quinta-feira, maio 13, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
13 de maio de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

A EUROPA
OLHOU
O ABISMO
Por Enéas de Souza


A FALÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA EUROPA

1)A Europa olhou o abismo antes de o abismo chegar. O tombo grego parecia ter uma volúpia inexcedível. Principalmente porque a Europa estava inerte, parada, o corpo com uma rigidez quase cadavérica. Dª Ângela Merkel não compreendeu a dimensão de uma liderança. Um líder é esculpido por uma estratégia. E por menos apoio que tenha ou por mais que precise realizar, não pode perder um momento de eminência de vitória e de poder e de realização. Mesmo que esta vitória lhe custe problemas futuros. Pois, ela, Ângela Merkel, na hora decisiva, diante de uma perda eleitoral na Alemanha, justamente por sua posição favorável na questão grega, acabou indo assistir a comemoração da derrota nazi-fascista exatamente da 2ª Guerra Mundial, em Moscou. Que fuga mais séria! Não encarar o caso grego e descuidar da herança hegeliana: a de olhar o negativo no rosto. Naturalmente que ir à capital russa seria importante em tempos normais, mas, não nesse fim de semana, decisivo, inconfundível para a Europa. Resultado: Ângela Merkel complicou-se, enroscou-se, e candidamente - para não dizer, quase simploriamente - decidiu ir ver a parada russa e os girassóis de Putin, permitindo que sua possível liderança, ao alcance da mão, escorresse pelo week-end perdido no convívio com Dimitri Medvedev.

2) Ora, Dª Ângela! Não seria a hora de dar uma resposta vasta, de fazer um gesto amplo e de marcar atitude profunda? Ou seja: não se tratava de assumir, com os cofres recheados da nação européia que melhor resolveu a situação econômica, a liderança do processo de metamorfose da Europa? Dar, de fato, uma de estadista? Dito de outra forma: não seria o caso de buscar a união e a solidariedade para um projeto e um planejamento da Europa – de uma Europa do crescimento, e não de uma Europa da contração fiscal? Mas, Ângela Merkel não soube ser a líder que a Europa precisava. E o pacote europeu saiu à custo, um pouco empurrado por Obama. Sim, ele salvou, no momento, a Grécia e a própria Europa. Contudo foi um pacote burocrático, quase que orientado pelos bancos, por gente de cabeça financeira, que tem objetivos claros: austeridade, ajustes fiscais e contração da economia. Enfim, uma política de casa de família, uma política doméstica. No máximo uma política de supermercado. Mas, uma política que possa pagar, no fim das contas e nos prazos fatais, os juros que contabilizam as finanças nos empréstimos e nas especulações.

3)Faltou, portanto, alguém que fosse o estadista do momento, o político que empunhasse a bandeira da reformulação do velho continente e que saltasse para a mudança do Estado nacional na direção de uma unidade política da região. Claro, tudo isso tem seu tempo, tem que ser feito no longo prazo. O que obviamente poderia ser colocada era uma proposta que começasse agora; com passos precisos na construção de um Fundo ou de um Fisco europeu. Algo mais do que esta coisa contábil, como quer fazer a Comissão Européia, a de examinar os orçamentos nacionais. O ponto chave da hora presente é dar substância ao euro como moeda financeira, já que ele tem apenas a cara de moeda: o Banco Central Europeu (BCE) fixa apenas a taxa de juro. Só que o avesso da cara é a coroa, que simplesmente inexiste. E a coroa é extremamente importante, é a garantia que só um Tesouro - e teria que ser um Tesouro da Europa - pode dar aos aplicadores em títulos públicos da região. Sem isso não existe moeda, porque a moeda tem que ter cara e tem que ter coroa.

4) Mas, a Europa teria que ir mais longe do que uma moeda com cara e coroa. Teria que cultivar uma estratégia para uma trajetória de desenvolvimento. Sarkozy, que enxergou a situação, não tem nem bala, nem visão suficiente na cartucheira. E seguramente, nem dinheiro necessário para ocasião. No entanto, poderia fazer um duo com Ângela Merkel, como em outros momentos fizera. Se esta percebesse estaria instalada a hegemonia franco-germânica. O momento, em todo caso, não era dele, era dela. E Ângela Merkel, que não enxergou o sucesso que lhe estava reservado, não visualizou a liderança da Alemanha, perdendo-se nas filigranas da política interna. A bola esteve por mais de dois meses picando na sua frente. E a terra de Bach não achou a melodia que precisava. E, no palco da política, os concertos de Bradenburgo viraram valsas do Danúbio. Dizendo mais claramente, sobre o duo França-Alemanha, nem a música clássica alemã, nem a canção francesa emplacaram ou se completaram. Como diria o cantor francês Georges Brassens, quem ganhou foram “Les oiseaux de passage” Naturalmente, que “os pássaros de passagem” foram, mais uma vez, os bancos. E veio ao contrário de uma estratégia de desenvolvimento uma política na direção da recessão.

PARA O EURO NÃO SE DESMANCHAR NO AR

1)
O que aconteceu na Europa foi grave e mostrou a sua verdadeira vulnerabilidade. Por ter uma moeda acima das nações, ela tinha um falso seguro, a potência européia. Nada mais equivocado, porque a Europa é um conjunto de países, dispersos, todos separados. Eduardo Lourenço, um pensador português, sempre disse: ”Nossa história é aquela de uma guerra civil perpétua”. Como conseqüência, o euro pairava no ar, bailando na ponta da taxa de juros. Sim, porque uma moeda financeira tem que ter banco central para definir a taxa de valorização das aplicações financeiras, mas tem que ter também uma instituição que garanta minimamente esta valorização. Melhor, que permita que essa moeda cumpra plenamente a função de reserva de valor. A moeda como reserva de valor aglutina, então, a taxa de valorização e o instrumento que cauciona a percepção deste valor. E quem garante esta parte da moeda é o título de uma entidade pública. A Europa tem Banco Central (BCE), mas não tem Tesouro; logo, não tem quem sustente a segunda dimensão da moeda como reserva de valor. Os países europeus têm tesouros particulares, que por si só não garantem qualquer título europeu, só podem garantir, se tiverem com dívidas e déficits controlados, os seus próprios títulos.. Logo, o euro atual é um vôo de Icaro. Tenta decolar da montanha mas vem a baixo. Olhando bem, o euro não é uma moeda financeira, é uma moeda parcial, uma promessa de pagamento que quando a economia entra em crise é apenas uma máscara de moeda. Só o conjunto dos governos, reunidos e acuados, tomando decisões em fim de semana e em fim de noite, podem, quase no desespero, garantir, por algum tempo a mais, a sua efetividade.

2) Para que o euro se sustentasse, havia a necessidade de algum fundo, já que não tinha fisco nenhum por trás. E foi isso que a Alemanha não enxergou, com sua mentalidade de punição e austeridade. Ficou apenas falando na Grécia, onde os conservadores, de veras, tinham exacerbado a corrupção e o gasto. Quando se deu conta de que ela também ficaria, ainda que longinquamente, na linha de tiro; quando percebeu que a Europa iria dançar a valsa do dominó; concordou com o movimento geral de criar um fundo de 750 bilhões de euros, quase 1 trilhão de dólares. Foram 60 da Comissão Européia, 440 dos países membros e mais 250 do FMI. Claro, isso não é dinheiro posto sobre a mesa, trata-se de uma garantia, de um montante colocado à disposição, para que os europeus possam enfrentar os mares altos que vão cair sobre as praias do verão europeu: Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda ou Itália. Ou, sobre qualquer outro país que possa ser visado pela especulação. E daí os leitores são capazes de compreender o pequeno pensamento da posição alemã. Ela estava conjeturando unicamente em si, em manter a sua boa posição econômica, os seus consagrados excedentes comerciais e os seus não tão habilidosos bancos. E, como a exigência de um mestre severo, a Alemanha falava ininterruptamente em austeridade e em condicionalidades à Grécia. Precisou o Obama telefonar para a Ângela Merker e dizer: “Como é, vais deixar a Europa e os Estados Unidos, por tabela, virem abaixo?”. Obama tocou no tema do contágio. Foi assim que só restou aprovar o pacote que atendia a toda Europa.

3) Ficou claro, então que a moeda européia era pasto para as finanças fazerem o seu rapa. Mesmo porque era uma boa: as nações faziam as dívidas com os seus bancos e com bancos estrangeiros. E tudo facilitado, taxas de juros baixas e liquidez relativamete abundante do BCE. Resultado: uma mistura e uma promiscuidade, relações perigosas diria Choderlos de Laclos, entre bancos e Estado. E, naturalmente, sob o guarda-chuva do Banco Central Europeu. Só que nesses últimos tempos, quem estava à perigo eram os Estados como já vimos. Em primeiro lugar, o grego. Depois os bancos deste país e os bancos dos demais países europeus. E, enquanto o caldeirão fervia, os especuladores atiçavam as taxas de juros para cima. Fogo contra fogo. Pergunta: quem pode salvar a Grécia? Quem poderia salvar os bancos? Resposta: em princípio, os Estados. Mas, se os Estados estavam ameaçados, quem poderia salvá-los? Os bancos? Claro que não! Então, só os Estados mais poderosos (Alemanha, Franca, etc). Só a Europa em conjunto, em profunda solidariedade Só ela teria munição para o pacote. E assim ele foi feito. Não se pode esquecer que houve uma arma que a impelia a ação: estavam em jogo os seus bancos. No caso grego, os bancos alemães tinham 27 bi aplicados lá, os franceses 50, a Itália, 20. Não tinha escolha: a Grécia e os bancos tinham que ser salvos. E seus bancos, e no limites estes generosos países. Como se vê esta conjunção carnal, “Estados europeus e bancos”, não pode dar certo sem que haja uma força maior, um Banco Central junto com um Tesouro. Ou ao menos um fundo salvador. Isso foi decidido de sexta a domingo em Bruxelas, enquanto Dª Ângela estava olhando os girassóis na Rússia. E por uma boa causa: uma parada anti nazi-fascista.

4) Ora, para cortar os raios da tempestade teve que haver algumas manobras. Primeiro, se não se tinha fisco, logo tinha que haver um fundo. E isto foi realizado. O tal do pacote de empréstimo. E ao mesmo tempo, se programou uma ação forte, sob a vigilância do FMI, de fazer uma “prensa” fiscal, um ajuste com fortes pitadas de austeridade, em primeiro lugar nos gregos. Será possível que isso possa ter êxito? Talvez. Mas, de qualquer modo, ficou constatado que a Europa vai ter que achar um jeito de construir algo como um Fundo ou um Tesouro,.se não o cachimbo vai cair. Segundo, o Banco Central Europeu para ter capacidade de dar liquidez aos títulos privados e públicos, que emperravam o interbancário, por exemplo, recebeu ajuda do FED, que colocou à disposição “Swaps”, para fornecer dólares ao BCE.. Então, o FED funcionou como o emprestador em última instância, assim como a Comunidade Européia (Comissão e mais os países e mais o FMI) funcionou como o Tesouro do não-Tesouro europeu. E cada vez ficou mais evidente: o dólar é a única e verdadeira moeda da economia globalizada. (Pode o leitor ver quem será ameaçado se a Europa tombar nos mercados?)

5) Logo, o tema é simples, mas o caminho efetivo é complexo: 1) há que construir a fiscalidade européia, há que fazer um Estado europeu, há que construir uma moeda. Uma baita trajetória a palmilhar. 2) Há que pensar num projeto de crescimento para a Europa, e consequentemente para a Grécia, porque caso contrário: “sabe quando a Grécia vai se levantar da sua crise?” Nunca. 3) Há que achar uma liderança para o projeto porque Alemanha não será a líder: a sua política, para a Grécia e para os outros países ameaçados, é somente contração de gastos públicos, diminuição da remuneração e de vantagens dos funcionários, aumento de impostos, queda de preços e salários nos produtos exportados. Conclusão: como é que vai ocorrer a recuperação da economia grega e européia? 4) Há que fazer com que Alemanha perceba que ela é o país que tem que inverter a sua posição; que tem de puxar a demanda efetiva, e não desampará-la. Só que ela não quer perder as receitas de exportações, não quer sair do seu controle fiscal, não quer perder o seu Estado de equilíbrio, seja lá o que isso for; A Alemanha sonhou tanto com um domínio sob a Europa, que agora quando poderia liderá-la, vai ficar presa ao seu passado de austeridade fiscal. 5) Há que mostrar à Europa que está em jogo um volume intenso de tendências deflacionistas, cujo caminho segue o ônibus da “Depressão”. 6) Há que reverter o domínio das finanças sobre o euro, por isso é indispensável fazer da Europa um Estado forte, sob que forma for. Pode-se partir da atual questão fiscal para se atingir uma entidade política mais ampla. Mas quanto tempo levará a se implantar esta idéia? Vinte, trinta, quarenta anos? Ou nunca. Portanto; 7), há que de qualquer maneira, de qualquer jeito, fortalecer a unidade política frágil deste conjunto de países em conflito secular. Contudo, o cheque mate de todas ações está nisso: deixar de ser prisioneira dos seus bancos, mesmo que eles sejam públicos. A política tem que voltar a imperar sobre as falsas premissas econômicas, notadamente aquelas contracionistas. A verdadeira salvação dos Estados é a concertação de um projeto de crescimento e desenvolvimento.

SE O MEU MUNDO CAIR

Como se vê a crise financeira mundial, que desabou sobre os Estados Unidos, agora bota incêndio na Europa. E se a gestão da crise for mal conduzida, ela avançará pelo eixo Inglaterra-Estados Unidos. o que nos levaria à inevitabilidade da depressão. Vale, portanto, a lembrança da velha palavra de Maisa; “se meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar”.

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