quinta-feira, setembro 30, 2010

­CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
30 de setembro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


Uma fábula brasileira

PORQUE
MACHADO DE ASSIS
VOTARIA EM
DILMA ROUSSEF

Por Enéas de Souza


Ora, Machado era um conservador, portanto não poderia votar em Dilma Roussef. Mas, Machado tinha o senso da observação e da construção dos romances e dos personagens, da narrativa na História Numa época como a de hoje, com o seu ceticismo – e não cinismo – ele duvidaria que o PT fosse fazer um bom governo. Mas, seu ceticismo era um método para não se entusiasmar com resultados humanos. Do homem, ele tinha uma certa dúvida; achava que o que os movia era o interesse. (Brizola diria os interésses). Bom cara, este. Achava que os homens não eram confiáveis. Machado, todavia, tinha uma grande virtude; se poderia dizer que tinha uma grande aposta. Quando pensava na Independência do Brasil, descortinava-se nele um grande júbilo. E pensava certo: se a Independência do Brasil fosse a origem de uma nação vigorosa, essa nação deveria ter uma literatura de primeiro nível, capaz de se medir com as literaturas dos países formidáveis do velho mundo. O lado colonizado era querer ser igual à Europa; o lado revolucionário era querer ter uma literatura que pudesse se bater com a dos europeus.

Pois, o Machado de Capitu, pensou certo. E se pôs, como um gato serpenteante, a escrever, com a sua língua plástica e simples, sobre a fisionomia do Brasil. O Brasil já tinha Joaquim Manuel de Macedo e sua “A Moreninha”; Manuel Antonio de Almeida trazendo “Memórias de um Sargento de Milícias” e José Martiniano de Alencar, a prosa mais caudalosa do Brasil. As cores brasileiras escrevendo as letras verde-amarelas. Mas, por mais que fossem gigantes, os três não tinham feito uma literatura capaz de se medir com a literatura portuguesa ou mesmo a literatura francesa ou inglesa. Enfim, José de Alencar tinha uma linguagem como as matas nacionais, luxuriantes, verdes, altivas, indianista, genuinamente vegetal, cheio de fauna, mas também trabalhando a realidade urbana da época. Seus personagens tinham muito de europeus. Quem não leu o Guarani? (Meu pai me obrigou a ler numas férias. E para se certificar que lia, tomava o capítulo após a inesquecível e aborrecida hora de leitura). Nossa imaginação romântica viajava com Ceci e Perí.

Daí veio Machado. Primeira coisa que fez, sobretudo depois de sua doença, que o levou a voltar indisfarçavelmente maduro e mais cético ainda, foi escrever.... Que é que ele escreveu mesmo? “As Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Corra para ler e reler; este é um livro revolucionário, audacioso, fantástico, brilhante, corajoso, pleno de ironia, zombando de alguns PSDBs da época. O próprio Brás Cubas, o seu cunhado Cotrim, Lobo Neves, Virgília, Quincas Borba, o filósofo; etc. E se a gente vai lendo o romance, a gente percebe que o autor terça armas com os grandes escritores do mundo: Pascal, Goethe, Voltaire, e desaba a sua história num mundo onde quem comanda é Pandora, que traz sempre uma sacola de bondade e de maldades ( sendo a esperança a pior delas). O gesto de Machado é medir-se com Cervantes, com Dante, com Shakespeare, ele, um pobre do Brasil, um coitado. Mas foi o primeiro que botou para longe o “complexo de vira-lata”, que Nelson Rodrigues inventou décadas mais tarde para definir a condição do Brasil e dos brasileiros.

Então falei até agora, meio como um errante, sobre várias coisas de Machado. E o que é que isto tem a ver com a Dilma? É que a Dilma está impregnada desta loucura do Machado, a audácia. Ou seja, é preciso criar este país que a Independência deixou lá na História. Um país que, na verdade, se a gente lê o Novais, o Fernando, a gente percebe que Portugal é que estava ficando apêndice do Brasil e não o contrário. O Brasil foi abortado por uma Independência que se alçou a ser império, vide José Bonifácio de Andrade e Silva, mas que continuou escravocrata, que deixou-se estar como um país secundário. O contrário do que queria Machado. E o contrário do que fez Machado. Sim, porque Machado foi um gênio, um cara que estava muito adiante de sua época. Veja o que se disse dele Carlos Fuentes: “50 anos antes de Borges, Machado abriu o caminho para ele”. Ou Salmon Rushdie: “Borges é o escritor que tornou possível Garcia Marques; então, não é exagero dizer que Machado de Assis é o escritor que tornou Borges possível.”

O que interessa. Machado estava querendo um Brasil independente, capaz de encarar os grandes. Fez isso na Literatura. Pois, o Lula, depois de Vargas, Juscelino, entrou nesta vereda, neste sertão, neste encontro marcado. Lula mudou a cara do Brasil, com todos os problemas que o seu governo teve no primeiro mandato. O segundo, se não foi céu de brigadeiro, foi audácia. Inclusive na crise. E Dilma e Celso Amorim, foram as duas naus que fizeram o Brasil avançar. De um lado, uma política externa excepcional e, noutro, uma sustentação econômica com uma estratégia econômica robusta. E Dilma pretende continuar a obra de Lula, o que significa “navegar é preciso” neste caminho da construção de um país integrado na economia mundial, com distribuição de renda, com ampliação dos benefícios à população, etc.

Aí é que está. Machado era conservador em face das disputas políticas estabelecidas no Brasil Império. Veja o leitor o que ele pensa ficcionalmente, dessa realidade, em “Esaú e Jacó”, onde dois irmãos políticos acabam por matar Flora, símbolo da política brasileira, Hoje, ele veria que o trapézio da política se mexeu e caminhou para a construção de uma nação integrada medianamente no sistema geopolítico e geoeconômico do mundo. Deixou de ser uma nação onde o ministro das Relações Exteriores tira o sapato sob a ordem de um guarda americano, para ser uma nação que atua fortemente na América do Sul, na articulação de vários fóruns e diversas relações nas múltiplas regiões, na questão do Irã, etc. Ou seja, há um projeto de Brasil que Lula construiu e está legando, dentro da sua ação política, para que Dilma continue. Um projeto de uma nação independente que, dentro de sua limitação econômica, política e cultural, pretende participar nas decisões do que acontece nos rebuliços do planeta.

Bem, pois acho que, apesar de conservador, irônico, com insuspeito pendor cético, Machado, se fosse votar hoje numa secção eleitoral, mesmo um pouco desacostumado com a máquina de votar, cravaria na urna eletrônica o nome de Dilma Roussef. Lula e Dilma estão fazendo o projeto que Machado esperou que a Independência do Brasil trouxesse. Machado votaria, votará, no domingo, com sua barba bem aparada, com os seus óculos de pincenez (a turma perguntando: quem é esse cara?), na candidata que participa de um projeto de Brasil. A mão de Machado porá na urna o voto que dará a Dilma a possibilidade de dar continuidade e destino à trajetória daquele trem que partiu da estação da Independência.

(Ao menos, é o que os brasileiros desejam!)

quinta-feira, setembro 23, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
23 de setembro de 2010
Coluna das quintas

OBSERVAÇÕES SOBRE
O TUNEL ESCURO DA MÍDIA

Por Enéas de Souza



A TRANSFORMAÇÃO PROFUNDA

A mídia é um setor do capital. Ela se desenvolveu amplamente no mundo todo e acabou por instituir um mercado mundial e local de circulação de produtos de uma indústria especial, que chamo a indústria ideológica. Neste momento, em todo o planeta, mas particularmente nestas eleições no Brasil, está sofrendo uma grande derrota. Culpa sua. Saiu, já faz algum tempo, do seu papel original de informar e dar um ponto de vista, seja de um técnico, seja de um analista, sobre os acontecimentos. Dar uma posição de esquerda ou de direita ou de centro de modo honesto e inteligente. Foi se aquerenciando, no entanto, a publicar, como se dizia antigamente, “reclames”, hoje, publicidade. Este último ponto transformou-a profundamente. E com ele, houve uma inversão, a mídia sob as mais diversas formas, foi transformando notícias, novelas e reportagens, em venda de “produtos” determinados. Políticos, artistas, jogadores, empresários, etc. Até chegar a este ápice de tornar-se uma indústria de boatos, de denúncias não comprovadas, entrando, no caso das eleições nacionais, no caminho de uma partidarização e uma sectarização comprometida apenas com as suas fantasias, os seus medos, os seus interesses, a venda de suas páginas.

O NOVO GÊNERO DA MÍDIA

Ela está atravessando a ponte que vai cair e está chegando à margem onde “daqui não tem volta”. Abandonou o tempo onde se inspirava pela objetividade – pode-se até dizer, pela “verdade” – para penetrar no túnel escuro da difamação. Desta forma, mudou de gênero, apagou o campo racional da informação e da amplificação da notícia e do evento, para o campo da ficção, da história, da baixa literatura. De tanto semear este terreno, passou do campo da tragédia e do drama para o reino assustador da farsa. A mídia se transformou numa grande e hilariante comédia, onde ainda não apareceu nenhum Chaplin, nem Buster Keaton, mas onde já surgiram muitos “Os Três Patetas”. E geralmente, o miolo destas histórias são roteiros desmaiados e histórias mal pensadas. E até mal contados. Está faltando a mídia assumir com paixão este novo gênero do seu mercado ideológico, a comédia. E talvez contratar uns escritores como Woody Allen ou atores como Jerry Lewis.

O MERCADO DA DIFAMAÇÃO

Ela, a mídia, por enquanto, tem ficado no mercado das difamações e dos monstros. Cria espantalhos como quem cria coelhos, fabrica demônios como se fosse um “designer” das múltiplas faces do diabo. Veja a quantidade de fantasmas e satanazes construídos. E não se fale de Chaves, Fidel, Evo Morales. Diga-se direto da difamação de Obama, antes e depois das eleições americanas, por exemplo. Mas, agora, nas eleições brasileiras, o diabo veste Dilma. E a mídia alcançou uma nova etapa, a produção de dossiês, com tal generosidade que se pode qualificar o setor como uma economia de alta produtividade. Com essa performance deixa definitivamente a linha da informação pelo patético itinerário dos escândalos, que de drama em drama viraram comédias “sacais”. Temos autores cada vez mais lamentáveis. E com isso a mídia tornou-se uma indústria em processo de queda livre, pois querendo vender comédia por tragédia, boatos por informações, jogou a sua credibilidade no lixo, no fulgor de uma voluptuosa queima da sua respeitabilidade. E o pior: parece que está gostando, a difamação tornou-se um gozo de seu cinismo.

O MOVIMENTO SUBTERRÂNEO DO LIVRE MERCADO

E por quê? Antes de tudo, porque está sofrendo um deslocamento no mercado. Embora de um certo modo, como uma abóbora sem imaginação, ela que sempre defendeu o capitalismo, agora vê o livre mercado e os consumidores, como costuma falar, virar as costas para as suas mercadorias. Significa isso menos lucro, menos vendas, menos leitores, menos publicidade, menos influência. Sente-se, então, um vento de liberdade batendo sobre as páginas impressas, as vozes do rádio, as imagens de tv, despojando a mídia de sua posição. E paradoxalmente, ela reclama da liberdade de imprensa, que na verdade, quase sempre foi reclamo de liberdade de empresa, pois perguntem aos jornalistas quantos tem liberdade para escrever os seus pensamentos.

O que está no fundo desta débâcle é uma multidão de fatores, mas destaca-se, principalmente, uma mudança tecnológica que está levando a “grande imprensa” perder para blogs, para jornais on-line, etc. Qual é a razão? Absolutamente evidente: a transformação tecnológica fundamental, a chamada NTCI (Novas tecnologias de comunicação e informação). Um vulcão que vem do progresso da ciência e da tecnologia, lava caindo em cima desta indústria, desmanchando-a como um furacão saneador. Então, ela precisa de favores do Estado, mais do que já tem. Ela precisa gerar governantes que lhe favoreçam substancialmente. Ela, no seu abismo de desespero, quer parar o tempo e a história. Portanto, a tempestade: a tecnologia está transformando a indústria e, mudando a indústria, está mudando o poder. O jogo do mundo está acelerando a velocidade da própria História. E por incapacidade de ver o que acontece, pela contumácia dos caminhos equivocados e por uma incompetência conservadora, está atolada em dívidas e afogada na falta de perspectivas e de futuro. Traz na sua sacola de soluções o descarrilhar do seu trem. A mídia mente, falseia, cria desonrosos testemunhos, abomináveis reportagens, defende causas indefensáveis e gera, como conseqüência, a sua desqualificação. O mundo não é santo, e os artistas bebem na criminalidade e nas imperfeições humanas, do sangue sai a beleza, da morte de Antígona brota a desgraça de Creonte, do crime de Cláudio nasce “Hamlet”, do itinerário maldoso e medíocre de Bentinho encontramos a figura notável de Capitu. Mas o jornalista pode ver em Sófocles, Shakespeare e Machado de Assis, o caminho da transformação do lixo da vida em matéria de verdade. Ou, ao menos, de reflexão. E como dizia um amigo meu, “Quando tu fazes da porcaria mais porcaria ainda, meu caro, teu caminho é tu também tornar-te um personagem cariado e ridículo. Porque como os gregos já sabiam, a pobre gente dá, ao contrário da nobreza, a fonte da comédia”. E, desta vez, a pobre mídia não agüentou, fez de tudo, esperneou, abusou, gritou, reverberou, inventou, para ser o único e verdadeiro centro desta comédia humana.

ONDE ESTÁ O ANTAGONISMO DESTA ELEIÇÃO

A estratégia do desespero está levando a mídia convencional a assumir o primeiro plano do antagonismo político. A mídia, diante do eminente e iminente triunfo de Dilma diante de Serra, o que ela faz? Vê a ineficiência, a incompetência, a nulidade deste último. Sabe que, depois de tanto apoio, o candidato não sai do chão, desaba nas pesquisas, e termina fazendo uma campanha sem idéias, sem propostas, um desastre inolvidável. Por isso, ela deixa de ser uma linha de apoio do candidato do PSDB e emerge como protagonista, já que hoje ninguém da mídia acredita que Serra virará o jogo. E a mídia que começou lançando fogo contra Dilma, querendo incendiá-la, jogá-la no precipício, percebeu que, dada à inexistência de estratégia de Serra, teria que fazer o papel de adversária, quem sabe de inimiga. E assumiu para si este combate. E sua estratégia aparece centrada na idéia de uma progressão crescente de denúncias, verdadeiras ou não. Jogar tantas acusações quantas possíveis para ver se alguma pega. Quando se faz um caminhão de denúncias, elas tendem todas, umas a anularem as outras. De indústria ideológica sutil transformou-se numa indústria ideológica explícita de denúncias. A imprensa virou publicidade de má qualidade, vendendo o que não entrega e veiculando fúrias e raivas por todos os textos, as falas e as imagens. Mas, o resultado é irreversível, ela perdeu a batalha. Vai tentar não perder a guerra, tentando sitiar desde agora Dilma para que ela fique presa no seu mandato ao cerco diário. É um aviso para que ela entre em negociação “conosco, porque senão deixaremos sair de nossos quintais e portões, lobos, chacais, cascavéis, corvos e javalis”. O que se sente é que esta mídia vive hoje o seu estertor de respiração, de vida. As formigas caminham para a sua boca... Para se salvar, terão de encontrar o elixir da longa vida, que é adaptarem-se ao novo mercado midiático e às exigências de uma população com outra visão política do que ela.

QUAL É O VERDADEIRO PAPEL DA MÍDIA?

Curiosa figura esta: liberdade de imprensa. Houve um momento em que ela era uma figura contra as ditaduras, contra os poderosos, contras as violências, a favor da democracia, a favor dos esclarecimentos, a favor da razão. Hoje, o Lula faz um discurso contra o noticiário, não faz nenhuma censura e proclama que a mídia é livre – e apenas protesta contra inverdades – esta mídia salta, faz um carnaval, põe no trombone uma gritaria infernal: “Onde está a liberdade de imprensa?” “Somos atacados. Este governo é ditatorial, etc., etc.” E já sai, em seguida, para não deixar dúvidas, dando tapas em quem nem estava ali: não existe liberdade de imprensa em Cuba, na Venezuela. Os Kirchners querem acabar com a imprensa na Argentina, etc., etc. Se olharmos bem, neste momento, a grande mídia não se interessa mais pela própria liberdade de imprensa; diante das mudanças tecnológicas, ela se interessa mais pela salvação da empresa. E no pânico da perda de mercado, e na confusão dos problemas, a grande mídia se debate para achar um caminho econômico confundindo-o com um projeto político de curto prazo.

Por isso, fechando estas observações: é por essa e por aquelas, ditas no começo deste artigo, que a Mídia convencional está perdendo a mão, o jeito, a confiança. Foram-se os bons tempos quando qualquer pessoa dizia: “Olha, é verdade! Deu no Jornal”. “Deu na Televisão”. Hoje, me disse um taxista: “É, deu no jornal, mas o senhor sabe, não é?, na mídia não dá para a gente acreditar!”

Não está hora de uma grande reflexão sobre o verdadeiro papel da Mídia?


quarta-feira, setembro 15, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
16 de setembro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


A CRISE MUNDIAL
AINDA NÃO TERMINOU (*)

Por Enéas de Souza


O economista, entre outras coisas, é um analista e um avaliador. Examina os dados, estuda as forças que atuam sobre a economia, vê o posicionamento do Estado. E avalia. Pois, é o que estamos fazendo aqui. Há uma aparência de calma nos noticiários, na mídia, mas, há uma tensão na realidade. A crise mundial ainda não terminou. Estamos num mirante privilegiado, o Brasil, onde tudo parece estar bem. onde a economia brincando de alpinismo vai chegar entre 5 e 7% de acréscimo neste ano. Neste mirante se tende a enxergar, a perceber e a avaliar as coisas econômicas mundiais com otimismo. Mas, é preciso tirar estas lentes coloridas. E ver de perto, como a face da realidade tem como em alguns primeiros planos do cinema, uma parte do rosto clara; outra escura. A clara nos dá otimismo, a escura nos faz mistério. E o mistério é que depois da continuada crise americana e da atual crise européia, contrabalançadas pelo extraordinário crescimento da China e dos emergentes o ciclo da economia mundial não recomeça e não deixa para traz os maus tempos. Qual o mistério que se esconde atrás da dificuldade de recuperação desta economia?
No entanto, a economia mundial está mudando. E vai mudar a sua liderança, vai mudar o carro-guia, esta ave condutora da história. Pois, é isso que está em causa: trocar a liderança da era econômica do automóvel e do petróleo pela era das novas tecnologias de comunicação e informação. É uma mudança cíclica, é uma mudança na liderança e na estrutura do processo produtivo, é uma mudança no longo prazo da economia capitalista. Pois, quando se muda alguma coisa na economia deste porte, é preciso derrubar paredes, arrumar financiamento, é preciso mudar o Estado, ter instituições que comandem as mudanças, etc. É isto que está impedindo a metamorfose da economia. Ou melhor, a rapidez das mudanças. É isto que mostra que a economia mundial é ainda uma planta doente. É isto que mostra que o que precisa mudar ainda não mudou e o que é indispensável aparecer ainda não apareceu. Considere para ver como é necessária a liderança explícita de empresas de telecomunicações e não de bancos, como é fundamental um novo encadeamento de novas indústrias: nanotecnologia, bioeletrônica, ciências médicas, etc., e igualmente, substituir a infra-estrutura energética da produção. Estas mudanças são estruturais e levam tempo para serem feitas. A troca de padrão de acumulação que ainda não ocorreu, está se operando lentamente.
No fundo, há que se mudar o que está, no momento, mandando. Trata-se de mudar as finanças de posição. Elas querem que tudo fique como era, visando desenvolver-se livremente no céu da especulação. Então como é que se faz para as finanças saírem da sala de comando? Também é aqui que tudo está se jogando. A pergunta chave é: para onde vai o Estado? Qual é o seu novo sentido e a sua nova direção? Antes de tudo, encaminhar as finanças na economia e pela política econômica para um lugar mais adequado que é financiar as atividades produtivas. E porque, as finanças têm que desaparecer do primeiro plano? A economia deve retornar à liderança da produção com nova estrutura produtiva. Os ativos podres e o cassino especulativo atrapalham o novo desenvolvimento, o sistema bancário precisa ser convertido para o apoio ao sistema produtivo. Hoje as finanças funcionam como tranca-rua. Há, portanto, a necessidade de um reforço do Estado, para que este seja capaz de resolver a algazarra no bar da economia. Em alguns lugares já aconteceu ou está acontecendo; China, Brasil, etc. A mensagem é clara, há que reposicionar as finanças, a prioridade tem que ser da produção, do investimento e do emprego. Este é o novo sinal dos tempos.
No plano da retórica, tudo parece fácil, porque falamos de agregados. No nível macro é simples vislumbrar: muda-se a demanda centrada no consumo e a economia vai ser puxada pelo investimento. No entanto, tem que haver uma troca de política econômica; tem que se reformatar o Estado; tem que ter planejamento; tem que se criar, social e novamente, a mentalidade do investimento; tem que dar novas ênfases na educação para a nova economia que entra; tem que se alterar a hierarquia no Estado; tem que se condicionar o novo crédito, etc. As alterações econômicas são transformações de formas que podem ter passagens longas e difíceis.
A principal cirurgia a fazer tem que ser no DNA da economia, e naquilo que Hilferding chamava a forma financeira do Capital. Esta forma tem duas esferas, a financeira e a produtiva, só que contém em si a hegemonia das finanças sobre a produção. Foi o que ocorreu progressivamente de 1979 até 2009. E isso não se troca assim no mais. Mudar a hegemonia passa pela política e, por extensão, passa pelo Estado. E não basta que forças políticas ponham a sua bandeira nele, é preciso que haja uma reformulação técnica e qualitativa na burocracia. É este andamento da mudança histórica no processo econômico e social que tem uma duração complexa. Pois se trata, em verdade, de construir uma nova dinâmica econômica, o eixo Estados Unidos/China, de onde uma nova ordem internacional do trabalho dará surgimento a um outro processo de acumulação produtiva do capital, onde as finanças encontrão o seu novo lugar.

(*) Publicado originalmente na CARTA DE CONJUNTURA FEE, edição de setembro de 2010, da Fundação de Economia e Estatística.

quinta-feira, setembro 09, 2010

Neoliberalismo tardio ameaça Porto Alegre (por Tânia J. Faillace)

UM PORTO... ALEGRE SÓ PARA OS RICOS

Tania Jamardo Faillace - jornalista de POA – Região 1

Durante o mandato de João Dib como interventor do regime militar em Porto Alegre, no início dos 80, ele fez algumas propostas chocantes para a então aguerrida população portoalegrense. Tratava-se da “modernização”do Centro de Porto Alegre. Nessa modernização, estavam incluídas:

1. Demolição da Usina do Gasômetro

2. Demolição do Cadeião (Casa de Correção)

3. Demolição do Mercado Público

4. Demolição do Paço dos Açorianos

No lugar do Mercado Público e do Paço Açorianos, seriam construídos enormes estacionamentos subterrâneos para carros de passeio. No lugar do Cadeião e da Usina do Gasômetro, um projeto para o turismo de alto luxo, com marina privada, hotéis de muitas estrelas, etc., etc.

Na época, a sociedade gaúcha agiu rápido. Tombou (preservou) legalmente os prédios ameaçados, mas não conseguiu impedir a demolição do Cadeião, antes de ser publicada a lei no Diário Oficial. Depois disso, o pessoal não mais se descuidou, e conseguiu proteger os outros prédios. Mas a idéia não morreu, apenas ficou em banho-maria.

O neoliberalismo dos governos Yeda, Fogaça e Fortunatti, abriu novamente a temporada de caça ao patrimônio cultural e à memória da cidade. Não se trata mais de um projetinho aqui e outro lá, mas de um plano geral para privatizar (e elitizar) toda a orla do Guaíba e outros espaços privilegiados, e, principalmente, para impedir que o cidadão comum, que não tem carrões e cartões milionários, possa desfrutar das coisas boas de sua cidade.

Diretrizes para a orla.

A Ponta do Gasômetro e o Parque Harmonia são dois sucessos de povo e público, apesar de algumas deficiências. São locais de lazer acessíveis a qualquer morador ou visitante de Porto Alegre, que podem passar seu domingo ou feriado respirando ar puro, admirando o pôr-do-sol, ou batendo bola com os amigos, com um mínimo de despesa ou despesa nenhuma, e sem impedimentos físicos. Totalmente democráticos, o Gasômetro e o Harmonia recebem quem quiser visitá-los, de A a Z, rico, remediado, pobre, morador de rua, artesão, pipoqueiro, malabarista, roqueiro, pintor, atleta, deficiente, velho, bebê, cachorro na trela... e até cabo eleitoral.

Pois a prefeitura de Porto Alegre resolveu retomar o espírito da velha proposta do Dib. Por que tanta beleza e facilidade deveriam ficar à disposição dos portoalegrenses gratuitamente, sem obrigá-los a gastar e apresentar prova de fortuna e destaque social?

As novas diretrizes para a orla vão corrigir esse “defeito” no trecho Gasômetro/Internacional. Avenidas, passarelas, estacionamentos, torres de concreto sem nada a ver, cortes de árvores, mais pistas que avançam rio a dentro (com um estacionamento dentro do rio!) e restaurantes de luxo. Por outro lado, serão proibidas as barraquinhas e coisas de baixo preço. Em resumo, o cidadão comum deverá deixar a área livre para turistas com muitos dólares ou euros, e brasileiros abonados, que não gostam de cruzar com gente de crédito limitado, que não anda de carrão.

Cais Mauá.

Cais são áreas para atracar navios. Nos cais, os navios embarcam e desembarcam mercadorias e passageiros – um transporte muito mais barato e eficiente que o rodoviário. Não são áreas próprias para o comércio varejista ou diversões. Pois bem, os amiguinhos do rodoviarismo e do pedágio, querem construir prédios de 100m de altura, shoppings, escritórios, etc., DENTRO DO CAIS.

Há dezenas de prédios desocupados no Centro, e mais de 30 shoppings na cidade, que serão duplicados nos próximos anos – mas a faixinha do cais encanta o governo Yeda, que quer mais edifícios, mais engarrafamentos e mais shoppings. Pergunto: que empreendedor será tão desmiolado para se estabelecer do outro lado do Trensurb e do dique da Mauá, enfrentar os congestionamentos da Conceição, da Castelo Branco e da Rodoviária, e rodar de 3 a 6 km (ida e volta) para alcançar o portão central, e dali, seu prédio?

Aliás, o governo federal está processando o governo estadual que fez um edital de licitação para as obras, sem ter poder para isso: o porto é federal e não estadual.

A morte anunciada do Brique da Redenção e do Parque

Também o Parque Farroupilha, que se salvou de perder pedaços para o túnel da Conceição, quando o governo Villela quis cortá-lo ao meio e demolir vários prédios históricos da Universidade Federal, está ameaçado e na mira do canhão!

Novidades: 1) estacionamentos no Parque Farroupilha, e 2) destruição do Brique da Redenção para aumentar o Hospital Pronto Socorro, que está pequeno demais para as necessidades.

Achamos o contrário: o Hospital de Pronto Socorro deve ter extensões nos vários bairros, ao invés de ficar concentrado num local só, com todos aqueles problemas de circulação e acesso que se sabe.

Nós, portoalegrenses, usuários da Saúde Pública queremos várias unidades públicas de atendimento de emergência, não uma única, gigantesca, que comerá um bairro inteiro, e destruirá um dos locais mais tradicionais do domingo na cidade.

Não bastou entregarem o Auditório Araújo Viana para uma empresa promocional? Nos anos 50 e 60, ele era de uso público, realizando shows e eventos com entrada liberada.

Gente! vamos permitir que os portoalegrenses sejam segregados e expulsos por faixa de renda? que os bons lugares da cidade sejam reservados apenas para os privilegiados econômicos? Mas não é só.

Condomínios e loteamentos

Vejamos: dona Yeda quer que uma vasta área pública no bairro Humaitá, - que PRECISA de um pulmão verde, por ser o bairro mais poluído da cidade, – seja ocupada por uma porção de prédios de luxo, a serem construídos pela baiana OAS, sob a desculpa de também construir um estádio que levará o nome do Grêmio. Na verdade, o Grêmio não será dono dele nem da área do Olímpico, que será cedida – de graça – à construtora OAS.

Como sabemos, quando os prédios de luxo chegam, os moradores que não são de luxo vão embora, expulsos pela pressão imobiliária.

Sem falar que a regularização fundiária feita pela prefeitura autoriza até lotes de 20 metros quadrados – um tico de terreno de 4 por 5metros. Quem não gostar, pode pegar um bônus financeiro desde que vá morar fora de Porto Alegre. Há, pois, privilegiados e não privilegiados.

Privilegiados e Não Privilegiados

Esses privilegiados são tão privilegiados que não precisam cumprir as regras dos loteamentos. No Beco do Salso, a construtora Rossi está fazendo um condomínio de luxo, o Toscana, para mais de mil pessoas, sem tratar seus esgotos – tudo irá diretamente para o arroio Dilúvio, a menos que o DMAE resolva favorecer a empresa paulista, com o dinheiro dos contribuintes portoalegrenses.

Já os não privilegiados são os comerciantes pobres do Viaduto Otávio Rocha, por exemplo, que a Secretaria de Indústria e Comércio quer despejar para entregar o Viaduto a um empreendedor rico.

Nas reuniões dos forum de planejamento da cidade são conhecidos e discutidos todos esses assuntos. Aproxime-se você também de sua associação, de seu forum, para discutir e reivindicar, e, mais do que tudo, planejar pessoalmente sua região, seu bairro, sua rua, sua vida! (TJF - Região 1)


CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
09 de setembro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

O ATO FINAL
Por Enéas de Souza



As eleições brasileiras se encaminham para um final antecipado. Mas, curiosamente, há temores de que a direita pratique um golpe, um lance fatal. A tocaia da véspera do voto, a bala da agulha, o derradeiro disparo. Mas, há muita coisa surgindo nesta campanha. É preciso tentar dar-se conta do que brota e emerge.

1) O que de fato parece estar acontecendo é que está para se concretizar uma jogada política brilhante e genial de Lula. Não só ele vai fazer o seu sucessor, como vai abrir o campo para que o lulismo fique 12 anos no poder; se não mais. Lula é o primeiro político depois de Juscelino Kubistschek que pode passar para a História como um estadista. E ainda por cima, poderá construir uma corrente política para tentar governar o país por um bom tempo. O lulismo é o seu resultado; o neodesenvolvimentismo a sua prática.

2) O que de fato parece estar acontecendo é a liquidação do neoliberalismo de Fernando Henrique, já devastado desde o início de seu segundo mandato por sua falência social. Esta opção agora se encaminha, pela persistência obstinada e sem inteligência política de José Serra, para o desmantelamento ou, pelo menos, para o encurtamento da base desse processo, o PSDB, um partido social democrata que vingou como oportunista nas costas das finanças. Um desastre após a morte de Covas.

3) O que de fato parece estar acontecendo é que a direita vai ter que repensar a sua representação, tanto em termos de nomes como em termos partido, como em termos de qualidade. Aécio, o herdeiro mal amado pelos paulistas, vai ter que trabalhar muito para se tornar a sua voz. Porque antes da voz tem que ter pensamento. E isso Aécio, afora os próprios, não receberá, pois até agora não se conseguiu saber o que Serra pensa. E FHC, que no passado, anos 70, chegou a ser um ícone da esquerda, pediu, já nos anos 90, que esquecessem o que escreveu...

4) O que de fato parece estar acontecendo é que a direita está ficando sem discurso. O do moralismo, não há como emplacar. Pois tendo feito as privatizações, principalmente a de lesa pátria da Vale do Rio Doce, não tem moral política para sustentar qualquer tese. E como também não tem proposta econômica, o que lhe resta na atual fase do capitalismo é pegar a barca de Caronte ou se atrelar ao neodesenvolvimentismo que está aí. O pássaro da história está para deixar as ruínas do neoliberalismo. Da janela do avião se vê FHC e Serra dizendo adeus ao novo correr do desenvolvimento.

5) O que de fato parece estar acontecendo é que emerge uma estarrecedora incompetência do PSDB nacional, de Serra e de FHC, que além de estarem vazios de idéias, acabaram pautados pelo denuncismo desesperado da mídia conservadora. Mídia absolutamente apavorada, principalmente, com a diminuição do seu mercado, onde a concorrência oligopolista foi quebrada pela presença de novas mídias eletrônicas. E também porque ela própria mudou de forma, de uma mídia efetivamente liberal transformou-se na mídia de Pandora, uma mídia partidária, que vende notícias como se faz falsa propaganda, mentindo; tirando de sua bolsa as serpentes da maldade. Percebe-se igualmente que esta mídia além de não ter propostas para o Brasil não tem para o seu próprio setor. Está desprovida de mínimas condições, salvo a baixaria. Está, por reposicionamento social, econômico e ideológico, deixando de ser um setor hegemônico da economia e da sociedade brasileira. Vai sobreviver, vai. Mas vai andar muito tempo na corda bamba como um trapezista de aluguel.


6) O que de fato parece estar acontecendo é a incapacidade de intelectuais de porte do Rio e São Paulo, de diversas áreas, sejam cientistas sociais ou artistas, em distinguir a amplitude política de Lula. Brigam com o PT quando Lula está mais além do PT, fazendo um enlace político do estilo de Getúlio Vargas. Este grupo insiste igualmente em não ver que a herança do presidente passa pela envergadura política de Dilma, seja como administradora pública, seja como chefe da Casa Civil, posto que equivaleria a de um Primeiro Ministro ou a de um Chefe do Planejamento do Estado. Porque a miopia? Um trem da nova era está chegando à estação brasileira.

7) O que de fato parece estar acontecendo é que São Paulo, embora continue como o maior Estado do país, vai perder não só a liderança das idéias como a liderança política, pela soberbia em tratar, só para si, os negócios do país. Vejam como foi a escolha do candidato do PSDB. Aécio e Minas que o digam!

8) O que de fato parece estar acontecendo é que o Brasil vai entrar num novo período histórico, no qual vai se preparar para participar da nova divisão internacional do trabalho. Para tal, vai combinar um mix exportador - envolvendo energia, ferro e matérias primas (sobretudo agrícolas) – com uma reformulação dupla de sua economia interna; de um lado, dinamizando a construção civil (logística da produção, infra-estrutura urbana, construção residencial, etc) e de outro, ampliando as indústrias ligadas ao setor petrolífero (indústrias de bens de capital, indústria naval, etc.). Portanto, explode coração! O centro do investimento será o investimento do setor público. Na maioria dos casos, associado e/ou financiando convenientemente o setor particular. Logo, o leitor esperto já sabe, o que está em jogo é um retorno a pré-FHC: a demanda será puxada novamente pelo investimento estatal. Faz-se claro o movimento político e econômico do momento: inúmeros empresários estão pedindo a volta do Estado. Esta novidade tem um nome diferente do anterior desenvolvimentismo: o setor público brincará de roda com o investimento privado. O que permitirá compreender que a gloriosa demanda externa por exportações, da qual já falamos acima, integrará um expressivo volume de investimentos sob o comando do Estado, cujo benefício tem um sol de primavera: novos empregos; e, por conseqüência, o vagão do consumo continuará nos trilhos.

9) O que de fato parece estar acontecendo é que a diplomacia brasileira será a peça chave de uma política nacional com estratégia de ampliação da presença do Brasil no mundo, tanto econômica quanto política. O neodesenvolvimentismo trará condições para a transformação não só do país num global player médio mais experimentado, liderando a América Latina com maior presença nos conflitos do mundo, como se tornando uma nação com um poder militar insuspeito e não desejado na década passada. Os tempos da diplomacia de Lampreia e Celso Lafer estão encerrados definitivamente.

10) O que parece estar acontecendo é que Lula vai obviamente continuar na política e no comando do movimento que agora está desembocando no “lulismo”, com a possível vitória da Dilma. Qual será o próximo passo do presidente? Ou melhor: quais os caminhos nacionais e/ou internacionais que tomará? Qual será o seu objetivo? Obviamente o aumento do poder e da liderança do lulismo,. É dentro deste projeto que se pode entender o caminho de Dilma e o novo itinerário de Lula.

11) O que de fato parece estar acontecendo é que o temor de uma baixaria, uma bala de prata na reta de chegada das eleições é, de fato, uma possibilidade. Mas, a dúvida é, se com a desarticulação que está a direita, um lance deste porte e deste vôo, poderá ter condições de êxito. Sobretudo, numa época onde a TV não tem mais a penetração que tinha e, principalmente, porque a população favorecida com o aumento de renda e viajando nas novas possibilidades de ter uma melhor qualidade de vida não está disposta a navegar em mares gelados. Ou entrar na imensidão fria do Serra. Acresce a isso o fato que os capitais de qualquer tipo estão protegidos razoavelmente na concepção de política econômica do neodesevolvimentismo. Não estão disponíveis, portanto, os revólveres e as balas para uma aventura deste tipo.

12) O que de fato parece estar acontecendo é que, afora o setor midiático, onde as condições atuais de fragilidade das empresas são evidentes, os demais capitais, embora possam estar descontentes com certas propostas do PT e de Lula, não têem razões suficientes para achar que a perspectiva de Dilma os exclui, nem que Serra está com uma política econômica bem definida. Uma tem projeto, o outro balbucia - e esperneia.

13) O que de fato parece estar acontecendo é que esta história já tem um final desenhado. Pode ser mudado? Pode. Ela tem um texto que está sendo tecido pela sociedade e tem uma lógica determinada. Tem um final cinematográfico, a câmera fecha no rosto de Dilma, os olhos e o sorriso tinindo. Naturalmente que Serra e a mídia tradicional gostariam de escrever um outro texto muito diferente, uma virada da eleição. Bem, isso até pode acontecer. Só que o roteirista desta história tem que ser muito bom para proporcionar uma metamorfose inusitada. Mas, tanto quanto posso enxergar, a reviravolta da “peripécia”, como diria Aristóteles, não vai acontecer. Por quê? Porque a lógica do relato nos leva ao triunfo de Lula. O leitor desconfiado pode sempre perguntar: e a lógica comanda a emoção? É exatamente o que quer fazer Serra. Construir e imaginar, neste derradeiro momento, uma emoção nova para fazer do jogo um outro combate, uma outra figura. Quer reverter o que o Lula fez, quando plantou em cima dele uma história absolutamente inesperada. E de sucesso: o lançamento de Dilma, a ministra desconhecida do grande público. E Lula jogou com audácia num risco calculado. E parece que deu certo. E vejam a ironia: Dilma, a desconhecida, até agora, bate fragorosamente aquele que tinha, na aparência, o maior capital político. E que era o imbatível Serra. Digamos que ali por novembro, dezembro do ano passado, era o que quase todo mundo pensava, o PSDB e o próprio candidato. Toda a água caminhava, parecia, para o seu moinho. Serra contava-se como imbatível. Mas, como se vê, aqui emerge um princípio de teatro, que vale para os dois lados: a questão eleitoral é como uma situação dramática: trata-se de saber fechar a peça, de escrever o ato final.

terça-feira, setembro 07, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: A nova peça do dominó europeu

Não é surpresa para ninguém as notícias de que a Irlanda apresenta dificuldades no resgate ao seu sistema financeiro. Para entender melhor o significado que pode vir a ter um aprofundamento desse problema, vamos de início relembrar algumas propsições (fatos estilizados diriam alguns mais prolixos) quanto as características da crise financeira na Europa (afinal, faz tempo que abandonei vocês por essas páginas, é bom relembrarmos algumas coisas):

1) a crise na Europa é consequência direta da adoção de um modelo anglo-saxão de liberalização financeira e da tentativa dos bancos europeus em fazer concorrência direta aos bancos e demais instituições financeiras norte-americanos e ingleses, adotando para tanto práticas tão ou mais agressivas visando a conquista de "mercados" tanto nos EUA quanto no resto da europa;

2) esse comportamento resultou em uma hipertrofia do sistema financeiro europeu, com bancos gigantescos, bastante alavancados e, portanto, ainda mais frágeis que seus congêneres norte-americanos (os europeus se atiraram de cabeça em um jogo em que eles não detinham as regras nem conheciam tão bem);

3) a adoção do euro levou à constituição de uma moeda sem o suporte correspondente de um Tesouro, baseada em compromissos fiscais de fácil contorno e de lógica econômica absurda (Tratado de Maastricht). Sem mecanismos de coordenação entre os Estados-membro, o capital inundou países que tiveram artificialmente reduzidas suas taxas de juro (Portugal, Espanha e Grécia, por exemplo), ao mesmo tempo em que alimentou bolhas imobiliárias tão ou mais importantes do que a norte-americana em diversos países como Irlanda, Espanha e Inglaterra;

4) a disseminação das inovações financeiras integrou o sistema financeiro europeu ao anglo-saxão (assim, imediatamente os principais bancos franceses, alemães, holandeses, belgas e suíços foram impactados pelo estouro da bolha imobiliária norte-americana e a redução dos preços dos ativos que se seguiu) mas também, e, principalmente, no interior do continente. A teia de relações assim constituída faz com que qualquer default bancário ou soberano tenha efeitos sistêmicos de difícil mensuração e separação;

5) a assunção sob a forma de garantias estatais dos prejuízos dos sistemas financeiros dos países somada a queda na arrecadação fiscal originada da deterioração da atividade econômica levou ao aumento dramático da dívida soberana de países como Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia.

Em resumo, a crise financeira mundial é a responsável pelas dificuldades do sistema financeiro europeu. E a irlanda não é um país pequeno nesse jogo, onde a crise de um aumenta as dificuldades de todos.

Uma crise irlandesa poderia ser o gatilho para uma crise inglesa e daí para os EUA... Entraríamos em uma quarta e última etapa da crise financeira, com a própria moeda mundial, o dólar, sob desconfiança. Por isso a Irlanda é fundamental no dominó financeiro. Evitar sua queda deveria estar no centro das preocupações das autoridades financeiras mundiais. Mas, o histórico de pífia atuação preventiva até o momento, a falta de clarividência quanto as consequências de uma omissão, permitem grande otimismo quanto à atuação oficial. Para ver com atenção e acompanhar de perto.

quinta-feira, setembro 02, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
02 de setembro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

O VENTO DAS ELEIÇÕES
Por Enéas de Souza

Na Historia existem momentos em que diversos episódios passam a ter um sentido, diferente do que a propaganda e os próprios contemporâneos pensavam. Isto ocorre quando acontecem eventos importantes e que marcam uma nação, eles permitem que esta tome consciência do valor de governos, personalidades, períodos históricos ou opções políticas.. Por exemplo, o governo de JK foi muito combatido, por causa de Brasília, durante o seu mandato. Tempos depois, sobretudo no período da ditadura, a sua grandeza ficou evidenciada. De igual modo, a campanha e as atuais eleições descortinam algumas convicções para a maioria da população. Assim acredito que a evolução do presente está trazendo alguns fatos significativos. Eis alguns pontos.

1) Estas eleições estão mostrando:

- que o governo de FHC, por seus resultados políticos e econômicos, não elege ninguém. Já que foi um governo sem estratégia nacional, sem política externa, a não ser para a América do Sul. E construiu, contra o desenvolvimentismo, uma política econômica responsável pelo modelo financeiro de acumulação no Brasil, modelo ligado obviamente às finanças internacionais. Por outro lado, e substancialmente para o povão, a crise do emprego no seu governo, chegou a ser absurda: a média para um desempregado encontrar um novo trabalho atingia l8 meses. E vejam o que aconteceu: Fernando Henrique instigou o candidato Serra a comparar o seu mandato com o de Lula. Mas Serra preferiu não se dizer herdeiro de FHC. Ou seja, assim como a História saudou os governos de Getúlio e de Juscelino Kubitscheck com reveladores de estadistas, agora ela está dando adeus às pretensões de Cardoso de ser maior que estes dois. Terrível, sim. Terrível porque talvez a qualidade de seu governo não supere nem o de Dutra, nem o de Figueiredo. Embora haja um ponto visivelmente favorável a si no campo político, seu grande mérito foi ter rejeitado a oferta de ser o Fujimori do Brasil.


2) Estas eleições estão mostrando:

- que Serra, de fato, busca fugir de ser o herdeiro de FHC. Pois, como Ministro do Planejamento, sua participação foi insignificante. E como ministro da Saúde, embora absorvendo idéias de Jamil Haddad e Jatene, acabou por conseguir fazer um bom trabalho nos genéricos e na questão da AIDS. Porém, focando excessivamente o seu trabalho neste Ministério e não fazendo nenhuma proposta coerente em economia, não consegue fazer decolar a sua candidatura. E porque não consegue fazer nenhuma proposta econômica consistente? Porque, como herdeiro de FHC, querendo ou não, tentar avançar o neoliberalismo não é uma boa, principalmente agora que o neoliberalismo terminou. Trata-se de uma tarefa impossível diante dos êxitos populares de Lula. Como propor à vasta camada social que passou da classe D para a classe C e a todo o pessoal que saiu da indigência, o retorno da especulação financeira? Por outro lado, Serra, que um dia se identificou com o desenvolvimentismo, mudar do seu antigo envolvimento neoliberal e fazer uma proposta deste corte, seria cair dentro da linha de Lula e Dilma. E aí ele não tem chance nenhuma. Tudo que for propor, a Dilma está mais bem aparelhada para realizá-lo, seja porque já está no governo, seja porque o seu desenvolvimentismo já agrega e sintoniza com a grande massa da população brasileira. Porém, temos ainda um mês de campanha. Será que Serra vai encontrar um caminho na articulação de forças políticas capaz de propor avanços na economia e, então, virar a eleição? Ou será que Paulo Henrique Amorim tem razão em dizer “bye, bye Serra, forever”?


3) Estas eleições estão mostrando:

- que a mídia tradicional, que forma um partido político consistente e que tenta criar uma visão terrorista na cabeça do eleitor, está fracassando por causa de uma ação denuncista insistente e sem nenhuma comprovação. Suas reportagens, seus artigos, seus editoriais não passam geralmente de fábulas distorcidos da realidade. Pergunto: os votantes - que foram beneficiados pelo governo Lula - votarão nas idéias atrapalhadas deste setor social? Aliás, é preciso comentar a possibilidade desta mídia sofrer uma transformação industrial decisiva e profunda. Não se pode negar que comunicação está passando por metamorfoses insuspeitas, que terminarão por minar o que se chamava o quarto poder. As novas tecnologias de comunicação e informação mudarão em grande parte este setor, seja com a internet, os blogs, os jornais onlines, os múltiplos sites, seja com as possibilidades de informações originadas de todo o mundo que acabam por balizar a nossa mídia. Pode-se, então, concluir com razoável segurança que a mídia tradicional é um dos grandes perdedores da política e da economia da nova era, tanto aqui como no resto do planeta? Por último, deve-se considerar que há uma reação fantástica da nova geração contra as empresas midiáticas convencionais. A juventude joga com uma filosofia muito corrosiva: se possível, não se sente impelida a pagar tanto pela informação como pela diversão.


4) Estas eleições estão mostrando:

- que se tornou infundada a idéia de que o presidente Lula não transferiria voto. Transferiu e de modo significativo. Quando se consegue trazer 32 milhões de pessoas da classe D para a C, quando se consegue trazer outras 21 milhões de pessoas para fora da linha da pobreza, a popularidade ultrapassa qualquer artilharia midiática e eleitoral que possa desmerecer as medidas de política econômica que tomou ao longo de seu governo. E, na seqüência, o passo fulminante: ao indicar que um dos êxitos de seu mandato foi a ministra Dilma, que na Casa Civil foi uma verdadeira ministra do Planejamento, pode-se ter dúvidas de que Lula transferiu o seu prestígio para a candidata do Governo? Formule político leitor, simplesmente para contradizer: há razões ponderáveis para se negar e se opor a esta constatação?


5) Estas eleições estão mostrando:

- que estamos ingressando numa nova era da política e da economia. E que os grandes desafios serão a construção de um modelo de acumulação produtiva, com distribuição de renda; a construção de uma nova configuração política (institucional e social) da sociedade brasileira, com a finalidade de ampliar a democracia no país; e um crescimento da presença internacional do Brasil, para consolidar expressivamente a nova política externa que a nação praticou desde o primeiro Lula. A pergunta inevitável é a seguinte: há base para negar que, depois do governo de FHC, o Brasil voltou a ter o futuro?