23 de setembro de 2010
Coluna das quintas
OBSERVAÇÕES SOBRE
O TUNEL ESCURO DA MÍDIA
Por Enéas de Souza
A TRANSFORMAÇÃO PROFUNDA
A mídia é um setor do capital. Ela se desenvolveu amplamente no mundo todo e acabou por instituir um mercado mundial e local de circulação de produtos de uma indústria especial, que chamo a indústria ideológica. Neste momento, em todo o planeta, mas particularmente nestas eleições no Brasil, está sofrendo uma grande derrota. Culpa sua. Saiu, já faz algum tempo, do seu papel original de informar e dar um ponto de vista, seja de um técnico, seja de um analista, sobre os acontecimentos. Dar uma posição de esquerda ou de direita ou de centro de modo honesto e inteligente. Foi se aquerenciando, no entanto, a publicar, como se dizia antigamente, “reclames”, hoje, publicidade. Este último ponto transformou-a profundamente. E com ele, houve uma inversão, a mídia sob as mais diversas formas, foi transformando notícias, novelas e reportagens, em venda de “produtos” determinados. Políticos, artistas, jogadores, empresários, etc. Até chegar a este ápice de tornar-se uma indústria de boatos, de denúncias não comprovadas, entrando, no caso das eleições nacionais, no caminho de uma partidarização e uma sectarização comprometida apenas com as suas fantasias, os seus medos, os seus interesses, a venda de suas páginas.
O NOVO GÊNERO DA MÍDIA
Ela está atravessando a ponte que vai cair e está chegando à margem onde “daqui não tem volta”. Abandonou o tempo onde se inspirava pela objetividade – pode-se até dizer, pela “verdade” – para penetrar no túnel escuro da difamação. Desta forma, mudou de gênero, apagou o campo racional da informação e da amplificação da notícia e do evento, para o campo da ficção, da história, da baixa literatura. De tanto semear este terreno, passou do campo da tragédia e do drama para o reino assustador da farsa. A mídia se transformou numa grande e hilariante comédia, onde ainda não apareceu nenhum Chaplin, nem Buster Keaton, mas onde já surgiram muitos “Os Três Patetas”. E geralmente, o miolo destas histórias são roteiros desmaiados e histórias mal pensadas. E até mal contados. Está faltando a mídia assumir com paixão este novo gênero do seu mercado ideológico, a comédia. E talvez contratar uns escritores como Woody Allen ou atores como Jerry Lewis.
O MERCADO DA DIFAMAÇÃO
Ela, a mídia, por enquanto, tem ficado no mercado das difamações e dos monstros. Cria espantalhos como quem cria coelhos, fabrica demônios como se fosse um “designer” das múltiplas faces do diabo. Veja a quantidade de fantasmas e satanazes construídos. E não se fale de Chaves, Fidel, Evo Morales. Diga-se direto da difamação de Obama, antes e depois das eleições americanas, por exemplo. Mas, agora, nas eleições brasileiras, o diabo veste Dilma. E a mídia alcançou uma nova etapa, a produção de dossiês, com tal generosidade que se pode qualificar o setor como uma economia de alta produtividade. Com essa performance deixa definitivamente a linha da informação pelo patético itinerário dos escândalos, que de drama em drama viraram comédias “sacais”. Temos autores cada vez mais lamentáveis. E com isso a mídia tornou-se uma indústria em processo de queda livre, pois querendo vender comédia por tragédia, boatos por informações, jogou a sua credibilidade no lixo, no fulgor de uma voluptuosa queima da sua respeitabilidade. E o pior: parece que está gostando, a difamação tornou-se um gozo de seu cinismo.
O MOVIMENTO SUBTERRÂNEO DO LIVRE MERCADO
E por quê? Antes de tudo, porque está sofrendo um deslocamento no mercado. Embora de um certo modo, como uma abóbora sem imaginação, ela que sempre defendeu o capitalismo, agora vê o livre mercado e os consumidores, como costuma falar, virar as costas para as suas mercadorias. Significa isso menos lucro, menos vendas, menos leitores, menos publicidade, menos influência. Sente-se, então, um vento de liberdade batendo sobre as páginas impressas, as vozes do rádio, as imagens de tv, despojando a mídia de sua posição. E paradoxalmente, ela reclama da liberdade de imprensa, que na verdade, quase sempre foi reclamo de liberdade de empresa, pois perguntem aos jornalistas quantos tem liberdade para escrever os seus pensamentos.
O que está no fundo desta débâcle é uma multidão de fatores, mas destaca-se, principalmente, uma mudança tecnológica que está levando a “grande imprensa” perder para blogs, para jornais on-line, etc. Qual é a razão? Absolutamente evidente: a transformação tecnológica fundamental, a chamada NTCI (Novas tecnologias de comunicação e informação). Um vulcão que vem do progresso da ciência e da tecnologia, lava caindo em cima desta indústria, desmanchando-a como um furacão saneador. Então, ela precisa de favores do Estado, mais do que já tem. Ela precisa gerar governantes que lhe favoreçam substancialmente. Ela, no seu abismo de desespero, quer parar o tempo e a história. Portanto, a tempestade: a tecnologia está transformando a indústria e, mudando a indústria, está mudando o poder. O jogo do mundo está acelerando a velocidade da própria História. E por incapacidade de ver o que acontece, pela contumácia dos caminhos equivocados e por uma incompetência conservadora, está atolada em dívidas e afogada na falta de perspectivas e de futuro. Traz na sua sacola de soluções o descarrilhar do seu trem. A mídia mente, falseia, cria desonrosos testemunhos, abomináveis reportagens, defende causas indefensáveis e gera, como conseqüência, a sua desqualificação. O mundo não é santo, e os artistas bebem na criminalidade e nas imperfeições humanas, do sangue sai a beleza, da morte de Antígona brota a desgraça de Creonte, do crime de Cláudio nasce “Hamlet”, do itinerário maldoso e medíocre de Bentinho encontramos a figura notável de Capitu. Mas o jornalista pode ver em Sófocles, Shakespeare e Machado de Assis, o caminho da transformação do lixo da vida em matéria de verdade. Ou, ao menos, de reflexão. E como dizia um amigo meu, “Quando tu fazes da porcaria mais porcaria ainda, meu caro, teu caminho é tu também tornar-te um personagem cariado e ridículo. Porque como os gregos já sabiam, a pobre gente dá, ao contrário da nobreza, a fonte da comédia”. E, desta vez, a pobre mídia não agüentou, fez de tudo, esperneou, abusou, gritou, reverberou, inventou, para ser o único e verdadeiro centro desta comédia humana.
ONDE ESTÁ O ANTAGONISMO DESTA ELEIÇÃO
A estratégia do desespero está levando a mídia convencional a assumir o primeiro plano do antagonismo político. A mídia, diante do eminente e iminente triunfo de Dilma diante de Serra, o que ela faz? Vê a ineficiência, a incompetência, a nulidade deste último. Sabe que, depois de tanto apoio, o candidato não sai do chão, desaba nas pesquisas, e termina fazendo uma campanha sem idéias, sem propostas, um desastre inolvidável. Por isso, ela deixa de ser uma linha de apoio do candidato do PSDB e emerge como protagonista, já que hoje ninguém da mídia acredita que Serra virará o jogo. E a mídia que começou lançando fogo contra Dilma, querendo incendiá-la, jogá-la no precipício, percebeu que, dada à inexistência de estratégia de Serra, teria que fazer o papel de adversária, quem sabe de inimiga. E assumiu para si este combate. E sua estratégia aparece centrada na idéia de uma progressão crescente de denúncias, verdadeiras ou não. Jogar tantas acusações quantas possíveis para ver se alguma pega. Quando se faz um caminhão de denúncias, elas tendem todas, umas a anularem as outras. De indústria ideológica sutil transformou-se numa indústria ideológica explícita de denúncias. A imprensa virou publicidade de má qualidade, vendendo o que não entrega e veiculando fúrias e raivas por todos os textos, as falas e as imagens. Mas, o resultado é irreversível, ela perdeu a batalha. Vai tentar não perder a guerra, tentando sitiar desde agora Dilma para que ela fique presa no seu mandato ao cerco diário. É um aviso para que ela entre em negociação “conosco, porque senão deixaremos sair de nossos quintais e portões, lobos, chacais, cascavéis, corvos e javalis”. O que se sente é que esta mídia vive hoje o seu estertor de respiração, de vida. As formigas caminham para a sua boca... Para se salvar, terão de encontrar o elixir da longa vida, que é adaptarem-se ao novo mercado midiático e às exigências de uma população com outra visão política do que ela.
QUAL É O VERDADEIRO PAPEL DA MÍDIA?
Curiosa figura esta: liberdade de imprensa. Houve um momento em que ela era uma figura contra as ditaduras, contra os poderosos, contras as violências, a favor da democracia, a favor dos esclarecimentos, a favor da razão. Hoje, o Lula faz um discurso contra o noticiário, não faz nenhuma censura e proclama que a mídia é livre – e apenas protesta contra inverdades – esta mídia salta, faz um carnaval, põe no trombone uma gritaria infernal: “Onde está a liberdade de imprensa?” “Somos atacados. Este governo é ditatorial, etc., etc.” E já sai, em seguida, para não deixar dúvidas, dando tapas em quem nem estava ali: não existe liberdade de imprensa em Cuba, na Venezuela. Os Kirchners querem acabar com a imprensa na Argentina, etc., etc. Se olharmos bem, neste momento, a grande mídia não se interessa mais pela própria liberdade de imprensa; diante das mudanças tecnológicas, ela se interessa mais pela salvação da empresa. E no pânico da perda de mercado, e na confusão dos problemas, a grande mídia se debate para achar um caminho econômico confundindo-o com um projeto político de curto prazo.
Por isso, fechando estas observações: é por essa e por aquelas, ditas no começo deste artigo, que a Mídia convencional está perdendo a mão, o jeito, a confiança. Foram-se os bons tempos quando qualquer pessoa dizia: “Olha, é verdade! Deu no Jornal”. “Deu na Televisão”. Hoje, me disse um taxista: “É, deu no jornal, mas o senhor sabe, não é?, na mídia não dá para a gente acreditar!”
Não está hora de uma grande reflexão sobre o verdadeiro papel da Mídia?
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