔ
1) Na França
Certamente o maior interessado na queda de DSK era o grupo político do poder, o grupo de Sarkozy. DSK era o candidato mais forte da esquerda, cara de francês, jeito de francês e, se não amado pela população, ao menos era um político valorizado por seu trabalho internacional. Mas os comentaristas apontam também a possibilidade de haver gente de dentro do próprio PS que achasse melhor a apresentação de outro concorrente. Embora Dominique estivesse quebrando as resistências internas, esses mesmos comentaristas – pode até ser surpresa - lembraram haver tido no próprio PS antecedentes de deslocamento de candidatos em outras eleições. Ou seja, não seria impossível a existência de fogo amigo.
De outro lado, o posto de presidente do FMI tem sido ocupado por diversos franceses. E como DSK vinha desempenhando um papel de boa categoria, o governo francês, já trabalha, discretamente para a sua substituição. Mesmo que ele ainda não tenha pedido demissão, a figura em destaque é Christine Lagarde, ministra das Finanças. Suas credenciais apresentadas pela mídia são cômicas: já trabalhou nos States e (olha só o argumento!) fala fluentemente inglês... Não podemos pensar diferente: a vacância do poder é uma questão de obscena e mortífera ambição, Sabemos disso desde Shakespeare e suas peças notáveis como Ricardo II, Hamlet, King Lear, etc. A gente olha para a Europa e explodem candidatos por toda parte, inclusive na Alemanha e na França. Realmente, o despudor chegou ao extremo. A morte de DSK ainda não é oficial, e a turma do “afasta que a cadeira é minha” já botou o bloco na rua. Vê-se que a desgraça e a morte são estímulos para a liberação e o desenvolvimento exaltado da busca de poder. E isso que Strauss Kahn era um dos comandantes para a solução de vários problemas europeus. Sabemos que a Grécia, Portugal, Irlanda estão em sérias dificuldades, embora nos bastidores, também se fale de candidatos potenciais como a Espanha, a Itália, a Inglaterra, etc., etc. Dizendo rapidamente: vai ter muita grana em jogo, os governos e as finanças estão botando na mesa o seu olho gordo. E mesmo com o mau tempo e com a tempestade dos eventos do fim de semana, o circo não para, tem sessão todo dia. E ninguém sabe se ele não vai pegar fogo. Se tudo correr na direção que vai – e é bem provável, pois a crise ainda tem muito espaço para sobreviver. E a caída de DSK acelerou o processo de competição predatória entre os políticos.
2) Nos Estados Unidos
Aparentemente, aí não haveria muitos interessados. Ledo e ivo engano. Na bandeira tem muita gente querendo pegar. São vários os itens. Há uma tendência a dizer que os americanos estavam descontentes com Strauss-Kanh em muitos níveis. Uma geologia atiçada. Vendo a nova política implantada no FMI pelo dito, observando a transformação do Fundo em um agente mais ligado à governança mundial via G-20, e sentindo uma inserção mais contundente na área monetária e financeira, os Estados Unidos principiaram a se sentir meio ameaçados. O FMI foi uma instituição criada na esteira de Bretton Woods para resolver problemas de balanço de pagamentos e agora chega a ter pretensões novas: ser uma instituição mais autônoma em relação ao criador, o seu caridoso pai. Pois vejam a questão do DES (Direito Especial de Saque). A China já propôs que fosse a moeda internacional, principalmente na função de reserva de valor. Obviamente que os americanos não podem apoiar, nem gostar, afeta o dólar e seu poder de manobra. Já quanto à correnteza financeira, nunca esquecer a atuação que o FMI tem tido na solução das dívidas dos países europeus. Ela poderia incomodar a própria finanças privadas, que deve ter, falou-se numa grande instituição financeira, se alterado com as ações do Fundo em diversos casos. Tudo são falatórios, evidentemente. Mas que as finanças americanas certamente estariam contrariadas tem a ver com algumas idéias sobre a necessidade de introduzir uma maior regulação no sistema financeiro. Strauss-Kahn talvez estivesse indo longe demais. E se somarmos ainda a sua inclinação muito forte em atender soluções para a Europa. e o continuado uso de seu posto e de seu trabalho para crescer na política francesa, o odor, o feeling, de que “este cara passou dos limites” pode ser uma conclusão. Por que, então, não tirá-lo da Fórmula Um?
Tudo isso são especulações. Mas há mais. Os americanos estão já há algum tempo interessados em modificar a regra não escrita, que o presidente do Banco Mundial é americano e o do FMI, europeu. Portanto, um olho na presidência também se faz presente. Só que os emergentes – China, Índia, Brasil, Rússia, e outros – já estão, há muito tempo, querendo mudar as relações internas no Fundo, principalmente nas questões ligadas ao valor dos votos, e mesmo quanto a cargos e a própria presidência. Se isso é assim, está chegando a Hora. E o infortúnio de DSK açula esse momento. Porém, como um nascer do sol antecipado, os mais exagerados na teoria da conspiração chegam a viajar mais longe. Chegam a insinuar que talvez possa até mesmo ter havido um acordo – um sublime acordo? – entre alguma via americana e outra européia.
A CAIXA DE PANDORA E UM TIRO NUM COELHO SÓ
Porém, a teoria mais esquisita que apareceu até agora tem a ver com o retorno da mentalidade militarista nos Estados Unidos e com o assassinato de Bin Laden. Estaríamos numa nova era. E, então, há gente que pensa mesmo que algum órgão – sem excluir a CIA – estaria manejando os dados da Fortuna para cortar a ascensão de Dominique Strauss-Kahn, Primeiro, para livrar-se de um francês na presidência do Fundo Monetário Internacional e segundo, de um socialista na presidência da França. E com a vantagem de um tiro num coelho só.
O nosso interesse no caso de DSK foi sair da esfera judicial, onde existem inúmeras questões sem clareza, não explicadas e não examinadas. Nosso interesse foi mostrar que, independentemente das especulações advindas ao caso, como se fosse uma feijoada bem condimentada, o jogo político está sempre presente nos corredores dos acontecimentos. Policial ou não, o caso vem mostrar que a crise financeira internacional e as dimensões políticas dos países impõem um jogo agudo, tenso, duro, agreste, que se faz nas costas de um homem. Quase uma tragédia grega, mas que tem colorações de farsa e que não deixa de explodir inusitadamente como um melodrama. Pode até ter momentos dramáticos de quinta categoria, mas adquire, em certos instantes, tonalidades shakesperianas. Por isso, a morte política de DSK não é uma simples morte, é um vulcão nessa zona outrora mais fraterna dos Estados Unidos e da Europa. Os donos do poder, mesmo que não tenham feito nada, estão como pássaros vorazes, à espreita de uma nova abertura do Ovo da Serpente. O problema vai ser no desdobramento, haverá que fazer o enterro do cadáver político de Dominique Strauss-Kahn. Machado de Assis alertaria: cuidado que o caixão pode ser a Caixa de Pandora!
DE
DOMINIQUE STRAUSS-KAHN
Por Enéas de Souza
A HIERAQUIA DOS FATOS
O complô é uma forma política de agir, talvez não seja uma forma adequada para pensar o político. De qualquer maneira, a política é conflito, é disputa, é discórdia. E no limite pode ser a guerra de todos contra todos, o “homo hominis lupus” da idéia de Hobbes, que Freud gostava, e inseriu e trabalhou no “Mal-Estar da Cultura”. Pois, o caso de Dominique Strauss-Kahn vem colocar inúmeras questões sobre essa realidade, desde os temas judiciais até os problemas do sistema financeiro internacional, não sendo a questão política da França a menor delas. Areia movediça e incêndio de vastas proporções, Naturalmente, que o processo judicial do assédio sexual, do cárcere privado e da tentativa de estupro, também tem o seu curso. E é de fundamental importância para as pessoas envolvidas. Mas na hierarquia dos problemas expostos pela anatomia do caso há algo mais profundo, há outra dimensão social e política. E é nessa que estamos interessados.
A IMPORTÂNCIA DO LUGAR DO DELITO
A pergunta fundamental é a seguinte: a quem interessa a prisão de Dominique Strauss-Kahn? Essa pergunta levanta uma série de sendas e de veredas, de caminhos e de linhas que envolvem dramaticamente o caso. Mas é preciso ver que, se houve complô, a armadilha foi bem feita. Não estou afirmando que houve armação, estou apenas me detendo no exercício do especular. Portanto, se houve cilada, eis o que teria de se considerar. Em primeiro lugar, Strauss-Kahn tinha um problema vulnerável, a questão da atração sexual pelas mulheres. DSK era o que na linguagem mais familiar se chama de mulherengo ou como se diz na França: DSK é um “coureur”. Pois, se houve armadilha, ela foi concebida em cima desse motivo. Mas coloquemos um segundo ponto. Para que a história tivesse um caráter eliminatório, definitivo, cortante, pleno de vexame, ela tinha que se dar num lugar onde as coisas do sexo fossem escandalosas, inquietantes e problemáticas. Onde o caso fosse amplificado, onde a moral derrubasse a figura atacada. E que o conhecimento do enredo, do segredo da jóia, permitisse uma chantagem sentimental em alta escala (ele atacou uma mulher negra, migrante, mãe de uma filha de 15 anos). Claro, o lugar só poderia ser os Estados Unidos. Porque, como complemento, nesse país a prisão pode ser feita com notável modo agressivo, cheia de humilhação, preponderantemente aviltante, e nenhuma importância com a questão jurídica da presunção da inocência (esse é um tema de grande repercussão, no entanto, na França, daí a revolta de inúmeros franceses). E foi nessa atmosfera que o laço cruel se aproximou do pescoço de Strauss-Kahn.
QUANDO A IMAGEM MATA
Mas, como disse, não quero discutir a questão judicial. O que me interessa é o local do delito como política. Antes de mais nada, é nos Estados Unidos, o lugar onde a política se mostra, desde logo, como espetáculo, onde, como um espelho especial, a comunidade se arma numa sociedade de imagens múltiplas. E a imagem é a forma como as relações sociais se dão entre os homens nos dias que correm. É exatamente nesse ponto que elas, as imagens, descem sua lâmina afiada sobre a integridade moral DSK. E como uma guilhotina moderna e um raio irreversível, a morte política de Strauss-Kahn se iluminou. No momento da foto, no momento da notícia, na presença das câmeras de televisão, na divulgação da rede dos blogs e na circulação da internet. Não importa se DSK é culpado ou não, politicamente ele está morto. Como falava Machado de Assis, a política tem medo da opinião pública, e a opinião pública de domingo até agora se alimentou, famélica e devoradoramente, das novidades da queda de DSK. A forma agressiva e humilhante desenhou no rosto abatido, nos olhos cheios de incredulidade, de desespero e de raiva de Dominique, a certeza de que fora, como um animal que se surpreende, fulminado numa grande cidade, a figura explosiva desta semana. Atingido por uma bala midiática numa tarde de sábado em Nova York – a imagem mata, efetivamente – Strauss-Kahn encontrou o muro de onde não passará. Aquela viagem para a França foi a impossibilidade de continuar tanto como presidente do FMI como candidato a presidente da República da França. Aquele avião não levará nunca DSK. A interrogação salta a todos: a quem interessava que ele não estivesse bordo, interrompendo qualquer chance de continuar a sua carreira institucional e política?
A QUALIFICAÇÃO COM FATOS
DSK era um político qualificado que tinha uma carreira exitosa. Foi ministro da Indústria e do Comércio, ministro das Finanças e foi sempre um economista acima da média. Até sábado, fez um trabalho muito bom no FMI, o que significa dizer que recuperou uma instituição totalmente desacreditada até a crise financeira de 2007 e conseguiu novos aportes de capital para o Fundo – compatível minimamente com as necessidades da época contemporânea. Com uma liderança decisiva, lançou, apesar do descrédito da entidade, a presença dela na solução dos desastres econômicos de diversos países e obteve uma participação significativa do FMI na gerência da atual crise da mundialização, seguindo os ditames do G-20. Tornou-se, por causa disso, um economista muito respeitado no meio das finanças, e, como consequência desse desempenho, ocorreu o seu crescimento no Partido Socialista da França. Obviamente, estrela em ascensão, emerge, avassaladoramente, como um sério candidato à presidência da nação francesa. Desde março, após o evidente fracasso de Sarkozy no seu mandato, Dominique Strauss-Kahn passou a liderar todas as pesquisas feitas desde então, algumas com margens de 16 pontos sobre o próprio Sarkozy. Nada mais conveniente para que passasse a ser um alvo a ser fulminado.
OS INTERESSADOS NO COMPLÔ
1) Na França
Certamente o maior interessado na queda de DSK era o grupo político do poder, o grupo de Sarkozy. DSK era o candidato mais forte da esquerda, cara de francês, jeito de francês e, se não amado pela população, ao menos era um político valorizado por seu trabalho internacional. Mas os comentaristas apontam também a possibilidade de haver gente de dentro do próprio PS que achasse melhor a apresentação de outro concorrente. Embora Dominique estivesse quebrando as resistências internas, esses mesmos comentaristas – pode até ser surpresa - lembraram haver tido no próprio PS antecedentes de deslocamento de candidatos em outras eleições. Ou seja, não seria impossível a existência de fogo amigo.
De outro lado, o posto de presidente do FMI tem sido ocupado por diversos franceses. E como DSK vinha desempenhando um papel de boa categoria, o governo francês, já trabalha, discretamente para a sua substituição. Mesmo que ele ainda não tenha pedido demissão, a figura em destaque é Christine Lagarde, ministra das Finanças. Suas credenciais apresentadas pela mídia são cômicas: já trabalhou nos States e (olha só o argumento!) fala fluentemente inglês... Não podemos pensar diferente: a vacância do poder é uma questão de obscena e mortífera ambição, Sabemos disso desde Shakespeare e suas peças notáveis como Ricardo II, Hamlet, King Lear, etc. A gente olha para a Europa e explodem candidatos por toda parte, inclusive na Alemanha e na França. Realmente, o despudor chegou ao extremo. A morte de DSK ainda não é oficial, e a turma do “afasta que a cadeira é minha” já botou o bloco na rua. Vê-se que a desgraça e a morte são estímulos para a liberação e o desenvolvimento exaltado da busca de poder. E isso que Strauss Kahn era um dos comandantes para a solução de vários problemas europeus. Sabemos que a Grécia, Portugal, Irlanda estão em sérias dificuldades, embora nos bastidores, também se fale de candidatos potenciais como a Espanha, a Itália, a Inglaterra, etc., etc. Dizendo rapidamente: vai ter muita grana em jogo, os governos e as finanças estão botando na mesa o seu olho gordo. E mesmo com o mau tempo e com a tempestade dos eventos do fim de semana, o circo não para, tem sessão todo dia. E ninguém sabe se ele não vai pegar fogo. Se tudo correr na direção que vai – e é bem provável, pois a crise ainda tem muito espaço para sobreviver. E a caída de DSK acelerou o processo de competição predatória entre os políticos.
2) Nos Estados Unidos
Aparentemente, aí não haveria muitos interessados. Ledo e ivo engano. Na bandeira tem muita gente querendo pegar. São vários os itens. Há uma tendência a dizer que os americanos estavam descontentes com Strauss-Kanh em muitos níveis. Uma geologia atiçada. Vendo a nova política implantada no FMI pelo dito, observando a transformação do Fundo em um agente mais ligado à governança mundial via G-20, e sentindo uma inserção mais contundente na área monetária e financeira, os Estados Unidos principiaram a se sentir meio ameaçados. O FMI foi uma instituição criada na esteira de Bretton Woods para resolver problemas de balanço de pagamentos e agora chega a ter pretensões novas: ser uma instituição mais autônoma em relação ao criador, o seu caridoso pai. Pois vejam a questão do DES (Direito Especial de Saque). A China já propôs que fosse a moeda internacional, principalmente na função de reserva de valor. Obviamente que os americanos não podem apoiar, nem gostar, afeta o dólar e seu poder de manobra. Já quanto à correnteza financeira, nunca esquecer a atuação que o FMI tem tido na solução das dívidas dos países europeus. Ela poderia incomodar a própria finanças privadas, que deve ter, falou-se numa grande instituição financeira, se alterado com as ações do Fundo em diversos casos. Tudo são falatórios, evidentemente. Mas que as finanças americanas certamente estariam contrariadas tem a ver com algumas idéias sobre a necessidade de introduzir uma maior regulação no sistema financeiro. Strauss-Kahn talvez estivesse indo longe demais. E se somarmos ainda a sua inclinação muito forte em atender soluções para a Europa. e o continuado uso de seu posto e de seu trabalho para crescer na política francesa, o odor, o feeling, de que “este cara passou dos limites” pode ser uma conclusão. Por que, então, não tirá-lo da Fórmula Um?
Tudo isso são especulações. Mas há mais. Os americanos estão já há algum tempo interessados em modificar a regra não escrita, que o presidente do Banco Mundial é americano e o do FMI, europeu. Portanto, um olho na presidência também se faz presente. Só que os emergentes – China, Índia, Brasil, Rússia, e outros – já estão, há muito tempo, querendo mudar as relações internas no Fundo, principalmente nas questões ligadas ao valor dos votos, e mesmo quanto a cargos e a própria presidência. Se isso é assim, está chegando a Hora. E o infortúnio de DSK açula esse momento. Porém, como um nascer do sol antecipado, os mais exagerados na teoria da conspiração chegam a viajar mais longe. Chegam a insinuar que talvez possa até mesmo ter havido um acordo – um sublime acordo? – entre alguma via americana e outra européia.
A CAIXA DE PANDORA E UM TIRO NUM COELHO SÓ
Porém, a teoria mais esquisita que apareceu até agora tem a ver com o retorno da mentalidade militarista nos Estados Unidos e com o assassinato de Bin Laden. Estaríamos numa nova era. E, então, há gente que pensa mesmo que algum órgão – sem excluir a CIA – estaria manejando os dados da Fortuna para cortar a ascensão de Dominique Strauss-Kahn, Primeiro, para livrar-se de um francês na presidência do Fundo Monetário Internacional e segundo, de um socialista na presidência da França. E com a vantagem de um tiro num coelho só.
O nosso interesse no caso de DSK foi sair da esfera judicial, onde existem inúmeras questões sem clareza, não explicadas e não examinadas. Nosso interesse foi mostrar que, independentemente das especulações advindas ao caso, como se fosse uma feijoada bem condimentada, o jogo político está sempre presente nos corredores dos acontecimentos. Policial ou não, o caso vem mostrar que a crise financeira internacional e as dimensões políticas dos países impõem um jogo agudo, tenso, duro, agreste, que se faz nas costas de um homem. Quase uma tragédia grega, mas que tem colorações de farsa e que não deixa de explodir inusitadamente como um melodrama. Pode até ter momentos dramáticos de quinta categoria, mas adquire, em certos instantes, tonalidades shakesperianas. Por isso, a morte política de DSK não é uma simples morte, é um vulcão nessa zona outrora mais fraterna dos Estados Unidos e da Europa. Os donos do poder, mesmo que não tenham feito nada, estão como pássaros vorazes, à espreita de uma nova abertura do Ovo da Serpente. O problema vai ser no desdobramento, haverá que fazer o enterro do cadáver político de Dominique Strauss-Kahn. Machado de Assis alertaria: cuidado que o caixão pode ser a Caixa de Pandora!
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