quinta-feira, janeiro 20, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
20 de janeiro de 2011
COLUNA DAS QUINTAS



CHINA, O DRAGÃO
DO LONGO PRAZO
Por Enéas de Souza


Nesta semana, Jintao foi recebido por Obama na Casa Branca. Olhem só, o mundo está sendo pautado pela China. Pois vem dela o lado substantivo da economia contemporânea. Tendo emergido ao robusto primeiro plano mundial pelo enlace comercial e financeiro com os Estados Unidos e tendo recebido inúmeras empresas de todo o mundo por ser um local de produção barato e gigantesco, a China, dada a estratégia paralisante das finanças americanas, é o time que vai liderando o jogo. E tudo porque o seu Estado, com uma postura desenvolvimentista, saiu na frente, reorganizou o investimento, desenvolveu a sua indústria, apurou a tecnologia e desmontou as áreas em decadência, ao mesmo tempo em que assumiu uma postura financeira inteligente. Primeiro porque não ficou preso aos Estados Unidos, mas segundo porque percebeu precocemente que sem o dólar o mundo não vai. Seu “yuan” é uma moeda controlada, portanto não serve para o mercado mundial. Dito sem nenhum constrangimento: a China sabe que o dólar é moeda de reserva de valor, com os problemas que pode ter, mas sem o dólar não há vida no boteco do mundo.

Isto traz vantagens aos americanos, pois eles manipulam a emissão da moeda. Portanto, ponto para os Estados Unidos. Mas neste voley-ball, a bola vai e vem: os chineses maltratam o dólar no câmbio, porque tem um cambio manejado. E claro, os americanos vem com aquela banalidade neoliberal: os chineses tinham que desvalorizar o seu dinheiro. Quá, quá, quá. A conclusão é só uma: os americanos têm agora um companheiro na geoeconomia e geopolítica mundial. E mais. Tem um companheiro que sabe jogar, porque tem certeza que os americanos, apesar da crise, possuem a economia e a política líder do atual momento histórico.

Ora, os Estados Unidos! A vida está difícil por lá. Antes de mais nada, as finanças mandam e desmandam, detém a economia quando querem e não saem do comando com sua esteira adiposa de lobistas, de deputados e senadores financiados por elas. Dominam e dominam – a lei do pedaço do Tio Sam. Só que, a luta é feroz, os títulos podres ainda não terminaram, a credit crunch continua, os mercados não crescem e as aplicações têm que acontecer no exterior. Se olharmos bem, a economia pode até ter um leve crescimento, mas o emprego não evolui e a estrutura produtiva não se transforma profundamente. E Obama não consegue – ah, não consegue mesmo! – dirigir a liderança do processo econômico e social numa nova direção. Projeta passos, mas precisa recuar muitas vezes. E o Tea Party está aí. E a grande imprensa está assoprando ventos contrários. E por tabela, vem vindo uma certa chuva miúda, solene e constante, tão constante e tão solene, que é capaz de levar a um desmoronamento logo adiante. Atada a corda americana, a Europa está mal e tropeça, pois economicamente está enrolada, travada, salvo a Alemanha. E a Europa continua liderada politicamente pelo trio Alemanha, Inglaterra e França, trio que dança a valsa conservadora. O resultado só poderia ser uma economia ameaçada e desembocando num crescimento medíocre e melancólico.

E cuidado, nunca podemos esquecer: quem manda na Europa é a área financeira, da City a Berlim e ao Banco Central Europeu. E ela morre, estrebucha, mas não pensa, até por intolerância, na população européia. Então, o eixo Estados Unidos, Inglaterra, Europa está sendo sacudido por uma paralisia social e uma degradação das outras classes que não a financeira, que se não chega a ser mortal, ao menos a leva à borda do precipício. E, caro leitor, esmiúce um pouco e veja a questão política na Europa. A minha hipótese começa de modo simples. Quem dirige o céu estrelado são as finanças, que conseguiu, com apoio americano e manobrando um desejo europeu, conceber uma moeda única. Esta moeda é uma moeda financeira. Mas, financeira, capenga, como a Vênus Coxa de Machado de Assis. Por quê? Porque politicamente, a Europa não avançou o suficiente, seria preciso ir na rota de um Estado europeu. E Estado europeu significaria ter um Executivo europeu e obviamente um Tesouro europeu. Na Europa, as finanças mandam, via mercado, via Banco Central Europeu, via os seus Estados Nacionais, mas não mandam nos países, e não tem força política para transformações profundas no todo. Assim, o eixo está em profunda dependência americana, que por estar com o seu Estado em crise – déficit presente, dívida alta principalmente, e política econômica de um modo geral só financeira – o que não é capaz de atender as necessidades da população.

Pois aí é que, como um mandarim misterioso e astuto, entra a China. Ela tem um plano. Um plano de longo prazo: liderar o mundo. Só que a China liga o longo prazo ao curto. Ela sabe que tem uma disputa com os Estados Unidos e que, no momento, por realismo puro, não pode se dar ao luxo de um combate frontal imediato. A China não tem uma economia com invenções tecnologicamente avançadas no setor que vai liderar o próximo padrão de acumulação: as novas tecnologias de comunicação e informação. A China tem inovações tecnológicas nas indústrias existentes, mas não está na ponta das indústrias que puxarão o novo padrão. A China não tem liderança energética. Mas em tudo isso ela tem planos, só não se acredita que tenha meios para chegar lá. A China não tem composição militar para ganhar do seu principal adversário, etc., etc. Qual é o jogo chinês? O jogo chinês é o jogo do longo prazo; acumulando pequenos e definitivos triunfos para chegar ao momento onde sua superioridade pode se confrontar com o(s) seu(s) adversário(s).

O que ela está interessada no momento é mudar a sua relação relativa com o Ocidente. E a primeira coisa que está fazendo na prática é sustentar a hegemonia do dólar, mas não perder no câmbio; intervir na Europa para impedir que o eixo USA-Europa desabe; articular com a América Latina, África e a própria Ásia relações econômicas onde ela seja o sol e o imã do processo. A China não entrou no jogo americano do curto prazo como a União Soviética, por múltiplas razões, entrou: a 2ª Guerra Mundial, o esforço da Guerra Fria, a ambição do comunismo mundial, etc. A União Soviética foi derrotada por um cerco político, econômico, militar e cultural fulminante. A China, não. Posso trazer a idéia de que ela é um dragão sinuoso, insinuante e que lança fantasias e fogo, faz ameaças ligeiras e faz festa do consumo. Não se projeta nem se coloca nunca no lado inimigo, trabalha como aliado sem ser amigo. Numa palavra: o perigo da China é que ela tem estratégia. E estratégia de longo prazo. E sabe que a melhor estrada para chegar lá é o investimento, que é o caminho da materialização do futuro. E faz isso com o Estado. Mas o seu grande segredo: não estão vulneráveis no curto prazo, porque não querem acabar com o capitalismo. Pelo contrário, estão ajudando na sustentação da moeda, na salvação da Europa e na nova expansão do desenvolvimento do Brasil – e da América Latina.



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